Finalizada em: 04/10/2020

Capítulo Único

“Todos nós somos feitos de poeira estelar” – Andreas Burkert, Astrofísico

- De que adianta ser tão bem sucedido e ser a pessoa mais sozinha do mundo?
e não sabiam na época, mas conseguiram se coordenar a fazer exatamente a mesma pergunta, no mesmo momento, em locais diferentes do mundo, aos seus melhores amigos.
- O que foi, ? Por que a crise existencial tão repentinamente? – Irene perguntou enquanto rabiscava em seu sketchbook de maneira distraída. Estava jogada na cama há boas horas, tentando concluir mais um dos seus trabalhos de animação, com várias referências abertas e o computador apoiado o mais próximo das mãos, enquanto gastara um bom tempo com o próprio caderno nas pernas, sentada no parapeito da janela, observando o céu.
- Você já parou para pensar nisso? Não sei... – A amiga suspirou de volta, sem tirar os olhos das estrelas. Tentava terminar mais um livro, que depois tentaria tomar coragem para publicá-lo, mas a crise momentânea a atingiu de uma maneira que a deixou escrever somente duas frases no caderno. – A vida moderna é voltada para performance e sucesso material... Quanto mais você tiver melhor você é, mais valor no mercado você terá... Mas nossos corações não estão à venda. Nossa alma, a essência de quem somos por dentro não é adquirível em termos materiais.
- Ou pelo menos não deveria ser. – Irene respondeu continuando seu desenho, apesar de prestar atenção às palavras da amiga. Nenhuma parecia muito concentrada naquela conversa e talvez por esse motivo tivessem tanta liberdade para filosofar entre si.
- Sim, sim... – deu uma breve risada, começando a fazer pequenos desenhos no caderno sem prestar atenção. Seus olhos estavam concentrados naqueles pontos de luz na escuridão do céu noturno. – Nós sempre trabalhamos para atingir nosso máximo potencial econômico ou de sucesso, tudo sempre voltado para o ter e não para o ser. Quanto mais tivermos, mais somos, essa é a regra da sociedade atual, mas... Você não sente o vazio? Quer dizer... Nós sempre nos esforçamos para ter os maiores desempenhos e olhe nós duas. Com a nossa idade, certamente alcançamos o máximo desempenho que poderíamos ter no momento, e ainda vamos alcançar mais. Mas toda essa produtividade, essa capacidade de ter, deixa um vazio no coração... Na parte da alma que são nossos sentimentos, o centro dos nossos seres, talvez até o que consideremos como alma. Foi isso que me fez ter aquele burnout maluco e jogar tudo pro alto para começar do zero. Era como...
- Como se nada disso fizesse sentido? – Irene perguntou de volta, erguendo uma sobrancelha.
- Sim! Exato! – se empolgou, sorrindo ao ver que estava conseguindo se comunicar. Aquilo era algo que achava imbatível na amizade que tinha com Irene: o fato de que conseguiam se comunicar. – Talvez você não se sinta dessa maneira, mas eu me sinto... Que nada disso faz sentido sem algo maior que nos dê um norte. Pessoalmente, sinto como se fosse incapaz, como se a minha existência inteira não tivesse um ser. Entende? Da mesma maneira como as estrelas brilham lá no céu, nós somos opacos e sem importância, sem propósito algum no meio de bilhões e bilhões que levam esse mesmo tipo de vida. Nós somos o oposto dos corpos celestes que nos deram criação.
Irene deu um pequeno sorriso antes de começar a rebater as ideias da amiga. Era por aquele motivo que achava que se daria tão bem no que começara a se dedicar: como escritora, tinha que ser boa em articular as ideias em palavras - por mais que não tivesse coragem de publicar, pelo menos até o momento.
- Como flocos de neve se dissipando no oceano. – fez o paralelo enquanto tentava explicar os próprios sentimentos ao melhor amigo. Assim como , ele tinha o mesmo sentimento de vazio e falta de importância, enquanto observava o céu, sentado ao parapeito da janela do apartamento que dividia com e os outros colegas do grupo.
- Você vai ver o que vai se dissipar se continuar sentado aí. – O amigo respondeu casualmente, recebendo um olhar nem um pouco feliz de . – Apesar de toda essa falta de ser do mundo, não acha que as pessoas estão olhando um pouco mais para essa superimportância do material exatamente por conta desse vazio? Quer dizer, você não é o único com esse vazio existencial, . Todo mundo sente isso em algum ponto da vida, exatamente por conta dessas questões que você está colocando.
- É eu imagino... Sei que tem um movimento para desligarmos um pouco da loucura da globalização. – suspirou, mas tinha um pequeno sorriso nos lábios: sempre sabia como ouvi-lo, mas também como tornar a conversa algo recíproco. – Só acho que... Não sei. Olhe pra nós. Já conseguimos alcançar tantas coisas, brilhamos como estrelas praticamente todos os dias e noites, mas não acha que algo faltando...? Quase como...?
- Um pedaço de mim? – completou, as mãos nos bolsos da calça enquanto olhava para baixo. E aquilo deu a a confirmação de que o amigo também sentira aquilo.
- Sim. Um pedaço de nós... – voltou os olhos novamente para o céu diurno, entrando no começo da tarde e ganhando um tom levemente róseo. – Você se lembra de quando nos conhecemos a primeira vez? Como tudo pareceu fazer sentido?
deu uma rápida risada: lembrava-se claramente daquele dia. Sabiam que seriam mais do que amigos pelo resto da vida, teriam um relacionamento como irmãos e morreriam um pelo outro. Aquilo estava bem claro para ambos e, conforme os anos passavam, tinham cada vez mais certeza de que suas estrelas não poderiam estar erradas.
- Tio ! Meu amor! – Eles ouviram um berro quebrando o momento de calmaria daquela tarde.
Uma pequena garota surgiu na sala como um furacão, sorrindo mais que o próprio sol ao encontrar ambos conversando casualmente. e abriram enormes sorrisos ao vê-la, principalmente quando ela começou a correr.
- Jinnie! – gritou de volta e abriu os braços, apoiando os dois pés no chão e virando as costas para o lado de fora. Jinnie não pensou duas vezes: tomou impulso e se jogou em cima dele, fechando os braços em volta do pescoço de .
- E olha que eu quem sou seu tio de verdade. – respondeu de maneira amarga enquanto cruzava os braços. – Também não queria te dar amor, sua desalmada.
De fato, quem os observasse nem saberia que Jinnie era filha do irmão de . A garota amava de uma maneira que era impossível de desgrudá-los quando estavam no mesmo ambiente.
- Ah, não fique assim, ! – deu uma boa risada enquanto Jinnie se ajeitava em uma das pernas dele. – Com certeza ela gosta de mim dessa maneira porque nós dois viemos do mesmo grupo de estrelas. Temos uma energia parecida e ela sente isso. Você mesmo sabe como é!
- Sei sim, sei... – suspirou, apoiando-se na bancada da cozinha enquanto balançava a cabeça. – Mas também mereço um abraço, não?
- Eu vou te dar um abraço também, tio ! Apertado assim, ó! – Jinnie respondeu enquanto enlaçava os braços novamente em , apertando a bochecha contra a dele. somente ria, segurando a menina para que ela não caísse. – Mas tio , você pode explicar uma coisa antes? O que significa ser do mesmo grupo de estrelas?
- Boa sorte pra explicar. Você que foi comentar, você que explica. – disse imediatamente, erguendo as mãos como se ele não tivesse nada a ver com aquilo.
- É algo bem simples, Jinnie... – riu enquanto a menina se ajeitava com interesse para ouvir a história. Adorava histórias e amava a maneira como as contava: estava para conhecer uma pessoa que contasse histórias melhor que ele. – É uma teoria física que foi comprovada ser verdade. Surgiu há algum tempo quando começaram a estudar o Big Bang, a criação do Universo e de todas as coisas. Você já se perguntou como os planetas surgiram? Como as pessoas surgiram? Do que fomos feitos?
- Hmmm... Não. – A menina respondeu com sinceridade, causando risadas nos dois.
- Bom, o Universo foi criado a partir do Big Bang. Uma grande explosão que, aos poucos, fez com que o Universo surgisse devagar, com a criação dos planetas e pessoas... Mas antes de tudo isso, havia as estrelas. – sorriu e os olhos de Jinnie brilharam. Era aquilo que a cativava: a maneira apaixonada como ele contava as histórias para ela. – Essas estrelas que criaram os elementos básicos do Universo. Após um tempo, elas explodiram e essa poeira das explosões se espalhou por todos os cantos do infinito... Pouco a pouco, essa poeira estelar se juntou com outros elementos e criou planetas inteiros, plantas, animais... E pessoas.
- Nós somos feitos de estrelas?! – Jinnie estava maravilhada com aquela perspectiva. riu, sempre adorando a maneira como ela conversava com .
- Exatamente, querida. – deu uma leve batida na ponta do nariz dela com o dedo indicador. – Toda essa poeira estelar se juntou em vários cantos do Universo. Agora, existe outra teoria que vai além da física: pessoas que são feitas dessa poeira de estrelas que eram parte do mesmo grupo, ou seja, muito próximas, estão destinadas a ter relacionamentos extremamente fortes. Maior do que de melhores amigos: algo como irmãos de estrelas.
- E é isso que você e o tio são? Irmãos de estrelas? – Jinnie apontou para ambos, deslumbrada com aquela descoberta.
- Como sempre, você é muito esperta e entendeu tudo! – abriu um grande sorriso, contente que Jinnie captara a explicação. – e eu somos do mesmo grupo de estrelas. Soubemos disso por conta da maneira que nos sentimos e talvez pelo fato de que uma das luzes próximas explodiu por causa da energia de nos encontrarmos.
- O quê? Vocês nunca me contaram isso! – A garota começou a rir enquanto ambos deram de ombros.
- Você ainda não sabia o que eram irmãos de estrelas. – respondeu simplesmente, pegando a caneca de chá que preparara antes de começar a conversa existencial com . – Além disso, o que o não comentou é que existe a conexão entre pessoas que vieram do centro da mesma estrela. Esse sim é um encontro interessante: são pessoas destinadas a viver um amor maior que a Eternidade em si. Enquanto estão separadas, porém, há um vazio que de vez em quando incomoda.
- Maior que a Eternidade...? – Jinnie franziu as sobrancelhas. Ainda era muito jovem para entender aquele conceito, então estava começando a ficar confusa.
- Ah, sim... – suspirou, sem olhar para ela. Aquilo foi estranho para Jinnie, já que nunca o vira se comportando daquela maneira. – Dizem que quando essas pessoas se encontram, começam a brilhar. Eu nunca vi, mas tenho alguns amigos que já viram e outros que já sentiram. Dizem que é uma das coisas mais belas e não dá para ser colocado em palavras.
- Pensa, se eu e o que somos do mesmo grupo de estrelas já ficaríamos desesperados se algo acontecesse com o outro, imagina como deve ser para duas pessoas que vieram da mesma estrela? – explicou e Jinnie pareceu finalmente entender.
Imediatamente a garota começou a sorrir.
- Isso é a coisa mais fofa que eu já ouvi! – Ela começou a bater palminhas, fazendo-os rir imediatamente. – Vou pedir essa noite para a lua e para as estrelas que vocês encontrem suas estrelinhas!
- Ah, você precisa dar prioridade ao ! – riu, sentando-se no chão perto de ambos e começando a brincar com um dos pés de Jinnie, coberto pelo delicado sapatinho rosa. – Ele está em crise existencial. Seria bom se encontrasse sua estrela para se sentir completo.
- Seu ridículo. – respondeu seriamente enquanto rolava os olhos, fazendo ambos começar a rir. – Se continuar dessa maneira, não vou fazer pizza pra você.
- Você vai fazer pizza, tio ?! – Jinnie deu um pulo no colo dele.
- Aposto que ele vai pedir a pizza! – caiu em risadas e foi aí que ambos começaram a discutir como dois amigos velhos que não tinham mais o que fazer além de bater boca.
Jinnie sempre se divertia com ambos. Queria vê-los felizes pelo resto da vida, com suas estrelas além da Eternidade. Gostara da história que contaram e agora entendia mais da amizade de ambos.
Eles não sabiam, mas quando Jinnie voltou para casa, preparou o que gostava de chamar de feitiço. Como uma boa bruxinha, pegou várias tiras de papel colorido, anotando o desejo: “Que o tio encontre a sua estrela”. Em seguida, dobrou uma por uma, formando pequenas estrelas de origami e deixando em uma jarra.
Com a jarra aberta, a menina foi até a própria janela e a estendeu às estrelas.
- Lua, estrelas... O tio está se sentindo vazio e precisa encontrar a estrelinha dele! Vocês podem ajudar, por favor?
Com essas palavras, a menina deixou a jarra no parapeito da janela, com a tampa aberta, para que a Lua e as estrelas viessem pegar aqueles pedidos e ajudar o tio a encontrar sua estrela.
O que ela não esperava, porém, era que a jarra virasse durante a noite e espalhasse todas as estrelinhas coloridas cidade afora.

***

- Eu preciso falar com o tio ! – A menina tentava entrar no prédio em que e trabalhavam. Provavelmente estavam ensaiando, mas ela não ligava para aquilo: estava em uma missão muito importante. – É um caso de vida ou morte!
- Jinnie, os dois estão trabalhando. Infelizmente, não posso deixar que você tire o foco deles... – Uma das mulheres da recepção falava com um suspiro quando ouviu a voz de em uma exclamação de surpresa.
- Jinnie! Minha linda, o que você tá fazendo aqui? – Apesar da pergunta, ele tinha um enorme sorriso nos lábios e se abaixou de braços abertos para recebê-la.
Ignorando todos os seguranças, Jinnie correu até ele, segurando as mãos do tio e olhando-o profundamente nos olhos ao alcançá-lo.
- Temos uma situação muito delicada, tio ! Preciso da sua ajuda!
- O que houve? – imediatamente ficou sério. Se alguma coisa acontecesse com Jinnie, jamais conseguiria se perdoar. – Você está bem? Está machucada?
- Não, não... Eu estou bem! Mas... – A menina abaixou o tom de voz até um sussurro aproximando-se da orelha do tio. – Eu fiz um feitiço pro tio ontem à noite e agora estamos com problemas!
- Feitiço...? – perguntou de volta com uma risada, mas logo levou um tapa para ficar sério novamente.
- Não é brincadeira! Tudo pode dar errado! – Jinnie parecia que estava a ponto de chorar.
- Ok. Vamos comigo até o estúdio e conversamos melhor, pode ser? – se levantou, estendendo a mão para ela.
Jinnie sorriu, segurou a mão do tio e caminhou com ele até o estúdio. Receava encontrar nos corredores, pois não queria admitir que o feitiço dele dera problema. Quando se viu trancada no estúdio com , a menina suspirou e observou enquanto ele se sentava em uma cadeira giratória – frente a um computador no qual havia um vídeo que ele estava editando.
- Muito bem... O que houve, Jinnie?
- Ontem eu fiz um feitiço pro tio encontrar a estrelinha dele! – A menina imediatamente começou a falar rapidamente, andando de um lado para o outro da sala. – Dobrei várias e várias estrelas de origami, todas coloridinhas, e coloquei em uma jarra. Deixei essa jarra no parapeito da minha janela e pedi para que a lua e as estrelas ajudassem o tio a encontrar sua estrelinha... Mas quando acordei, a jarra estava virada e mais da metade das estrelas estavam fora dela!
- Você não checou seu jardim pra ver se estavam lá? – perguntou com uma sobrancelha erguida e logo ela lhe lançou um olhar nem um pouco feliz.
- Claro que sim. Uma parte estava lá, mas o resto... Saiu voando! – Jinnie agitou os bracinhos de maneira exasperada. se controlou para não rir: ela era fofa demais.
- Então se espalharam pela cidade. – Ele analisou a situação. – Qual o problema?
- Se não reunirmos essas estrelinhas, o tio pode nunca encontrar a dele!
Ambos permaneceram em silêncio durante algum tempo, trocando olhares.
- Quem criou as regras desse feitiço...? – perguntou de maneira suspeita enquanto a menina rolava os olhos.
- Eu criei! – Jinnie suspirou. – Não quero colocar o tio nesse risco só porque eu não fiz as coisas da maneira certa! Estava tentando ajudar!
- Eu sei, eu sei, calma... – estendeu uma das mãos para ela, no que Jinnie a segurou, aproximando-se do tio. – Vamos fazer o seguinte: eu te ajudo na missão de encontrar as estrelinhas, colocamos todas de volta à jarra e o tio não correrá mais esse risco. O que acha?
- Você realmente vai me ajudar nisso, tio ?! – Os olhos da menina brilharam novamente com esperança.
- Claro! Por que você acha que tios existem? – Ele perguntou de volta com um sorriso animado.
- Obrigada! Você é o melhor tio do mundo! – E Jinnie grudou nele feito um coala, sem nem pensar em largá-lo.
Mas tudo bem. Quando era ela, não reclamava de nada.

***

Era a primeira vez que e Irene viajavam para aquela cidade.
Irene porque tinha um trabalho disponível pelo qual pediram que ela fosse visitar o estúdio ao qual ajudaria a desenvolver um filme. porque achava que viajar seria bom para a mente e para desenvolver o livro que tentava terminar. Conhecer novas culturas e costumes podia ajudar ambas a realizar seus trabalhos com maior facilidade.
, entretanto, encontrava-se no apartamento em que ambas alugaram, sentada ao lado de uma grande janela e observando o dia levemente ensolarado que se diluía em uma chuva fina e convidativa.
Era o clima perfeito para escrever, na opinião dela. Porém, a moça passara as últimas horas encarando a tela do computador com um manuscrito de cinquenta páginas que não estava perto de chegar ao final. Era o maior bloqueio criativo que ela enfrentara na vida - nem quando trabalhava como uma condenada tivera tantos problemas de criatividade.
“E se você nunca for boa o suficiente? E se você arriscar todas as suas fichas nesse delírio de grandeza de escritora e quebrar a cara? O que vai fazer? Quem gostaria de ler uma das suas histórias? Quem quer ouvir a sua voz?”
balançou a cabeça, franzindo as sobrancelhas imediatamente e apoiando os cotovelos na mesa. Não queria ter aqueles tipos de pensamentos, mas lá estavam eles, roendo os cantos da mente dela enquanto a moça somente queria trabalhar.
Mas como fantasmas, sempre voltavam para assombrá-la. queria ter mais confiança em si mesma e na própria capacidade, mas a perdera depois que trabalhara tanto que tivera que se afastar do mundo inteiro para cuidar da própria saúde. Ela sempre ouvira que estava destinada a brilhar, mas, naquele momento, duvidava daquilo com todas as forças.
Talvez todos estivessem enganados. Talvez ela se enganara durante todo aquele tempo. Talvez ela nunca fosse brilhar e tudo que podia fazer era se contentar com uma vida medíocre conforme lhe era apontado, sem lutar, sem tentar nada por si mesma. Talvez o melhor era se resignar e continuar como uma existência apagada no mundo, sem sorrir ou sentir alegria.
- Ah, que porcaria... - suspirou, desligando o computador. Aqueles pensamentos de novo, fazendo-a cair em uma espiral de pessimismo da qual muitas vezes a volta não era fácil.
Pegando um guarda chuva, a moça colocou um casaco e resolveu dar uma volta. Precisava espairecer: precisava do sol, da chuva, dos passarinhos cantando na rua, das pessoas conversando casualmente e do som dos pés chapinhando no concreto. Tudo aquilo fazia bem: ela precisava se enraizar de volta no presente ao invés de se preocupar tanto com o futuro.
Repentinamente, uma rajada de vento levou aos pés de algo colorido que chamou a atenção da moça. Talvez fosse o feitiço de Jinnie funcionando, ou as forças das poeiras estelares entrando em ação - ela nunca saberia dizer. Só soube que encontrou em seus pés, uma pequena estrelinha de origami, azul cintilante, com um rostinho fofinho desenhado em canetinha preta.
pegou a estrela entre os dedos rapidamente para retirá-la da chuva e passou a observá-la, sorrindo. Aquele achado enchera o coração dela de um sentimento quente e aconchegante, algo pequeno que fizera com que seu dia valesse a pena. estava deslumbrada e apaixonada por sua pequena estrela, entendendo aquilo como um sinal de que ainda havia esperança.
Guardando-a no bolso da calça jeans, a moça se sentiu um pouco mais animada para progredir o próprio trabalho. Talvez houvessem pessoas nesse vasto mundo que quisessem ouvir a voz dela, assim como aquela estrelinha encontrou o próprio caminho até .

- Acho que fizemos um bom trabalho para um dia, não? - perguntou todo orgulhoso, trazendo mais uma mão cheia de estrelinhas para o jarro de Jinnie.
- Sim, tio! Você é ótimo nisso! Não sei o que faria sozinha! - A menina respondeu sorrindo de maneira brilhante, observando com animação enquanto enchia o jarro.
O que ele trouxera não enchia nem metade das estrelas de Jinnie - e as outras cinco que ela tinha em mãos também não faziam muita diferença. Mas, esforçaram-se ao máximo e concluíram uma boa parte do trabalho. se sentou no banco em que tinham deixado o jarro e Jinnie estendeu os braços para se sentar no colo dele.
- Bom, as estrelas se espalharam por uma boa parte da cidade... - contemplou o parque em que se encontravam. Era o mais próximo da casa de Jinnie e concluíram que seria o melhor lugar para começar. - É possível que não vamos conseguir encontrar todas. Você sabe disso, não?
- Sei sim... Mas pelo menos uma boa parte temos que ter... - Jinnie abaixou a cabeça e balançou os pezinhos, parecendo um pouco desolada. Questionava-se como conseguira errar tão feio em algo para ajudar um dos tios. - Se não o tio ...
- O tio o quê? Não vai mais conseguir cantar com essa bela voz que ele tem? - E o próprio surgiu repentinamente, gelando a espinha tanto de quanto de Jinnie.
- De onde você surgiu?! - só não o agredia, pois Jinnie estava em seu colo.
somente ria do desespero dos dois - o que os deixava ainda mais loucos da vida.
- Olha que interessante que eu achei no caminho pra cá... - Ele mostrou uma pequena estrela de origami roxa cintilante, com a mesma carinha fofa que observara antes naquela tarde. - Quem vocês acham que fez essa estrelinha?
- Não faço ideia! - Jinnie praticamente gritou, rindo de nervoso. Mas somente ergueu uma sobrancelha e apontou para o jarro ao lado dos dois.
- E mesmo assim, vocês tem centenas de estrelinhas. - Ele colocou as mãos na cintura. - Por um mero acaso estão tentando fazer algum tipo de decoração para o quarto da Jinnie sem mim?
- Isso! - estava com o mesmo sorriso nervoso da sobrinha e estava quase caindo na gargalhada. Os dois não podiam ser mais óbvios nem se quisessem. - É uma decoração! Quer nos ajudar?!
- Sério, gente... Vocês mentem muito mal. - riu, sentando-se do outro lado do jarro de estrelas enquanto guardava a estrela roxa no bolso. - Mas aceito. Quando quiserem, podem me contar o que é.
tinha inveja daquela habilidade de , de verdade. O amigo estava impassível, calmo como o mar em dias sem brisa. Jinnie, por outro lado, ficava cada vez mais inquieta, como se a verdade estivesse borbulhando em seu peito e pedindo para ser gritada aos quatro ventos. sabia o que estava por vir e, sinceramente, não sabia de onde tirava aquela habilidade absurda de lidar com crianças.
- Nós estamos mentindo mesmo, tio ! Desculpa! - Jinnie pulou do colo de quase aos prantos e correu para , apoiando as mãozinhas nos joelhos dele enquanto ele começava a prestar atenção, um pouco surpreso com o drama repentino. - Eu fiz um feitiço pra você achar a sua estrela! Escrevi as minhas intenções em estrelinha por estrelinha, ofereci para a lua e fiz o pedido! No dia seguinte, a jarra tinha virado no meu parapeito e as estrelinhas se espalharam pela cidade! Temos que juntá-las, ou você pode nunca encontrar a sua estrela! Me desculpa, tio ! Eu não queria...!
- Calma! Calma, minha querida, não precisa ficar assim...! - Ele dizia com um sorriso gentil nos lábios e a voz afável, enquanto enxugava as lágrimas de Jinnie com os longos e delicados dedos. - Eu sei que você fez pra me ajudar, não se preocupe... Nós vamos achar as estrelinhas, ok? É isso que o tio está te ajudando a fazer? - Com essas palavras, Jinnie concordou com a cabeça, tentando parar de chorar. - Então também vou ajudar. Assim, posso encontrar minha estrela. Obrigado por tudo que você está fazendo por mim, Jinnie.
Dizendo isso, plantou um beijo na testa da menina, fazendo-a sorrir. somente cruzou os braços e se recostou ao banco do parque, sorrindo: não era à toa que Jinnie falava sempre que queria se casar com o tio .

***

se encontrava no meio da Via Láctea.
O caminho era ladrilhado por milhares de estrelas contra o Universo que explodia em negro, azul escuro e tons de roxo. Aqui e ali, conseguia encontrar nebulosas nos mesmos tons, porém com detalhes em esmeralda e âmbar. Estrelas cadentes espiralavam sobre a cabeça dela enquanto os pés usavam a Via Láctea como pedras para atravessar ao outro lado.
Qual era o sentido de chegar ao outro lado? Ela não sabia ao certo. Porém sentia as longas mangas do vestido que usava arrastando nas estrelas perto aos pés e não questionou. Os cabelos esvoaçavam até além dos joelhos, presos com um laço vermelho na altura da cintura. Ela brilhava em vermelho, rosa e branco, caminhando sobre as estrelas com êxtase no coração - quase como se tivesse aguardado por algo durante muito tempo e agora finalmente estava se tornando realidade.
Do outro lado do caminho, viu uma figura que fizera seu coração disparar: um homem caminhava de maneira igualmente deslumbrada, brincando com cada estrela que passava em seu caminho. Tinha um sorriso belo e olhos gentis - ela tivera a impressão que os vira antes em algum tempo remoto.
Os trajes dele eram em azul céu, branco e roxo batata. Levava alguns detalhes em prateado, mas eram simples - apesar de combinar perfeitamente com a beleza dele contra o céu da Via Láctea. Os cabelos escorriam até a cintura, uma parte presos em um alto coque no topo da cabeça.
Quando os olhos de ambos se encontraram, porém, o tempo e os passos pararam. O Universo, que se movia de maneira vertiginosa e alegre em volta dos dois, parou como um rio caudaloso em uma tarde preguiçosa de verão. o observou; e a observou. Eles se conheciam e seus corações haviam aguardado e sangrado por aquilo - por aquele raro momento, aquelas horas tão valiosas e insuficientes que passariam juntos antes que tivessem que se separar novamente.
- Olá, minha Princesa. - sorriu imediatamente, estendendo a mão para ela.
Era um sorriso carinhoso e aconchegante, morno e dourado como o sol que brilhava à distância. sorriu de volta, como a mais resplandescente das estrelas.
- Olá, meu Príncipe. - Ela estendeu a mão para , prestes a tocá-la.
O coração de ambos disparou, ansiando pelo toque.
Mas logo se sentiram cair. Por entre a Via Láctea e o róseo do Universo que tomava tons de atmosfera. Caíram sem saber por quanto tempo, sem poder tocar o outro e sem ao menos poder dizer uma palavra.
Quando atingiu o chão, se encontrava com roupas mais simples que aquelas que usava na Via Láctea, porém não menos diferentes. As mangas ainda eram longas, os sapatos diferentes do que ela estava acostumada. Viu-se entre a grama verde azulada da madrugada, o caminho esbranquiçado de estrelas brilhando no céu noturno sobre sua cabeça. Levantando-se com um pouco de dificuldade, ela constatou que estava em meio a plantas e flores de uma casa tradicional japonesa à distância - e por algum motivo se lembrou que era convidada naquele local, protegida por um valente guerreiro que antes realizara grandes feitos no país.
- Te achei...! - Ela ouviu uma voz masculina sussurrando brevemente, antes de segurar a manga do kimono de . Virando-se, ela encontrou o dono dos mesmos olhos gentis que vira na Via Láctea: agora também com roupas mais simples e uma espada presa à cintura, mas com o mesmo sorriso de sol nascente. - Permaneça em silêncio e me siga!
deu uma breve risada de volta, seguindo-o sem nem questionar. Não sabia o motivo, mas seu coração dizia que deveria confiar nele. Ela e seguiram por um pequeno caminho de mato até chegar a um jardim no qual havia um pequeno pagode vermelho rodeado por um lago de carpas. Era um local silencioso, no qual somente a lua era testemunha do que fizessem.
- Eu perguntaria quem é você... - Ele comentou logo que chegaram, soltando a manga do vestido de e se virando para a moça. - Mas tenho a impressão de que já sei.
- Também tenho essa impressão, por mais louco que esse sonho pareça. - Ela completou sorrindo, fazendo-o confirmar com a cabeça. - Qual é o seu nome?
- . E o seu? - Ele perguntou, ajudando-a a caminhar pelo caminho que formava uma pequena ponte até o pagode vermelho no qual havia chá e frutas aguardando por ambos.
- . Prazer em conhecê-lo, . - E ambos sorriram. Chegando ao pagode, assentaram-se perto do tablado com chá.
- Com certeza esse é o sonho mais louco que já tive. - comentou distraído, fazendo-a rir. Somente quando se virou, atraído pelo som melódico da risada dela, é que constatou que servia o chá com maestria apesar das vestes. - Já usou essas roupas antes?
- Não sei... - Ela suspirou, estendendo a ele uma caneca de porcelana trabalhada com aves em um lago ao luar. - Mas algo me diz que já. Apesar de estranho, tudo isso me é familiar.
- Estranhamente familiar. - complementou com uma expressão sábia de brincadeira, fazendo-a sorrir novamente. - Você se importa se eu perguntar? Você é uma mulher real ou uma divindade que veio me passar mensagens como na antiguidade?
- Eu ia fazer exatamente essa mesma pergunta a você! - apontou para ele e ambos começaram a rir. - Coisas assim só acontecem nas literaturas fantásticas clássicas!
- Eu tinha que ler esse tipo de literatura para a escola. - considerou seriamente, fazendo-a rir mais ainda. - Achei sinceramente que você pudesse ser a deusa da lua, ou algo do tipo... Talvez até a Princesa Tecelã.
- Por isso você me chamou de Princesa quando estávamos na Via Láctea? - sorriu, tentando não corar com aquele tipo de comentário. Afinal, todas aquelas mulheres daquelas lendas eram tidas como muito belas, inteligentes e refinadas.
- Ah, você conhece a lenda...! - E deu um sorriso satisfeito. - Não achei que deveria te chamar de outra maneira.
- Então, ... Se somos dois seres mortais, qual o sentido desse sonho...? - perguntou com uma sobrancelha erguida enquanto assoprava seu chá, a fumaça branca espiralando em diversos formatos até o céu. - Pelo que eu saiba, nunca te vi antes...
- O mesmo vale para você... - Ele respondeu de maneira pensativa e, em um dos movimentos de , viu algo caindo da manga do kimono que a moça usava. - O que é isso?
Nesse momento, pegou o que caíra sobre o tablado e levantou na altura dos olhos: era a pequena estrela azul cintilante que encontrara em seus pés naquela tarde. Sorrindo, ela se voltou para a fim de explicar, somente para encontrá-lo boquiaberto.
- O que foi? Algo errado?
Antes que ele pudesse responder, porém, outro origami caiu das vestes de : a pequena estrela roxa cintilante feita por Jinnie que ele encontrara na praça. Colocando-a sobre a mão, franziu as sobrancelhas ao ver como eram realmente parecidas.
- Você encontrou essa estrela hoje? - perguntou, apontando para o origami que segurava. A moça achou mais estranho que ele tinha conhecimento daquele fato.
- Sim... Ela voou até meus pés nessa tarde e guardei comigo, pois achei um sinal de boa sorte. Estava no meio de uma crise criativa... - A moça sentiu a cabeça girando, como se algo muito importante estivesse acontecendo. - Você também encontrou...?
- Sim! Estava andando em um parque e uma rajada de vento trouxe essa pequena estrela para os meus pés! - começou a sorrir, sem acreditar no que estava acontecendo. - Então você existe! De verdade!
- Sim! E você também existe! - sentia o coração disparado. Quem era ele? - O que significa essa estrela?
- Minha sobrinha fez para mim! - nem sabia direito como explicar. Sentia que as palavras se enrolavam umas nas outras e logo mais começaria a falar o próprio idioma: ou seja, frases desconexas que não faziam sentido para mais ninguém além dele. - Pra me curar, o vazio no meu coração! Ela quer que eu seja completo, fez várias estrelinhas para que eu encontrasse a minha...!
começou a ficar exasperado: lá estava ele, falando frases que mais ninguém entendia, tentando comunicar-se em um sonho com a mulher que possivelmente era da mesma estrela que ele. Algo que aguardara muito tempo e já começava a duvidar se era real ou não. não conseguia acreditar e as mãos estavam suadas e trêmulas. Ele não sabia como explicar melhor que aquilo e tinha certeza que ela não entenderia nada do que ele estava falando.
- Por que todos nós somos feitos de poeira estelar...? - perguntou tentativamente, fazendo-o finalmente parar de falar e se desesperar: ela entendera. - Ela fez isso para completar o seu ser, algo que você não pode atingir com o ter de coisas materiais?
estava boquiaberto. Era exatamente aquilo. era a primeira pessoa que acabara de conhecê-lo e entendia muito bem o jeito que ele falava - levara pelo menos um ano e meio para se acostumar com o padrão de fala de , traduzindo-o para outras pessoas quando o amigo ficava muito tomado por emoções.
- Exatamente. - Ele respondeu com um sorriso, o mesmo que dera na Via Láctea. Em seguida, estendeu a mão para . - Prazer em conhecê-la, minha Princesa.
- Igualmente, meu Príncipe. - Ela sentia como se o coração fosse explodir. Estendendo a mão, estava prestes a tocar em .
E ambos se sentiram caindo novamente.
abriu os olhos, sentando-se imediatamente em sua cama, de volta ao apartamento que dividia com e os outros amigos. Estava vestindo sua calça de pijama e tinha o pescoço suado. Os cabelos estavam do tamanho normal - ele tateou os ombros, procurando os longos fios sedosos até a cintura - e o relógio digital marcava que estava ainda no meio da madrugada.
Jogando-se de volta no travesseiro, ficou encarando o teto durante alguns minutos. A mão direita pôs-se a procurar no criado mudo, logo encontrando a pequena estrela roxa cintilante de Jinnie. Esticou-a contra o teto, observando-a no escuro.
provavelmente conhecera sua estrela por meio de um sonho - no qual dissera que também havia encontrado uma pequena estrela cintilante na rua. Agora ele somente precisava encontrá-la na vida real.
Fechando os olhos, imediatamente começou a sorrir e continha as lágrimas que queriam escorrer pelas bochechas. O feitiço de Jinnie havia funcionado.

mantivera seu encontro com sua Princesa em segredo. Não que não quisesse falar dela para ninguém, mas sabia que se comentasse qualquer coisa que fosse sobre o assunto com Jinnie ou , a histeria seria certeira.
Além disso, ele nem sabia como encontrá-la. Repetira o nome dela diversas vezes durante o dia, entendendo como cada sílaba saía de seus lábios, como se estivesse saboreando um suculento pêssego. E, cada vez que falava consigo mesmo, sorria. O nome dela soava como veludo, mas cintilava como uma estrela.
Portanto, mais uma noite havia se passado e ele se encontrava em um de seus sonhos, naquela construção típica asiática. Estava caminhando na beira de um lago que refletia a Via Láctea, com grandes carpas brancas e alaranjadas nadando casualmente. estava com as roupas do dia anterior, questionando-se o motivo de tudo aquilo. Eram eles parte de um conto mais antigo do que o próprio tempo? Seriam as pessoas que deram origem a toda aquela história de amor? Sinceramente, ele não acreditava muito naquilo.
Até que ouviu uma nota cristalina ecoando no ar, de maneira bela e solitária. Era uma melodia antiga, que ele ouvira quando criança, em um idioma diferente. A voz flutuava no ar até os ouvidos dele, fazendo-o sorrir. Era uma bela voz, uma das mais belas que ele já ouvira, e gostaria de ouvir para sempre. Somente ouvir.
As pernas dele, porém, começaram a formigar assim que encontrou quem cantava do outro lado do lago.
vestia um kimono de várias camadas brancas peroladas, feito de tecidos leves e esvoaçantes. Ela era quase como uma entidade que viera até ele, uma deusa aparecendo na escuridão com sua voz cativante. A moça estava sentada em uma pedra à beira do lago, observando o próprio reflexo na água de maneira um tanto melancólica, e cantava com todo seu coração. podia ouvir na voz de os sentimentos que a moça não conseguia expressar se não fosse por música.
Ele não queria perturbá-la. Não queria que ela fugisse como um cervo assustado com a bruta presença do homem. Portanto, sentou-se em seu lado do lago e continuou observando, apreciando a melodia que trazia àquele mundo.
Por algum motivo, entretanto, ela levantou o olhar e se deparou com ele, parando de cantar. ficou com medo que ela fugisse por ter invadido um momento que parecia tão íntimo, mas a moça começou a sorrir - fazendo com que ele espelhasse a mesma reação. E, assim, ambos se levantaram e atravessaram uma pequena ponte de madeira vermelha, encontrando-se no meio da mesma.
- Boa noite, Princesa. - Ele cumprimentou tentando reprimir um grande sorriso. Pegou uma das mãos de e levou até os lábios, a fim de beijá-la.
- Boa noite, Príncipe. - Ela respondeu com uma breve risada enquanto os lábios aveludados de tocavam sua pele. - Esse não é um cumprimento que eu esperaria de um lugar como esse.
- Eu sei. - Ele levantou os olhos, comprimindo um sorriso, ainda próximo à mão dela. - Mas vi isso em filmes e sempre quis tentar.
arregalou os olhos. Ela ouvira aquela frase antes, quando era pequena. Aquilo a fez sorrir em seguida, corando como as pétalas de cerejeira que floresciam mesmo durante a noite.
- Você tem uma voz muito bonita, sabia? - perguntou casualmente, enlaçando o braço no dela e começando a caminhar casualmente pela ponte. - Queria escutar e estava com medo que você fugisse.
- Ah, obrigada... - respondeu abaixando levemente a cabeça, parecendo mergulhada nos próprios pensamentos. Em seguida, suspirou.
- O que foi?
- Acho que... Talvez... Você seja a única pessoa que quer efetivamente me ouvir. - Ela deu uma pequena risada em seguida, sorrindo para . - Desculpa. Estou com umas crises existenciais esses dias e precisava tirar isso do meu peito.
- Que tipo de crises? - Ele pendeu a cabeça para o lado, inclinando-se na direção dela. - Pode me contar, quem sabe eu posso ajudar? Antes que você fale qualquer coisa, nós nos conhecemos no meio da Via Láctea, acho que não foi por um acaso!
riu junto com em relação àquele comentário inesperado. O coração dela acreditava efetivamente naquilo, mas não queria parecer uma crente estúpida. As estrelas trouxeram aquele encontro e agora o próprio mencionava aquilo - talvez fosse um sinal do Universo para ela abrir o coração e tentar se dar uma chance.
- Bom... Eu sou meio viciada em trabalho e fiquei muito tempo em uma função que não me dava nada além de dor de cabeça, problemas de saúde e estresse. Tive que deixar meu trabalho no meio de um burnout e uma crise absurda e resolvi repensar a minha vida e tudo que eu estava fazendo... - Ela começou a contar com os olhos distantes no jardim ao horizonte e não conseguia deixar de ficar fascinado. falava como se fosse infinitamente mais velha do que aparentava. - Considerei o caminho que estava trilhando e o caminho que queria para a minha vida. Resolvi me dar uma pausa e estou tentando focar na minha paixão de escrever, com o objetivo de publicar um livro depois. Mas sabe quando você se pergunta sinceramente “com tantas pessoas nesse mundo, quem vai querer ouvir o que eu tenho a dizer?” “por que eu seria especial?”, esse tipo de coisa. Não consigo parar de pensar nisso, estou passando pelo pior bloqueio criativo da minha vida e esse é o pior momento pra ter uma crise dessas.
arregalou levemente os olhos enquanto a observava durante alguns momentos; completamente alheia ao olhar dele. Quantas vezes ele mesmo se questionara aquilo? Quando escrevia músicas, subia nos palcos para apresentar shows de graça para meia dúzia de pessoas que fosse, quando deitava em sua cama à noite pedindo para que todo aquele sonho não fosse em vão. Quantas vezes ele não se questionara “quem vai querer ouvir a minha voz”?
E atualmente, milhões e milhões de pessoas se reunião para ouvi-lo cantar.
- A nossa auto crítica sempre vai falar que ninguém quer nos ouvir, que a nossa voz não é tão importante... - começou a dizer de maneira cautelosa, lentamente, como se estivesse escolhendo as palavras. - Como se... Você estivesse... Pequena, no escuro, gritando em uma... Hmmm... Vastitude. Essa palavra existe? Você entendeu?
- Um lugar muito grande com poucas coisas em volta? - sugeriu, fazendo-o abrir um sorriso contente e gentil. - Uma imensidão?
- Sim, sim, mas uma imensidão vazia, sem nada... Vastitude. Uma vastitude de oceanos, talvez? Sabe, com uma água densa que quanto mais você fala dentro dela, ninguém escuta. - voltou a explicar, parecendo um pouco mais confortável e menos cauteloso. - Porque você está lá dentro enquanto todo mundo está na superfície... E na superfície nada aparece, porque você só pode tirar a máscara quando está dentro do oceano. E quem fora desse oceano ia querer ver você sem a máscara, ouvir a voz que canta sozinha lá dentro, com toda essa melodia de pequenos cosmos que estão aqui?
repousou a grande mão no próprio peito, observando em seguida. A moça parecia sem palavras e ele sorriu, as bochechas corando imediatamente.
- Confuso, não?
- Na verdade, não...! É só fascinante o jeito como você fala e usa as palavras! - E aquele comentário fez o peito de se aquecer enquanto ele não conseguia parar de sorrir. Se fosse uma estrela, certamente estaria brilhando.
Ou ele estava de fato brilhando e nenhum dos dois conseguia perceber naquele momento.
- Bom, saiba que muita gente quer ouvir essa voz que está dentro desse oceano. - Ele apontou para o coração dela, observando-a com carinho. - Eu achava que não, pedia por esperança e determinação, mas acreditar em si mesmo sozinho é muito difícil para ir em frente. Sem apoio, sem alguém que te ajude a nadar até a superfície sem ter que colocar sua máscara... É difícil. Mas vale a pena. E você vai descobrir afinal que muitas pessoas nadam em vastidões semelhantes e irão adorar ouvir a sua voz para cantar junto com você.
deu um pequeno sorriso e uma breve risada, fazendo erguer uma sobrancelha.
- Você está querendo me ajudar a sair do meu bloqueio criativo?
- Estou querendo te jogar fora do seu bloqueio criativo e sua zona de conforto! - Ele exclamou de volta, divertindo-a. - Foi assim que eu atingi o que queria na minha vida! Por que não me conta um pouco do seu livro? Às vezes isso pode te ajudar com a história.
- Sério?! - parecia chocada com aquela oferta, parando com embaixo de uma cerejeira com cachos de flores que quase atingiam o chão. - Você realmente quer ouvir? De verdade?
- Sim! Estou interessado no que você está desenvolvendo! - segurou a mão dela, fazendo com que a moça se sentasse em frente à ele, embaixo da bela árvore. - Você parece ter idéias interessantes.
- Bom... Ok. Mas se você quiser que eu pare, pode me falar a qualquer momento, tá? - Com essa pergunta e a confirmação de , olhou para o céu, parecendo se preparar para contar uma história épica. - Longe de onde moramos e da realidade que vivemos, existe um lugar no qual as estações do ano são fixas em cidades. Não é possível mudar, o Inverno é eterno, assim como o Verão e etc. Essas cidades são todas vizinhas e a única maneira...
As palavras de eram magnéticas. não conseguia deixar de escutá-las e se fascinar cada vez mais em como ela montara toda aquela história na própria cabeça, de maneira original, completamente sozinha. Ele sorria, interessado, enquanto ouvia tudo que ela tinha a dizer. E, quanto mais falava, mais tinha certeza: ela era uma constelação, um cosmos inteiro trancado dentro de um ser humano, aguardando o dia em que se libertaria - e, nesse dia, ela brilharia como nunca.

***

- Ok. Precisamos achar todas essas estrelas. - surgiu repentinamente na cozinha, onde comia seu miojo com Jinnie, apoiando na mesa de maneira decidida e observando ambos com um olhar que só podia ser definido como determinação.
- Ok... - disse lentamente. - É isso que estamos tentando fazer há uma semana.
Com isso, o amigo apontou o pote de estrelas com o próprio hashi. Não estava nem na metade e nenhum deles estava satisfeito com aquilo - principalmente Jinnie - mas não havia muito a ser feito.
- Hmmm... - torceu o nariz, observando o pote. Ficava indeciso se contava para eles ou não, mas não conseguia tirar da mente a imagem de falando animadamente sobre o livro que estava escrevendo. Ela estava radiante e ele queria que ela ficasse daquela maneira na vida real também.
- O que foi, tio ? - Jinnie perguntou com grandes olhos curiosos. - Por que você está com essa cara?
- Bom... - suspirou, finalmente se rendendo e se sentando à mesa, em frente a eles. - Eu tive um sonho, com uma moça. Por algum motivo, a gente começou na Via Láctea, com roupas tradicionais, como no conto da Princesa Tecelã, sabe? E de repente, estávamos no Japão, com roupas totalmente diferentes, mas ainda tradicionais, e começamos a conversar. Eu estava achando que ela podia ser uma deusa ou um espírito, ou algo do gênero. Mas ela deixou cair uma estrelinha da Jinnie e falou que achou na rua enquanto andava naquele dia. Ou seja, ela existe. E algo nesses sonhos com ela não parece artificial... É como se fosse... Uma memória.
- MEU DEUS. - Jinnie e pararam de comer na mesma hora, derrubando os hashis nos potes, apoiando as mãos na mesa e dando um pequeno pulo, arregalando os olhos na mesma expressão. Não havia dúvidas que eram da mesma família, a garota parecia uma versão feminina mais nova do tio.
- Vidas passadas. - Jinnie disse imediatamente, olhando para o tio.
- Muitas vidas passadas. - olhou para a sobrinha, como se tivesse visto um fantasma. - E uma delas nas estrelas, ainda por cima.
Com isso, ambos olharam boquiabertos para . Ele tinha uma expressão de tédio, como se tudo fosse muito óbvio, e rolou os olhos com aquele exagero dos dois.
- Entenderam agora o motivo de querer encontrar essas estrelas logo?
- VAMOS PROCURAR AGORA! - Jinnie declarou de maneira dramática, levantando da cadeira.
- Pega seu casaco! Não esquece o casaco! - continuou a comoção, os dois fazendo tanta bagunça e barulho que somente observava boquiaberto.
- Vocês não querem terminar de comer, não...? - Ele ergueu uma sobrancelha, mas logo foi agarrado no pulso por uma das mãos de Jinnie.
- A gente faz isso no caminho! - anunciou, pegando ambos os potes e seguindo os dois a passos largos. - Não temos tempo a perder!
- Vamos, vamos! - Jinnie puxava com cada vez mais insistência. - A sua estrela não pode esperar!
E, apesar de todo aquele exagero repentino, não conseguiu deixar de sorrir.

- O que foi? Você tá extremamente pensativa hoje. - Irene perguntou casualmente, mexendo no computador enquanto observava o mundo afora de seu lugar recentemente favorito perto de uma grande janela no apartamento alugado.
- Eu sempre tô pensativa. - Ela respondeu sabiamente de maneira distraída, tomando mais um gole do aromático chá de jasmim com baunilha. suspirou, lembrando-se da maneira como se interessara no que ela tinha a contar.
Ele sorria. Cada palavra que ela dizia, cada idéia que trazia. ouvia com atenção - com carinho, até. Aquilo a cativara de uma maneira que a moça não conseguia explicar. Era a primeira vez que alguém se interessava tanto por alguma história dela. sempre fora cautelosa na hora de compartilhar suas criações, pois sabia que, em geral, o interesse não era genuíno - era somente uma obrigação social por conta do status do relacionamento que ela mantinha com a pessoa.
Mas, na noite anterior, lá estava , segurando as mãos dela como se ele mesmo não percebesse a maneira que os próprios dedos brincavam com os de . Os olhos dele se mantinham fixos nela, na maneira como ela falava e como tinha facilidade naquilo. sorria de maneira até inocente quando ela descrevia algumas coisas a mais, franzia as sobrancelhas em preocupação nos momentos de tensão, segurava as mãos dela com um pouco mais de força. E absorvia tudo que ela tinha a dizer - fazia muito tempo que não se deparava com aquele tipo de atenção.
A maneira como a observara fez com que ela se lembrasse dos dias em que era criança. Quando os amigos se reuniam em volta dela para que ela contasse histórias que inventava no próprio momento. Quando a irmã mais velha dela a chamava no meio da noite, sem conseguir dormir, querendo ouvir uma história. “O que você quer ouvir hoje?” perguntava, sempre esperando qual tipo de história teria que inventar “uma história da princesa roxa!” ou “a história do índio que queria casar com a filha do cacique!” ou “uma história de aventura”. Sempre que vinham os pedidos, ela respirava fundo, sorria e começava “há um bom tempo atrás, viveu uma princesa...”
E aquele interesse de - a vontade sincera de ouvi-la, de participar de suas histórias - fez com que aquele lado dela despertasse novamente.
- O que foi...? - Irene pressionou, sabendo que não era somente um tempo de se recolher aos próprios pensamentos. Havia algo a mais por trás.
- Quando eu perdi o pedaço de mim que sabia contar histórias? - perguntou abruptamente, fazendo Irene parar de trabalhar e olhar para ela por cima do computador.
Mas a amiga continuava pensativa, tomando sua fiel caneca de chá.
- Quando eu era criança... - A moça voltou a falar de maneira nostálgica, com um pequeno sorriso no rosto. - Eu tinha tantas histórias. As pessoas que eu conhecia se reuniam à minha volta para me ouvir contá-las. Conheciam meus personagens, pediam para saber mais sobre eles... Mas em algum momento da minha vida, esse pedaço de mim se perdeu. Eu não sei onde, nem quando, mas parei de contar minhas histórias. Não sei se ainda sou boa nisso, mas ontem à noite, percebi como senti falta.
- Por que ontem à noite? - Irene ergueu uma sobrancelha, fazendo finalmente se virar para ela. A moça sorriu, corando levemente, voltando a beber o chá.
- Você vai achar que é maluquice.
- Olha pra minha cara, . Eu sou a rainha da maluquice! - Irene respondeu com uma risada, finalmente se levantando, pegando a própria caneca de chá e se sentando ao lado de .
Fazia tempo que elas não faziam aquilo. Sentar-se próxima uma da outra e somente ouvir o que tinham a dizer.
- Eu conheci alguém... - suspirou e Irene já ergueu as sobrancelhas, pronta para fazer algum comentário, até a amiga emendar. - Em um sonho. Ou será que foi uma memória? Não sei dizer.
- Vidas passadas, talvez? - Irene sugeriu. sorriu, confortável com aquilo. Ela sabia que Irene acreditava efetivamente naquilo e tinha um grande interesse por misticismo e o que havia após a morte. - Sério?! Vidas passadas mesmo?! Me conta como foi!
- Parecia muito mais que um sonho, sabe? Mas havia algo que não era real também... - começou a explicar, apoiando a caneca de chá nos joelhos. - Primeiro encontrei com ele na Via Láctea, como no conto da Princesa Tecelã. E depois estávamos no Japão em uma época antiga, mas não sei exatamente em que época ou data. Mas tudo parecia mais do que só um sonho, sabe? Parecia que estávamos lá de verdade e o rosto dele... Os olhos. Há algo nos olhos dele. Algo de extremamente familiar.
- Dizem que os olhos são a janela da alma. - Irene adicionou, concordando vagarosamente com a cabeça. - E o que houve? Vocês se falaram?
- Então, essa é a parte interessante. - apontou para a mesa de centro da sala, onde a estrelinha de origami jazia solitária. - Lembra dessa estrela? Ele tinha uma igual. E me falou que a sobrinha dele quem fez... Eu esqueci de perguntar o resto da história para ele ontem, mas aparentemente ela perdeu todas. E eu encontrei uma delas enquanto eles estão procurando pela cidade.
- Então ele existe? Com a gente? Aqui, agora, nessa vida? - Irene franziu as sobrancelhas e concordou com a cabeça.
- E eu encontrei com ele ontem à noite também, em uma dessas memórias meio sonhos. Começamos a conversar e ele pediu pra ouvir a história do meu livro, porque falei que estava no meio de um bloqueio e queria tentar publicar, mas não me acho boa o suficiente... - olhou para os próprios pés, aquecendo-os por cima das meias por alguns momentos. - E ele me ouviu. Da mesma maneira quando eu era criança, ele se sentou e ouviu. Eu percebi o quanto senti falta dessa parte de mim. Queria efetivamente poder viver de contar histórias, é algo que me faz bem...
- Você acha... - Irene começou a pensar, observando a estrelinha na mesa. - Que se tentarmos encontrar mais estrelinhas você vai conseguir descobrir quem ele é ou quem vocês foram?
observou a amiga durante um tempo, dando um pequeno sorriso em seguida.
- Bom... Acho que não faz mal tentar, não? - E, com isso, ambas pareciam dispostas a interromper seus afazeres para finalmente sair de casa. - Vou tentar lembrar todos os detalhes que possam nos dar uma idéia do ano em que estou no sonho com ele.
- E a partir disso vamos pesquisar. A biblioteca é um bom lugar pra começar. - Irene piscou para , levantando-se de seu lugar. - Só vou terminar uma parte do projeto que preciso fazer hoje sem falta e vamos lá, ok?
- Ok.
Voltando a tomar um gole de chá, pegou o próprio caderno. Apoiando-o nas pernas, respirou fundo, olhou pela janela e, pela primeira vez em muitas semanas, conseguiu escrever.

- Você lembra como ele é? - Irene perguntou casualmente enquanto caminhavam até a biblioteca.
- Hmmm, sim... Mas se você for me pedir pra desenhar, não vou saber fazer isso. - deu um pequeno sorriso desconcertado. - Não vou conseguir desenhar de memória... Mas os olhos dele. Tem algo... Diferente.
- Diferente como? - Irene às vezes tinha que extrair informações de . Da mesma maneira que a moça fizera com .
- Parece... Não sei. Parece que ele tem uma solidão de alguém que espera por algo há muito tempo, sabe? - tentou explicar, mas Irene não conseguia entender muito bem. - Eu queria conseguir tirar aquela solidão... Porque parece que mesmo quando ele sorri, ela ainda está lá. E eu queria que só tivesse a maneira gentil nos olhos dele quando ele sorri, não essa solidão.
- Ok... Então o mais marcante de tudo...
- Olhos. Sim. - riu em seguida, mas repentinamente parou na rua.
- Acho que vi uma ali! - Uma voz ressoou perto delas. Um timbre que ela ouvira naquelas memórias disfarçadas de sonhos. - Vem, Jinnie!
- Jinnie?! - franziu as sobrancelhas. Aquela era a voz de . - Irene! É a voz dele!
- O quê?! - Irene começou a olhar em volta, que nem a amiga. - Onde?!
fechou os olhos e escutou. A visão dela seria inútil naquele momento, ela tinha consciência daquilo. Era seu coração, sua intuição que conseguiria encontrá-lo. A maneira como ela conseguia ouvir e achar a voz de .
- Ali! - agarrou a mão de Irene e saiu correndo na direção do som.
Ele é real. Foi tudo que passou pela cabeça de quando viu na praça do outro lado da rua, segurando a mão de Jinnie e correndo atrás de uma estrelinha que era levada pelo vento. Aquele sorriso era eral, as mãos delicadas e gentis, os cabelos levemente bagunçados e os olhos cheios de solidão. era real.
- ! - gritou, fazendo-o erguer a cabeça no mesmo momento.
- É a voz dela! - Ele disse para si mesmo repentinamente, fazendo e Jinnie franzirem as sobrancelhas.
Mas, no mesmo momento que se virou, um ônibus parou no engarrafamento entre os dois, bloqueando a visão.
- Ah, mas que droga! - rolou os olhos. - Vamos dar a volta, só precisamos atravessar...!
- Qual deles era ele? - Irene estava quase tão exasperada quanto .
- Senhoritas! Um momento, por favor! - Mas, no mesmo momento, um policial se aproximou, fazendo-as congelar no lugar. - Por um mero acaso uma das duas têm uma bicicleta roxa?
- Eu, por quê...? - ergueu uma sobrancelha. O coração batia rápido e tudo que ela queria era atravessar a maldita rua.
- A senhorita parou em um lugar proibido. Por favor me acompanhe, tenho que aplicar uma multa e será preciso estacioná-la em outro lugar...
- Senhor, eu faço o que você quiser, mas precisa ser agora?! - Sim, ela estava em desespero, com o coração pulando pela garganta.
E, pelo olhar do policial, sim. Precisava ser naquele momento.
somente aceitou seu destino e pediu para que permanecesse naquele lugar até ela voltar.
Portanto, quando o ônibus continuou seu trajeto, não viu ninguém.
- Eu jurava que tinha ouvido a voz dela... - Ele franziu as sobrancelhas, murmurando consigo mesmo.
- Tio ! Mais uma estrela!
Nisso, Jinnie o arrastou para longe. E, quando finalmente se livrou do policial, recebeu a multa e tirou a bicicleta do lugar, ele não estava mais lá.

parecia meditar à luz da lua. No grande jardim no qual estavam acostumados a caminhar, sentara-se perto de um grande carvalho e fechara os olhos, respirando fundo durante alguns momentos.
- ! - A voz de ecoou da mesma maneira que ecoara naquela tarde, fazendo-o abrir os olhos e se levantar.
Mal conseguiu se equilibrar quando a moça se jogou nos braços dele em um forte abraço, que correspondeu como se fosse um reflexo.
No momento em que seus corações se alinharam porém, ambos ficaram sem ar.
- Você sentiu isso? - perguntou imediatamente, distanciando-se o suficiente para ver o rosto dele. - No peito, quando nos abraçamos e nossos corações ficaram próximos um do outro? Essa queimação, como se nós... Como se...
- Como se nós tivéssemos queimado no centro da mesma estrela? - E lá estava: dessa vez quem encontrara as palavras fora , não . A moça imediatamente sorriu e concordou com a cabeça, fazendo-o sorrir de volta.
- Eu te vi hoje, perto da biblioteca.
- Você me chamou? - No que ele perguntou alarmado, ela concordou, fazendo-o rolar os olhos. - Eu sabia que tinha te escutado e não era maluquice minha!
- Você não acredita, apareceu um policial pra falar que eu tinha estacionado minha bicicleta no lugar errado!
- E ainda por cima sumiu por cometer delitos! - brincou. - Minha estrela é uma criminosa!
- Vou causar o caos no seu país por estacionar bicicletas em lugares proibidos, você vai ver. - entrou na brincadeira, fazendo-o dar uma boa risada.
Não demorou muito para se sentarem embaixo do carvalho, observando a paisagem à frente.
- Sabe, hoje eu fui na biblioteca procurar um pouco mais sobre esse lugar. - comentou, tentando guardar na mente tudo que podia sobre aquela construção. - Tenho um sentimento...
- De que aqui é mais que um sonho? - completou, fazendo-a concordar com as palavras. - Também acho a mesma coisa. Talvez nos conhecemos antes de tudo isso.
- Ah, então você também acredita...! - Ela deu um sorriso um pouco envergonhado, porém satisfeito.
- Não acreditava muito até te encontrar pela primeira vez na Via Láctea. - Ele piscou para ela, perdendo o olhar na paisagem logo em seguida. - Mas tudo aqui é familiar. E você... Parece que eu já te vi antes. Não me é estranha.
- Mesma coisa, principalmente...
- Seus olhos.
Sim, eles já estavam coordenados e completando as frases. Cada momento que se passava, tinha a certeza de que o feitiço de Jinnie funcionara - será que se encontrassem todas as estrelas, eles finalmente se encontrariam na vida real?
- Como anda o seu livro? - Ele perguntou repentinamente, fazendo-a corar de leve, apesar de sorrir.
- Muito bem, se você quer saber. Hoje escrevi um pouco mais!
- Quer me contar?
E parecia que estava radiante. Virando-se de frente para , ela começou a falar daquela maneira cativante que o fazia perder em suas palavras. Assim como na noite anterior, as mãos dele se perderam nas dela enquanto o fazia viajar entre palavras.
- E é o que temos até agora. Mais acontecimentos na vida desses irmãos, só amanhã depois que eu sentar e pensar mais um pouco nisso. - Ela sorriu como uma pequena estrela, fazendo sorrir de volta, brincando com cada um dos dedos das mãos de .
- Você vai publicar isso, não? Por favor, diz que sim! - Ele insistiu quando viu que ela parecia um tanto desacreditada. - Um leitor você já tem. Pode ter certeza que eu vou querer ler cada palavra que você colocar no papel. E se eu vou querer, muitas outras pessoas também terão vontade. A sua voz é linda e a maneira como você conta as coisas é especial. De verdade.
- Não sei... - suspirou, observando a Via Láctea, tão longe no céu. - Publicar um livro parece um sonho tão distante, como algo que eu só corro atrás, mas que nunca irá acontecer.
- Tudo pode acontecer se você tentar. Já tentou publicar alguma vez? - ergueu uma sobrancelha.
- Já. - Ela respondeu bufando. - E a resposta foi negativa.
- E você desistiu depois de uma só vez?! - Ele parecia indignado com aquilo. - Ah, não. Se for assim, não queimamos na mesma estrela. Precisa de pelo menos... Hmmm... Um quadrilhão de respostas negativas pra fazer com que a gente desista!
- Um quadrilhão?! - deu uma risada incrédula, balançando a cabeça enquanto ele se divertia com a reação dela. - E por um mero acaso você sabe o quanto é isso?
- E por um mero acaso você sabe o que se passa na cabeça dos outros? - Ele novamente ergueu uma sobrancelha. - Você assume muito... Não estou julgando, porque faço o mesmo. Então vai por mim quando digo que um quadrilhão de tentativas antes de desistir é um bom número.
- E se eu passar desse número? - Ela perguntou em um tom derrotista, fazendo sorrir novamente.
- Então eu vou publicar seu livro pessoalmente. - Com isso, ele piscou para a moça, ajudando-a a se levantar com todas aquelas camadas de tecido que compunham o complexo vestido. - Se nós quase nos vimos hoje, nada nos impede de nos conhecer na vida real.
- Isso é verdade... - suspirou novamente, atravessando a pequena ponte com . - Você tem curiosidade de saber quem fomos? O que é essa memória em forma de sonho?
- Parte de mim sim e parte de mim não. - Ele respondeu enquanto cruzava as mãos atrás das costas e observava enquanto ela andava em frente a ele, o cabelo esvoaçando lentamente em uma brisa ao luar. - Parte de mim gosta de achar que você é a minha Princesa na Via Láctea, esperando pelo dia em que fôssemos nos encontrar novamente e garantindo os desejos dos pobres mortais que sonham com algo maior que a vida e o Tempo em si.
- Uma visão bem romântica, se você quer saber. - deu uma breve risada, lançando um olhar rápido para .
E naquele olhar ele notou como ela não pensava tudo aquilo de si mesma. Naquele olhar, demonstrara como era uma pessoa que acreditava na própria pequenez no Universo - como ela podia ser tão especial? Como ela podia garantir desejos a mortais, ser comparada à uma Princesa tão bela e poderosa quanto uma deusa? Ela própria era mortal. Ela própria tinha medos e falhas, algo nem um pouco digno de uma entidade. Ela própria era só uma pequena e tímida voz no meio de uma gritaria incessante, que nunca era ouvida - como se estivesse no mais profundo dos lagos, sem nunca deixar sua melodia cristalizar enquanto a chuva caía.
- Você não percebe, não...? - perguntou ainda alheio nos próprios pensamentos, segurando uma das mãos gélidas e frágeis de em sua grande mão macia e morna. Ela se virou com um questionamento estampado nas sobrancelhas franzidas. - O quão brilhante você é. A maneira como as suas palavras dançam... E cantam... Ao redor de quem você conta as histórias, envolvendo... Criando novos mundos. Como uma deusa. Como a Princesa, tecendo e tecendo histórias e realidades, sonhos que são mantidos eternamente escondidos nas profundezas de alguém. Como um lago negro que guarda tantas coisas lindas se você se aventurar a mergulhar. Você olha pra cima, para as galáxias, e vê além. Você enxerga o brilho sem fim, a maneira como as coisas cintilam, guarda no seu coração e volta para nós, contando as histórias das suas viagens, as preciosidades que ninguém viu e sonha em encontrar. Você faz com que as pessoas fechem os olhos e enxerguem toda essa beleza que você enxerga no seu mundo. Você brilha da sua própria maneira, uma galáxia inteira brilhando dentro de um corpo tão pequeno. Você não se enxerga, não? Você não se ?
Os olhos de brilharam com as lágrimas que ela queria impedir que caíssem. Em geral, aceitava elogios como obrigações ou palavras impensadas que as pessoas simplesmente deixavam sair pela boca, completamente desprovidas de significado e sentimento - palavras aladas, como ela chamava.
Mas as palavras de não eram aladas. Tinham asas, sim, mas carregavam nelas sentimentos e pensamentos - e, por mais que ele não fosse a pessoa com o padrão de discurso mais fácil de decifrar, a liricidade a fez sorrir e entender tudo que ele tinha dentro do próprio coração. E sim, com as palavras de , ela se enxergou. Ela conseguiu se ver pela primeira vez, espelhada nos olhos dele, e se sentiu especial.
finalmente se sentira como uma estrela, com propósito e importância. Graças às palavras de .
- Nunca ninguém te disse isso? - Ele perguntou com sinceridade nos olhos, aproximando-se dela. mal percebeu quando uma de suas lágrimas brilhou como um cristal pelas bochechas.
- Não dessa maneira. Eu sempre ouvi, ouvi, mas nunca escutei. - Ela respondeu, também se aproximando de . Sentia algo no peito, como se... Como se eles estivessem brilhando. Como uma estrela. - É a primeira vez que consigo escutar por sobre a barulheira incessante de palavras sem fim.
- Então você sabe que eu realmente acho tudo que disse. - limpou levemente uma das lágrimas de , fazendo-a erguer a cabeça para olhá-lo nos olhos. - Você é a minha estrela que senti falta todo esse tempo.
Com isso, os lábios de ambos se encontraram em um beijo que explodiu em um calor branco no peito, os sentimentos transbordando do corpo em forma de lágrimas enquanto as mãos de agarravam as vestes no peito de e ele a envolvia fortemente nos braços. O tempo parou e o mundo girou como nunca. Não havia som, cor ou textura que não fosse os deles - havia somente o sentimento de que, de repente, tudo fazia sentido.
- Existe uma palavra para isso... - murmurou quando distanciaram os lábios, notando que jamais deixaram a pequena ponte do lago ao luar. - Saudades. Você sentiu saudades.
- Saudades... - apreciou a palavra, sorrindo em seguida enquanto colocava uma das mãos sobre o coração acelerado dele. - Eu senti saudades.
- Eu também senti saudades. - Ela sorriu de volta, mais uma lágrima escorrendo pelo rosto enquanto ele a puxava para um morno abraço.
Se tivessem o poder de realizar um desejo naquele momento, seria de fazer o tempo parar.

***

- Quantas estrelas faltam? - parecia uma criança unindo os lábios em um grande bico.
Assim como Jinnie do outro lado da mesa, ambos encarando a jarra de estrelas.
- Não sei. - A menina respondeu com um suspiro.
- Como assim não sabe?! - se sentou de maneira ereta em um susto. - Como vamos saber que está completa?!
- Não sei! Não era pro feitiço ter dado errado desse jeito, cabeção! - Jinnie rebateu mostrando a língua para o tio, praticamente igual a ele.
- Não se preocupem. - cantarolou, entrando na cozinha para pegar mais uma caneca de chá. - Quando for a hora, vamos nos encontrar.
- Alguém está feliz demais hoje... - observou o amigo com os olhos semicerrados enquanto se apoiava na bancada da cozinha e apreciava o sabor vegetal do chá verde.
- Será que ela gosta de chá verde também? Ou prefere algum outro...? - Ele perguntou para si mesmo, ainda com o pequeno sorriso nos lábios, perdido nos próprios pensamentos.
- Ei! Garoto apaixonado! - estalou os dedos na frente de , fazendo-o olhar para ele e Jinnie. - De onde vem tanta alegria?
- Ah, isso... - deu uma pequena risada, abaixando a cabeça enquanto as bochechas coravam levemente. Jinnie pendeu a cabeça para o lado com o maior ponto de interrogação estampado na cara: nunca o tinha visto se comportando daquela maneira. Até responder em um murmúrio levemente envergonhado. - A gente se beijou ontem.
- VOCÊS O QUÊ?! - Novamente, lá estavam e Jinnie agindo em uníssono.
- Eu tenho certeza, ela é minha estrela. - tinha um carinho especial nos olhos ao sorrir; um carinho que nenhum deles havia visto antes. - Eu senti saudades. Ela me ensinou essa palavra ontem.
- Tio ... - Jinnie chamou, puxando a manga da blusa do tio, que somente observava enquanto se retirava da cozinha.
- Podemos voltar a caçar as estrelinhas quando vocês estiverem prontos. - cantarolou novamente, deixando ambos em silêncio com o pote de estrelas.
- O que aconteceu com o tio ? Será que eu fiz ele pirar...? - A menina perguntava com receio real enquanto somente permanecia boquiaberto.
Em seguida, porém, começou a rir. Sendo do mesmo grupo de estrelas de , sabia como o amigo estava se sentindo bem e aquilo era contagiante. Além de que ele sempre esperara por aquele dia para saber como seria e poder dar risada de .
- Não, Jinnie... - suspirou, apoiando a cabeça em uma das mãos. - Ele está apaixonado.

- Você vive ou eu precisarei trazer os paramédicos pra te reviver...?
Aquela frase acordou do transe autoimposto desde que a moça acordara.
Após o sonho com , se trancou no quarto e escreveu. Como nunca, os dedos correram pelo teclado do computador, as idéias se juntando da mesma maneira como ela era criança. Como se os personagens estivessem atuando por vontade própria. Como se alguém estivesse sussurrando palavra por palavra do que ela deveria escrever.
O tempo passou, canecas de chá foram tomadas, idéias e mais idéias jogadas no papel. não parara um segundo e, quando o horário do almoço chegou, Irene começou a ficar preocupada, batendo na porta do quarto da amiga que não saíra de lá nem por um segundo.
Irene nem tinha idéia de como pegara o fatídico chá.
- Eu vivo. - Foi a frase que disse ao abrir a porta, ainda de pijama, somente para Irene dar risada.
- Olha, pra alguém que é um protótipo de Sherlock Holmes, seu quarto tá bem organizado. Você até fez a cama! - Irene apontou e riu, fazendo finalmente rir do primeiro contato social do dia.
- Desculpe. Sei lá o que me deu. Baixou alguma coisa e eu precisei escrever... - A moça suspirou, estalando o pescoço que já começava a ficar duro. - Vamos sair pra comer?
- É por isso que estou aqui. - Irene piscou para ela. - Tava pensando em irmos naquele vegetariano perto da igreja, o que você acha?
- Que as suas idéias sempre são ótimas. - piscou de volta. - Só ficar mais apresentável e vamos, ok?
- Ah, eu esperava que você fosse de pijama! - Irene resmungou de brincadeira, começando a caminhar para a sala enquanto fechava novamente a porta com uma risada.
A moça sorriu ao sentir o sol no rosto naquele dia. Tinha algo de diferente no mundo e ela não sabia o que era - não passou pela cabeça de que ela podia estar diferente. Caminhando ao lado de Irene, mal notou quando começou a cantarolar ao lado da amiga; a mesma música que cantara à beira do lago na noite anterior.
Se ela pudesse, passaria o resto da vida com na beira daquele lago. Ele dissera coisas tão diferentes, fizera com que ela sentisse que era importante naquele enorme mundo povoado das mais diversas pessoas. A pequena existência de valia a pena.
- Você está bem feliz hoje. - Irene comentou, enquanto rabiscava em seu sketchbook ao lado da amiga. não percebera, mas ela enchera uma página com a figura cantarolante e contente dela.
- Hmmm... Muitas coisas aconteceram ontem... - E as bochechas de coraram enquanto ela se lembrava. - Nós nos beijamos. Eu e aquele cara que falei que conheci... Ou que lembro, já não sei.
- Sério? - Irene levantou os olhos do caderno e parou de desenhar, vendo o sorriso plácido de enquanto a moça somente concordava com a cabeça. - Ah, ! E você não perguntou onde ele mora nem nada do tipo?!
- Nem passou pela minha cabeça! - A amiga deu uma risada um tanto encabulada. - Na verdade, quando estou com ele, muitas coisas óbvias não passam pela minha cabeça. Só quero saber de passar o tempo com ele, por mais que o tempo pareça congelado. Não sei. É algo...
Antes que ela pudesse completar a frase, porém, viu uma esvoaçante estrelinha amarela passando pelos próprios pés.
- Estrela?
- É algo estrela? - Irene ergueu uma sobrancelha sem entender mais nada. segurou a manga da blusa da amiga.
- Estrela! - Ela repetiu, apontando a estrelinha que voava sem rumo, para algum lugar distante delas. - Vem, Irene!
- Mas espera e...! - Antes que Irene pudesse completar, porém, saiu correndo em direção à estrela.
Não esperava muita coisa, para falar a verdade. Esperava juntar as estrelinhas até o dia em que ela e fossem se conhecer na vida real, cedo ou tarde. Já tinha esperado todo aquele tempo, então alguns meses a mais ou a menos não fariam muita diferença na vida da moça. Mas ela queria pegar as estrelinhas para entregar a ele.
Rindo consigo mesma, o coração de já era bem diferente de antes. Ela sentia que valia a pena - que ela valia a pena. Que em todo o Universo, a existência dela importava. E ela merecia tanto, tantas coisas belas. Saber daquilo era quase como um poder da mais forte super heroína - o que quer que fosse, tinha toda a convicção do mundo que podia enfrentar.
Podia ficar décadas distante de - ela esperaria até o momento certo para se encontrarem. Podia ficar anos lutando para lançar seu livro - mas não desistiria e continuaria tentando. Os sonhos dela eram válidos. Ela era válida. E nada, nada em todo aquele vasto mundo poderia mudar aquilo.
Correndo atrás de sua estrelinha, não conseguia parar de sorrir.
Não sabia o que a levou a olhar para frente, além da estrela que rolava pelo chão. Talvez um conjunto de vozes gritando juntas, talvez uma energia que ela sabia que já tinha sentido antes... Talvez a certeza de que aqueles olhos tinham acabado de se repousar sobre ela naquela realidade em que viviam.
- ...! - A voz de foi uma exclamação exasperada enquanto o sorriso coloria os lábios dele com o brilho mais belo que ela já tinha visto.
O vazio que carregava nos olhos como um fardo de tantos milênios passados em busca de completar a improvável tarefa de se sentir completo se dissipou como neve caindo na superfície do mar que começava a ficar morno no início da primavera. Uma tardia flor, desabrochando com um brilho que tomou os olhos de de lágrimas e ele não sabia o motivo de estar com a garganta travada, falta de ar nos pulmões enquanto sorria e não conseguia nem falar o nome dela.
- ...! - respondeu da mesma maneira, sem acreditar que era ele quem estava em sua frente.
E aquela miríade de sentimentos de grandeza e amor próprio explodiram no maior amor altruísta que ela sentira na vida ao vê-lo tão feliz e tão exasperado com os próprios sentimentos. Como esperado, tudo vazou pelos olhos da moça em lágrimas enquanto ela ria e as bochechas se coloriam em tons róseos da Aurora que pinta as manhãs do céu - a Aurora que tanto desejara por séculos que queria encontrar.
Apesar de todos os sentimentos em que os dois se encontravam em sua bolha própria sem conseguir prestar atenção em mais nada além da existência do outro, a rua se encontrava em pleno caos.
Afinal, o encontro de almas que vieram da mesma estrela é uma das forças mais arrebatadoras do Universo - tanto para as estrelas, quanto para tudo que estiver em volta.
Bistrôs, padarias e patisseries não ficaram incólumes: conforme ambos se aproximavam, os vidros começaram a vibrar - assim como de carros que passavam pela região. Cadeiras e mesas tremiam como se um terremoto ameaçasse se formar. Luzes piscavam de maneira cada vez mais errônea, ora com clarões, ora com escuridão total. Pratos e talheres tilintavam, copos começaram a cantar. As pessoas dos arredores, assustadas, olhavam confusas tentando entender o que estava acontecendo.
E, quando e finalmente perceberam que estavam de frente um para o outro, todos aqueles sentimentos implodiram no maior caos de energia que muitos haviam presenciado. Tudo feito de vidro explodiu em mil pedaços, rodopiando pelo ar e cintilando ao sol como milhares de estrelas em tons de dourado e arco íris. Talheres caíram no chão em uma sinfonia de tilintares, como dezenas de cristalinos sinos de prata. Luzes e postes de luz foram sobrecarregados, explodindo em um clarão quente como um corpo celeste.
segurou Jinnie e garantiu que nada a atingisse enquanto a garota observava a tudo de olhos arregalados, sentindo a força da explosão atingindo seus cabelos e fazendo-os voar descontroladamente. e brilhavam. Mais do que nunca, a menina teve certeza daquilo - como se eles não fossem seres terrestres, como se tivessem passado muitas eras e diversas vidas para poderem se encontrar novamente daquela maneira.
- C-Como... Como anda o livro, ...? - perguntou de maneira até encabulada, aproximando-se com cuidado dela. Como se fosse uma estrela cadente.
- Muito bem! Muito bem! - Ela respondeu animada, tremendo, sem saber o que fazer com as mãos. Nunca tinha sentido uma energia forte como aquela, mas agora que sabia como era, nunca queria estar distante daquilo. - Quer ouvir? Escrevi uma boa parte hoje e acho que vou terminar logo!
- Vou adorar ouvir! Nossa, nossa, vou gostar tanto! - O sorriso de era inigualável, as lágrimas ainda escorrendo sem que ele notasse. Irene observava aquilo igualmente incrédula e arrebatada de grandes sentimentos: não duvidara de estrelas, mas ver aquilo logo à própria frente era algo que ela jamais esperaria. - Viemos almoçar! Você quer? Podemos conversar! Quer almoçar com a gente, quer dizer. Aí podemos falar do livro...!
- , você tá desembestando de novo...! - disse com uma pequena risada, fazendo o coração de disparar mais ainda no peito.
Rindo alegremente como nunca na vida, ele segurou as mãos trêmulas de , como se aquilo fosse a coisa mais natural a se fazer.
E, de repente, o mundo parou de girar. e olharam um para os olhos do outro e, sorrindo, tinham uma única certeza: aquele era o lar que haviam buscado a vida toda.


Fim



Nota da autora: Espero que tenham gostado da miríade de estrelinhas e sentimentos desenfreados!
Mikrokosmos é uma das minhas favoritas de todos os álbuns e queria que desse um sentimento igual ao que temos quando escutamos a música. E lembrem-se: todxs nós somos estrelas que podemos brilhar de maneira maravilhosa, independente de quão escura é a noite à nossa volta.
Agradeço também as doidas da Biba e da Lay por surtarem eternamente comigo e ajudarem essa história sair, gritando e chorando comigo enquanto escrevia o final xD
É isso! Acho que vai ser uma das minhas últimas fics, galera. Espero que gostem e se eventualmente escrever mais alguma coisa, nos vemos por aí!
Muito obrigada por lerem e pelo carinho durante tanto tempo!
XX



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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