Finalizada em: 09/01/2018

Capítulo Único


Muitas cabeças, corpos, ternos, malas, passos e vozes. Aviões com suas turbinas barulhentas decolando ou aterrissando, levando ou entregando aqueles que fogem ou não, da sua rotina diária. Ou existem aqueles meros mortais endinheirados que podem se dar ao luxo de esbanjar em Paris, saboreando suas refeições rotineiras nos melhores restaurantes com vista para a Torre Eiffel, gastando o valor de um salário-mínimo em uma única peça de roupa ou em perfumes franceses, fazendo um tour com seu guia particular em carros de luxo pelos arredores parisienses.
E essa pessoa afortunada não era , infelizmente. Ela era apenas a garota morena de vinte e um anos que estava impaciente na entrada do portão de desembarque daquele aeroporto lotado. Seus olhos castanhos ansiosos estavam atentos para todas as movimentações, enquanto procuravam os familiares olhos verdes que pareciam mais um par de esmeraldas que estavam sempre acompanhados de um sorriso perfeito. No momento em que atravessou as portas da área de desembarque e sorriu largamente ao avistar sua melhor amiga, percebeu o quanto sentia saudade.
Para ambas, o tempo tinha corrido lentamente, parecia ter se passado milênios desde a despedida naquele mesmo aeroporto um mês antes. Numa cena típica de filme, as amigas correram ao encontro, uma da outra, deixando para trás uma enorme quantidade de malas. Se envolveram num abraço apertado, riram e se emocionaram, totalmente alheias as pessoas que observavam a cena. Elas se amavam, eram melhores amigas e desde que se conheceram na infância, não sofriam separação tão longa. Havia muita novidade para contar e ansiosas, ignoraram os olhares curiosos e caminharam até a bagagem de que estava abandonada no mesmo lugar.
— Caramba, ! Você trouxe a Torre Eiffel na bagagem? Ou roubou uma das gárgulas de Notre Dame? – Perguntou , assustada com a quantidade de malas que estavam brigando por espaço no carrinho de bagagens. riu da expressão de espanto da amiga.
— Eu pensei em trazer o Rio Sena, mas molharia minha nova coleção de vestidos à LáVerionê. – Brincou , empurrando o carrinho.
— Isso deve ter custado uma fortuna! – Comentou, franzindo a testa enquanto ajudava a mover o carrinho em direção ao estacionamento.
— Que nada! Eu consegui um baita desconto de dez por cento. Papai vai ficar orgulhoso de mim! – Murmurou animadamente enquanto continuavam seguindo entre a multidão que transitava pelo lugar.
A cena dela entrando na grife mais cara de Paris, pedindo desconto numa coleção de vestidos, havia se tornado histórica para as vendedoras daquela loja. Claro, menos marcante do que a socialite que parcelou um vestido caríssimo em trinta e seis vezes – a crise chega para todos.
— Poxa vida! Seu pai vai ficar orgulhoso em saber que pôs em prática os ensinamentos valiosos sobre a importância de poupar. – Comentou ironicamente enquanto se aproximavam da saída.
— Essa foi a melhor viagem da minha vida! – Anunciou , satisfeita enquanto suspirava.
Pararam em frente ao Land Rover preto que estava estacionado, um homem magro desceu trajando um terno preto e sorriu educadamente para que o encarou perplexa.
— Motorista? Temos uma evolução! – Comentou soltando uma gargalhada, acertou um tapa de leve no braço direito da amiga. revirou os olhos, dando de ombros em seguida. Não havia se surpreendido com a reação da amiga ao saber da novidade.
— Infelizmente, o seu pai tem influenciado o meu. – Falou irritada enquanto ambas entravam no banco traseiro do carro. Aguardaram pacientemente enquanto o motorista ocupava o banco e dava a partida, levando-as para a casa da recém-chegada.
— Papai é um homem muito sábio. – Disse , sorrindo orgulhosa do pai.
— Ô, se é! - Ironizou .
— Amiga, conheci o amor da minha vida em Paris! – Confidenciou , cobrindo o rosto com as mãos.
Pronto, foi o suficiente para a sirene de alerta soar e a amiga precisar manter a calma pois a situação não era tão simples assim.
vivia se apaixonando.
Todo ano, todo mês, toda semana, todo dia, toda hora. Se fosse bonito ou tivesse alguma qualidade surpreendente, o crush conquistava o coração dela. E quando isso acontecia, ela cometia as maiores loucuras e depois? Sobrava para .
E quando sofria decepções? recolhia os caquinhos e tentava remendar com supercola. Passavam o dia se entupindo de chocolates, ouvindo a amiga reclamar de todos os caras do planeta e se tivesse sorte, no dia seguinte ela já estaria apaixonada por outro, distribuindo sorrisos. Até sofrer de novo.
Um verdadeiro ciclo vicioso, sem fim ou até que verdadeiramente amasse alguém. Ou talvez não.
— Você não nadou pelada no rio Sena, né? – Questionou com preocupação enquanto observava a amiga ainda com o rosto coberto com as mãos.
— Não. – Respondeu , ainda sem coragem de encarar a amiga.
— Você não nadou pelada, né? – Perguntou, averiguando se não poderia ter sido em qualquer outro lugar.
— Não! – Negou , encarando a amiga surpresa e chocada.
— Que foi? Você quando está apaixonada só faz merda! – Ela disse ao revirar os olhos e cruzar os braços.
— Posso te contar sobre o ? – Perguntou, mordendo os lábios evitando sorrir.
suspirou derrotada.
— Eu conheci o numa noite em que fui jantar na Torre Eiffel. Nunca vou esquecer dos seus olhos azuis e da boca rosada. E o beijo? Francês beija maravilhosamente bem, você deveria ficar com algum… O tem um irmão mais velho, poderíamos te apresentar! – Falou rapidamente, sem ao menos respirar direito enquanto deitava a cabeça no colo da amiga e sorria sonhadoramente.
A amiga deixou escapar uma risada, fazendo com que a outra ficasse com uma expressão de irritação. — Desculpa, ok? Pode continuar… – Pediu enquanto começava a acariciar carinhosamente os cabelos encaracolados da amiga.
Cada vez que fechava os olhos, ela podia se lembrar de cada detalhe daquela última noite com o seu amado.

Xxx


Liberdade.
Nós somos livres para amar, sem medidas, sem distinção. sempre acreditou nisso, acreditava viver assim e pela primeira vez na vida, percebeu que estava errada. Em um mês longe de casa enquanto desfrutava da sua própria companhia e da bela Paris, fez uma descoberta bizarra: estava amando alguém de verdade. Alguém que não fosse seu labrador Bob, seus pais e sua melhor amiga. E só foi capaz de descobrir através da possibilidade de perder o amado.
e estavam curtindo a última noite juntos com um sabor dolorosamente amargo. Tudo havia acontecido muito rápido entre os dois, desde a primeira semana da jovem na cidade. Se conheceram no restaurante maravilhoso que ficava na Torre Eiffel. Ele a atendeu com muita simpatia e um sorriso maravilhoso que derreteu o coração da jovem feito uma geleira numa praia do Caribe. Foi desejo à primeira vista. Ele achou linda aquela turista com seus olhos verdes hipnotizantes. Ela achou aquele garçom um verdadeiro crush parisiense: sedutor com seu francês e um sorriso maravilhoso.
Naquela noite, comeu até o restaurante fechar enquanto tomava muita champanhe para criar coragem. O esperou na porta de saída da Torre e quando ele se aproximou surpreso, ela se lançou sobre ele com ansiedade e seus lábios se uniram pela primeira vez num beijo com gosto de champanhe francesa, enquanto o vento gelado daquela noite tentava esfriar o corpo escaldante de ambos. A história dos apaixonados começara na bela Paris e terminaria ali.
Estavam sentados na enorme e confortável cama do quarto do hotel em que estava hospedada e eram suas últimas horas com o amor da sua vida. Dessa vez, ela se sentia diferente, os sentimentos eram tão estranhos que lhe amedrontavam. Jamais havia sentido nada parecido por qualquer outro caso do passado. era o verdadeiro amor da sua vida e estava ali em seus braços quentes, presa num abraço apertado enquanto sua cabeça repousava no ombro dele. Os olhos de ambos estavam fechados numa tentativa de gravarem as sensações daquele encontro, guardar as lembranças daquela última noite. estava com uma das mãos descansando na cintura da menina enquanto a outra, acariciava gostosamente a nuca dela.
Ela inspirou aquele perfume que tanto amava e impregnava suas roupas. Sabia que não poderia deixá-lo partir, mas tudo que envolvia os dois era muito complicado. Sua vida era na cidade de Findsville e a dele era em Paris com sua família. Ambos tinham os seus sonhos, suas próprias escolhas, mas ela estava disposta a largar sua vida de luxos e regalias para ficar com ele. Infelizmente, ele não queria que fosse dessa forma.
, meu amor, abra os olhos. Olhe para mim. Eu preciso ver essas lindas esmeraldas pela última vez. – Pediu num sussurro enquanto segurava o rosto delicado da garota entre suas mãos. Ela levantou o rosto, ainda de olhos fechados enquanto permitia com que ele visse as lágrimas que molhavam as suas bochechas. Ele beijou cada uma das lágrimas numa carícia doce.
, podemos ficar juntos. Eu posso ficar ou você pode ir comigo. Podemos fazer dar certo! – Disse abrindo os olhos, uma expressão séria enquanto olhava no fundo dos olhos castanhos do jovem.
— Por favor, não torne isso pior do que já é. Eu te amo muito, mas sabemos que não seria tão fácil assim. Eu prefiro me lembrar das partes boas, do meu amor por você e não, ter encarar as brigas, os desentendimentos que teríamos juntos. Eu não quero afastar você da sua família, nem da sua vida de luxos. – Ele confessou o que estava lhe tirando o sono nos últimos dias.
— Eu não preciso dos luxos que tive a vida inteira, admito que não seria fácil me acostumar, mas por você faria qualquer coisa. – Sussurrou ela carinhosamente enquanto acariciava a lateral do rosto dele com uma de suas mãos.

C'mon lay your hands, your hands on me
We don't have to talk, cause talk is cheap
In the dark, silence so loud
You've only gotta lay your hands on me


— Nós não precisamos conversar, vamos apenas curtir o momento e esquecer de tudo. – Falou ele fechando os olhos enquanto colavam suas testas e inspirava fundo o aroma da garota.
You say it in better way and
(Hey, yeah, yeah, yeah)
(Hey, yeah, yeah, yeah)
You say it in better way and
(Hey, yeah, yeah, yeah)
(Hey, yeah, yeah, yeah)


— Sim. – Confirmou a garota num sussurro enquanto se permitia expor todo o amor que havia guardado dentro si durante todo o tempo em que esperou por ele.

I've been thinking about it
I've been thinking all night
Every time I try to learn your body language
Never get it right
You're so hard to read, baby
So I turn off the lights
Can you just drop that dress to the floor?
We can talk until sunrise


A permissão da jovem foi o suficiente para que agarrasse os cabelos da nuca de com força e a beijasse com toda paixão, surpreendendo-a com sua atitude. Ambos se apertavam, arranhavam, distribuíam carícias e dolorosas juras de amor. Aproveitando os últimos segundos, naquele quarto de hotel, fizeram amor até o sol nascer. Não tinha volta, a escolha havia sido feita.

I've been thinking about it
The way that you blow my mind
I've been thinking about it
All night


xXx


— Queria ter ficado em Paris com ele, mas meus pais enlouqueceriam. Tentei devolver todas as coisas que comprei e usar o dinheiro, mas o não aceitou que eu continuasse por lá. Ele é garçom e quer cursar faculdade, por isso disse que não está preparado para um relacionamento sério agora. – Disse com uma expressão de tristeza no rosto enquanto algumas lágrimas escapavam dos seus olhos esmeraldas.
— Não daria certo, . Sua vida é aqui e a dele é lá! – Esclareceu irritada ao constatar que a amiga mais uma vez, estava vivendo no seu mundinho de faz de conta.
— Cala a boca, ! – Mandou irada, elevando o tom de voz enquanto levantava a cabeça abruptamente do colo da amiga.
— Não me mande calar a boca! – Reclamou seriamente enquanto encarava a amiga.
— Então, não seja malvada. Se ponha no meu lugar pelo menos uma única vez na vida. Aceite que as pessoas podem amar e sofrer por não tê-las! – Falou com a voz embargada.
estava chorando.
se sentia uma vaca egoísta.
— Não chora, por favor! – Pediu com um sorriso triste no rosto. — Talvez tenha sido melhor assim, mas vai saber o que o futuro reservou para vocês, né? – Perguntou , sorrindo enquanto secava as lágrimas da amiga.
Ambas se envolveram num abraço repleto de cumplicidade e conforto enquanto uma tentava lidar com o coração partido pelas lembranças, a outra buscava tentar não pensar no seu maior problema e não havia melhor distração do que , realmente sentiu falta dessa parte da sua vida.
Enquanto dava tapinhas reconfortantes nas costas da amiga, observou a expressão assustada do motorista.
Entretanto, que se permitia ser consolada pela amiga, sabia que dessa vez era diferente, um pedaço de si havia sido deixado em Paris.


Fim.



Nota da autora: Sem nota.



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