Capítulo Único
Você mantinha um sorriso no rosto, embora não tivesse vontade de manifestar qualquer alegria. Minutos antes dirigia sem rumo algum, até ser contaminada por uma alegria incomum dos jovens que seguiam para aquele bar.
Entendia a alegria de todos ali, afinal, era sábado, o dia da semana em que todo mundo poderia ser o que quisesse e fazer o que quisesse. Um dia você tinha sido amante dos sábados, mas a vida corriqueira a fez mudar os velhos hábitos. Na realidade, você tinha cometido um erro: tinha se apaixonado.
E que merda era isso de se apaixonar, não? De repente você entrega toda a sua vida e a sua felicidade a uma única pessoa. Você deixa de ser igual àquele carinha que tinha visto minutos atrás flertando uma morena e que agora estava se atracando com uma outra próximo ao banheiro para ficar com uma pessoa só. Três bilhões e meia de chances de ficar com outras pessoas, para ficar com uma só.
E aí troca as noites de baladas como aquelas para ficar em casa socializando com aquela pessoa, seja numa noite regada a muita pipoca, Netflix e muita transa, ou uma noite com os amigos mais próximos, num barzinho, num cinema ou mesmo em um jantar semanal em família.
De repente se vê planejando um casamento, após um pedido fofo de noivado naquela noite de sábado no seu restaurante de culinária japonesa preferido, pois ele sabia que era o seu preferido e que seria especial para você que jamais esqueceria desse detalhe.
E aí começa os preparativos para o casório. Procura-se o local, decidem os padrinhos, escolhem as alianças, decidem o fotografo e a decoradora, buscam também o melhor buffet da região para servirem a melhor comida, bem como também preparam a imensa lista de convidados. Duzentas e cinquenta pessoas são escolhidas para apreciarem a união do casal que prometiam amar um ao outro. No final das contas resolveram que a comida e os lugares deveriam alcançar pelo menos trezentas pessoas, afinal, tinha que se contar com os penetras e os agregados dos convidados, pois era melhor contar com eles, do que deixar faltar alguma coisa pros demais.
E então chega o grande dia, um sábado. O vestido maravilhoso desenhado especialmente para a noiva, o modelo sereia é cuidadosamente colocado para não haver qualquer amassado ou mancha. A maquiagem escolhida não pode marcar os olhos na parte inferior, pois você podia chorar, não é? O momento era de emoção, então as fotos teriam de sair perfeitas.
E aí você entra na igreja, linda, plena, maravilhosa, com o sorriso mais bonito que você poderia ter no rosto. E vê que no altar, o homem que você escolheu para sua vida, está emocionado ao ver você. Ele também está absurdamente lindo.
E então começa a cerimônia. Você o aceita na alegria ou na tristeza, na riqueza ou na pobreza, na saúde ou na doença, até que... A primeira vagabunda os separe.
Por que você não poderia aceitar aquilo, não é? Mas, calma, você está pulando uma parte importante da história. Como você descobriu?
Oras, olha a novidade, foi nesse mesmo dia. Nesse sábado. Horas antes de você estar ali degustando aquela dose de whisky 12 anos e de observar tanta gente feliz a sua volta. Você descobriu e chegou à conclusão que toda uma vida, toda uma renúncia foi por água abaixo em apenas instantes atrás.
Você devia estar como todos aqueles jovens que estavam ali se divertindo. Tinha uma média de cinquenta homens naquele bar, não era nem um por cento dos possíveis três bilhões e meio de homens disponíveis no mundo, mas já era um começo, ou melhor, um recomeço.
Mas antes você dança. E continua dançando.
Porque você tem que esquecer da humilhação que seu marido, quer dizer, seu agora ex-marido, a fez passar. Não só ele, como também a madrinha, aquela madrinha que você escolheu com tanto cuidado, com todo o seu amor, deveria ser apagada da sua memória. Pelo menos por essa noite, por esse sábado.
Tinha também que esquecer todos aqueles que já sabiam do envolvimento da sua melhor amiga com seu marido. Como não foram capazes de contar a verdade pra você? Por que deixaram que você passasse por tudo aquilo? Deixaram você viver uma mentira, um conto de princesa que só existia na sua mente.
O seu casamento parecia tão feliz, cheio de amor. Vocês moravam numa casa tão linda, aconchegante e recebiam sempre com imensa alegria aquela vagabunda e o seu namorado (outra vítima do seu ex-marido e amiga). Que pena dele, que assim como você, foi enganado...
E você continua dançando.
Dançando para não se derramar em lágrimas, para não vacilar ali, ao som daquela música agitada, daquelas pessoas felizes e com o gosto amargo do whisky na boca. Porque você odiou naquele instante todas aquelas pessoas que você chamava de amigo, que fugiram da verdade com você. Odiou ter amado duas pessoas que não mereciam nada além do seu ódio.
Porque você lembrou sem querer da cena que viu. Se lembrou daquela mulher abraçando e beijando seu agora ex-marido. Ele se declarando para ela e ela para ele. Você assistiu aquilo silenciosamente, enquanto ouvia ele dizer que estar com você era monótono, que ela fazia diferença, que não tinha terminado ainda porque não tinha conseguido tudo o que queria de você.
Então caiu a ficha que aquilo que você viveu era real só pra você. Tudo era uma imensa farsa e ali, naquele momento em que você observava tudo calada, doía, estava machucando demais.
Foi então que você decidiu sair dali, com lágrimas nos olhos, porque era difícil aceitar tudo aquilo... Quantos sábados como aquele em que você estava apenas dançando foram perdidos? Quantos homens você deixou de conhecer? Bom, ao menos um por cento deles, com certeza, em todos aqueles anos, você perdera a oportunidade de apreciar. E se o verdadeiro amor da sua vida estivesse naquele bar num sábado perdido?
Opa, pera aí! Nada de amor. Nunca mais... Você poderia se divertir com todos os caras que quisesse, mas nada de se apaixonar de novo. De forma alguma. Pra quê? Pra acabar na merda como estava naquele momento?
Olha só que cara interessante aquele loiro ali. Ele está flertando com você, será que você deve se jogar? Cair no charme? E se vocês ficarem? Hm... Tecnicamente você estaria traindo o seu marido, mas e daí, quem se importa com aquele filho da puta?
Porque você só quer continuar dançando e flertando e quem sabe transando com aquele loiro mais tarde. Ou com aquele outro ali. Moreno, forte, bem do jeito que você gosta... Bem diferente daquele homem que você transou por anos e que já carregava uma barriguinha saliente de cerveja. Nem pra se cuidar, ele servia! Mas poderia também ser uma transa louca com aquele outro magrinho ali do canto. Normalmente os magrinhos tem um talento, se é que me entende... Bom, você tinha ótimas escolhas. Como foi bom ter parado logo ali.
Hoje você pode tudo, menos chorar. E você não vai. Continua dançando e se divertindo com os olhares que você atrai, porque você é absurdamente linda, uma mulher maravilhosa que merece ter todos os homens rastejando aos seus pés.
Ops! Um convite para uma bebida. Vamos lá, garota. É vodca, você rejeita, porque nem gosta, mas um whisky vai. Esse homem é atraente, tem um belo sorriso e faz parte da infinita lista de três bilhões e meio que você ainda pode conhecer. Mas pera aí, você é casado? Não? Então ok. Vocês podem se relacionar.
Você o beija. E como era diferente beijar outro homem na boca. Meu Deus! Que sensação estranha você está sentindo. É um beijo de traição, será que o seu agora ex-marido sentia isso quando beijava sua melhor amiga? Você pode até não saber, mas se ele repetia insistentemente, era porque ele gostava, assim como você estava gostando agora.
Que beijo bom. Quer mais? Um convite para ir até o carro pegar o celular que ele esqueceu no carro dele para que pudesse gravar seu número? Você não é ingênua, sabe o que significa aquele convite.
Mas não. Você não quer ir. Só quer continuar dançando.
E volta pra pista. Música nova, dançante também, mas que é ideal para uma coisa a dois. Outro homem se aproxima, cola em você e sensualiza. O que te resta é rir e cair na dele. O surpreende com um beijo, e olha que coisa, era outro sabor novamente.
É sério que você está bêbada com algumas doses de whisky? Do que está rindo? Estava feliz dançando, com aquela atitude de liberdade, com aquela nova vida que se aproximaria.
Sem medos, porque a vida agora seria um eterno sábado feliz. Sem nada de netflix e carinho aconchegante. Sem nada de amigos casais e de preferencia sem amigas vagabundas e falsas. Só curtição com as novas amizades, porque você merecia ser feliz. Não fez nada de errado, não é?
Que se foda a sua vida pretérita com aquele merda que você prometeu amar até a morte os separar. Se ele não foi capaz de te amar para sempre, aliás, sequer te amou, você não deveria sequer lembrar que ele existisse.
Eita, o seu telefone está tocando. É ele. Você tá no meio da pista dançando, vai atender? Não... Mas pera aí! Atende, é melhor.
Ele precisa saber que você está dançando...
- Oi, amor da minha madrinha, tudo bem? – você está gritando, faz tanto sentido isso. – Como foi a transa com a madrinha, amor, aquela vagabunda que você tá comendo? Aliás, por que tá me ligando? O que você ainda quer comigo? Ainda não conseguiu, NE, amor? Mas calma, seja lá o que for, você não vai conseguir... – você soava tão confiante e tão bêbada – Ei, amor, deixa eu te falar, acabei de beijar dois homens. Sério, melhor que seu beijo, viu? E eu to dançando num sábado à noite, dia que era de ver filminho com você. Mas que se foda, isso não vai acontecer mais. Amooooor, liga para minha madrinha te fazer companhia... Ela é mais gostosa, segundo você, né? Beijo, amor, até logo, porque eu ainda vou te ver, mas hoje eu só quero continuar dançando, pois eu amo essa música. E vá para o inferno! – Você desligou.
E que orgulho eu estou de você! Continue dançando, garota. E veja até onde a música pode te levar...
Fim.
Aproveitem também e leiam 07. Holding on for life desse ficstape maravilhoso que é continuação de A Fotografia
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