Capítulo único
O amor não deveria ser um fardo. Essa foi a primeira coisa que minha terapeuta me disse, anos atrás, quando sentei naquela poltrona bege, tentando justificar por que eu ainda estava com null.
Na época, eu acreditei que tudo poderia ser resolvido com paciência. O problema era só um timing ruim, eu dizia. Ele tinha dificuldades para demonstrar sentimentos, mas me amava à sua maneira. Se eu fosse compreensiva o suficiente, se desse mais tempo, talvez um dia ele finalmente percebesse que eu estava ali, esperando por ele.
Mas o tempo passou, e ele nunca percebeu.
Nos primeiros anos, eu me contentava com as migalhas. Ele tinha uma forma distraída de amar. Dizia que me amava antes de dormir, mas esquecia promessas feitas no café da manhã. Fazia planos para o futuro, mas nunca parecia disposto a dar o primeiro passo. Me fazia rir, sim, mas também me fazia chorar. Muitas vezes, na mesma noite.
A parte mais cruel era que null não era um homem, de todo, ruim.
E eu? Eu fui me apagando aos poucos. Fui me tornando a mulher que esperava. Esperava que ele notasse quando eu estava triste, que pedisse desculpas sem que eu precisasse apontar o erro, que tentasse mudar por mim. Mas null sempre acreditou que o amor era suficiente por si só, que o sentimento bastava, sem esforço ou compromisso.
Fiquei tempo demais.
E, no final, quando fui embora, não houve gritos ou lágrimas. Não houve súplicas. Ele apenas ficou parado, olhando para mim como se não entendesse.
Eu dormia chorando. Ele aumentava o volume da TV. Era sempre assim.
Dessa vez, porém, era diferente. Era a última.
Eu tinha um dia importante pela frente. O mais importante da minha vida. Depois de anos sonhando, planejando e adiando por causa dele, minha livraria abriria pela primeira vez. Um espaço só meu, criado com tudo o que eu amava, tudo o que eu era.
Mas ali estava eu, na véspera desse grande dia, afundada no colchão ao lado de um homem que nunca soube me amar do jeito que eu precisava.
Ele sabia que eu estava chorando. E, mesmo assim, em vez de perguntar, de se importar, ele simplesmente pegou o controle remoto e aumentou o volume da TV.
"null, dá pra gente falar disso amanhã? Você sabe que eu não sou bom nessas coisas..."
Eu sabia. Sempre soube.
O problema é que amanhã nunca chegava.
Eu passei anos achando que o problema era comigo. Me culpei, me dobrei em mil formas diferentes para caber no espaço que ele me dava. Gastei dinheiro e tempo em terapia, tentando entender por que eu ficava. Por que eu voltava.
A verdade? Eu não queria machucá-lo. Mesmo que, ficando, eu estivesse me machucando.
"Sou demais para você", eu sussurrava para mim mesma, cada vez que ele me deixava para depois. Cada vez que meus sentimentos eram um peso que ele não queria carregar.
E no dia em que eu finalmente fui embora, ele só conseguiu dizer:
— Mas eu te amo, null.
E aquilo quebrou meu coração. Porque mesmo se fosse verdade, não era o bastante. Nunca foi.
A coisa mais estranha sobre recomeçar não é a saudade.
É o silêncio.
Por anos, minha vida foi cheia de ruídos. O som da TV alta tentando abafar minhas lágrimas. O barulho das notificações que nunca eram dele. O eco das minhas palavras jogadas no vazio, esperando respostas que nunca vinham.
Agora, meu mundo era silencioso. Mas não era um silêncio triste. Era um silêncio leve.
Eu não precisava mais esperar. Nem justificar. Nem pedir amor como se fosse um favor.
E pela primeira vez em muito tempo, eu estava feliz.
A livraria estava cheia naquele sábado. O cheiro de café recém-passado se misturava ao perfume amadeirado das estantes de madeira escura. Eu sorria enquanto ajudava uma cliente a escolher um livro, sentindo aquele orgulho silencioso de quem finalmente construiu algo só seu.
A null de meses atrás jamais teria imaginado isso.
Ela teria medo da solidão, medo do vazio.
Mas eu descobri que minha própria companhia não era um castigo. Era uma liberdade.
O sino da livraria tilintou suavemente quando a porta se abriu.
Eu já sabia que era ele antes mesmo de erguer os olhos do livro que segurava. Era como se meu corpo ainda reconhecesse a presença dele, como se alguma parte de mim, mesmo depois de tudo, ainda estivesse programada para sentir null antes de vê-lo.
Ele parou na entrada, hesitante, os olhos percorrendo as estantes, absorvendo o espaço como se tentasse enxergar a mim ali dentro. E então me encontrou atrás do balcão, segurando um exemplar de Orgulho e Preconceito entre os dedos.
— Oi — ele disse, com aquele meio sorriso que um dia já fez meu coração acelerar.
Dessa vez, não acelerou.
Eu fechei o livro devagar, apoiando-o no balcão antes de responder.
— Oi, null.
Ele deu um passo para dentro, e o cheiro familiar do perfume dele se misturou ao aroma de café e papel novo.
— Tá lindo aqui. Muito a sua cara.
— Obrigada. — Cruzei os braços, observando-o. — Você veio só pra elogiar a decoração ou tem mais alguma coisa?
Ele riu pelo nariz, sem jeito, mas seus olhos traziam um peso diferente.
— Posso te pagar um café?
Eu inclinei a cabeça, avaliando. Nos primeiros meses após o término, eu teria recusado sem pensar duas vezes. Mas agora… talvez fosse bom fechar aquele ciclo de um jeito diferente.
— Pode — respondi, pegando meu casaco no encosto da cadeira. — Mas só se for no meu lugar preferido.
Ele arqueou as sobrancelhas.
— Deixa eu adivinhar… aquela cafeteria pequena na esquina?
Sorri. Ele lembrava.
— Exato.
O ar da tarde estava fresco, com aquele cheiro úmido de pós-chuva. Sentamos do lado de fora, nossas xícaras de café fumegando sobre a mesa de ferro preto. Por um tempo, ficamos apenas observando o movimento da rua, como se estivéssemos esperando um ao outro quebrar o silêncio primeiro.
null girou a xícara entre as mãos antes de finalmente falar:
— Eu tentei te esquecer, sabia?
Levantei os olhos, soprando o vapor do meu café.
— E como foi?
Ele soltou uma risada curta, balançando a cabeça.
— Um desastre. Você está em todo lugar. Quando passo por um livro que sei que você gosta, quando ouço uma música que me lembra a gente… até quando vejo aquelas bancas que vendem girassois.
Minha garganta apertou por um instante, mas não de tristeza. Era uma saudade boa, nostálgica, que não machucava mais.
— Eu sei como é — admiti.
Ele me observou por um momento, os olhos tentando ler algo em mim.
— Você tá feliz, né?
Dessa vez, minha resposta veio sem hesitação.
— Estou. Muito.
null respirou fundo, como se estivesse esperando por essa resposta. Ele assentiu, bebendo um gole do café antes de sorrir de leve.
— Que bom.
E foi isso.
Dessa vez, não houve tentativas desesperadas de voltar. Nem promessas vazias. Apenas aceitação.
Ele passou a mão pelo cabelo, olhando para mim com um brilho nostálgico nos olhos.
— Eu espero que você não se arrependa de mim.
Apertei a xícara entre os dedos, sentindo o calor do café.
— Nunca. Nosso pequeno mundo… foi bonito, enquanto durou.
Ele riu pelo nariz.
— Foi, né?
— Foi.
Nos olhamos por um segundo a mais, e então ergui minha xícara no ar.
Ele fez o mesmo, e brindamos nossas xícaras como um último adeus silencioso.
Não um adeus doloroso.
Apenas um adeus.
Eu saí daquela cafeteria sabendo que, dessa vez, seguiríamos em frente. Separados, mas com carinho.