Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único

I wonder what you taste like the salt within your skin


Lembro perfeitamente de como tudo tinha começado, do que me fez esbarrar naquele mundo errado.
Sabia que não era a primeira vez que a via, mas de alguma maneira sempre parecia a primeira. Talvez fosse pela forma como ela brilhava debaixo da luz negra do outro lado do bar, os cabelos curtos e negros balançando de um lado para o outro conforme ela dançava fora do ritmo a música que a banda da noite tocava. Talvez fosse pela forma como ela sorria de olhos fechados, sacudindo a garrafa de cerveja pela metade, como se sua própria companhia fosse melhor que todo aquele lugar lotado.
Era a vigésima vez ou mais que a via ali, no mesmo lugar em todos os dias aleatórios que apareci no La Blanca, um bar que o pessoal alternativo gostava de frequentar no centro da cidade. Sempre de jeans curto, botas pesadas e uma jaqueta de sarja maior que ela, cheia de patchs coloridos. Sempre com o mesmo cara grande e moreno com os olhos grudados nela como um predador, mantendo-a perto o suficiente para que, quando sentisse que ela não lhe dava atenção, a agarrasse pelo braço e a puxasse para seu colo, destoando de todo o jeito livre que ela esboçava ao se mover.
E eu, que nunca fui o mais sociável dos homens, me vi obrigado a criar amizades para descobrir mais sobre aquela pequena feiticeira que havia tomado minha atenção.
Entre um cigarro emprestado e outro no espaço para fumantes, descobri que seu nome era e que ela era problema. O cara sempre ao seu lado era Sal e que ele era ainda mais problema. Mas eu era burro e insistente, esse era o meu problema.
Naquela noite eu a vi dançando despreocupada como em todas as anteriores, mas ao seu lado Sal parecia espumar de ódio discutindo com Sid, um de seus amigos que eu já havia me encarregado de fazer amizade também.
esticou o braço demais ao fazer seu movimento e esbarrou na cerveja do homem, fazendo um pouco do líquido respingar em sua camisa. Mesmo de longe vi seus olhos crescerem em horror no breve intervalo que se seguiu, entre esbarrar e seu acompanhante esboçar alguma reação.
Ela sabia o que aconteceria antes mesmo de acontecer.
Salvatore virou-se em sua direção furioso, gritou algo que foi coberto pelo som alto e mais rápido do que pude perceber, a empurrou forte pelo peito com a mão que segurava a garrafa, a molhando e quase a derrubando se não fosse as pessoas dançando ao lado dela segurá-la.
Ele fez menção de ir para cima da mulher mais uma vez, mas Sid ao seu lado o impediu. não esperou para ver o que aconteceria, aproveitou a distração do homem e puxou seu casaco de cima da mesa alta em que estavam encostados rapidamente, seguindo para fora pela porta que dava acesso ao fumódromo.
Por dois minutos encarei os dois homens se enfrentando pelo olhar, o resto do bar parecendo alheio a cena, ou talvez apenas muito acostumados com ela. Salvatore então gargalhou antes de apertar amigavelmente o ombro do amigo e pedir outra cerveja ao barman, como se nada tivesse acontecido. Só então percebi meus próprios dedos esmagando a garrafa de cerveja em minha mão, tentando controlar o veneno que se espalhava queimando meu corpo de vontade de levantar e enfrentar o covarde.
e Kennedy conversavam entre si na mesa que dividíamos então foi mera cordialidade informar que daria um pulinho lá fora e já voltaria antes de arrastar minha cadeira e seguir o mesmo caminho que a mulher havia feito.

Só havia ela lá, deixando o vento bagunçar seus cabelos, lutando para acender o cigarro que tremia em seus lábios e parecendo a porra de uma miragem no meio da madrugada.
— Mas que merda. — resmungou para o isqueiro que parecia não ter mais fluído.
Foi a primeira vez que ouvi sua voz e embora não fosse dizendo coisas picante como as que falava na minha imaginação, seguia próximo o suficiente do que eu imaginava que seria: doce e macia. Completamente o contrário do que sua imagem era.
— Tudo certo aí? — arrisquei enquanto enfiava a mão em meu próprio bolso atrás do meu isqueiro e o esticava em sua direção, todo solícito, mesmo sem ela ter lançado um olhar para o meu lado. — Precisa?
virou os olhos, que descobri serem castanhos, em minha direção. Me mediu por breves segundos, analisando se eu seria ou não merecedor de sua atenção. Jogou seu próprio isqueiro por cima do ombro antes de pegar o meu, ainda desconfiada.
— Obrigada. — respondeu, abafada pelo cigarro que pendia em seus lábios antes de acender o mesmo e me devolver rapidamente.
— Está tudo bem? Eu vi o que aconteceu lá dentro… — tentei puxar um assunto, mas ela foi categórica ao me cortar antes que eu pudesse terminar minha frase.
— Você não viu nada lá dentro. Fique fora disso.
Sua pose deveria ser ameaçadora a meia luz, mas eu não conseguia me sentir intimidado pelo biquinho que fazia ou por seus braços apertando o próprio corpo tentando conter o frio que o vento trazia. Tentei então uma abordagem mais suave.
— Não vi nada. — concordei prontamente. — Você vem sempre aqui?
A garota estava dividida entre querer me ignorar e querer me mandar passear, coisa que eu entendia, visto que o namorado escroto havia a machucado e um cara aleatório estava tentando puxar assunto com ela do nada.
— Você sabe que eu venho sempre aqui. — disse seca. — Fica me olhando igual um urubu de longe toda vez que vem com seus amiguinhos.
— Então reparou em mim.
— Eu reparo em todo filho da puta que entra nesse lugar, querido. — soltou tão doce que quase nem fez soar como uma ofensa.
— Meu nome é . — tentei mais uma vez e pude jurar que ela rolou os olhos entediada.
— Christina. — resmungou entre dentes, tentando terminar o cigarro mais rápido.
A porta do bar abriu em um estrondo, a mulher ao meu lado deu um pequeno pulo e em um instinto de proteção dei um passo para o lado, a escondendo atrás de mim, mas ao contrário de nossas expectativas quem saiu de lá foi Sid com uma careta irritada.
— Mana? — perguntou em um tom que misturava preocupação e irritação enquanto caminhava paciente em nossa direção — Tudo bem por aqui?
— Tudo numa boa, Sid. Só preciso de um minuto e já volto lá pra dentro. — resmungou, saindo de trás de mim.
Sidney finalmente me percebeu ali e me ofereceu um sorriso como cumprimento seguindo para a garota que agora estava encostada na parede.
— Não volta não, ele bem louco lá dentro, nem vai sentir a sua falta. — ele disse calmamente, colocando uma mecha do cabelo curto de atrás de sua orelha, varreu seu rosto com os olhos como se procurasse alguma coisa — Vai lá pra casa, deixa que eu cuido dele.
A morena bufou, jogando a cabeça para trás. Eu podia ver claramente a irritação com a preocupação, como se não fosse necessária, mas ao mesmo tempo uma parte de si parecia agradecer pelo cuidado e apreço vindo do rapaz.
— Não tenho como voltar pra casa sozinha, estou sem dinheiro. — soprou baixo para ele na clara intenção de não me deixar escutá-la.
Sidney concordou com a cabeça e então virou-se para mim, os olhos castanhos iguais ao da garota me queimando direto.
leva você. Certo, ?! — parecia mais com uma ordem do que com um pedido educado que eu sabia que não poderia dizer não. Eu não queria dizer não.
— Deixa ele fora disso, Sid. — a garota disse finalmente voltando a me encarar. — Sal vai virar um bicho se ficar sabendo que saí daqui com outro cara.
— Deixa o Sal comigo, . — Sidney ainda tinha os olhos em mim tentando uma espécie de hipnose muda, nem se deu ao trabalho de virar para a garota, apenas ergueu a mão e acenou no ar como se a mandasse ficar quieta — Você leva minha irmã para minha casa, por favor?
jogou os braços para trás sem o mínimo de paciência quando me viu acenar positivamente.
— Você ao menos conhece ele, Sidney? — Sid apenas deu ombros, ao que ela respondeu em um grunhido — Não confio nesses seus amiguinhos de bar.
— A gente sabe muito bem o tipo de amiguinho que você confia, baby girl.
— Eu já estava de saída mesmo, não vai ser trabalho nenhum. — me intrometi rapidamente antes que o pedido virasse outra briga, uma vez que os dois estavam com os nervos a flor da pele. — Meu carro está na outra quadra.

Christina me seguiu relutante até o carro com seu irmão ao nosso lado e pude perceber ela estagnar ao lado do irmão quando destranquei a porta da van preta que dirigia.
— Oh, ótimo! — praticamente cuspiu. — Nada como uma van preta aterrorizante para me fazer sentir como no meu lugar seguro.
— Só vai embora logo, para de fazer drama que você já entrou em carros muito piores com pessoas aterrorizantes de verdade.
— Babaca.
Ouvi atentamente o endereço que Sid passou enquanto a garota se acomodava contragosto no banco do passageiro, ajeitando o cinto ao redor do corpo. Ele me passou seu número para que pudesse informar quando a deixasse no lugar indicado e não deixou de agradecer e se despedir da irmã com um olhar preocupado.
Já estávamos há quinze minutos sentados em um silêncio mortal seguindo pelo caminho indicado. Desejei do fundo do meu coração ter algo para dizer, alguma piada boba que salvasse aquele clima estranho. A observei de canto de olho com seus pés sobre o banco, acuada no canto contra o vidro, os olhos castanhos presos no retrovisor como se esperasse que algo pulasse do fundo da van.
— Você tem uma banda? — foi o que ela disse após longos e tortuosos minutos de silêncio.
Segui seus olhos pelo retrovisor encontrando as cases de guitarras e violão encostadas na case de bateria no fundo do veículo. Sorri quando nossos olhares se encontraram no espelho novamente.
— Tinha. Agora estou tentando vender essas tralhas pra fazer algum dinheiro.
— Entendo. — resmungou. — Você se importa? — perguntou, levantando o cigarro em minha direção esperando minha autorização. Acenei que não e ainda lhe estendi o isqueiro para que pudesse acendê-lo, ganhando um sorriso fraco como agradecimento enquanto ela descia o vidro.
— Você é amigo do Sid?
— Nós tomamos algumas cervejas e conversamos um pouco. Diria que somos conhecidos. — expliquei brevemente, mais preocupado no momento em olhar para fora procurar os números das casas da rua. — Seu namorado é sempre... truculento daquele jeito com você? — soltei a pergunta no tom mais suave e desinteressado que consegui reproduzir. Ao meu lado, a morena apenas deu uma risadinha.
— Truculento… — repetiu achando graça na palavra que havia escolhido, então balançou a cabeça como se aquela lhe fosse uma pergunta muito corriqueira. — Ele tem seus momentos, nada que eu já não esteja acostumada. — soprou junto com a fumaça sem se importar. — Eu consigo tomar conta de mim mesma, não precisa virar um membro do Clubinho do Sid.
— Não pretendia. — me defendi. — Eu só achei que...
— Conheço esse olhar, não é como se você fosse o primeiro ou vá ser o último. Eu não preciso e nem quero que me salvem de nada. — ela foi seca e direta, parecia cansada de dar o mesmo discurso que lhe parecia tão velho. Parei o carro em frente a casa branca que deveria pertencer a Sidney.
— Eu só achei que você pudesse fazer algum uso de um amigo. Só isso.
Por alguns segundos ela apenas me encarou sem dizer nada com o cigarro queimando entre seus dedos. Os olhos castanhos parados em mim, mas perdidos em um pensamento como se concordasse silenciosamente comigo. Tão logo seus pensamentos vieram e logo se foram, pigarreou limpando a garganta cortando nosso contato visual voltando a sua habitual pose de obstinação.
— Obrigada pela carona, . — saltou para fora do carro, dando uma última tragada no cigarro com a porta ainda aberta.
— Até, Christina.
Sorriu antes de ajeitar o casaco e bater a porta. Assoprou a fumaça para dentro do meu carro.
— Meu nome é . — foi a última coisa que disse antes de dar as costas e seguir para dentro da casa sem olhar para trás e conforme ela desaparecia enquanto a porta fechava eu soube que estava completamente fodido com aquela garota.

The moon invites the madness, brings out the worst in me


Naquela noite e em todas as outras que se seguiram minha cabeça esteve cheia de pensamentos heróicos em relação a . Sobre querer fazê-la abrir os olhos e enxergar o quão péssima era sua situação no momento, o quão mal Sal poderia estar lhe causando.
Conforme os dias iam passando eu ia me empenhando mais em me aproximar e ser aceito pelos amigos da morena e seu irmão, todo meu tempo livre quando não estava trabalhando no estoque do supermercado era usado para isso. Sidney foi uma pessoa fácil de fisgar, ele parecia ter um interesse especial em mim, como se realmente apreciasse minha presença ali. Seus outros amigos pareceram me receber bem conforme Sid ia me apresentando.
Até então Salvatore ainda me encarava ressabiado, talvez no fundo ele soubesse meu plano desde o início, talvez ele só tivesse ciúmes de qualquer homem que olhasse para sua mulher por mais de dez segundos. Em quase dois meses a quantidade de homens que ele havia socado por achar que eles estavam flertando com era impressionante. Só eu e Deus sabíamos como eu havia dado sorte de manter meus dentes intactos por todo aquele tempo.
facilitava para mim, quando eu estava por perto ela nem ao menos respirava em minha direção, era como se eu fosse invisível ou extremamente desinteressante. Seu irmão estava sempre ao meu lado como se me cercasse e eu me aproveitava daquilo, até porque com aquela aproximação Salvatore começou a me dar mais confiança.

Já deveria estar andando com eles a pelo menos cinco meses quando fui convidado a uma social na casa de Paul, um dos caras que andava com eles. Meu conceito de social sempre foi um pouco de cerveja e meus amigos conversando e dançando pela casa, então foi um pequeno susto ao encontrar o sobradinho tão lotado que tinha pessoas até na calçada aproveitando o som que explodia de lá de dentro jogadas no gramado mal cuidado. Abri meu caminho com uma caixa de cerveja por entre as pessoas, seguindo as cegas até onde achei que seria a cozinha encontrei Lionel, o melhor amigo de Salvatore, que me cumprimentou com um tapinha respeitoso nas costas e avisou que o resto do pessoal estava no quintal de trás se divertindo. Entendi se divertindo como fumar maconha ou alguma droga recreativa. Coloquei as latas de cerveja no freezer, pegando uma garrafinha de água antes de seguir para onde Lionel havia indicado.
Fingi não estar decepcionado ao ver levar uma nota enrolada de encontro a uma carreira de cocaína que estava numa bandeja prateada sobre a mesa de churrasco que tinha no lugar, apenas esbocei um sorriso para Sid que sorriu largo ao me ver e cumprimentei o resto das pessoas.
— Seu melhor amigo chegou, Sid. — Sal pirraçou depois de dar um soquinho no meu punho estendido, seu tom era jocoso, como se o assunto fosse uma piada interna deles.
riu junto com o namorado, se ajeitando em seu colo e recebendo um beijo no pescoço como recompensa. Sidney apenas sorriu e eu me sentei ao seu lado no banco.
— Quer dar um tiro? — ofereceu a nota que ainda estava em sua mão.
— Já ganhei um, docinho. — sacudi a garrafa de água apesar de não ter usado nada e nem querer fazer uso, ficar louco com eles não era algo que eu quisesse pra minha vida.

A noite seguiu calma, apesar de toda vibe de agressividade e impulsividade eles eram pessoas toleráveis para se passar o tempo. Já passava das três da manhã quando e Sal sumiram para dentro da casa e eu fiquei conversando com os rapazes do lado de fora ouvindo suas histórias absurdas de conquista ou briga.
Depois de algum tempo Sid me pediu para ir com ele buscar mais cerveja no mercado próximo dali, o segui até seu carro e pedi para dirigir, não iria entrar no carro com um cara bêbado. O mercadinho era perto e ele foi rápido ao escolher várias caixas de cervejas gelada e pagá-las no caixa. Eu deveria ter prestado mais atenção ao modo como ele me olhava, de como toda hora ele tinha desculpas para me tocar, se eu ao menos tivesse sido mais sensitivo em relação ao flerte teria tido alguma outra reação ao beijo que ele me deu depois que guardamos as coisas no porta-malas.
Foi logo após deixar a última caixa e abaixar a tampa, não teve clima ou longas olhadas, ele apenas segurou a lapela da blusa que eu estava usando e me puxou para perto, chocando nossos lábios com força. Era a primeira vez que eu beijava um cara e foi completamente estranho eu ser a pessoa forçada contra o carro e ter os cabelos puxados. Ele deslizou a língua pelo meu lábio e meu instinto foi deixá-lo passar, algo no fundo da minha cabeça mandava eu empurrá-lo, mas minha curiosidade estava falando mais alto e assim que nossas línguas se tocaram eu deixei de querer sossegar. Não tive qualquer sentimento mais profundo a não ser tesão quando Sidney me apertou ainda mais contra o carro e deslizou a mão por meu tronco.
Nos beijamos por longos minutos e poderíamos ter continuado, não fosse o empurrão assustado que eu dei quando ele encostou no meu pau por sobre o jeans.
— Desculpe. — ele murmurou enquanto arrumava os longos cabelos castanho claro parecendo desconcertado. Meus olhos arregalados captaram o volume em sua calça e logo percebi que eu não estava muito diferente.
— Eu… Eu não sou gay. — foi tudo que consegui vomitar, um pouco chocado por minha própria reação.
— Eu também não sou. — Sidney abriu um sorriso sacana e voltou a se aproximar de mim selando brevemente nossos lábios. — Gosto e muito de mulher, mas você e sua cara de salvador da pátria me dão um puta tesão.
Engoli em seco um pouco confuso com toda aquela situação, com as reações do meu corpo, o empurrei e fui para meu lugar de motorista.
— Nós precisamos voltar, estão esperando a cerveja. — falei sem jeito antes de me enfiar dentro do carro e ficar em completo silêncio esperando-o. Logo ele entrou e continuou calado, respeitando meu momento.
Estava tirando as caixas do carro e ele ao meu lado me ajudando. Sussurrou para mim antes de seguir para dentro da casa:
— É nosso segredinho, você sabe onde me encontrar quando quiser.
Não o respondi, apenas observei-o seguir confiante por entre as pessoas, tomei um tempo antes de levar tudo para cozinha, onde não encontrei sinal de Sidney.

A casa já estava consideravelmente vazia e havia espaço nos sofás da sala. As poucas pessoas por ali pareciam muito alteradas, algumas delas desmaiadas pelos cantos. Me joguei com uma garrafa de água no sofá vago, parando para observar tudo ao redor.
Um barulho de porta batendo ecoou por cima do som alto. Então eu a vi descendo correndo, seu rosto lavado em lágrimas e com sangue rolando solto de seu nariz, enrolada em um casaco que cobria somente até acima de sua bunda. Nos últimos degraus seus pés lhe traíram fazendo-a tropeçar e cair.
Em um salto já estava em pé, correndo em sua direção para ampará-la. ergueu os olhos castanhos assustados para mim e um soluço, que interpretei como alívio, lhe acometeu, dando início a mais uma onda de choro. Enrolou seu braços magros ao redor de meu pescoço, apertando-me forte contra si mesma.
— Por favor…. Por favor. — implorou em meio ao choro.
— O que aconteceu, ? — perguntei, tentando levantá-la, contudo ela parecia não ter mais força em suas pernas. Me vi passando o braço por baixo de suas pernas a pegando no colo. — ?! Me responde, o que aconteceu? — perguntei, sentindo meu sangue ferver ao vê-la se encolher.
— Embora. Por favor. — gemeu baixo, em uma súplica.
Ninguém ao redor parecia ligar para a cena lamentável que se desenrolava, mas por instinto a apertei mais contra mim, segurando firme seu corpo pequeno a levando para fora. Foi fácil localizar a enorme van preta estacionada no começo da quadra, sentei a morena no passageiro, passei o cinto ao seu redor e sentei desconcertado no meu lugar no banco do motorista.
Aquela noite estava ficando confusa demais para mim.
se recusou a ir a um pronto socorro, mesmo com minha insistência em pagar qualquer despesa hospitalar. Rodamos algumas quadras por algum tempo, abraçando suas pernas nuas contra o peito e eu suspirando, ora irritado por sua teimosia, ora preocupado por sua falta de palavras. Depois de passar pela quinta vez pela mesma farmácia 24 horas decidi parar e comprar algum curativo e anti séptico para limpar seu machucado e algum remédio para dor que ela provavelmente estava sentindo. O olhar que ela me deu acuada em seu canto partiu meu coração.
Decidi que a deixaria na minha casa aquela noite até ela me contar o que havia acontecido. Não protestou quando a peguei no colo novamente para irmos até o elevador, até cooperou passando seu braço atrás do meu pescoço.

Havia deixado-a no sofá com uma manta na tentativa de deixá-la mais confortável e antes de seguir para a cozinha a vi se enrolando no pano e voltando a chorar. Meu coração doía de ter que vê-la assim e ao menos saber o motivo, só queria que as coisas ficassem bem com .
Desde que havia começado a andar com eles a sequência de abusos que a via sofrer era terrível e ela os enfrentava com um sorriso no rosto achando que se não fizesse barulho ficaria tudo bem.
Salvatore não tinha medo de erguer sua mão para a mulher na frente de quem estivesse, ele sabia que ninguém reagiria. Nem Sid, nem Paul ou Lionel, ninguém faria nada contra ele e ele sabia disso. Se Sal achasse que alguém estava olhando para , esse alguém deveria apanhar. Se ele achasse que alguém estava o roubando, esse alguém deveria morrer. Era o medo de sua insanidade que calava a todos e eu suspeitava que era o medo que mantinha ao seu lado.
Fervi um pouco de água e fiz um chá para a garota na intenção de acalmá-la. Sentei a sua frente, munido com as coisas que havia comprado na farmácia e percebi seus olhos me evitando. Estendi a caneca com camomila temperada com mel, ainda soltando rolos de fumaça de tão quente, junto dois comprimidos de Advil.
os pegou desconfiada, os olhos castanhos presos na manta que cobria suas pernas. Jogou o remédio para dentro e tomou um gole da bebida para ajudar a descer, com uma careta se recostou melhor nas almofadas do sofá. Seu cabelo curto se moveu, revelando o pescoço com uma enorme marca roxa, engoli em seco ao reparar que seus pulsos também estavam no mesmo estado. O que quer que tivesse acontecido tinha sido péssimo.
— Vai me contar? — perguntei, conforme limpava o corte acima do osso do seu nariz com a gaze embebida no antisséptico. A maçã de seu rosto já começava a arroxear numa nítida linha que seguia do topo de seu nariz até o final da bochecha, como se tivesse batido forte o rosto contra algum móvel. A única resposta que obtive foi um gemido dolorido. Não insisti, apenas foquei em limpar todo o sangue de seu rosto.
— Eu posso tomar um banho? — o sussurro escapou de seus lábios quando terminei o curativo improvisado.
Acenei positivamente, ficando em pé para ajudá-la. Ela encolheu quando toquei em seu ombro, fugindo de meu toque. Tudo que me restou foi respeitar seu silêncio e seu pedido mudo por distância, mostrando o banheiro e entregando uma muda de roupa para que pudesse se trocar. tirou o casaco antes que fechasse a porta, deixando-a sozinha, revelando o corpo magro coberto de hematomas vestido apenas de uma calcinha, fazendo meu pensamento voar em Salvatore e sua brutalidade.
saiu depois de algum tempo, ficamos sentados lado a lado em silêncio no quarto iluminado apenas pelo abajur. Já havia parado de chorar, o que me aliviava um pouco, mas seus olhos continuavam mortos e presos em lugar nenhum, como se sua mente estivesse a quilômetros dali.
Depois de algum tempo ela puxou as cobertas para se deitar e eu a imitei deitando ao seu lado, então estávamos os dois encarando o teto, desconcertados e incertos ouvindo as próprias batidas do coração.
— Eu já tentei escapar, sempre tento. Mas ele sempre me acha. — murmurou depois de muito tempo sem virar os olhos para mim. — É como se ele pudesse sentir o cheiro do meu medo.
!
— Ele só vai me deixar em paz quando eu morrer, não é? — uma lágrima escorreu por seu rosto e ela a limpou rapidamente.
— Me diz o que aconteceu, por favor. — implorei.
— Ele surtou quando eu disse que não queria transar. — seus lábios crisparam em um bico que anunciava o choro que ela segurava tão forte, mas as lágrimas teimosas começavam a descer sem permissão. — Ele… ele me bateu quando tentei sair do quarto, ele me bateu muito. E eu tentei gritar, eu juro que tentei, mas ele me segurou pelo pescoço e eu vi tudo preto… — sua voz morreu quando seus dedos tocaram o próprio pescoço. — Quando eu acordei ele estava em cima de mim. Dentro de mim. E eu tenho tanto nojo de ter deixado ele me tocar.
, não...
— Quando ele terminou e foi pro banheiro eu só consegui correr de lá. Mas ele vai me achar, . Ele vai me achar.
Ela chorou e eu quis chorar junto, sentia o gosto da bile subindo por minha garganta conforme a onda de ódio tomava conta do meu corpo ao entender o que Salvatore havia feito com . Como alguém conseguia ser tão sádico? Como alguém poderia ser tão covarde a ponto de violar a própria companheira?
, nós temos que ir a delegacia, ele não pode fazer isso com você e sair como se nada tivesse acontecido.
gargalhou sem um pingo de humor, finalmente virou os olhos sem vida em minha direção, fazendo meu peito se contorcer em agonia ao vê-la tão mal.
— Meu Deus , você não entende mesmo… — o sorriso em seu rosto chegava a ser dolorido de tão forçado. — Se eu for dar parte dele eu sou uma pessoa morta. Mas antes ele vai matar toda minha família, vai matar Sid, vai matar você… Não tem como vencer de Sal.
Me virei totalmente para ela, secando as lágrimas em seu rosto com minhas mãos, seus olhos fixaram nos meus e tive que sintonizar toda minha paciência e autocontrole para acalmá-la e tentar fazê-la ver outras saídas.
— Ninguém é invencível ou insubstituível, . Quando ele terminar de te destruir, e ele vai se você deixar, outra mulher vai estar no seu lugar. — segurava seu rosto com delicadeza, a fazendo prestar atenção ao que eu dizia. — Nós precisamos pará-lo enquanto ainda podemos, você merece que a justiça seja feita.
— Você não entende.
— É você quem não entende. Não vou suportar ver você assim outra vez. Eu vou perder a porra da minha cabeça se ele te machucar outra vez, .
Apenas ficou calada e me abraçou, deixou sua cabeça encaixada em meu peito chorando pelo resto da noite até adormecer ainda aninhada em mim.
Não lembro de ter fechado meus olhos por mais de cinco minutos naquela noite, só lembro de mandar uma mensagem pra Sid avisando que sua irmã estava comigo e ele perguntar se estava tudo bem. Não o respondi, só abracei a garota de volta a segurando até ela acordar na intenção de lhe passar alguma segurança.
Na intenção de me dar alguma segurança.

It’s cheaper to be guilty than lie right through my teeth


O sorriso maldoso de Sal continuou preso em seu rosto por todas as noites seguintes, como se nada fora do normal tivesse acontecido. Nem ao menos estranhou a ausência de por toda semana, tendo ao seu lado duas garotas grudadas em seu pescoço como se suas vidas dependessem disso. E Deus sabia que talvez dependesse mesmo.
Por dentro meu corpo queimava de ódio, como se cada célula minha implorasse para ignorar qualquer etiqueta criminal e clamasse a vingança que a garota merecia. Cada risada que escapava da boca de Salvatore me fazia lembrar dos dois primeiros dias que havia passado em minha casa como um zumbi, sem querer comer ou falar, deitada em minha cama embolada nas cobertas totalmente quebrada, e isso fodia demais com a minha cabeça.
Sid tentou me ajudar a convencê-la de que a melhor saída era irmos a delegacia, que ele não faria nada com nenhum de nós, mas nada parecia tirá-la daquele terror psicológico que ele havia a colocado.
Não havia mentido que iria perder minha cabeça se ele a tocasse novamente, não tinha entrado naquele mundo para deixá-lo destruir completamente a garota que atormentava meu sono. Não iria assistir de camarote a minha garota ser consumida pela maldade humana. Foi pensando em sua segurança que peguei o telefone público e fiz uma denúncia anônima sobre a violência doméstica. Meu coração ficou mais leve sabendo que eu estava fazendo a coisa certa por ela.
Tanto Sid quanto eu concordamos que seria mais seguro deixar ficar em minha casa até que a medida protetiva fosse emitida, o que dificultaria ainda mais qualquer aproximação de Sal.
Ficou histérica quando soube o que eu havia feito, gritou e chorou abraçada em mim desesperada com o que poderia acontecer. Com alguns dias acabou aceitando, mas tremia cada vez que alguém batia na porta.
— Vamos fugir. — ela sussurrou contra meu peito.
Estávamos deitados no sofá, eu tentava assistir tv enquanto corria meus dedos por seu cabelo em um cafuné que ela dizia ser calmante.
Depois de três semanas em minha casa, havia confessado ter passado a me ver como um porto seguro ao invés de ameaça e de como gostava de ficar próxima, dividindo calor. Não era nada sexual, apesar de posição íntima, sabia que o que ela buscava era conforto e não outra coisa, então dei meu melhor para não fazer nenhum avanço.
— Vamos fugir, eu, você e Sid. — ela disse novamente, levantando os olhos para mim, olhando-me como uma criança, fazendo tudo dentro de mim se amornar. — Por favor.
— E pra onde nós vamos?
— Qualquer lugar. Outra cidade, outro estado, outro país… Outra galáxia.
Gostava tanto de sua voz e a forma como falava despreocupada. Gostava de meus dedos passando por seu cabelo e suas mãos torcendo o tecido da minha camisa como se tivesse medo que eu sumisse. Eu nunca teria coragem de dizer não para algo assim.
— Qualquer lugar com você. — completou, erguendo mais o nariz em minha direção, o sorriso discreto em seus lábios cheios.
— Qualquer lugar com você. — concordei, sentindo meu peito formigar com suas palavras.
Seus olhos desceram para meus lábios e ficaram presos lá por algum tempo, o sorriso que havia em nossos rostos foram esmaecendo conforme nos dávamos conta do que estava acontecendo. Percebi o brilho não habitual no castanho de seus olhos, o leve umedecer que ela deu em seus próprios lábios inconscientemente. Se alguma vez antes eu quis beijar alguém tanto quanto queria beijá-la naquele momento, eu desconhecia.
se esticou ainda mais em minha direção, primeiro roçando sua boca na minha timidamente, dividindo nossas respirações por um breve momento antes de colar nossas bocas em definitivo. Pude sentir todo e qualquer membro meu formigar e eletrizar, o desejo reverberar dentro de meu peito antes mesmo de provar sua língua.
Nos beijamos até os lábios ficarem dormentes, até eu conseguir ler a pele de sua cintura com a ponta dos meus dedos e perder toda noção do tempo. Sua mão em minha nuca parecia ter encontrado sua casa e eu queria que ela ficasse ali para sempre, mas até mesmo para sempre parecia pouco tempo naquele momento.
— Com você. Pra qualquer lugar.
Quando aquelas palavras escorregaram para fora de seus lábios inchados e sensíveis eu soube que havia arruinado qualquer chance de levar uma vida tranquila depois daquilo. Grudei em sua boca novamente, atormentado pelo doce gosto da minha ruína.

How’d I become so ruthless? Where is the other me?


Sid havia se empolgado com nossa ideia de ir para um outro lugar, longe de todos. Tínhamos esse plano louco de ir pra Califórnia, viver no sol e naquele momento tudo parecia se encaminhar para acontecer logo. Entretanto, até que tudo estivesse certo, teríamos que passar a Sal que as coisas estavam normais. Para ele, tinha ido visitar a mãe em Nova Jersey e passar uns dias lá e ele não poderia se importar menos.
Haviam convocado uma reunião secreta no porão do La Blanca e eu era um dos convidados. Apesar do medo de sair de lá de dentro em um saco preto, me forcei a participar. Poucas pessoas estavam lá, rostos muito conhecidos e pouco bem encarados. Salvatore foi rápido e sucinto quanto ao motivo de todo mistério: o roubo do Citibank estava arrumado.
Olhei confuso para Sid que apenas apertou minha mão em silêncio, os olhos ainda presos no moreno a nossa frente.
— As princesas não precisam ficar com medo, ninguém vai sair machucado de lá. — declarou Sal depois de se jogar em sua poltrona. — Cada um vai cumprir sua parte direitinho e no final estaremos com muito dinheiro no México.
Ele explicou os pormenores do plano e eu me sentia no fundo da minha própria cabeça, confuso demais com toda a conversa. Então o moreno jogou uma arma sobre a mesa de centro, perguntou se todos sabiam usar.
Eu senti gelo descendo por minhas pernas durante os quarenta minutos que se seguiram, totalmente desprotegido no meio de criminosos que queriam me ensinar a atirar em alvos ridículos dentro de um ambiente fechado, como se esperasse uma bala bondosa finalmente ricochetear e vir certeira em minha direção. Sid ao meu lado não parecia tão mais contente, mas pelo menos tinha alguma cor em seu rosto, ao contrário de mim.
Antes que pudéssemos sair sem sermos percebidos, Salvatore veio como um falcão em nossa direção, segurando amigavelmente o braço de Sid para grunhir em seu ouvido:
— Mande a vagabunda da sua irmã voltar das férias na mamãe logo, preciso dela para me ajudar. — deu as costas antes que pudesse ouvir uma resposta.
Sidney apenas deu ombros e seguiu para fora, como se nada tivesse acontecido.

se arrastou para o colchão no meio da minha sala que vinha servindo como minha cama, uma vez que havia cedido meu quarto para que ela tivesse seu espaço próprio e não se sentisse invadida pela minha presença até superar seus traumas. Entretanto, nas duas últimas noites, ela deu um jeito de se esgueirar por minhas cobertas, enroscar suas pernas nas minhas e roubar meu travesseiro quando achava que eu já estava ferrado no sono.
… — sussurrou perto de mim, deslizando para baixo do cobertor em que eu estava enrolado. — Está acordado?
Abri meus olhos, conseguindo a enxergar graças aos fiapos de luz que passavam pela cortina vagabunda da sala. Seus cabelos estavam crescendo e a franja antes curta demais agora dançava teimosa acima de seus olhos, apenas deixando-a com um ar mais delicado que não lhe cabia.
— Sim. — respondi preguiçoso, puxando-a contra mim e a ajeitando em meus braços. — Não está conseguindo dormir de novo?
— Tive um pesadelo. — confessou, deitando sua cabeça em meu ombro. Ficou em silêncio uns bons segundos antes de emendar, receosa: — Não quero fazer parte desse assalto, . Estou com uma sensação muito ruim.
— Vai dar tudo certo, Christina. — tentei parecer seguro quando disse isso, mesmo sentindo a vibração péssima em meu estômago. Por segurança segurei mais firme contra seu corpo. — Quando eles fugirem para o México nós vamos para o outro lado e não vamos olhar para trás.
— Eu sei, mas…
— Mas?
— E se alguma coisa acontecer com você ou com Sid? Eu nunca iria me perdoar.
— Não vai acontecer nada, . — beijei o topo de sua cabeça com carinho. — E mesmo se tivesse que acontecer alguma coisa, não quero que você se culpe.
— Vocês só estão nisso por minha culpa, como você quer que eu não me sinta culpada?!
— Eu estou aqui por uma decisão minha, . Sou um homem adulto que responde que por seus atos, então se eu estou nessa foi porque eu quis. — tenho plena certeza de que poderia ter soado rude e a magoado por alguma razão pelo silêncio que se seguiu.
Abri minha boca para tentar concertar minha frase, mas antes que algum som pudesse sair, a boca de estava colada a minha. Ela me beijou como se soubesse que talvez não fosse ter outra oportunidade, me impregnou com seu sabor e cheiro, enroscou as unhas curtas em meus cabelos.
Perdi a noção do tempo e do espaço conforme minhas mãos contornavam seu corpo com dedicada atenção, apertando e acariciando cada pequeno pedaço de pele que estivesse disponível. A morena se ocupou em descer seus beijos por meu queixo, pescoço e peito e eu me senti perto de chorar quando ela passou uma perna por mim, sentando certeira em uma parte que clamava por sua afeição e girou os quadris lentamente.
chupou meu lábio antes de me beijar novamente, até quase me fazer perder o fôlego. Então se afastou minimamente apenas para me encarar com seus olhos castanhos perdidos. Então se curvou para mim novamente para sussurrar urgente contra minha boca:
— Estou tão cansada de romances ruins e amores pela metade. Eu preciso que você me ame por completo, . Eu quero ser sua por inteiro, mas quero que você seja meu também. Eu preciso disso.
— Eu já sou seu desde o primeiro instante, Christina. Você me tem na palma das suas mãos e nem sabe. — confessei no mesmo tom. Sua resposta rápida foi me beijar novamente.
Lembro-me perfeitamente de cada detalhe sua pele e curva de seu corpo, mesmo tendo como aliado a pouco luz que vinha da rua. Do seu hálito batendo contra minha pele suada e seus gemidos baixos que seguiram pela noite toda. O sorriso carinhoso em seu rosto ao voltar a deitar sonolenta e satisfeita ao meu lado no pequeno colchão de solteiro que nos servia de cama.
Ela correu os dedos por meu rosto e deu um beijinho casto antes de finalmente se entregar ao sono e dormir em meus braços.
— Eu amo você, Chris.

You put the gun in my hand so now run


Sentia meus joelhos tremerem a cada passo vacilante que dava em direção as portas de vidros do pequeno banco da cidade. Era difícil enxergar corretamente pelos pequenos buracos da máscara de palhaço que cobria meu rosto e o macacão azul escuro da equipe de manutenção era pequeno e quente demais para mim, fazendo o suor escorrer gelado por minhas costas e a arma em meu bolso ficar pressionada em minha perna como um ferro incandescente.
— Todo mundo para o chão! — a voz de Salvatore reverberou pelo espaço, a Glock firme em sua mão acertou sem misericórdia o segurança do banco que caiu sem a chance de defesa, deixando claro o que aconteceria com quem ousasse contradizer sua ordem.
Vasculhei a agência com os olhos atrás da minha garota e a encontrei de olhos arregalados, se jogando de barriga no chão e as mãos atrás da cabeça, deixando seu pequeno celular preto cair desmontado ao seu lado. Ela havia sido os olhos da gangue lá dentro, respondendo a mensagem inocente que havia sido enviada: “Vamos sair hoje?”.
“Eu tenho uma surpresa pra você” foi o código que liberou nossa entrada e começou todo o tumulto.
Sal e Lionel tinham armas apontadas para os caixas enquanto berravam para colocarem o dinheiro nas malas. Sid tinha uma arma grande e os olhos presos na porta pronto para abrir fogo em quem tentasse entrar ou sair e a mim cabia a função de proteger as costas dos homens com o dinheiro, contudo minha arma dançava em minha mão e meus olhos se revezavam entre eles no balcão e jogada no chão apavorada.
Todo o ato não durou mais que cinco minutos, logo os dois estavam correndo para porta novamente.
— Pega a garota! — Salvatore gritou quando passou por mim. Fui rápido ao pegar do chão e a arrastar para fora. A morena se debatia de uma maneira nada teatral, parecendo realmente apavorada com seu papel de refém.
— Não! Me larga! Por favor, me solta. — implorou aos gritos, tentando inutilmente se jogar na calçada que seguíamos. — Por favor!
— Já está quase acabando, calma.
— Isso não fazia parte do plano, me deixa ir, por favor. — grunhiu em puro pavor para que só eu pudesse ouvir. A nossa frente Sid corria para a ruela onde o carro estava nos esperando. Tínhamos que ser rápidos para correr antes que a polícia chegasse.
— Não vai acontecer nada, amor. Eu estou aqui. — tentei a acalmar em vão, logo percebendo as lágrimas escorrendo em seu rosto.
Quando viramos a esquina avistei o carro preto ligado esperando no meio da quadra, as malas com o dinheiro já sendo jogadas no porta malas.
E então tudo desandou.
Salvatore virou-se com o olhar mais diabólico que já tinha visto parecendo estar vendo além de nós. Tive a impressão de ver tudo em câmera lenta quando o sorriso brotou maquiavélico em seu rosto e ele ergueu a arma em nossa direção, lembro de ter visto o brilho do disparo, mas não ouvi nenhum som além do zumbido do sangue correndo em meus ouvidos. Em um segundo estava correndo, no outro meus joelhos finalmente tinham vacilado de vez e eu estava no chão com ao meu lado.
Procurei meu ferimento desesperado pronto para sentir a dor lancinante a qualquer segundo, porém nada veio além do grito agoniado de . Ela se arrastou de costas para trás de mim e o vislumbre da enorme poça vermelha em sua barriga fez o mundo parar de girar. Minha primeira reação foi largar a arma ao seu lado e fazer pressão sobre o ferimento, ganhando mais um grito de dor como resposta.
— Vai ficar tudo bem, . Vai ficar… — parei de falar ao vê-la levantar minha arma para cima de meu ombro encarando alguém as minhas costas.
— Lembre sempre disso quando for tentar me foder, vadia! — a voz grossa de Salvatore parecia zombar da garota que empalidecia cada vez mais a minha frente. Um pedaço de papel foi jogado sobre ela. — Violência doméstica, ? Nunca vi morto reclamar.
O disparo logo ao lado do meu ouvido me ensurdeceu, mas não o suficiente para deixar de ouvir a gargalhada estridente do moreno atrás de mim.
— Vou deixar você tentar novamente, boa sorte.
A próxima coisa que escutei foi o carro arrancando. finalmente abaixou a arma, a largando no chão. Sua mão suja de sangue arrancou a máscara do meu rosto desajeitadamente e escorreu os dedos por minha boca. Uma lágrima rolou por meu rosto vendo seus lábios roxos e olhos opacos.
Olhei por cima de meu ombro, vendo Sid vir cambaleando em nossa direção, a máscara em seu rosto estava quebrada pelo que eu suspeitava que fosse resultado de um golpe inesperado. grudou na lapela do meu macacão e desceu o zíper do mesmo com suas mãos trêmulas.
— Corre. — sussurrou em um fio de voz. — Você precisa correr.
— Nós não vamos te deixar aqui, .
— Agora. — ordenou sem forças, puxando o macacão para baixo tentando tirá-lo, revelando a roupa que eu usava por baixo. — Tira isso e vai embora, .
— Não! — me segurei para não gritar e afastei sua mão rapidamente para então voltar a pressionar a ferida que não parava de sangrar. — Não vou te largar aqui.
— Vocês vão ser presos, saiam daqui. — grunhiu desesperada. — Vai ficar tudo bem comigo, amor.
Sid me puxou pelo ombro e eu o olhei já sem seu macacão e máscara. Podia ouvir ao fundo as sirenes se aproximando, mas já não conseguia sentir medo algum.
— Nós precisamos ir, cara. Eles vão socorrer ela. Ela é a refém e nós os ladrões, precisamos correr.
— Não vou correr pra lugar nenhum, caralho.
O engatilhar da arma foi o que chamou minha atenção para novamente. Ela apontava a arma para mim sem qualquer dúvida em seu rosto, apenas as lágrimas descendo impiedosamente por sua pele.
— Agora! — grunhiu.
— Eu não me importo se você atirar em mim, . — ri sem humor, reforçando que não sairia dali. Então seus olhos já opacos estreitaram ainda mais em minha direção e a arma virou para baixo de seu próprio queixo. — Você não faria isso.
— O que eu tenho a perder?
, vamos! Ela vai ficar bem. — Sid me puxou em desespero novamente, seus olhos presos em e na arma em sua mão. Já podia ver as luzes vermelhas e azuis ricochetear nas paredes, perto demais de nós. — Temos que ir agora, !
Levantei rapidamente, me livrando da roupa azul limpando minhas mãos empapadas de sangue na mesma. Me ajoelhei uma última vez ao seu lado plantando um beijo em seus lábios gelados.
— Eu volto pra te buscar, Chris. Me espera.
— Eu amo você. Não esquece disso. — ela murmurou quase inaudivelmente contra meus lábios.
Não pude responder, Sid me puxou muito rápido e me arrastou as cegas pelas ruas. Queria dizer que tenho certeza do que aconteceu nas horas seguintes, mas o estado de torpor que me encontrava não era humano. Tenho a vaga lembrança de entrarmos em um bar, de ter lavado o sangue das minhas mãos, de escurecer e várias viaturas passarem pelas ruas. De o dono do bar pediu educadamente para nos retirarmos no meio da madrugada depois de ficarmos quietos no canto bebendo a mesma caneca quente de cerveja desde cedo. De uma casa estranha cheia de gente que nunca havia visto em minha vida e dormir no chão duro ao lado de Sidney.
Porém de tudo que aconteceu naquele dia a lembrança mais vívida que tenho é da imagem da televisão na noite seguinte ligada no jornal local, a voz melodiosa da jornalista falando sobre a filmagem da fita de segurança do banco que rolava na tela. A legenda me atingiu dramaticamente como uma bigorna caindo do céu e me fez perder o ar, o chão e o controle.
“Assalto ao Citibank termina com refém e segurança mortos”.
Mortos.
Era um erro.
estava bem.
Só podia ser um erro.
Sidney entrou com o celular nas mãos e os olhos vermelhos, me abraçou forte e chorou em meu ombro. Quis acreditar por longos minutos de que tudo não passava um mal entendido e que logo minha garota entraria em contato pedindo para que tirássemos logo ela do hospital.
— Ela… Ela morreu, . morreu. — ele disse em soluços, afundando sua cabeça no meu peito.

Nos dias que seguiram não pude sentir nada além do vazio sufocante como se estivesse afogando com o ar. Queria ficar triste, chorar, sentir a dor que eu sabia que iria me consumir, mas estava preso neste estado de apatia. Ao menos sentia meu próprio coração bater, era como se um pedaço de mim tivesse morrido também.
Assisti o enterro de de longe enquanto a chuva assolava a cidade numa tentativa totalmente certeira de imitar meu estado de espírito. Conforme o caixão descia, lentamente, eu tinha a certeza de que nunca mais teria paz na minha vida.
Me lembrava perfeitamente de como tudo aquilo tinha começado… E me negava a deixar terminar assim.




Fim



Nota da autora: Leia a segunda parte da história em “13. So Criminal”. Não esqueça de comentar se gostou e se não gostou principalmente!



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