Capítulo 1
Enquanto a noite descia sobre a cidade, ele dirigia com o rádio ligado, batendo as mãos no volante e cantarolando uma música sem saber a letra. No momento em que freou para esperar um carro sair da vaga em que seria ocupada por ele, avistou ela andando pela calçada. Seu cabelo mal preso soltava retalhos de cabelo pelo rosto, que em reflexo com o sol brilhava junto com seus óculos cor de mel. Ela andava devagar com as mãos no bolso, e ele notou algo cair no chão onde ela acabara de passar. Desviou o olhar quando ouviu uma buzina vinda de trás, percebendo que a vaga já estava vazia e poderia ter sido há algum tempo. Estacionou rapidamente, e após desligar o carro desceu e foi até a parte da calçada onde estava o que provavelmente teria caído do bolso dela.
- Marlboro vermelho, por favor. – ela pediu para o senhor calvo do outro lado do balcão. Colocou novamente as mãos no bolso, enquanto o senhor abria a gaveta para pegar o maço de cigarros. Ela procurou em vão, em todos os buracos possíveis da roupa. – Não acredito! – disse revoltada.
- Algum problema, senhorita? – o senhor perguntou simpático.
- Não precisa mais, desculpe. – saiu do bar em passos largos, olhando para o chão.
- Procurando por isso? – ela ouviu a voz dele e ergueu o olhar devagar, encontrando uma mão estendendo algum dinheiro amassado perto do seu rosto. – Acredito que tenha perdido.
- Ah, não acredito... – foi interrompida.
- Eu tentei chamá-la antes que entrasse no bar, mas não consegui acompanhar sua caminhada. – ela analisava calmamente os traços do rapaz. – Algum problema? – ele perguntou, tirando-a de um devaneio.
- Ah, sim. Quer dizer, não! – riu envergonhada - Obrigada! – sorriu. – salvou meu dia. – pegou o dinheiro que ele estendia novamente.
- Cuidado desta vez. – ele sugeriu. – Se eu encontrar esse dinheiro caído no chão novamente juro que não devolvo novamente. – riu.
– Prazer! – ele apresentou-se, estendendo novamente a mão.
- Prazer!- Ela retribuiu. - Obrigada por devolver minha grana, agora preciso ir. – ela disse, após perceber que aquela situação estava começando a se tornar constrangedora. Sorriu novamente, virando seu corpo na direção contrária, na intenção de ir embora.
- Olha! – Ele disse. Ela virou. – Gostaria de... Tomar alguma coisa? Sei lá... Digo... – ele gaguejou algumas vezes. – Gostaria de tomar uma cerveja comigo?
- Er... Pode ser! – ela assentiu com a cabeça, sem encarar o rapaz nos olhos.
(...)
- Você está brincando? – ele disse, descontraído – Eu também sou muito fã dessa banda. Tipo, o guitarrista é...
- UM GÊNIO! – ela completou. Os dois riram. As últimas duas horas foram recheadas de conversa boa e mentes sendo embriagadas. Os dois sentiam-se bem na companhia um do outro. Duas almas perdidas haviam se encontrado naquela noite.
– Vou ao banheiro, já volto. – ela avisou. Já em pé, deu um último gole na garrafa, soltando sobre a mesa e caminhando desajeitada até o banheiro. No caminho olhou sem querer para um relógio que estava na parede, tomando um grande susto em ver que já passava das vinte e duas horas. Na mesa, ele viajava ao som de Stone Temple Pilots e pensava na moça com cuidado, tentando entender a explosão de sentimentos que ocorrera dentro de si. Podia sentir que por trás daqueles sorrisos sinceros existia algum passado não muito feliz. As manchas estavam expostas, mesmo sem ela perceber ou acreditar que não. Gostaria de conhecer mais sobre ela, mas deixaria que as coisas ocorressem naturalmente, sem nenhuma pressão ou expectativa.
- Daqui a pouco preciso ir embora. – ela disse na volta do banheiro, antes de sentar e acenar para pedir outra cerveja. – Você mora longe daqui?
- Não, moro há algumas quadras daqui. – respondeu. – E você?
- Não muito longe também. – disse alto. Limpou a cerveja que escorria de sua boca com a manga da jaqueta e completou – Podemos tomar mais uma, quem sabe¿
(...)
Ela chegou em casa completamente molhada, precisando tomar um banho quente e dormir até o dia seguinte, mas tinha que trabalhar. Sua casa estava suja, e desconfortável, assim como ela. Seu espelho quebrado mostrava um reflexo cortado e feio. Parecia que estar vivendo algo interessante, mesmo que por alguns minutos, era uma utopia do que sua vida nunca seria, e que estar ali, olhando para mil pedaços quebrados dela mesma fazia mais sentido e parte do que ela teria de verdade. E ela acreditava sem seus pensamentos depressivos.
(...)
Eles encontraram-se mais algumas vezes, ao acaso, pelos bares e locais aleatórias da cidade. A conversa fluía, quando não pessoalmente, virtualmente, e as coisas entre eles estavam sempre acontecendo, mesmo que por metade. O relacionamento nunca havia passado de uma mera amizade, um pouco mais intensa, mas sempre menos direta, e a trava para que tudo fosse assim era dela... e ele sofria por isso.
Certa noite, enquanto ele esperava alguns amigos, avistou ela passar do outro lado da rua, e sem chamá-la, apenas observou-a caminhando solitária. Sorriu ao vê-la tropicar e ficar envergonhada, balançou a cabeça e a acompanhou com o olhar até ela sumir do seu campo de visão. Muitas perguntas passavam pela sua cabeça, mas com a chama da esperança sempre acesa, difusa, mas acesa. Um dia o sol brilharia para os dois, ele confiava.
Outra hora, enquanto voltava do trabalho, passou por ela novamente, mas dessa vez foi difícil manter a distância. O entardecer estava curiosamente avermelhado, assim como a roupa dela. Ele acenou alegremente, e ela alegrou-se ao vê-lo também.
- Oi, que bom te ver – ele disse, abraçando-a.
- Bom te ver também – ela concordou, sorrindo.
Os dois conversaram mais um pouco e logo um foi para cada lado. Como sempre.
- A gente se vê por aí!
(...)
- Ligação na linha 3 – ele foi avisado por sua secretária. Assentiu com a cabeça e lhe devolveu um breve sorriso. Atendeu a ligação sem demora – Oi? - e do outro lado da linha ouviu uma voz familiar:
- E aí cara, está ocupado? – era um de seus amigos.
- Não cara, fala aí!
- Tudo certo para hoje à noite? – O amigo o questionou, e ele notou uma aparente animação fora do comum em sua voz.
- Claro! – exclamou tentando demonstrar igual animação.
O que ele havia combinado mesmo?
- Que bom cara! – Uau! Ele estava verdadeiramente empolgado.
- Que horas nos encontramos? – Ele perguntou.
- Você que sabe, passa aqui para me buscar – O amigo disse.
- Pode ser! – ele concordou - Devo vestir meu terno ou meus tênis? – a pergunta foi uma brincadeira com um fundo de verdade.
- Vista o terno, cara! – o amigo sugeriu, e era obvio que estava tirando uma com a cara dele, pois aquele tom de voz nunca o enganou – Vai ficar deslumbrante cantando Whitney Hilston.
Bingo! Karaokê! Na hora lhe veio em mente os dois combinando esta proeza há umas duas semanas atrás. Que memória de elefante que ele tinha. - And IIIII – cantarolou o amigo.
- Então ta Combinado, cara. Pelas dez eu passo na sua casa.
- Estarei “pronta” te esperando! – o amigo concordou.
- Tchau, cara!
- Até mais!
Ao chegar no Pub Karaokê, os dois sentaram-se em uma mesa no canto, que os proporcionava uma vista privilegiada do lugar todo, que lotava a olhos vistos. Pediram algumas cervejas, e beberam enquanto ele refletia sobre formas de resolver sua vida. Depois de algumas cervejas, já estavam rindo de qualquer coisa sem fundamento que acontecia ao redor. Em meio a um riso descontrolado sobre algo completamente sem noção que devia ter sido engraçado, ele olhou para a porta e avistou-a entrando, junto a algumas amigas. Seu sorriso fez com que as borboletas do seu estomago acordassem, e depois de alguns segundos encarando-a, seu amigo chamou sua atenção sobre o começo das apresentações do karaokê.
Quando ela o avistou sentado na mesa do canto, caminhou sem pensar duas vezes ao seu encontro.
- Hei, você aqui – ela disse em um tom ‘’óbvio”.
- Como você está? - ele perguntou enquanto os dois se cumprimentavam com um abraço. Antes de ela responder, os dois foram assustados com uma voz vinda da caixa de som.
- Que comece o show de horrores – ele disse divertido, e ela riu sincera.
Os dois permaneceram sentados na mesa, com os amigos, rindo e bebendo enquanto os shows prosseguiam - um mais engraçado que o outro - visto que quanto mais a bebia entrava, mas engraçado se tornava.
- Hey, agora somos nós! – Ela disse, com uma voz tão enrolada quanto o quase relacionamento deles.
- O que? - ele disse, receoso.
- Nossa vez, vem logo! – Ela o puxou da cadeira pelo braço, e quando ele percebeu os dois já estavam em frente ao pequeno palco. – Diz aí, você prefere cantar o que?
- Moça, eu não sei cantar em público! – ele disse, rindo, constrangido.
- Moço, pega isso aqui e solta a voz. – ela escolheu uma musica e deu o play, sem ele saber qual era. – Vamos lá!
I Want To Break Free começou a tocar, e naquele momento a maioria das pessoas já estavam em pé, dançando, se divertindo... bêbados! Os dois começaram a cantar juntos, rindo, tentando manter a concentração. No começo do refrão já estavam sentindo-se dois astros do rock. Os amigos gargalhavam, as pessoas divertiam-se, e eles também. No final música, com a empolgação no ápice, os dois estavam mais próximos, com os olhares mais intensos... Foi um momento único, um pouco ridículo, mas único. Quando acabou, todos estavam tão alucinados que o som não parava mais, duplas surgiam do nada para cantar mais alguns clássicos, pessoas sozinhas, trios... E quando o Pub estava para fechar, todos começaram a ir embora, os amigos ainda estavam bebendo, e os dois estavam conversando em um canto, sozinhos...
- Estive pensando em nós. – ele disse. Ela desconcertou o olhar, perdida. - Na verdade estive pensando em mim, em você... não sei se existe “nós’- confessou derrotado com sua voz já embargada pela embriaguez.
- Eu penso em nós também – ela falou baixo, envergonhada. – Depois de tanto tempo achei até que você havia desistido de mim. – sorriu de canto, tentando encontrar algum lugar para fixar o olhar.
- Hei, olha aqui pra mim. – ele levantou o queixo dela com calma, virando seu rosto para o dele, encarando-a – eu não sei os seus motivos, mas eu posso compreender que eles existem, e talvez um dia possamos derrubar esse muro de Berlim entre nós. – a analogia dele foi certeira.
Enquanto ela absorvia o que acabara de ouvir, os funcionários começavam a fazer barulhos com as cadeiras e mesas. Uma forma singela e respeitosa de dizer – sem abrir a boca – que estava na hora da partida. Os amigos se aproximaram e os convidaram para ir embora. Na saída, os dois se despediram cordialmente um do outro e dos amigos e cada um foi para um lado.
O filme ainda não havia terminado, mas já estava perto da sua cena final.
Quando ele estava a alguns metros de sua casa, voltou correndo para encontrá-la. Antes que ela entrasse em sua casa, ele gritou seu nome alto, desajeitado.
- Espera! – ela olhou assustada pra ele, sem entender o que estava acontecendo. Sua amiga também se assustou, mas ao perceber que estava tudo bem seguiu e entrou na casa, deixando-os sozinhos.
- Aconteceu alguma coisa? - ela perguntou mais calma, agora entendendo o que havia acontecido.
- Sim – respondeu afobado – quer dizer, não! – concertou, desconcertado. – Na verdade acho que esta noite em especial eu não conseguiria dormir pensando em você. – Ela sorriu envergonhada, como sempre. Não sabia o que dizer, apenas soltou o peso do corpo sobre uma perna e olhou para o chão. - Eu sei que as coisas estão sempre complicadas pra nós dois, parece que esta trava ente nós parece impossível de resolver, mas, eu acredito que podemos superar tudo isso juntos, e eu não sei nem como estou conseguindo falar tão bonito agora, sabe¿ - ele completou. Os dois riram constrangidos.
- Eu não sei o que acontece comigo – ela disse, agora se sentido mais a vontade para abrir seu coração – por mais que eu tente me entregar ao sentimento que tenho por você, sinto medo, me sinto covarde e talvez não seja isso que você espere de mim, entendeu¿ acabo acreditando que se você me conhecer um pouco mais profundamente pode se decepcionar e talvez acabe arrependido. – ela não olhava para ele, apenas falava o que vinha em sua mente, ainda ébria.
- Você está brincando¿ - ele disse, sincero – Eu sinto algo diferente por você desde o dia em que nos conhecemos naquele bar. Você acredita¿ Meu coração é seu desde aquele dia. – Os dois estavam mais poetas do que nunca. Era o amor. – Honestamente, eu sempre soube que você estava presa em algo do passado, foi exatamente por isso que mantive a distancia todo esse tempo. Eu sabia que você precisava de um tempo para resolver esses conflitos da vida.
- Eu nunca falei sobre isso com você, pois tinha medo de estragar tudo, mesmo sabendo que sem falar estava estragando mesmo assim. É tão difícil lidar com isso, acabei criando essa bolha em volta da minha vida. Não é com você, você entende isso¿ - Ela explicava-se descontroladamente – Parecia que não era certo. Talvez eu não saiba explicar.
- Escute... – ele disse, compreensivo – Você não precisa se explicar pra mim. Eu compreendo seus medos, e sabe de uma coisa – ele a encarava nos olhos – não importa o que parece certo ou errado agora, o que importa mesmo é que eu te amo, e eu não sei, mas acho, que se você pudesse você me amaria também. – seus olhos vidraram – Talvez o amor, o nosso amor, seja isso mesmo... e eu estou disposto a tentar. – Ela o encarou por mais alguns segundos, e por um instante abriu lábios e estava prestes a falar algo, mas desistiu. Deu um passo para frente, ficando extremamente próxima a ele, e o abraçou. Eles permaneceram ali, abraçados, por mais alguns segundos, e foi quando em um breve afastamento os seus lábios ficaram próximos, e beijaram-se.
Delicadamente, ele passou os braços suavemente em volta dela, protegendo-a.
E foi assim que amor deles aconteceu... e ao que se sabe, eles ainda estão lá, e são muito felizes.
- Marlboro vermelho, por favor. – ela pediu para o senhor calvo do outro lado do balcão. Colocou novamente as mãos no bolso, enquanto o senhor abria a gaveta para pegar o maço de cigarros. Ela procurou em vão, em todos os buracos possíveis da roupa. – Não acredito! – disse revoltada.
- Algum problema, senhorita? – o senhor perguntou simpático.
- Não precisa mais, desculpe. – saiu do bar em passos largos, olhando para o chão.
- Procurando por isso? – ela ouviu a voz dele e ergueu o olhar devagar, encontrando uma mão estendendo algum dinheiro amassado perto do seu rosto. – Acredito que tenha perdido.
- Ah, não acredito... – foi interrompida.
- Eu tentei chamá-la antes que entrasse no bar, mas não consegui acompanhar sua caminhada. – ela analisava calmamente os traços do rapaz. – Algum problema? – ele perguntou, tirando-a de um devaneio.
- Ah, sim. Quer dizer, não! – riu envergonhada - Obrigada! – sorriu. – salvou meu dia. – pegou o dinheiro que ele estendia novamente.
- Cuidado desta vez. – ele sugeriu. – Se eu encontrar esse dinheiro caído no chão novamente juro que não devolvo novamente. – riu.
– Prazer! – ele apresentou-se, estendendo novamente a mão.
- Prazer!- Ela retribuiu. - Obrigada por devolver minha grana, agora preciso ir. – ela disse, após perceber que aquela situação estava começando a se tornar constrangedora. Sorriu novamente, virando seu corpo na direção contrária, na intenção de ir embora.
- Olha! – Ele disse. Ela virou. – Gostaria de... Tomar alguma coisa? Sei lá... Digo... – ele gaguejou algumas vezes. – Gostaria de tomar uma cerveja comigo?
- Er... Pode ser! – ela assentiu com a cabeça, sem encarar o rapaz nos olhos.
(...)
- Você está brincando? – ele disse, descontraído – Eu também sou muito fã dessa banda. Tipo, o guitarrista é...
- UM GÊNIO! – ela completou. Os dois riram. As últimas duas horas foram recheadas de conversa boa e mentes sendo embriagadas. Os dois sentiam-se bem na companhia um do outro. Duas almas perdidas haviam se encontrado naquela noite.
– Vou ao banheiro, já volto. – ela avisou. Já em pé, deu um último gole na garrafa, soltando sobre a mesa e caminhando desajeitada até o banheiro. No caminho olhou sem querer para um relógio que estava na parede, tomando um grande susto em ver que já passava das vinte e duas horas. Na mesa, ele viajava ao som de Stone Temple Pilots e pensava na moça com cuidado, tentando entender a explosão de sentimentos que ocorrera dentro de si. Podia sentir que por trás daqueles sorrisos sinceros existia algum passado não muito feliz. As manchas estavam expostas, mesmo sem ela perceber ou acreditar que não. Gostaria de conhecer mais sobre ela, mas deixaria que as coisas ocorressem naturalmente, sem nenhuma pressão ou expectativa.
- Daqui a pouco preciso ir embora. – ela disse na volta do banheiro, antes de sentar e acenar para pedir outra cerveja. – Você mora longe daqui?
- Não, moro há algumas quadras daqui. – respondeu. – E você?
- Não muito longe também. – disse alto. Limpou a cerveja que escorria de sua boca com a manga da jaqueta e completou – Podemos tomar mais uma, quem sabe¿
(...)
Ela chegou em casa completamente molhada, precisando tomar um banho quente e dormir até o dia seguinte, mas tinha que trabalhar. Sua casa estava suja, e desconfortável, assim como ela. Seu espelho quebrado mostrava um reflexo cortado e feio. Parecia que estar vivendo algo interessante, mesmo que por alguns minutos, era uma utopia do que sua vida nunca seria, e que estar ali, olhando para mil pedaços quebrados dela mesma fazia mais sentido e parte do que ela teria de verdade. E ela acreditava sem seus pensamentos depressivos.
(...)
Eles encontraram-se mais algumas vezes, ao acaso, pelos bares e locais aleatórias da cidade. A conversa fluía, quando não pessoalmente, virtualmente, e as coisas entre eles estavam sempre acontecendo, mesmo que por metade. O relacionamento nunca havia passado de uma mera amizade, um pouco mais intensa, mas sempre menos direta, e a trava para que tudo fosse assim era dela... e ele sofria por isso.
Certa noite, enquanto ele esperava alguns amigos, avistou ela passar do outro lado da rua, e sem chamá-la, apenas observou-a caminhando solitária. Sorriu ao vê-la tropicar e ficar envergonhada, balançou a cabeça e a acompanhou com o olhar até ela sumir do seu campo de visão. Muitas perguntas passavam pela sua cabeça, mas com a chama da esperança sempre acesa, difusa, mas acesa. Um dia o sol brilharia para os dois, ele confiava.
Outra hora, enquanto voltava do trabalho, passou por ela novamente, mas dessa vez foi difícil manter a distância. O entardecer estava curiosamente avermelhado, assim como a roupa dela. Ele acenou alegremente, e ela alegrou-se ao vê-lo também.
- Oi, que bom te ver – ele disse, abraçando-a.
- Bom te ver também – ela concordou, sorrindo.
Os dois conversaram mais um pouco e logo um foi para cada lado. Como sempre.
- A gente se vê por aí!
(...)
- Ligação na linha 3 – ele foi avisado por sua secretária. Assentiu com a cabeça e lhe devolveu um breve sorriso. Atendeu a ligação sem demora – Oi? - e do outro lado da linha ouviu uma voz familiar:
- E aí cara, está ocupado? – era um de seus amigos.
- Não cara, fala aí!
- Tudo certo para hoje à noite? – O amigo o questionou, e ele notou uma aparente animação fora do comum em sua voz.
- Claro! – exclamou tentando demonstrar igual animação.
O que ele havia combinado mesmo?
- Que bom cara! – Uau! Ele estava verdadeiramente empolgado.
- Que horas nos encontramos? – Ele perguntou.
- Você que sabe, passa aqui para me buscar – O amigo disse.
- Pode ser! – ele concordou - Devo vestir meu terno ou meus tênis? – a pergunta foi uma brincadeira com um fundo de verdade.
- Vista o terno, cara! – o amigo sugeriu, e era obvio que estava tirando uma com a cara dele, pois aquele tom de voz nunca o enganou – Vai ficar deslumbrante cantando Whitney Hilston.
Bingo! Karaokê! Na hora lhe veio em mente os dois combinando esta proeza há umas duas semanas atrás. Que memória de elefante que ele tinha. - And IIIII – cantarolou o amigo.
- Então ta Combinado, cara. Pelas dez eu passo na sua casa.
- Estarei “pronta” te esperando! – o amigo concordou.
- Tchau, cara!
- Até mais!
Ao chegar no Pub Karaokê, os dois sentaram-se em uma mesa no canto, que os proporcionava uma vista privilegiada do lugar todo, que lotava a olhos vistos. Pediram algumas cervejas, e beberam enquanto ele refletia sobre formas de resolver sua vida. Depois de algumas cervejas, já estavam rindo de qualquer coisa sem fundamento que acontecia ao redor. Em meio a um riso descontrolado sobre algo completamente sem noção que devia ter sido engraçado, ele olhou para a porta e avistou-a entrando, junto a algumas amigas. Seu sorriso fez com que as borboletas do seu estomago acordassem, e depois de alguns segundos encarando-a, seu amigo chamou sua atenção sobre o começo das apresentações do karaokê.
Quando ela o avistou sentado na mesa do canto, caminhou sem pensar duas vezes ao seu encontro.
- Hei, você aqui – ela disse em um tom ‘’óbvio”.
- Como você está? - ele perguntou enquanto os dois se cumprimentavam com um abraço. Antes de ela responder, os dois foram assustados com uma voz vinda da caixa de som.
- Que comece o show de horrores – ele disse divertido, e ela riu sincera.
Os dois permaneceram sentados na mesa, com os amigos, rindo e bebendo enquanto os shows prosseguiam - um mais engraçado que o outro - visto que quanto mais a bebia entrava, mas engraçado se tornava.
- Hey, agora somos nós! – Ela disse, com uma voz tão enrolada quanto o quase relacionamento deles.
- O que? - ele disse, receoso.
- Nossa vez, vem logo! – Ela o puxou da cadeira pelo braço, e quando ele percebeu os dois já estavam em frente ao pequeno palco. – Diz aí, você prefere cantar o que?
- Moça, eu não sei cantar em público! – ele disse, rindo, constrangido.
- Moço, pega isso aqui e solta a voz. – ela escolheu uma musica e deu o play, sem ele saber qual era. – Vamos lá!
I Want To Break Free começou a tocar, e naquele momento a maioria das pessoas já estavam em pé, dançando, se divertindo... bêbados! Os dois começaram a cantar juntos, rindo, tentando manter a concentração. No começo do refrão já estavam sentindo-se dois astros do rock. Os amigos gargalhavam, as pessoas divertiam-se, e eles também. No final música, com a empolgação no ápice, os dois estavam mais próximos, com os olhares mais intensos... Foi um momento único, um pouco ridículo, mas único. Quando acabou, todos estavam tão alucinados que o som não parava mais, duplas surgiam do nada para cantar mais alguns clássicos, pessoas sozinhas, trios... E quando o Pub estava para fechar, todos começaram a ir embora, os amigos ainda estavam bebendo, e os dois estavam conversando em um canto, sozinhos...
- Estive pensando em nós. – ele disse. Ela desconcertou o olhar, perdida. - Na verdade estive pensando em mim, em você... não sei se existe “nós’- confessou derrotado com sua voz já embargada pela embriaguez.
- Eu penso em nós também – ela falou baixo, envergonhada. – Depois de tanto tempo achei até que você havia desistido de mim. – sorriu de canto, tentando encontrar algum lugar para fixar o olhar.
- Hei, olha aqui pra mim. – ele levantou o queixo dela com calma, virando seu rosto para o dele, encarando-a – eu não sei os seus motivos, mas eu posso compreender que eles existem, e talvez um dia possamos derrubar esse muro de Berlim entre nós. – a analogia dele foi certeira.
Enquanto ela absorvia o que acabara de ouvir, os funcionários começavam a fazer barulhos com as cadeiras e mesas. Uma forma singela e respeitosa de dizer – sem abrir a boca – que estava na hora da partida. Os amigos se aproximaram e os convidaram para ir embora. Na saída, os dois se despediram cordialmente um do outro e dos amigos e cada um foi para um lado.
O filme ainda não havia terminado, mas já estava perto da sua cena final.
Quando ele estava a alguns metros de sua casa, voltou correndo para encontrá-la. Antes que ela entrasse em sua casa, ele gritou seu nome alto, desajeitado.
- Espera! – ela olhou assustada pra ele, sem entender o que estava acontecendo. Sua amiga também se assustou, mas ao perceber que estava tudo bem seguiu e entrou na casa, deixando-os sozinhos.
- Aconteceu alguma coisa? - ela perguntou mais calma, agora entendendo o que havia acontecido.
- Sim – respondeu afobado – quer dizer, não! – concertou, desconcertado. – Na verdade acho que esta noite em especial eu não conseguiria dormir pensando em você. – Ela sorriu envergonhada, como sempre. Não sabia o que dizer, apenas soltou o peso do corpo sobre uma perna e olhou para o chão. - Eu sei que as coisas estão sempre complicadas pra nós dois, parece que esta trava ente nós parece impossível de resolver, mas, eu acredito que podemos superar tudo isso juntos, e eu não sei nem como estou conseguindo falar tão bonito agora, sabe¿ - ele completou. Os dois riram constrangidos.
- Eu não sei o que acontece comigo – ela disse, agora se sentido mais a vontade para abrir seu coração – por mais que eu tente me entregar ao sentimento que tenho por você, sinto medo, me sinto covarde e talvez não seja isso que você espere de mim, entendeu¿ acabo acreditando que se você me conhecer um pouco mais profundamente pode se decepcionar e talvez acabe arrependido. – ela não olhava para ele, apenas falava o que vinha em sua mente, ainda ébria.
- Você está brincando¿ - ele disse, sincero – Eu sinto algo diferente por você desde o dia em que nos conhecemos naquele bar. Você acredita¿ Meu coração é seu desde aquele dia. – Os dois estavam mais poetas do que nunca. Era o amor. – Honestamente, eu sempre soube que você estava presa em algo do passado, foi exatamente por isso que mantive a distancia todo esse tempo. Eu sabia que você precisava de um tempo para resolver esses conflitos da vida.
- Eu nunca falei sobre isso com você, pois tinha medo de estragar tudo, mesmo sabendo que sem falar estava estragando mesmo assim. É tão difícil lidar com isso, acabei criando essa bolha em volta da minha vida. Não é com você, você entende isso¿ - Ela explicava-se descontroladamente – Parecia que não era certo. Talvez eu não saiba explicar.
- Escute... – ele disse, compreensivo – Você não precisa se explicar pra mim. Eu compreendo seus medos, e sabe de uma coisa – ele a encarava nos olhos – não importa o que parece certo ou errado agora, o que importa mesmo é que eu te amo, e eu não sei, mas acho, que se você pudesse você me amaria também. – seus olhos vidraram – Talvez o amor, o nosso amor, seja isso mesmo... e eu estou disposto a tentar. – Ela o encarou por mais alguns segundos, e por um instante abriu lábios e estava prestes a falar algo, mas desistiu. Deu um passo para frente, ficando extremamente próxima a ele, e o abraçou. Eles permaneceram ali, abraçados, por mais alguns segundos, e foi quando em um breve afastamento os seus lábios ficaram próximos, e beijaram-se.
Delicadamente, ele passou os braços suavemente em volta dela, protegendo-a.
E foi assim que amor deles aconteceu... e ao que se sabe, eles ainda estão lá, e são muito felizes.
Fim.
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