O final do começo: Parte 1
Should I be waiting on the high life
Where we all drink champagne
Fly first class on jet planes
Rub shoulders in the right way
Às vezes se esquecia um pouco do lugar em que se encontrava; às vezes se lembrava demais do local em que estava. Fosse pelas vezes que se lembrava ou pelas que se esquecia, ele gostava de deixar que as razões se misturassem e bebia pelos dois motivos.
Bebia por se lembrar, por esquecer, pra buscar um novo caminho, para criar uma alternativa para o sentimento incômodo que se instalava em seu peito quando ele pensava sobre si mesmo.
Às vezes era pelo que um dia voou de primeira classe e acordou no Japão com milhares de fãs gritando seu nome no aeroporto. Às vezes era pelo do qual seus pais não se orgulhavam mais, mas de quem continuavam falando com certa felicidade - o nome dele não saia com a mesma intensidade, mas ele sabia que ainda era o mesmo tipo de amor. Às vezes era pela falta de um substantivo atrelado ao seu nome, um que o fizesse estremecer de animação, felicidade, amor, qualquer sentimento positivo. Às vezes era pelo que não conseguia mais colocar seu nome na mídia da maneira que ele esperava e de um jeito que o trouxesse aquele senso de orgulho, como foi quando ele e os membros de sua banda conseguiram prêmios que só imaginavam no começo da fama.
De toda maneira, as pessoas sempre concordavam que ainda era sensacional. Era bonito, bem sucedido, tinha um humor contagiante (apesar de beber e festejar um pouco demais) e era educado na medida do possível. Ele mantia um bom nome com as parcerias e produções que ainda fazia no ramo, além de ser aquela pessoa a quem muitos recorriam quando precisavam de alguns momentos de alegria genuína, fosse por suas festas épicas ou seus bons conselhos amorosos.
Às vezes até considerava seguir as recomendações que dava, mas, por fim, acabava na cama de outras pessoas, ignorando seus sentimentos e se conformando com aquele sentimento de ser "às vezes": ele se considerava personagem secundário, que aparecia de vez em quando na tela, fazia algum comentário útil e fugia do palco, deixando espaço para que outros acrescentassem para a história. Ele era a inconstância, o ocasionalmente, o eventual.
Ele, desde os 20 anos, quando a fama decaiu como uma montanha-russa que só vai pra baixo, não conseguia mais se ver como alguém encantador, digno; ele só pensava que às vezes as coisas não funcionavam e os melhores dias haviam ficado para trás, em um passado que parecia durar para sempre.
Mas sempre não era às vezes. Sempre era um tempo verbal que não sabia mais considerar, então, quando apareceu, ele encontrou um motivo para pensar que talvez "às vezes" não fosse tão ruim assim.
O final do começo: Parte 2
We had a conversation about
How I should be received
And everyone agreed
Everyone except me
amava pessoas e seu trabalho, mas estava muito desconfortável naquele ambiente. Seus pés doíam, sua cabeça latejava e ela já sentia a boca com hálito ruim por não ter comido durante o dia inteiro, já que as gravações estavam se estendendo muito mais do que ela esperava. As cenas eram simples, mas o estúdio estava com problemas na fiação e as luzes não haviam cooperado naquele dia, então ela só queria dizer tchau para todo o elenco que se reunia naquele restaurante caro para celebrar o começo da última parte das gravações e ir para casa.
Sua personagem não era tão relevante assim para a história, mas ela estava extremamente satisfeita com sua atuação e seu papel. Todos eram educados, competentes e tão talentosos que ela ficava feliz simplesmente por poder compartilhar de uma paixão que poderia conquistar tantas outras pessoas. Ela estava animada, orgulhosa de si, porém também estava cansada, por isso já começava a sorrir amarelo para os produtores e para os colegas que contavam histórias com outros atores mais conhecidos.
Ela, diferente de tantos ali, não havia conhecido o glamour desde pequena. Considerada atrasada para o showbiz, era uma atriz contida que escolhia seus papéis meticulosamente pensando em impactos emocionais e desafios profissionais, sem considerar muito seu cachê. Como aquele não era o seu diploma principal de toda forma, ela preferia ser chamada para ser a professora substituta no jardim de infância do que ser mulher no parque número 3. Não que fosse errado ser a mulher no parque número 3, mas ela gostava mais de ser a mulher no playground cuidando dos alunos e pensando em desenhos que eles iam gostar de pintar no Dia das Mães.
- E você, - perguntou, sorrindo em direção a ela com seus dentes alinhados e bonitos. Ele tinha um rosto tão amigável que ela sempre sentia vontade de sorrir com ele. -, qual seu próximo papel?
Os olhares de todos na mesa foram na direção dela, que ficou levemente desconfortável. Para uma atriz, ela certamente não sabia lidar com o holofote.
- Nada nos planos ainda - deu um sorriso sem mostrar os dentes, tentando não abrir muito espaço para comentários. - E você? Vai voltar pro mundo da música ou se encontrou mesmo na atuação?
Rebater com perguntas era a solução para sua ansiedade, então ela, com seu talento nato de personagem secundária, abriu espaço para o protagonista do seriado falar sobre si. Não que precisasse de muito convite para conversar, já que era amigável e extrovertido; no entanto, ela precisava se camuflar para ficar o mais invisível possível e poder ir pra casa descansar. Ela pensava em como era exaustivo trabalhar com algo sobre si e não sobre os outros.
Enquanto ela largava sua taça de água de volta à mesa depois de beber, a observava com cuidado, tentando ser sutil. Era clara a expectativa que a mulher tinha de fugir dali, mas ninguém parecia notar sua presença delicada.
- Você sabe que pode ir embora quando quiser, não sabe? - ele falou sem querer. Culparia o drink em sua mão caso ela achasse que seu tom era acusatório ou rude, mas o olhar calmo dela o assegurou de que não seria necessário pensar em desculpas.
- Não quero parecer entediada ou incomodada, mas se eu cair de cara nessa mesa diga que foi pelo tanto que bebi e não por estar cansada - respondeu, fazendo sua melhor cara de séria. Mesmo esgotada, quis soar divertida para ele e ficou satisfeita ao ouvir sua risada baixa e curta. Eles não haviam trocado uma palavra sequer nos oito meses de gravação. Seus personagens participavam de arcos diferentes: enquanto ela era a terapeuta da protagonista, ele era o vilão que só seria revelado como tal no último episódio da temporada. Ela não estava cotada para retornar para a história depois da primeira temporada e ele, pelo que todos sabiam, já havia anunciado publicamente que gostaria de continuar fazendo parte daquele projeto.
- Sentada ao meu lado, com certeza vão acreditar se eu falar que coagi você a beber mais do deveria.
sabia da fama de . Se estivesse sendo completamente sincera, ela já havia lido diversas notícias sobre suas festas saindo do controle e recebido perguntas de seus conhecidos sobre ele, como se fossem melhores amigos compartilhando segredos simplesmente por estarem em um mesmo seriado de TV. Era engraçado para ela que, mesmo nas poucas vezes em que se cruzaram, ele nunca pareceu do tipo que jogaria uma cadeira cara na piscina de um hotel e acabasse nu na capa de uma revista de fofoca quando tinha acabado de fazer 21 anos. Com a maioridade em todos os países e o nome conhecido em todo o globo, e sua fama não domesticada era algo difícil de não se saber sobre, por isso, sim, ela sabia sobre ele o tanto que se poderia saber através das palavras de terceiros.
No entanto, ela escolheu percorrer um caminho diferente, deixando que ele pudesse ver sua própria história por outros olhos.
- Na verdade, sentada ao seu lado, certamente não vão acreditar se eu disser que estou cansada ou entediada - respondeu, piscando para ele. - Vejamos o copo meio cheio, senhor .
Ele não entendeu muito bem o que ela quis dizer, mas gostou da mudança de rumo. Gostou de não ser o famoso incontrolável, a subcelebridade sem limites que havia perdido seu momento e continuava tentando ser relevante com projetos toscos ou escândalos pequenos que seriam esquecidos em segundos. Havia algo no olhar de que ele queria entender melhor. Era um pouco de espaço para que ele criasse sua própria versão, um personagem principal que só ele poderia contar. Havia um pouco de curiosidade, de confiança e até mesmo otimismo que ele achou que só pudesse ser direcionado para , que era o ás do grupo. , sim, merecia os elogios que o perseguia: ajudava projetos com propósito, atuava bem, cantava como ninguém e sua aparência era convidativa como a de , ao seu ver, jamais seria. E nem era somente por aspectos físicos, mas, sim, porque era e era .
Sem complexo de inferioridade ou pena de si, era só a constatação de que era o "sempre" e era o "às vezes".
Às vezes presente, às vezes talentosos, às vezes perspicaz.
- Mas foi uma frase da personagem da que me fez ter vontade de voltar a escrever. "Você perdeu tantos amigos, mas espera que eles te encontrem de novo", sabe? - a voz de trouxe a atenção de novo para a mulher e vasculhou em sua mente quantas vezes seu amigo já havia falado sobre ela antes. Constatando que não era a primeira vez, sentiu-se ansioso ao notar os olhos brilhantes do amigo olhando na direção dela. - A vai ser uma terapeuta indireta pra muita gente, com certeza.
não havia prestado atenção na primeira parte da resposta de , porque realmente só havia rebatido com outra pergunta para poder fugir, mas acabou sentindo-se um pouco culpada de não ser mais atenciosa ao ver que o homem insistia em trazê-la para a conversa.
Ele olhava para ela em expectativa, como se esperasse que ela respondesse algo à altura. , porém, sentia a necessidade de chamar sua atenção para poder entender o que se passava na mente dela, como se sua própria perspectiva sobre si dependesse de sua opinião.
- Acho que talvez o precise de uma na vida real, então - outro personagem secundário falou; ninguém gostava muito dele e de seus comentários desnecessários. - A terapeuta dele deve estar precisando de umas férias mais que merecidas depois desses últimos acontecimentos.
Ele, bêbado em rede nacional e ao vivo, com uma traição pública exposta por parte da namorada, acusação (falsa) de plágio e mais algumas fofocas sobre suas festas incomodando vizinhos e acabando na delegacia. , cansado do "às vezes", estava se tornando o "quase sempre" que ninguém queria admitir, mas por alguma razão não queria que o visse daquela forma. Não queria que ninguém daquele círculo, que marcava sua vontade de fazer parte de algo importante de novo, pensasse que ele era só um perdedor que havia passado pelos melhores dias da sua vida e jamais seria tão feliz quanto já havia sido.
Adquirindo aquele ar de irritado, ele olhou para o outro ator, que não havia se incomodado nem um pouco ao fazer a declaração, e permitiu-se ficar calado. Revidar parecia confirmar que ele não estava bem e ele quis ser melhor do que um ator medíocre com problemas de raiva.
o olhou como se perguntasse se ele estava bem e ele confirmou com a cabeça. Já , que continuava cansada e com fome, bateu com o indicador na mão que deixava repousada na mesa, chamando a atenção dele pra si.
- Ei, esse lugar é caro demais para mim e estou cansada de manter meus sapatos nesse restaurante - ela cochichou. - Você me daria a honra de acompanhar-me para uma janta digna de tirar os sapatos, com direito a ketchup ruim de pacotinho e batata frita de ontem?
- Quando vocês começaram a conversar? - perguntou, olhando e com um sorriso engraçado no rosto. O elenco todo estava reunido no estúdio em que o bar do personagem do era dono, celebrando a última cena a ser gravada.
Os produtores decidiram que dar uma festa naquele local seria uma boa maneira de comemorar e todos concordaram na hora. Por mais que não fossem próximos, os atores tinham uma boa relação, então era uma atmosfera amigável e tranquila.
As luzes estavam baixas e as prateleiras tinham diversas bebidas falsas, porque os cenógrafos ainda não haviam desmanchado nada. Os atores, no entanto, já haviam tirado a maquiagem e o figurino, parecendo mais normais ao olhar de .
Ela, e estavam sentados ao fundo do bar, em um booth com assentos acolchoados pretos e confortáveis. A mulher nunca havia estado naquela parte do estúdio antes, mas gostava de ver os detalhes e o quanto trabalho os profissionais haviam colocado naquele cenário - era fascinante para ela, que não estava acostumada a atuar em projetos com grandes orçamentos.
- Algumas boas semanas atrás. Dois meses? - respondeu ao amigo, levando a cerveja aos lábios e olhando para . - Saímos juntos depois de uma janta de elenco.
Ela quis completar dizendo que se conectaram facilmente, mas preferiu ficar em silêncio, observando o rosto bonito de seu amigo e a forma como queria segurar a mão dele que descansava no assento ao seu lado, com o mindinho quase encostando em sua perna coberta pela calça que ela usava.
- E viraram melhores amigos assim? Ouvi dizer que você mandou comidinhas exclusivas pra no set e que você - apontou para a mulher de um jeito divertido. -, você veio buscá-lo aqui em vários dias, trazendo até uma roupa que ele tinha esquecido em casa. Você já tem a chave de lá? Nem eu tenho!
- Primeiramente, como você ouviu tudo isso? Quem contou? E, é, pode-se dizer que sim. Parece que o que não temos em comum, nós somos curiosos o suficiente para questionar e transformar em algo para criar um vínculo sobre. É o caso de álcool gel com cheiros de frutas e cookies de chocolate.
- E esportes.
- E esportes - riu, lembrando-se do dia em que foram ver um jogo juntos e comeram tantos cachorros quentes que acabaram passando mal. A mãe de , que estava na cidade visitando o filho, saiu para comprar um remédio que ajudasse seu estômago a parar de doer. - Mas, é, esses últimos meses foram bem legais. Não foram?
- Foram, sim, mas você ainda está me devendo aquela bolsa, lembra? A do dia do jogo.
- Não, não, não valeu nadinha. O juíz estava sendo pago pra roubar pro outro time e você sabe disso.
- Não sei de nada não, . Pare de ser um péssimo perdedor.
- Certo, então que tal mudar o prêmio?
- E o que você tem em mente?
- Que tal um anel e meu sobrenome?
ficou chocada, gargalhou alto e estudou a reação dela. A mulher ou estava corando ou as luzes daquele lugar estavam a deixando quente e, independente da resposta, se sentia errado em estar ali, por mais que claramente não estivesse os impedindo de flertar abertamente.
- Ta aí uma combinação que eu não esperava, mas acho que a vai fazer bem pra você - respondeu sorrindo e se levantando quando outro colega o chamou. - Estou feliz de saber que você vai estar em boas mãos, .
rolou os olhos, mas não conseguiu evitar o sorriso que apareceu em seu rosto.
- Vocês sempre se deram bem na banda? - perguntou, querendo saber mais sobre ele.
- Sim, sempre foi meu favorito. Você conhecia a gente?
- Quem não conhecia vocês? Sempre tive uma queda por você, desde que vi você com cabelo bonito e aquele sorriso de quem não deve ser apresentado para os pais.
riu da resposta dela e ficou imaginando como ela era quando adolescente. Queria poder ter convivido com ela na época, mas se contentaria em ouvir histórias, por isso perguntou e ouviu atentamente a cada detalhe de cada momento que ela quis compartilhar.
gostava de interagir com pessoas, mas havia algo diferente na mulher ao seu lado que fazia com que ele quisesse fluir naturalmente entre o que conseguia enxergar e o que era resultado de horas e horas passadas ao lado dela. Como as tatuagens que ela queria fazer, qual lado da cama ela escolhia, qual seu ritual de escovar os dentes e qual sua relação com seus pais. Gostaria de conhecê-la por completo, ser o primeiro que ela olhava quando contava uma piada e aquele que poderia dançar com ela na sala de estar sem motivo algum.
Por isso quê, depois de conversarem sobre os colegas de elenco, ele se levantou e estendeu a mão para ela. Confusa, aceitou, mas não sem antes apertar os olhos e inclinar a cabeça, como se pedisse uma explicação.
, porém, não conseguia fazer interpretações básicas, ele só conseguia pensar que ela tinha mãos macias e que o tamanho das suas, quando comparadas com as dela, eram praticamente iguais. Isso o fez sorrir, porque o que antes era um complexo ruim, com ela parecia uma associação delicada de que eles eram iguais, de que poderiam se amar e se olhar de igual para igual.
- O que você acha de dançar comigo um pouquinho? - perguntou baixo. O olhar de estava preso no dele, mas a música era alta, então ela precisou olhar para seus lábios para lê-los. Aquilo fez com que segurasse seu fôlego e fisicamente se impedisse de inclinar e beijá-la ali mesmo.
Não se sentia confiante para fazer qualquer coisa que desafiasse seu status de amizade; ainda não sabia se ela estava interessada em vê-lo como mais que um amigo, um colega de trabalho.
- Claro - não conseguia dizer muita coisa. Usar muitas sílabas poderia estragar o momento, já que ela muito provavelmente se embolaria nas palavras. - Vamos.
Ela não questionou a música, o local, nem que outras pessoas pudessem vê-los juntos. Eles, em sintonia, seguraram o corpo um do outro e sorriram de leve, sentindo o impacto de notar, simultaneamente, que aquele momento era importante.
Eles ainda se amariam muito, sabiam disso. Sentiam na ponta dos dedos a ansiedade de querer saber mais sobre o outro, de dividirem mais momentos como aqueles, de poderem se balançar lentamente daquele jeito em outros lugares, em outros países, em outras fases da vida. Estavam contentes, porém, de ter aquele momento, continuando seu silencioso acordo de aproveitarem a companhia.
estava com as duas mãos nas costas dela, puxando-a mais perto, enquanto tinha os braços envoltos em seu pescoço. A luz era baixa enquanto a música era alta e, quando alguém derramou cerveja no cabelo dela sem querer, eles se olharam, riram e foram juntos para o estacionamento.
Já passava das duas da manhã e eles conseguiam ver o funcionário responsável pela garagem dentro de sua cabine, quase dormindo. Ainda em silêncio, entrelaçou seus dedos nos dela e parou um pouco antes de chegar em seu carro.
- Fiz uma playlist uns anos atrás e talvez tenha a criado esperando que um dia como esse chegasse.
- Playlist de quê? - perguntou sorrindo e fazendo carinho em seu dedão. A noite parecia tão tranquila que ela se questionou se estar ao lado dele seria sempre assim.
- Quero ser misterioso e perguntar se você confia em mim, mas acho que esse papel não combina mais comigo. E nem sei se quero seguir um script assim com você, então, , você quer ir até minha casa comigo? - ela sorriu de um jeito questionador para ele e balançou a cabeça, rindo. - Sei que sou uma perdição, mas realmente só quero poder conversar com você sem precisar pensar em qualquer outra coisa.
Foi assim que eles continuaram sua dança lenta na sala dele, sendo iluminados pela luz da lua que entrava pelas janelas imensas e por algumas velas cheirosas que ela ligou sem sequer perguntar se tudo bem por ele. Ela só sentia que tinha aquela liberdade, que ele era uma extensão dela de alguma forma.
- Vem aqui - ele pediu depois de conectar seu celular com o sistema de som da casa. Uma música baixa começou a tocar e instantaneamente imitou sua posição de minutos antes, quando dançavam juntos no bar sem seguir o ritmo da música que tocava. Naquele momento a atmosfera e a melodia pareciam combinar mais.
- Qual o nome da playlist?
- Dançando lentamente na sala de estar.
- É algum tipo de profecia, manifestação ou fetiche?
- Um pouco mais de respeito e apreciação para minha playlist de doze horas, por favor! - riram baixo e deixaram-se levar pelo momento, mesmo que estivessem cansados, com sono e com um pouco de fome.
Ela escorou a cabeça no peito dele e ele começou a fazer carinho em sua pele por cima da camisa que ela usava. Sentiu seu cheiro, a textura do tecido e até mesmo seu próprio coração batendo forte, fazendo com que ela provavelmente ouvisse sua felicidade.
- Você tem um bom gosto musical. Pode me mandar a playlist depois, ok?
- Não vou mandar não, você vai precisar vir aqui sempre que quiser ouvi-la. Vamos precisar justificar o nome, não acha?
- Essa é sua maneira de me convidar para voltar aqui?
- Não. Você gostaria de voltar aqui no próximo fim de semana? Podemos fazer uma janta e assistir a uns filmes - ele mexeu nos cabelos dela, deixando que seus dedos passassem pela hélice de sua orelha de forma delicada. - Isso sim é um convite.
- Que eu não posso recusar.
- Que eu espero que você não recuse.
A música acabou e, enquanto a próxima não começava, eles se olharam atentamente.
- Tem algo sobre você, que não sei apontar exatamente o que é, que me faz sorrir constantemente - comentou quando as primeiras notas de piano foram ouvidas. Eles continuavam se balançando de um lado para outro, lentos, em sintonia e com o olhar conectado como se fossem desaparecer caso desviassem. - Você me faz sentir bem. Gosto da sensação de estar perto de você assim, sem precisar pensar em mil perguntas ou respostas. É só… bom. Muito bom.
- Eu sinto exatamente a mesma coisa, . Não sei muito sobre o futuro, mas parece que ficar longe de você não é uma opção e espero que saiba que é difícil não estar próximo assim o tempo todo. Sempre soube que eu gostava de ficar abraçando e tocando as pessoas o tempo todo, mas com você chega a beirar o cômico.
Ela concordou com a cabeça porque sabia do que ele estava falando. Fez uma promessa em pensamento de que não se seguraria mais e pegaria em sua mão sempre que desejasse, que o abraçaria sem pensar demais.
- Quem sabe um dia eu não aceite seu anel e seu sobrenome então, não é mesmo?
O final do começo: Parte 3
Maybe I'm selfish
Could be obscene
But it feels like home
When you're next to me
And I don't want to leave
- Professora, tem um moço bonito na janela olhando pra cá - uma das minhas alunas favoritas disse, com falhas em algumas sílabas por conta da falta de dentes frontais. Ela era adorável e a maneira como falava me dava vontade de abraçá-la toda vez. - E acho que eu já vi ele na TV.
realmente podia ser visto pela janela da porta, com um sorriso inebriante e olhos brilhantes. Meus alunos, por mais que bem mais novos que o público-alvo de seu trabalho profissional, o conheciam muito provavelmente por suas mães - fãs que ainda se seguravam no carinho do que a carreira dele representava para elas: nostalgia, felicidade, intensidade e amor.
Eu não as culpava, pois me sentia assim também. A questão era quê, pra mim, ele era mais que somente famoso, ele era a pessoa para quem gostava de ligar quando ficava entediada no mercado ou a que gostava de cozinhar para quando tinha um dia pesado. representava todas as analogias com forças da natureza, todas as descrições de amor possíveis. Ele era um confidente, um amigo, um professor, um terapeuta, um estranho e um homem que tinha meu coração na palma das mãos, porque eu havia o presenteado com minha confiança e conforto.
Ele era alguém que me trazia tranquilidade simplesmente por existir, porque parecia que ter sua companhia representava não chegar sozinha na festa em que eu não conhecia ninguém. Porque ver seu sorriso era uma confirmação de que algumas vezes a vida parece infinita. Porque suas palavras eram juramentos de felicidade. Porque ele era e porque cada segundo com ele me fazia entender as metáforas, a finitude de cada momento, a alegria de estar viva e conhecê-lo.
Antes que pudesse responder minha aluna e que a atenção de minha turma inteira se direcionasse para ele, o sinal tocou e a sala foi tomada pelo som de cadeiras arrastando, indicando a ansiedade deles de saírem para o recreio e poderem comer algo enquanto falavam com seus amigos sobre o que quer que conversassem. foi esquecido por eles ao abrir a porta para que pudessem escapar pelos corredores pelos vinte minutos seguintes, me dando tempo para questionar internamente o que ele fazia ali, às dez da manhã de uma terça-feira, sem nem avisar.
- Eu acabei de sair do estúdio - disse, caminhando em minha direção, respondendo a uma pergunta que eu sequer havia feito em voz alta. - e queria ver você. Como você está? Faz tempo que não vejo seu rosto bonito.
E, rápido assim, antes do relógio completar um minuto, eu já havia recordado de mil motivos pelos quais o amava.
Seus braços envolveram minha cintura e senti sua cabeça repousar em meu ombro como se pedisse por abrigo. Não era só um abraço, era a maneira como seus braços pareciam conversar com meu corpo, implorando por acalento, apoio e confiança.
- Como estão as gravações? Já comentaram algo sobre renovar para a quarta temporada? - Perguntei, retribuindo o carinho em suas costas e sentindo suas mãos traçarem um caminho secreto nas laterais de meu corpo.
Seu toque não me arrepiava. Seu toque me fazia relaxar.
- Não comentaram ainda, mas eu estava pensando que talvez estivesse na hora de pensar no depois, sabe? Nossa casa, nossos filhos. Você sabe, pensar no futuro.
Suas palavras me fizeram sorrir pela naturalidade com que ele dizia aqueles absurdos gentis. Nós não estávamos juntos e parte daquela afirmação me trazia de volta para a realidade de que "só amigos" podia não ser xingamento, mas com certeza deixava um gosto amargo na boca por parecer não alcançar seu real potencial. Parecia que nós podíamos ser tão mais se fossemos mais que "somente" duas pessoas que se amavam. Podíamos ser duas pessoas que se amavam em todos os sentidos da palavra, em todos os sentidos de relações. Como família, como amigos, como humanos, como não-tão-completos-estranhos que sempre tinham algo para descobrir sobre o outro.
Algo na maneira como nosso amor funcionava me fazia sentir que era negligência agir como se "nossa casa" e "nossos filhos" não pudessem, de fato, existir.
Ou eu estava sensível demais porque estava sendo abraçada por ele, o homem que amava.
- O mundo não está preparado para esse momento ainda, .
- Bom, então que a gente faça ele estar preparado.
Afastando-se de mim, ele tocou em meu nariz e segurou minha mão. A maneira com que ele me olhava nos olhos lembrava uma familiaridade que eu acreditava sentir somente com ele, me perguntando como poderia ter existido um dia em que seu olhar não era o porto mais seguro que eu já havia encontrado.
- Falando em estar preparado, como está indo o novo álbum?
- Falando em novo álbum, como você se sente sendo a musa de todas minhas músicas? Eu postei algumas prévias e as pessoas estão perguntando quando vou apresentar você para o mundo.
- As pessoas ou sua família? Eu sei que eles me amam.
- E amam mesmo - riu, trazendo minha mão para sua boca e depositando um beijo rápido em minha pele. Quando abaixou nossos dedos conectados, apertou de leve minha palma antes de soltá-la. - Minha mãe até perguntou se pode contar com você para o almoço de sábado. Você sabe que está o caos com o planejamento do aniversário de casamento. E isso que ainda falta o quê? Quase um ano? Meus pais resolveram por fazer no quintal da casa de campo deles. Tem um laguinho legal que tenho certeza que você vai adorar.
- Claro que vou! Quero saber como andam os preparativos, inclusive - sorri para ele, deixando que minhas mãos encontrassem lar nas laterais de seu rosto. parecia tão cansado e, quando piscava, seus olhos pareciam estar perto de não abrirem mais. Eu conseguia ouvir o sono na sua fala enrolada e na maneira que seu toque era arrastado. - Podemos conversar mais tarde sobre os vestidos? Queria ajuda para escolher um. Mas vamos falar disso só depois, quando você já tiver tomado um banho, comido algo que requer garfo e faca e dormido por pelo menos dez horas, ok?
sorriu preguiçoso e puxou minha mão outra vez, largando mais alguns beijos em minha palma mimada por seu carinho.
- Você vai ficar tão linda no que quer que use, meu amor. Mas, sim, vamos conversar melhor sobre isso depois. É só que eu precisava ver você.
- Você está bem? Aconteceu alguma coisa?
Ele pareceu ficar sóbrio por alguns segundos e me olhou de maneira intensa, parecendo ter descoberto alguma resposta que buscava antes de chegar ali. Não era surpresa em seu olhar, era o brilho de quem recebe uma confirmação importante que já esperava.
- Aconteceu. Você. Você aconteceu - suas palavras não me arrepiavam, suas palavras me faziam respirar aliviada por não estar sozinha. - Eu estava com saudade.
flertava com todo mundo e eu descobrira aquilo três anos antes, quando passamos boa parte da noite em um parque depois de passar em um fast food e comprar milkshakes surpreendentemente bons e batatas-fritas geladas.
Nossa conexão havia sido instantânea, mas não parecia ser extraordinária. Ele parecia ser bom em se conectar e encantar todo mundo. Talvez fosse por sua profissão, que requeria muito charme, comunicação e talento - por isso que ele envolvia todos que estavam ao seu redor, atraindo atenções, implorando silenciosamente por admiração e criando uma atmosfera inconsistente sobre o que aconteceria a seguir. E eu tampouco o amei de forma extraordinária ou incrível. Não foi amor à primeira vista, nem nos conhecemos de uma forma orquestrada perfeitamente pelo destino, com curvas e enredos de tirar o fôlego. Não houve fogos de artifício, música de fundo, nem explosões emocionais.
Eu o amei de forma ordinária, comum, simples, do jeito que nós dois precisávamos e sabíamos que duraria. Aquele era . Aquele que tinha uma relação próxima com palavras e intensa com atitudes. Aquele que conquistava, que devastava corações frágeis e que estava com saudades de mim.
- Eu estava também, mas está na sua hora de descansar. A gente se vê no sábado, ok? Ou mais tarde, quando você resolver bater na minha porta para proclamar seu amor por mim.
Rindo, ele acenou que sim com a cabeça e fitou-me em silêncio outra vez. Parecia um pouco de cansaço misturado com muitos pensamentos, mas procurei não questionar, pois, caso contrário, ele não sairia dali tão cedo e eu teria de explicar mais uma vez para professores e alunos curiosos de que não, ele não era meu namorado, noivo ou marido, mas que não, não poderia dar seu número.
- Você não quer jantar comigo mais tarde? Podemos inverter os papéis e você ser a que bate na minha porta para proclamar amor essa noite.
- Eu adoraria, mas, na verdade, tenho planos - respondi, um pouco incerta. Algo dentro de mim adoraria ser uma adolescente imatura e buscar sinais de ciúme ou insegurança em sua expressão ao dizer aquilo, porém parecia desnecessário. Ele era só um amigo. - e eu vamos em uma cafeteria que abriu esses dias. Aquela que comentei que tem aquela bebida de lavanda, lembra?
- Aquela com a porta azul e que tem que fazer reserva?
- Essa mesmo. Pode deixar que conto depois se vale a pena o tempo de espera ou se é decepcionante, mas agora você precisa ir para descansar, sim? Acho que você vai dormir de pé em aproximadamente dois segundos.
- E sonhar com você.
- E sonhar comigo, mas isso nós dois sabemos que você já faz até acordado.
- Que bom que você sabe disso. Só não pense que não notei que você está fugindo de mim hoje, a sorte é que sei que só existe lugar pra mim no seu coração e que não tem chances de roubar meu lugar de verdade.
Ninguém seria para mim, isso era verdade. Ninguém poderia trazer a paz que ele me trazia ou o aconchego de saber que eu podia confiar em nossa relação com os olhos fechados e as mãos atadas.
Ninguém.
E tudo bem que ninguém conseguisse. Algumas vezes vivíamos amores que impactavam daquela maneira, que, no exato momento em que vivíamos aquele sentimento, nos afirmavam que seriam impactantes para sempre. Fosse em lembranças, marcas em formas de aliança ou fotos ou talvez em saudade que um dia sufocasse: ninguém seria para mim e eu aceitava aquele destino de braços abertos, coração leve e sorriso no rosto.
- Ele não tem mesmo, nunca teve. Você sempre foi o único pra mim e sempre vai ser.
sorriu grande e me abraçou de novo.
Nada de borboletas no estômago, só lagartas em casulos, calmamente se desenvolvendo em seu tempo, sem pressão ou questionamentos.
- Agora, sim, a declaração que eu esperava. Preciso ir embora antes que eu acabe dormindo aqui mesmo e seus alunos criem apelidos traumatizantes sobre minha baba ou meus hábitos estranhos de sono ou você mude de ideia.
- Isso pode acontecer mesmo.
- Você nunca mudaria de ideia.
- Eu estava falando sobre meus alunos, mas é interessante ver sua certeza sobre mim.
O olhar intenso e sóbrio voltara por alguns segundos, me fazendo perguntar se havia dito algo errado ou ele só estava estranho pelas horas consecutivas que estava acordado trabalhando nas filmagens.
- Não há como saber o amanhã, mas quero apostar que vou amar você pra sempre. E que você vai me amar também, - respondeu. - Ou pelo menos gosto de acreditar que sim.
E eu gostava de acreditar também.
Depois de nos despedirmos e meus alunos voltarem do recreio, continuei o dia de maneira tranquila, animada em ignorar os sentimentos que cresciam dentro de mim, nunca sendo endereçados ou questionados. Quando encontrei com naquela noite, depois de provar o chá de lavanda que valia a espera, pensei em e em como ele estava constantemente comigo. Era o tropeço constrangedor ao entrar na cafeteria que eu queria contar pra ele, na maneira como guardei um desenho de um aluno na bolsa para mostrar para ele depois, na canção que eu havia ouvido no rádio e que gravei com áudio do celular para recomendar para ele depois. Era a forma como minhas mãos sentiam falta da textura das dele, de como eu pensava em seu sorriso e sorria, sobre como eu o amava de todo coração.
- Então me explique o motivo de vocês não estarem juntos, . Não faz muito sentido pra mim - comentou, bebericando seu café e me encarando com olhos julgadores.
, o extrovertido divertido, havia se tornado um grande amigo. No começo era porque ele havia citado minha personagem em uma entrevista, o que fez com que fãs questionassem nossa relação e eu risse da situação. Ele então viu abertura para conversar sobre o assunto e, como sempre, o via em festas e eventos quando estava com . Acabei me aproximando do ator, cantor, compositor, modelo e todas as outras profissões que colocava em seu currículo. Aproximei-me de um amigo incrível, compreensivo, amável e engraçado que não entendia como e eu podíamos ser somente amigos.
- Acho que não faz muito sentido pra ninguém, mas a mudança nem sempre é… não sei. Para melhor? Não é medo de arriscar ou receio de achar que ele não vá ser um bom namorado, mas são tantas coisas pra se pensar, . O emprego dele, tudo que implicaria em sermos mais que amigos, a pressão de todo mundo já nos considerar juntos.
- E você não pode criticar ninguém por isso, não é?
- Não posso e nem quero. Só estou dizendo que às vezes esse tipo de coisa acontece.
- Isso o quê?
- O "só" significar limitações e não possibilidades.
O começo do meio: Parte 4
If I had a choice
Well then I'd choose
To make you walk a mile in my shoes
What have you got to lose?
Eu não estava em um bom lugar e sabia. podia fazer alguma ideia de que eu não estava sendo minha melhor versão ultimamente, porém ela sabia me ler como se eu fosse descrito com palavras e não com ações confusas e conversas desnecessárias.
- Olha, não tem problema estar um pouco bloqueado assim, . O primeiro single foi um sucesso total e com certeza está prevendo que o álbum do ano está chegando - ela disse com sua voz gentil e sincera, com seus dedos entrelaçados aos meus. Estávamos deitados em minha cama, confortáveis com cobertores felpudos nos enrolando, e eu me sentia mais relaxado só de saber que ela estava ali por mim e para mim.
- Essas finalizações me fazem questionar tudo, sabe? Parece que tudo está horrível, que ninguém vai gostar e que eu não sou bom em nada.
Ela se virou um pouco para me encarar e suspirei no aguardo por motivação em forma de xingamentos leves. Era aquilo que as pessoas geralmente faziam quando eu tinha uma festa de pena sobre mim mesmo, reclamando de tudo que eu fazia e questionando sobre a qualidade de meu trabalho.
- Eu sinto muito que se sinta assim, - respondeu, beijando meus dedos. - Imagino que seja normal ficar nervoso e ansioso de compartilhar projetos tão pessoais assim, mas acredito, de todo meu coração, que vai ser incrível. Não porque eu amo você, mas porque você ama o que faz e isso transparece em tudo que vem de você. Impossível que ninguém vá gostar, porque eu, com certeza, vou amar. E não ser bom em nada? Permissão para citar suas últimas conquistas?
Ri do tom sério que ela usou e acenei que sim com a cabeça. Ela então se sentou, me arrastando junto pela mão. Cruzou as pernas, ficando bem perto de mim, ainda conectada a mim através de nossos dedos (que se amavam com a proximidade extrema).
- Não sei o que fiz para merecer você, mas continue, por favor.
- Você recebeu quatro propostas grandes para papéis principais em filmes e seriados, além de ter vendido milhões com esse álbum só na pré-venda. Você está em diversas campanhas publicitárias, está entrando em diferentes áreas que sempre quis se aventurar e fazendo parcerias musicais que antes pareciam só um sonho pra você. Seu nome é associado com coisas boas, sentimentos lindos e acho que sua relação com seus pais melhorou muito também. Você enche todo mundo de orgulho e de felicidade, , e acho que se questionar é normal, mas não deixe que o pessimismo responda negativamente para você, porque a resposta é a melhor, sempre é. Com você sempre é, porque você merece.
Não sabia se concordava com ela, se realmente merecia, porém não consegui esperar por uma resposta quando só precisava de confirmações, por isso a abracei forte. Era minha forma de agradecer e ela entendeu, porque me abraçou com a mesma intensidade.
Para aliviar a tensão e porque eu a amava, ficamos conversando sobre os vestidos que ela havia gostado, busca que já se estendia há pelo menos cinco meses, sobre a próxima viagem que faríamos no fim de semana seguinte ao aniversário dela e sobre como estava sendo a história do seriado. Ela ainda acompanhava cada projeto meu e continuava se esquivando sempre que eu perguntava quando ela participaria de algo novo.
Eu gostava muito da forma como ela atuava, por mais que secretamente torcesse que não tivesse papéis românticos em que eu precisasse vê-la beijando alguém. Não conseguia sequer imaginar - a ideia parecia absurda. Não chamaria nem de ciúme, era puramente uma confusão ao pensar que seus lábios podiam tocar outros que não fossem os meus, que a gente pudesse se desviar tanto que fosse necessário envolver outras pessoas quando parecia ter só espaço para eu e ela sendo nós.
Nos dias seguintes visitei seus pais, fui ao concerto de seus alunos e me deixei apaixonar-me mais por ela quando recebi flores suas no estúdio, parabenizando-me pelo fim das gravações. Quando corri para sua casa, levando o jantar, pensei em como seria voltar para ela sempre. Como seria se pudéssemos compartilhar um lar, um sobrenome, um amor plural que tocasse em diversos aspectos da vida. Eu podia ser seu namorado, seu marido, seu amor, seu amigo - tudo em uma pessoa só que gostaria de dedicar sua vida para transformar pluralidades (paredes, letras, sentimentos) em algo único, unido.
Eu a amava tanto que aquilo tudo fazia sentido.
Depois de jantar em meio aos sorrisos, de conversar com atenção genuína e de escovar os dentes com olhares sinceros trocados através do espelho, fomos deitar em sua cama, e quando vi já estava a beijando como se a agradecesse, implorasse, explodisse e venerasse.
Minhas mãos estavam no cabelo dela, sentindo seus fios e sua pele na minha. Havia estrelas em meus olhos de tanto que apertava minhas pálpebras, fechando-as para viver aquele momento sem interrupções. Uma sensação de animação fazia minha cabeça rodar ao redor do momento e meus lábios eram certos e diretos, querendo mostrar amor por ela com cada músculo de meu corpo.
Eu a amava tanto que cada fibra de mim parecia flutuar.
Prestei atenção nela, em como ela respondia e sorri ao constatar que ela parecia estar se sentindo da mesma maneira, possivelmente considerando aquele momento como um que nunca esqueceríamos e que provavelmente mudariam nosso futuro completamente.
A maneira como ela correspondeu, sentando em meu colo e segurando meu rosto de maneira apaixonada, fez com que eu sorrisse mais ainda e ela também. Em sintonia, nós dois parecíamos descobrir que a felicidade podia ser expressa de outras maneiras, que beijar podia ser um verbo preenchedor que elevava a alma e deixava a ponta dos dedos dormentes de euforia. Meu coração parecia querer receber atenção, porque batia forte como se quisesse sair do peito e ir direto para as mãos dela, que descansavam e passeavam em meus ombros, clavícula, peito e pescoço.
Ela movia seus dedos como se quisesse certificar-se de que eu estava ali, que não era miragem e que aquele momento estava acontecendo. Eu também não estava acreditando que minha boca estava falando o idioma dela e nossas línguas finalmente se compreendiam - parecia um sonho surreal e doce que trazia confirmações de que, sim, alguns amores não são "às vezes", eles são sempre.
Eu sempre a amaria. Ela sempre representaria calmaria pra mim. Nós sempre seríamos conectados por um sentimento multifacetado que parecia ser exatamente o que precisávamos.
O único problema é que "sempre" parecia uma aposta e "às vezes" soava mais possível. Ainda assim, ainda que parecesse uma aposta, eu quis apostar em nós, então continuei a beijando até que não pudesse mais a beijar e ela não pareceu se importar, muito pelo contrário.
- Eu amo tanto você.
- Eu te amo. Muito. Demais mesmo.
E começamos a rir, porque algumas apostas valem a pena não pelo risco, mas por tudo que você ganha mesmo se não ganhar.
O começo do meio: Parte 5
So I've been waiting for an opportunity
Just to speak my mind
If that's alright
Might just be a couple hours out of my whole week
Usually I'm fine
It's ok not to be ok, sometimes
O sorriso de me deixava feliz, assim como meu vestido combinando com sua gravata e toda a celebração de aniversário de casamento dos pais dele. A decoração estava impecável e todos os convidados estavam brilhando em compaixão, felicidade e orgulho da relação que celebravam ali.
- Foi uma festa legal, né?
- Foi sim, sensacional. E aqueles docinhos? Ainda bem que sobrou bastante e vamos poder levar pra casa. Sua mãe já separou uma caixa só pra nós, a gente só não pode esquecer de pegar, tá? - respondi, pegando os copos de vidro espalhados pela festa enquanto ele dobrava as toalhas de mesa.
- Pode deixar que vou tentar lembrar também. Qualquer coisa pegamos amanhã, porque com certeza vão nos convidar para o almoço pra comer a comida que sobrou hoje.
Assenti com a cabeça e continuamos arrumando um pouco da bagunça da festa. Sem o seu blazer e com um sorriso constante no rosto, me encantava mesmo sem fazer nada específico. Só estávamos limpando o jardim da casa de campo, ajudando como podíamos enquanto seus pais se despediam dos últimos convidados dentro da residência, mas havia um peso gentil de familiaridade em estar ali com ele, participando de um momento íntimo e ordinário como aquele.
- Acho que já é suficiente - ele comentou assim que juntei todos os copos. - Minha mãe vai querer me matar se souber que a gente está fazendo isso agora. Ela contratou uma equipe para ajudar com a limpeza amanhã de tarde.
- Você sabe que organização me deixa feliz.
- E você sabe que você feliz me deixa feliz.
Rindo de seu flerte constante, fui até ele e o beijei pela centésima vez naquela noite. Era um beijo diferente, porque havia algo em meu corpo naquele fim de festa que me fazia sentir um nervosismo misturado com ansiedade que parecia se transformar em devastação. Eu o amava tanto e estava tão aliviada em estar com ele que tinha medo de acabar; receio que amor não fosse suficiente, exatamente como o pai dele havia dito em seu discurso.
Ele havia comentado sobre tudo que se precisa abrir mão para que o "eu" se transforme em "nós" e ainda assim manter o senso de identidade. Seu pai havia falado que amor era sobre encontrar um espaço para existir uma parceria respeitosa, incentivadora e sincera enquanto você, como ser humano, continuava vivendo, sentindo seus próprios sentimentos. E eu me sentia assim com em cada momento, mas ao mesmo tempo havia detalhes que me assombravam. A fama dele, meu desconforto em talvez não ter experiências amorosas o suficiente para fazer dar certo e até mesmo a possível distância física que o trabalho dele poderia implicar com seus próximos projetos.
Quando ele sentiu minhas lágrimas molhando suas bochechas, empurrou meus braços de leve para que nos separássemos e me encarou atentamente.
- O que houve? Você está bem, amor?
- Às vezes fico com medo de gostar mais do presente do que do futuro. E se você não estiver aqui amanhã?
As mãos dele acariciaram minha pele e ele beijou cada uma de minhas lágrimas, como se precisasse de um tempo para responder apropriadamente. Não me arrependi de ter compartilhado o que estava em minha mente, porém fiquei temerosa que ele pensasse que eu o amava menos por simplesmente ter medo do que viria depois.
- Não posso prever o que vai acontecer daqui a pouco ou em alguns anos, mas sei que sempre teremos o agora. Tanto porque ele muda e todo segundo seguinte pode ser "agora", quanto porque eu nunca vou me esquecer de você, . Nunca. É impossível imaginar uma vida sem você, um momento em que não te ame. Eu olho para os meus pais e penso em nós. Vejo a maneira como você é com as pessoas e penso que todos os clichês apaixonados fazem sentido. Sinto tanto amor por você e tantos outros sentimentos bons que, às vezes, fico pensando nos detalhes da vida que me trouxeram até hoje - quando sentamos lado a lado naquele restaurante, quando eu ainda estava na banda e você gostava mais de mim, quando nos beijamos pela primeira vez e quando você me apresentou para seus pais e quase vomitei de nervoso.
Ele realmente quase havia vomitado e aquela lembrança me fez rir em meio ao choro. estava tremendo e meus pais, que haviam se apaixonado por ele instantaneamente, decidiram por brincar com seus sentimentos ao fazer perguntas difíceis e criar um clima pesado só para caírem na risada e declararem sua aprovação e carinho por ele.
- Você não faz ideia do quanto amo você, . Sou uma pessoa tão feliz só de estar perto de você, porque você é doce, gentil, iluminado, maravilhoso. Obrigada por me deixar amá-lo de perto e me fazer chorar assim, porque acho que isso é um misto de muito amor e medo de te perder - ele acenou com a cabeça e deixou que sua testa repousasse na minha, oferecendo suporte e acalento em um momento delicado como aquele. - Realmente não tem como saber do amanhã, mas também quero apostar que vou amar você pra sempre. Agora, aqui e também depois em outro lugar. Faz sentido, não faz?
- Não sei bem o que dizer, , mas também amo você. Na verdade, me deixe corrigir isso: você é amada por mim. Quero priorizar você, quero que a gente possa sempre ser sincero um com o outro e que essa sensação aqui dentro do peito continue existindo - com a mão em seu peito, sentindo as vibrações de seu coração, me inclinei para beijá-lo mais uma vez. - Talvez não seja sempre paixão ardente, mas acredito que sempre vai ser um amor que aquece.
- Um dia vamos nos casar assim, não vamos? Com nossos amigos, com docinhos gostosos, com nós dois nos olhando assim, desse mesmo jeito?
- Não vou negar que achei que isso tudo era um discurso de término e então você falou sobre casamento… agora eu preciso de água e talvez me sentar pra acalmar o nervosismo - beijou meu nariz, me fazendo rir fraco e abraçá-lo. Nossos corações batiam em sincronia e as palavras dele ainda eram processadas em minha mente. Talvez não seja sempre paixão ardente, mas acredito que sempre vai ser um amor que aquece. - Amo você. Obrigado por ser exatamente do jeito que é e por estar aqui hoje, mas tem certeza que está tudo bem? Tem alguma coisa preocupando você?
Balancei a cabeça negativamente naquela noite, porém, sete meses depois, quando ele repetiu aquela pergunta, "tem alguma coisa preocupando você?", respondi que sim.
e eu já não passávamos muito tempo juntos. As filmagens da série e dois filmes, seus dias infindáveis no estúdio compondo e gravando músicas, meu trabalho na escola em tempo integral e minha insegurança quando ele saía em notícias online abraçado com modelos e atrizes na frente de diferentes bares que eu não conhecia: tudo me preocupava, tudo me distanciava fisicamente dele, por mais que emocionalmente eu ainda o amasse de todo coração.
- Você sabe que ele jamais trairia você, não sabe? - falou, afagando meus cabelos e apertando minha mão ao mesmo tempo. Estávamos em minha casa, fofocando sobre seus últimos encontros e então, quando o assunto se focou em e eu, eu comecei a chorar.
Já havia conversado com sobre a saudade que eu sentia, mas ultimamente estava se tornando sufocante.
Ele não podia mais estar lá quando eu precisava de alguém para me ajudar com ideias de dinâmicas para meus alunos e eu não conseguia mais ouvir sobre seus novos projetos, porque ele geralmente trocava a noite pelo dia. Ele passava semanas sem me beijar e eu passava semanas sem conseguir ouvir sua voz pessoalmente. O amor ainda estava lá, eu o continuava vendo sempre que alguém mencionava a palavra "alma gêmea", mas às vezes era necessário mais que um sentimento invisível para se sentir amada.
- Eu sei, meu medo não é esse. Minha dor é não tê-lo por perto, fisicamente e mentalmente. A gente não consegue mais expressar o quanto pensamos um no outro, sabe? Emocionalmente ele continua sendo o amor da minha vida, só que eu queria voltar pra casa, pra ele. Queria que fosse como antes. E não estou pensando em terminar porque sou uma criança mimada e irritada com o que não pode ter, eu estou pensando em terminar porque talvez seja assim por agora. Às vezes as coisas são pra acontecer, não pra durar.
- Espera, você está mesmo pensando em terminar então? - parecia chocado e aquilo me machucou também. Um choque ardido que queimava as terminações nervosas e paralisava o corpo.
Segurei a respiração quando notei o que havia dito.
Era a primeira vez que eu dizia aquilo em voz alta, sequer havia notado e parecia doer fisicamente de verdade.
- Ele vai vir jantar aqui na quinta-feira e vamos conversar. Não está nada decidido, quero explicar de novo como me sinto e entender se podemos pensar em alternativas juntos ou se… , eu não me imagino sem ele. Ele é o amor da minha vida, como que isso pode não ser o suficiente? Achei que só amor pudesse me fazer engolir a saudade e seguir com ele, mas quero mais do que me sentir sozinha assim.
- Às vezes essas coisas acontecem, não? Uma vez você me disse que o "só" pode significar limitações e não possibilidades, então, talvez, só amor não baste. Ou, talvez, sim. Só vocês podem dizer. Tudo que eu sei - ele beijou minha cabeça e deu duas apertadas fortes em minhas mãos. Prendi um soluço, já sentindo a cabeça latejar e o corpo se cansar de tanta tensão. - é que amor é algo que vocês sempre vão ter. Juntos ou não, tenho certeza que o amor de vocês sempre vai inundar os ambientes que estão, sempre vai inspirar, sempre vai existir. Não acho que sirva de consolo, mas realmente acredito nisso.
Talvez não seja sempre paixão ardente, mas acredito que sempre vai ser um amor que aquece.
Mesmo no caos, o amor dele me aquecia: era a chama de esperança de que um dia as coisas pudessem ser diferentes.
O começo do meio: Parte 6
I've been looking for some comfort in a strangers bed
All it does is fuck my head up
Now I'm right back to square one
But if you're looking for some comfort you've come to the right place
We all get down some days
I struggle just to put my t-shirt on
But I hope you find some strength in this song
- , não é uma boa ideia vir aqui assim. A gente nem sabe se ele está em casa.
rolou os olhos, deu de ombros e girou a chave. A casa de ainda era familiar e, por mais que eu soubesse de cada canto, de cada detalhe na decoração e na estrutura, estar lá parecia transpassar propriedade privada - privada de mim, de um "nós" que não existia mais.
Na verdade, que não existia do jeito que eu pensei que fosse existir por mais tempo.
- , vocês já se encontraram várias vezes depois que terminaram e você ainda age como se ele não quisesse te ver. ama você e tenho certeza de que ele vai adorar a visita, ok? Sem falar que se ele não estiver em casa nós podemos já começar a decoração e conferir o que falta. Você já convidou os pais dele, né? Juro que vou buscar eles em casa se for preciso, mas essa festa surpresa vai estar completa e perfeita!
Eu preferia não estar lá naquele momento.
Eu preferia não amá-lo mais, preferia ter aceitado sua ausência e seguido ao seu lado meses atrás. Eu preferia não ter sentado ao seu lado naquele jantar e preferia não poder enxergar. Preferia tudo aquilo, porque nada havia me preparado para aquele momento: o momento em que cada fibra do meu ser saberia como era amar e ser amada por , mas que outra pessoa também saberia como era aquela sensação, depois de mim.
estava cozinhando, de costas para nós, sem camisa. A mulher ao seu lado, uma modelo linda que eu já havia visto em algumas matérias com ele, sorria para ele enquanto comia um morango. De frente para nós e usando uma camiseta que eu havia dado para ele dois aniversários antes, ela estranhou nossa presença, mas acenou. Muito provavelmente já a conhecesse, até porque também abanou a mão para ela, atraindo a atenção de .
Quando ele se virou, o mundo pareceu parar e meus braços pesaram. Minha garganta se fechou e talvez a dele também, porque vi seu pomo de adão ir para cima e para baixo e seus olhos se arregalarem um pouco. Ele era tão bonito e era tão doloroso saber que ele estava com outras pessoas como as tantas notícias que eu lia sem querer diziam. Ele era tão cativante e era tão cruel notar que aquele amor havia me queimado.
- Bom dia. A gente não queria incomodar - disse. Abençoei seu nome mentalmente por ele fazer tirar os olhos de mim ao se pronunciar. - Vocês podem ir lá colocar uma roupa decente pra gente poder conversar sobre os planos de amanhã do aniversariante?
Sua voz carregava um tom brando e a risadinha que ele deu no final da pergunta fez com que a mulher ao lado de risse, saindo do cômodo e arrastando meu ex-namorado pela mão, gritando um "esse se acha dono da casa, não é mesmo?". As panquecas de pareciam bonitas, a casa cheirava bem e meu coração estava partido, mas o que me fez desabar mesmo foi o toque de segurando minha mão sem perguntar nada.
Minha visão estava brilhando pelas lágrimas, que caíram sem eu nem precisar piscar. Era demais para meu corpo aguentar o peso da verdade: outra pessoa sabia como era ser amada por depois de mim.
- , me desculpa. Eu realmente não sabia que ela ia estar aqui e… você quer ir embora? Eu posso dizer que você precisou ir tomar banho com seu novo namorado super gato ou que o trabalho ligou, promovendo você para diretora da escola. Ou o que você quiser que eu fale. Eu sinto muito de verdade.
- As panquecas vão queimar - foi tudo que consegui dizer.
Caminhei lentamente até o fogão, desligando-o e encarando a mistura pronta, as cascas de ovos quebrados na pia e as marcas de dedos sujos no cabo de madeira da colher. Eram marcas físicas de que ele havia estado ali e que tudo aquilo não era um pesadelo. Eram resquícios de que ele havia seguido em frente. Eram evidências de que ele conseguia deixar que outras pessoas o amassem do jeito que eu havia feito antes. E eu não o culpava, muito pelo contrário. Se pudesse, gritaria comigo mesma no espelho por não ter ido atrás dele quando ele filmava em outras cidades, por ter chorado em seu colo quando terminamos, por não ter insistido em um amor que era pra sempre. Não às vezes, não quase nunca, não quase todos os dias. Um amor que sempre estava comigo, incluindo naquele momento.
Mesmo quando brigávamos por algum detalhe bobo, havia amor. Amor por estarmos incomodados que alguém que amávamos havia feito algo irritante ou chateante. Mesmo quando estávamos triste por ter esquecido de alguma data ou por estarmos longe um do outro, havia amor. Amor por existir vontade de estar junto, de poder prestigiar cada momento da melhor forma possível.
Sempre havia amor, não só às vezes, então balancei a cabeça para e disse que o ajudaria com os preparativos. Fiquei lá, sentada em seu sofá, vendo o casal interagindo como amantes, ignorando os olhares esporádicos de e como se questionassem se eu estava bem. Os dois sabiam a resposta e também sabiam que não tinha muito o que ser feito.
Nos asseguramos de que ele e ela iam sair para jantar e depois voltar para o apartamento, quando a festa surpresa dele seria feita. não parecia desconfiar de nada e consegui sorrir com sua ingenuidade, com a forma como ele parecia animado com seu aniversário, que seria oficialmente no dia seguinte. Talvez por isso que ele não havia desconfiado de nada, porque a festa seria um dia antes para ser comemorada à meia-noite.
A mulher ao seu lado parecia já estar na história, piscando para quando ele perguntou que horas eles voltariam, e isso me fez confirmar que sabia mesmo sobre ela. Era possível que eles namorassem já, enquanto eu estava presa em uma fantasia em que ele estava me esperando também.
- Bom, acho que já vamos indo, né? - perguntou, batendo de leve em meu joelho. Meus olhos ainda ardiam pela vontade de chorar e era um alívio ouvir aquelas palavras. - Mas nos vemos depois, campeão. Almoço amanhã, se você estiver livre?
disse que sim, que deixaria sua manhã livre para o amigo e eu só sorri para a visão dos dois se abraçando. Sorri um pouco mais para a mulher, que parecia extremamente gentil, e ela mostrou seus dentes bonitos pra mim como se não soubesse que eu estava morrendo por dentro. Era possível que não soubesse mesmo, porque eu e nunca havíamos saído na imprensa em anos de relacionamento. Ninguém nunca havia ligado os pontos e todos que me conheciam, próximos ou não, não ligavam sobre o status dele o suficiente para vender uma fofoca como aquela - fosse porque me amavam ou porque respeitavam nossa relação.
Para os olhos do mundo, nós nunca havíamos existido e, portanto, não havia espaço para luto ali. Para seus conhecidos famosos que não sabiam de mim, como possivelmente era o caso dela, eu era só uma boa amiga. Não era ameaça, não era ninguém.
- Foi um prazer conhecer você, - ela disse, tranquila e gentil. Eu queria estar tranquila e ser simpática, então repeti o mesmo e acenei para de longe.
Não queria que ele me tocasse, não queria vê-lo mais tarde, não queria lembrar dos músculos despreocupados de suas costas acompanhados dela e da camiseta dele, dois apaixonados fazendo panquecas de café da manhã. Não queria, mas querer era um verbo cruel que não significava muita coisa.
Era desejo incerto, vontade intangível.
Era um talvez que ali, naquela sala de estar que havia sido abrigo para nós dois em tantos dias, se mostrava como um fim de algo que eu amava muito.
O fim de uma espera, de uma esperança.
pediu desculpa mais algumas vezes quando fechamos a porta do apartamento dele e mais milhares antes do elevador chegar. Olhando meu reflexo no alumínio, sussurrei que não era culpa dele e que eu ficaria bem, para o que ele respondeu com um "me desculpa mesmo".
Não tinha culpa no que havia feito, nem no que havíamos visto na casa de . Não era culpa de ninguém, não eram erros, era simplesmente um amor que preenchia tanto que acabava transbordando. Antes era de felicidade, de calmaria, de animação, mas que ali naquele corredor era de dor, de saudade, de tristeza.
Não tinha culpa em nada, só circunstâncias que ninguém havia cogitado antes.
- ? - ouvi a voz de antes das portas se abrirem completamente e então pude vê-lo no fundo do elevador, através do espelho. Eu o amava tanto que chegava a ser injusto que tivesse cogitado um caminho para longe dele.
- Oi, . Esqueceu alguma coisa? - perguntei.
- Posso levar vocês até o carro?
Não era uma pergunta, era um testar de águas.
- Claro.
Não era uma afirmação, era eu cedendo ao que quer que ele fosse me oferecer.
entrou no carro enquanto eu fiquei do lado de fora no estacionamento, esperando que ele falasse o que quer que fosse dizer. Não parecia fácil para ele e tampouco era para mim, então não apressamos nada.
- Eu não sei o que dizer, só sei que quero falar algo.
- Mas sabe que não precisa, não é? Você não me deve explicações e não vou amar menos você por causa dela. Vamos continuar sendo amigos se você quiser e vou continuar torcendo por você sempre.
- Desculpa não ter dito nada antes, eu não sabia bem como… você sabe.
- Não precisa pedir desculpa, . Você está feliz e isso me deixa feliz também. - sorri para ele, sentindo a dor de cabeça aumentar. Eu precisava muito chorar, chorar feio. - Então não se torne um estranho por isso, sim? Quero continuar torcendo pelo seu sucesso, assistindo seus filmes e ouvindo suas músicas, me perguntando em qual delas eu sou a ex maníaca ou a que você nunca vai esquecer.
Ele riu daquilo e quis fazer o mesmo, mas qualquer movimento brusco em minha face com certeza deixaria as lágrimas caírem e eu não queria que ele me visse devastada. Não tanto como realmente estava, pelo menos.
- As crianças ainda perguntam de mim? - ele perguntou, referindo-se aos meus alunos.
- Não todos os dias, mas sim. Pediram que eu convidasse você para a apresentação de Natal e olha que ainda falta, o quê? Dois meses? Eles amam você.
- Vou tentar aparecer, ok? Acho que devo ficar por aqui por um bom tempo agora, as gravações já terminaram.
- Claro, eles vão adorar se você puder ir.
- E você, vai gostar também?
Ele queria saber se eu ainda o amava e por alguma razão aquilo me fez queimar em raiva em poucos segundos. Seu questionamento me aqueceu de um jeito ruim, me fazendo ter vontade de gritar com ele, dizer que voltasse para sua namorada e que deixasse que eu lidasse com meus problemas já que ele não era mais responsável por mim. Aquela explosão, porém, era minha, não dele. Eu estava com raiva da situação, de nossas escolhas, de nosso caminho.
- Acho que tenho que ir agora, antes que o reclame demais pela demora - deu um leve sorriso e olhou para seus pés como um cachorro que havia sido chutado. Secretamente queria chutá-lo, por mais que soubesse que não seria justo. - Se a gente não se ver ou se falar amanhã, feliz aniversário. Um feliz início de ciclo e um encerrar bonito, com muito amor.
- Obrigado, . Obrigado por não me odiar.
Aquilo sim me fez rir com sarcasmo e deixar que meus olhos liberassem emoções ardidas.
Surpreendentemente, fez o mesmo, bem timidamente. Duas lágrimas caíram, me fazendo engajar uma competição de quem chorava de um jeito mais patético.
- Eu nunca conseguiria te odiar, . Como poderia? Acho que ainda faço apostas por você.
- Um dia vamos nos casar, não vamos? Com nossos amigos, comida boa, com nós dois nos olhando como nos olhávamos antes?
- , acho que você precisa ouvir isso de mim - me surpreendeu, parando ao meu lado. Eu sequer havia escutado o som da porta se abrindo ou de seus passos, preenchia todos meus sentidos sem nem notar. - Eu e a estamos juntos. Aconteceu. Eu não quero esconder nada de você, mas…
Mas… não era verdade, então olhei para ele com os olhos arregalados.
- O quê? Quando isso…? O quê?
estava estático, porém emitindo um sentimento frenético de confusão. Se ele não estivesse tão surpreso, talvez notasse que eu também estava. Do que estava falando?
- Estamos juntos, indo pra casa juntos agora. Então dá pra deixar a minha amiga ir embora? - seu sorriso vitorioso fez com que saísse do transe e desse um soco no ombro de . Ainda abalado, me fitou como se esperasse que eu confirmasse que era uma brincadeira, uma semântica ruim para brincar com nossos sentimentos. Aquele momento parecia pagamento pela dor que eu havia sentido mais cedo, ao vê-lo com outra pessoa sem aviso algum. Do jeito que era, era bem possível que aquilo fosse sua maneira de se desculpar comigo, oferecendo um pouco de agonia para seu amigo em troca de perdão. - Mas gostaria de apontar aqui que seu desespero foi bem engraçado e deveria ser levado em consideração. Se vocês querem continuar sofrendo longe um do outro, sejam meus convidados, mas saibam que eu acho isso aqui tudo uma grande idiotice.
Na festa daquela noite, eu os observei de longe. comentou que eles não estavam namorando, porém afirmou que achava que estava na hora de eu fazer o mesmo se quisesse. Dei um olhar incomodado pra ele e fui em direção aos pais de , com quem conversei a noite inteira. Eu amava a sua família e estava aliviada de confirmar toda vez que o carinho era mútuo apesar do término. Eles sempre eram queridos, me tratavam como uma filha e, assim como , ficavam felizes toda vez que contava sobre minha vida e como as coisas estavam indo bem com o trabalho, em casa e com meus hobbies. Falei sobre minha família, sobre sentir falta das sobremesas que o pai dele fazia e acabei sendo convidada para ir até a casa deles no fim de semana, quando não estivesse lá.
Sorri confirmando que iria e sem querer procurei o quase aniversariante pela casa. Ele estava conversando com uns colegas de trabalho e tinha um sorriso bonito no rosto, parecendo realmente feliz com a festa, então me permiti sorrir também.
Ele estava alegre e me perguntei se era hora de parar de apostar ou não.
- Sabe, - sua mãe chamou minha atenção de novo. -, nós e seus pais temos um chat e apostamos quanto tempo até vocês voltarem.
- E eu já perdi, obrigado. - O pai dele disse, em falso desgosto. Ri de sua reação e ele me abraçou de lado. - Pago o dinheiro com prazer, mas queria ter ganhado porque queria ver vocês juntos de novo o quanto antes.
- Desculpa, desculpa mesmo.
- Não, querida, não precisa se desculpar. Disse isso pra que saiba que torcemos por vocês, muito. Seja o caminho que escolham, espero que veja em nós um lugar para voltar sempre que quiser, porque vemos em você alguém que sempre terá um espaço em nossa vida. Um espaço grande, porque amamos você.
- Amamos mesmo, mesmo que nos faça gostar menos de nosso filho no processo. O que ele tem na cabeça?
A mãe de bateu no braço do esposo, repreendendo-o, porém piscou para mim como se confirmasse o que ele havia dito. Ri com eles e, quando veio em nossa direção, pedi licença, me despedindo, e saí de perto, não querendo lidar com ele e nossas memórias mais do que já havia feito naquele dia.
Eu só queria ir pra casa descansar, igual naquele primeiro dia que nos falamos no jantar do elenco. Queria tirar os sapatos, comer algo e dormir. Queria fugir.
- ? - Queria, mas não parecia que ia deixar que eu tivesse paz naquele dia.
- Acho que já passou da meia noite, então parabéns! - Falei, me virando para ele. Era tão esquisito não conseguir ser 100% sincera com ele. - Ficou surpreso mesmo com a festa?
- Eu… você e o não estão juntos, estão?
- O quê? Não, ! Aquele era o sendo idiota. Nem eu nem ele faríamos isso com você, sem falar que não sentimos nada um pelo outro. Não desse jeito, não agora, não em nenhum tempo passado também, se é isso que quer saber.
- O que eu acho que quero saber é se… nós… , a gente fez a escolha certa? Porque eu acho que nunca mais fui feliz do jeito que era quando acordava do seu lado ou quando me chamava de amor.
- Um dia eu te disse que tinha medo de gostar mais do presente do que do futuro, lembra? No aniversário de casamento dos seus pais? - Ele balançou a cabeça e eu peguei em sua mão. pareceu segurar sua respiração assim que nossas peles se tocaram e eu fiz o mesmo. - O futuro chegou e espero que ele seja melhor que o presente, porque quem sabe um dia você vai estar do meu lado de novo. Sei que não vai ser agora, sei que você está com outra pessoa, mas o legal é que talvez eu esteja certa um dia.
- Posso fazer uma aposta também?
- Pode, o que é?
- Aposto que um dia vamos olhar pra esse exato momento e sentir alguma coisa diferente do que estamos sentindo agora. Eu olho pra você, pra onde estamos, e me odeio um pouco por não poder abandonar minha carreira, por não poder prometer pra você que vou estar aqui, que vou ir na apresentação de Natal, que vou estar ao seu lado quando acordar. Eu odeio esse sentimento de impotência, de não ser agora tudo que você merece, de não poder beijar você e dizer que você é o meu pedido de aniversário.
- Para o que eu responderia "não se conta pedido, idiota, assim ele não se realiza".
- E eu diria que se realiza sim, porque tenho você e isso é tudo que importa.
- Idiota.
- Eu sei. Eu também sinto medo de que você vai encontrar outra pessoa e vou sofrer por nós dois. Sinto abstinência de não poder abraçar você, sinto saudade e arrependimento por algo que nem sei como poderia mudar. Mas um dia, , um dia eu aposto que vamos pensar nesse momento com outras palavras em mente. Não sei quais vão ser, mas espero que sejam boas, porque eu amo você.
- Como pode ter tanta certeza assim?
- Porque às vezes você me olha com saudade, outras com arrependimento, mas sempre, em todas as vezes, vejo amor também. E acho que a saudade pode passar, mas esse amor… esse amor vai ficar.
- Vejamos o copo meio cheio, não é mesmo, senhor ?
O meio do final: Parte 7
Maybe I'm selfish
Could be obscene
But I'm just trying to make you see what I see
Everyone's like me
A frase "Não há como saber o amanhã, mas quero apostar que vou amar você pra sempre" ecoava em sua mente enquanto sentia as mãos geladas de sua namorada em seu pescoço.
Ao redor deles, diversas pessoas dançavam também, animados pela canção que tocava no casamento de um grande amigo dele. A madeira estalava abaixo de seus sapatos e um pouco de areia incomodava seus pés, se acumulando dentro do Oxford preto pelas vezes que ele pisou fora do tablado construído em cima da praia. Ele ignorava a sensação chata porque o vento acariciava seu rosto e porque sabia que deveria estar feliz pelo momento memorável que era presenciar um de seus amigos mais próximos casando-se com a mulher que amava.
estava de fato alegre, mas ao mesmo tempo parecia que seus pés pesavam demais para dançar e celebrar. Ele preferia ficar estático enquanto o violão tocava pelas caixas de som e a melodia do mar era abafada de fundo. Preferia economizar suas energias e só olhar as pequenas luzes amareladas e fantasiosas próximas de tecidos de voal transparente e delicado.
Ele queria só existir e apreciar e não envolver-se sensorialmente com a situação toda. Porém a mão dela era gelada, a areia incomodava nos pés e na boca o gosto de confusão o tomava por completo.
"Não há como saber o amanhã, mas quero apostar que vou amar você pra sempre".
A mulher que ele mais havia amado na vida estava sentada em uma das mesas, retirando seus sapatos altos e os escondendo atrás da toalha que se estendia até o chão. Ela estava com o cabelo mais comprido do que ele lembrava e seus olhos brilhavam. Ele desejou não ter a visão também, para não poder presenciar o marco físico que ela representava pra ele, mas logo esquivou-se do pensamento.
Apreciá-la, mesmo que de longe, era um motivo para acreditar na vida.
- Eu já volto, tá? Vou ao banheiro. - Ele comentou. Sua namorada só sorriu, concordando com a cabeça, e continuou a dançar sozinha.
Aquela era uma das razões pelas quais ele a amava, por sua independência e senso de liberdade. Ela era uma mulher incrível, dedicada, apaixonante. Ele só não tinha certeza se era ela a pessoa que o faria querer compreender todos aqueles adjetivos, se seria por ela que ele desejaria se tornar alguém melhor, alguém diferente ou alguém com quem ele quisesse apostar que amaria para sempre.
Com os passos lentos, ele se colocou a caminhar em direção de e notou que estava somente existindo e apreciando tudo naquele instante. Seu corpo pareceu aquém do momento e a areia não incomodou. Parecia que seu corpo era um suspiro e o mundo ao redor era calmaria. Ela ainda não havia o visto, já que estava ocupada sendo o ser humano mais cativante que ele podia conhecer. Conversando com pessoas que, acreditava ele, não eram de seu ciclo de amizade, ela brilhava. sempre fora boa em envolver-se com estranhos e criar assuntos do ar.
Fazia pelo menos seis meses desde a última vez que haviam se visto pessoalmente e mais de dois anos desde que haviam terminado, porém nada parecia diferente ao ponto de ser desesperador.
Ele ainda conseguia ver a paixão pela vida em seus olhos, enxergar seus hábitos na maneira como ela inclinava a cabeça enquanto ouvia alguém falar algo e notar a alma linda que tinha através de suas sobrancelhas expressivas. Ela ainda podia ser a mesma pessoa que havia o beijado chorando quando decidiram não namorar mais, por questões profissionais dele. não tinha tempo para um relacionamento e ela não conseguia se anular para acompanhá-lo - e ele tampouco queria aquilo. O término era doloroso porque não havia sido amor de menos e sim amor na medida certa, o suficiente para saber que aquele não era o momento para o sempre acontecer.
Ele não conseguia mais voltar para casa a tempo de vê-la acordada e ela não conseguia abraçá-lo antes de sair pro trabalho, porque tinha medo de acordá-lo. Os dois, por amor genuíno, sincero e bom, optaram pelo fim de uma relação que parecia mais um talvez do que uma afirmação.
Ainda assim, ela parecia ela e ele só desejou manter aquela memória pra sempre.
- ? - Ele disse e sua mão automaticamente se estendeu na direção dela, esperando que suas peles se tocassem em um aperto honesto de saudade. - Oi.
No momento que os olhos dela encontraram os dele foi como se ele se tornasse areia, vento e mar, fundido em sensações como só ela conseguia fazer. Era mais do que nostalgia, era certo e natural.
- .
A maneira como ela disse seu apelido foi como se proferisse juras de amor e pedidos de desculpa por não ter tentado mais. Os olhos dela brilharam mais ainda e ele jurou que aquele amor nunca iria embora, que eles de fato apostariam no futuro porque o amor deles nunca acabaria independente do tempo, local ou status de relacionamento.
Ela não questionou sua mão, somente a pegou e deixou que seus dedos envolvessem os dele em um pedido silencioso por amor e reconhecimento.
"Eu sei que você ainda me ama e eu também amo você" ela dizia com o olhar. Sem nada a acrescentar. Sem desculpas, ressentimentos ou cobranças.
- Como você está? Faz um tempo que não nos vemos. - Ele comentou. Ela começou a caminhar para uma parte mais silenciosa da festa e ele a acompanhou sem questionar. Não precisava perguntar nada além do que realmente interessava e o destino que ela buscava para eles era algo que ele não ousaria vociferar. Não faria diferença. - Você está linda.
Rindo baixo, ela acariciou sua palma como se agradecesse e deu-se por satisfeita quando achou a cozinha amadeirada da casa enorme que recebia a celebração. Havia diversos doces na bancada e alguns copos perdidos que os convidados haviam deixado por ali.
- Eu estou bem, . Juro que não estava fugindo de você nem nada assim; com o trabalho e o casamento foi difícil te mandar mensagem e tentar marcar algo. Mas como você está? Como está a vida? Casamento.
sentiu sua mão queimar e olhou para os dedos da mulher na sua frente, procurando freneticamente por um anel que denunciasse seu segundo fim, o final que o mataria outra vez.
Quando não encontrou nada e pode suspirar aliviado, entendeu que ela se referia ao casamento que eles estavam. Ele esqueceu por alguns instantes que era a melhor amiga da noiva e que por isso deveria estar tão envolvida na cerimônia quanto o próprio casal.
- Eu estou… bem? O trabalho não está mais tão corrido e eu estou feliz. Visitei meus pais mês passado e eles perguntaram por você. Eu disse que não gosta mais deles e juro que eles quase choraram. Minha mãe me fez dormir no sofá e tudo, - Ele riu e ela o acompanhou, mas não antes de bater em seu braço, em repressão clara de sua brincadeira. - e não estou nem brincando. Eles amam você.
Ela olhou para ele como fazia sempre, com atenção e carinho e seu amor transpareceu em seu riso e em como ela continuava segurando sua mão.
- E eu amo eles, então você mereceu dormir no sofá. Pode deixar que vou mandar mensagem e confirmar que nunca diria algo assim. Se sua namorada não se importar, posso até visitá-los, ela parece ser bem legal, mas entendo se for estranho pra vocês.
Estranho ou não, mencioná-la não fez com que se afastasse ou o olhasse com menos admiração. Ela não estava ali para roubá-lo ou ameaçar seu relacionamento; ela só estava ali como alguém que o amava. Simples assim.
- Você quer conhecê-la?
não queria apresentar ninguém. Não que fosse vontade de manter uma vida dupla, mas era mais por parecer realidades opostas se chocando. Ele não queria abandonar a ideia de um amor que ainda poderia acontecer, não queria admitir em voz alta para ela, de seus próprios lábios, que outra pessoa dormia do seu lado, que alguém que não era o abraçava e o amava do mesmo jeito que ela havia feito. Mais alto que a música e o som do mar, ouviu seu próprio coração se quebrando um pouco de novo. Parecia que seu segundo término se aproximava e a esperança morria.
Ela ainda era a mesma pessoa, ele podia ver que sim, e de alguma forma aquilo não servia como conforto porque só lembrava que alguns amores nunca morrem ou mudam.
- Se você quiser nos apresentar, claro. disse ótimas coisas sobre ela.
- O quê? O que ele disse?
- Que ela faz você feliz, que você não está trabalhando tanto mais. Ah, e que ela é engraçada. Fico feliz que encontrou alguém assim, . Você merece.
Não havia crueldade ou sarcasmo em suas palavras, mas ele se sentiu mal. Odiou que seu amigo contasse sobre o namoro e desse atualizações sobre seu bem-estar. Aquilo não só tirava os raros momentos que ela conseguia ir até ele para saber como ele estava, como também estragava a realidade que ele criava quando se tratava dela.
Ele não estava sendo razoável e sabia disso, porém queria apostar naquilo.
- Por favor, me fala que você dormiu com o . - soltou a mão dela e fechou os olhos, receoso de sua reação. - Fala que odeia minhas músicas e que queria nunca ter me conhecido ou que conheceu outra pessoa. Mesmo que tenha que mentir, tem que existir algo que você possa fazer.
- , do que você está falando? - Sua risada baixa o machucou, sendo a confirmação de que ele estava falando absurdos. Ele sabia que não estava sendo sensato, mas vê-la estava confirmando que ele não queria que ela fosse pra sempre um talvez.
- Me ajuda a te superar.
Assumir que ele ainda não havia superado o relacionamento o fez sentir pior ainda, já que isso significava estar envolvido com alguém em quem ele não acreditava ter um futuro com. Ao contrário de , com quem ele se imaginava para sempre.
- Posso dormir com o ou raspar a cabeça. Acha que ajudaria?
Rindo, a mulher tentou não demonstrar como aquilo havia a machucado.
Ele queria superá-la, como uma espécie de suéter que se cresce além e nunca mais se pode usar. Ele, com aquelas palavras, estava assinando seu consentimento de que mesmo que ainda se amassem, não era suficiente. Amor sozinho nunca era o suficiente e ouvi-lo confirmar trazia aquela noite de quinta-feira de volta para seus sentimentos. A maneira como ela segurou sua camiseta e não soltou por horas, a dor na garganta de tanto segurar o choro, o cheiro de arroz queimado e a sensação desconfortável das mãos geladas que não pareciam esquentar por nada no mundo enquanto a cabeça parecia próxima de implodir por altas temperaturas.
Colocar um fim na confirmação de um amor era quase tão ruim quanto de fato parar de amar, a única diferença era que ela não queria que o suéter parasse de servir e aquecê-la.
- Acho que não. - respondeu, depois de uns segundos cogitando. Era possível que o amor fosse uma escolha e ele tivesse se decidido por nunca deixar seus sentimentos por ela de lado. - Acho que sempre vai ter uma parte de mim que espera por… por você e eu, para voltarmos para nós.
- Sabe a Clementine e o Joel? - Era de um filme que os dois haviam visto juntos em um dos seus primeiros encontros. - Quero manter essa memória, posso? Sem dormir com o ou odiar suas músicas ou você. Só amor, porque sempre vou ser grata por você. - tentou seu melhor para não passar dos limites e tocá-lo mais do que deveria, mas cedeu aos seus braços, que o envolveram naturalmente e pareceram estar envoltos em um sonho irreal do qual ela acordaria decepcionada. A saudade dele a consumia em diversos dias. - Meu amor por você não tem pra onde ir, então vai continuar aqui, dentro de mim, até que eu seja corajosa para fazer algo sobre ele. Por enquanto está tudo bem e estou feliz que encontrou alguém bom, . Ela faz você trabalhar menos e tenho certeza que você é bom para ela, não é? Então talvez você não precise superar isso. Você só precisa… aceitar o "às vezes" e não esperar pelo "sempre".
Sem jogo de palavras, ela começou a se separar dele. Não queria ouvi-lo falar sobre o quão incrível sua namorada era ou como seu amigo estava certo e ela era sim engraçada, inteligente, perfeita. só queria guardar seu amor dentro de si e não compartilhar com ele, já que parecia estar entregando para uma casa vazia, sem ninguém para receber.
Deu um último beijo no ombro dele e se afastou, sentindo um soluço dolorido se prender nos lábios. Recusando a tristeza, sorriu mesmo com os olhos marejados e tocou na ponta no nariz dele, o fazendo enrrugá-lo automaticamente.
- Não faço mais apostas, , agora sou vidente. - Com um último sorriso fraco, ela se distanciou por completo. - Eu sei que vou amar você amanhã e no dia seguinte. Você sempre vai encontrar meus olhos na multidão, olhando para você com gratidão, sentindo um orgulho absurdo da pessoa linda que você é.
As palavras dela mataram sua dúvida com a recusa mais doce possível. Apesar de distantes, cada sílaba sepultava uma parte diferente dele que ele sequer sabia que precisava ser enterrada - mas, como sempre, ela o conhecia melhor que ele mesmo.
- Eu não estou pronto para voltar para você, . Não ainda. A única coisa que eu posso fazer é torcer que nosso timing não seja terrível e eu esteja bêbado no seu casamento, com o me levando pra casa enquanto eu choro lembrando do dia que achei que você ia me pedir em casamento no meio do mercado.
riu de leve, lembrando de seu momento de felicidade absurda e absoluta. De um jeito ou de outro, ela sabia que não era o momento de dizer que ela queria mesmo casar com ele, que estava cansada de só viver a felicidade romântica que desejava em sua mente e não na vida real. Porém, sabendo que não podia fazer nada mais, concordou com a cabeça e sussurrou mais um fim para eles.
- ? - Ele encontrou seu olhar e aguardou pela próxima escolha de palavras que iria marcá-lo. - Eu te amo e isso parece a pior coisa que eu já te disse.
Ela não deixou que ele respondesse e saiu pela mesma porta que havia entrado.
O que se podia saber era que amor não era tudo, mas naquele momento, para outras pessoas, era, então ela foi correndo até os recém-casados e começou a pular com eles, em uma dança despreparada pela música que tocava. Tapou um pouco o rosto ao balançar a cabeça para os lados ao som da música animada e forçou a se focar no presente.
Os dois queriam, mais do que nada, manter aquela lembrança e torcer para que no futuro ela não fosse arrependimento e sim celebração.
O meio do final: Parte 8
So I've been waiting for an opportunity
Just to speak my mind
If that's alright
Might just be a couple hours out of my whole week
Usually I'm fine
It's ok not to be ok, sometimes
Havia algo de esperançoso em começos. Talvez fosse sua imprevisibilidade e sua infinitude de opções ou quem sabe a vontade intensa de que o novo fosse sinônimo de melhor. Era difícil de apontar com certeza, mas para algumas coisas não era necessário respostas quando a pergunta já era suficiente para emocionar.
Quando vamos nos ver, ?
Eu estava visitando apartamentos sozinha, olhando pela janela enquanto o corretor falava ao telefone no corredor e sua voz ecoava de um jeito incômodo. Ele devia ter escolhido outro lugar para conversar, mas não parecia se importar, então eu só troquei de cômodo, indo para o que poderia ser um escritório ou um quarto de hóspedes, um pouco mais ao fundo do imóvel. As paredes eram brancas e eu gostava demais do formato das portas, arredondadas no topo. As maçanetas eram douradas e tinha muito potencial em cada espaço, o que me deixava inclinada a colocar aquela opção no topo da lista de todos os outros sete locais que havia visitado. A localização era boa, assim como a infraestrutura e a vizinhança.
Parecia ser o que eu precisava e queria em um só lugar. Isso e as tomadas eram inteligentes e o prédio era ecofriendly de diversas maneiras, então parecia um recomeço esperançoso mesmo, que aquecia.
Mas eu sentia falta de e queria ele ali. Não como alguém que conhecia meu corpo ou que havia beijado meus lábios um dia, mas como um ser humano que podia transformar qualquer endereço em lar. Quando vi, já havia encontrado seu nome no meio de meus contatos e a chamada já estava sendo feita. A chuva caía lá fora e eu sequer sabia o que ia dizer, mas queria uma confirmação dele de que aquela poderia ser uma moradia pra mim mesmo sem ele.
- ?
Talvez eu jamais teria um lar de verdade sem ele.
- , oi! Acordei você?
Não devia ser mais que dez da manhã, porém sua voz estava rouca e arrastada como se ele estivesse acabado de ser acordado.
- Não, não. Está tudo bem?
A voz dele me acalentava. Aquele era o lugar que eu queria, não precisava de convencimentos extras. Podia colocar uma banheira no banheiro da suíte, pintar uma parede de azul e comprar cortinas de voal.
Podia transformar aquele lugar em uma casa para mim.
- Na verdade você fez aquela coisa de sempre de me mostrar a resposta sem nem dizer nada, então acho que está tudo bem sim. Você está bem? - Ele ficou em silêncio e me perguntei se havia voltado a dormir, mesmo que tivesse negado antes. Tirei meu celular de perto do ouvido e encarei o nome dele com os números sendo contados, a ligação não havia caído. - ?
- Oi, estou aqui.
E nada mais.
- Desculpa incomodar. Eu… nos falamos depois?
- Não, não. , não desliga.
Eu podia colocar um sofá rosa ali e uma mesa de vidro. Uma estante grande e uma parede cheia de quadros. Podia comprar umas velas cheirosas e talvez um abajur verde.
Podia ouvir a voz dele pra sempre.
- Você está bem? Aconteceu alguma coisa? Posso ficar livre pro jantar, se quiser conversar.
- Você lembra quando fomos naquela cafeteria e escrevemos cartas para nossos eus futuros? - Acenei com a cabeça, como se ele fosse me ver, e depois resmunguei um "uhum", o fazendo continuar. - Eu estava pensando nela esses dias e não lembro o que escrevi. Você se lembra?
- Não entendi o que isso tem a ver com você estar estranho, mas lembro de umas partes sim. Falei sobre o trabalho, sobre nós e escrevi uma mini bucket list que queria já ter completado ao receber a carta, mas não faço ideia do que tinha lá, então não sei. Mas por que estava pensando nisso?
Uma almofada rosa mais escuro, um tapete felpudo e, se quisesse me exibir, um frigobar.
- Não sei, só lembrei disso e me perguntei se você lembrava. Não sei nem quando vamos receber ela, pra falar a verdade.
- Deve ser daqui menos de um ano, eu acho. Eram cinco, não? Ou dez? Não tenho certeza, mas você vai ter que me dar a minha quando chegar. Colocamos o endereço dos seus pais, lembra? Porque não sabíamos onde íamos morar.
Não sabíamos, mas eu sentia que sempre teria nele um lar, por isso não me importei de dar o endereço dos pais do homem que eu amava. Porque algo em mim, mesmo tantos anos atrás, sabia que ele era a minha pessoa e eu sempre tentaria estar em sua vida.
- Lembro, disso eu lembro.
Eu lembrava também do jeito como falamos sobre nosso futuro naquela época. Brad podia não recordar, porém quando saímos do café naquele dia, caminhamos por horas conversando sobre como nossas vidas estariam em cinco anos. Falamos sobre filhos, expectativas para nossa casa juntos, os lugares que ainda queríamos visitar no mundo.
Às vezes, muitas delas, errávamos. Não acertávamos o cônjuge, o endereço, as expectativas. Naquelas vezes, quando não havia nada o que fazer, a imprevisibilidade e a infinitude de opções pareciam não ser o suficiente.
- E aí, o que achou da casa? - O corretor perguntou, me assustando um pouco.
- , preciso ir agora, mas… obrigada. Se quiser conversar sobre alguma coisa, sobre nada, eu estou aqui. Sempre vou estar.
Não consegui prestar atenção na sua resposta, porque o corretor estava me dando nos nervos com seu olhar persistente e sua animação extra sem motivo e sem autenticidade. Ainda queria a casa e estava segura de que não queria mais procurar, então confirmei que queria mais detalhes sobre as questões financeiras e pude vê-lo relaxar. Talvez ele precisasse da venda, talvez só fosse uma pessoa que não sabia muito bem interagir socialmente - ou eu que não gostava muito do seu tipo de personalidade.
Depois de um longo dia resolvendo as pendências, terminei minha noite pensando que por mais que houvesse esperança em começos, havia também uma certeza: algumas cartas demoram mais pra chegar do que outras, sempre as que queremos mais. A sensação toda de esperança e de esperar era sufocante e o começo após o futuro podia assustar.
E me assustava mesmo que eu ainda amasse . Assustava porque ainda aquecia e talvez eu fosse como um daqueles sapos de experimentos, que pulavam se colocados em água quente, mas que acabavam morrendo cozidos caso a água fosse esquentada aos poucos, os fazendo cozinhar sem notar. Eu ainda ligava sem perceber, ainda esperava cartas chegarem, ainda buscava nele um conforto que não podia receber, não do jeito que gostaria.
O som de batidas leves na porta me fizeram pular do sofá, com mãos levemente trêmulas ao pensar na possibilidade de ser ele. E se pudesse ler meus pensamentos ou se também sentisse saudade? Ajeitando o cabelo inocentemente, abri a porta para encontrar uma entregadora de pizza completamente molhada e com feições confusas. Sua decepção se intensificou quando notou que eu não era a pessoa que ia pagar pelas caixas em suas mãos, mas quase o fiz só por seu rosto retorcido e o cheiro incrível. Ela deu meia volta, eu fechei a porta e então a campainha tocou minutos depois. Peguei minha carteira, já esperando por uma entregadora suplicante e quando abri, encontrei ela ao lado de , igualmente molhado e confuso.
- Ele chegou correndo pelas escadas e ficou aqui fora por um tempo, sem dizer nada. Sem querer me intrometer, mas achei que deveria tocar a campainha para dar um empurrão extra.
- Eu pago pelas pizzas, se você quiser. - Respondi, sorrindo pra ela e ainda sem olhar meu amigo. Não sabia o que ele queria, mas talvez a carta estivesse demorando demais para chegar porque era a que eu mais esperava, a que mais havia criado expectativas sobre. - Obrigada por… por tudo.
Ela foi embora com um leve sorriso no rosto e minha atenção repousou em e nas gotas de água que caíam das mechas de seu cabelo.
- Vai ter pizza para o jantar, caso queira ficar.
- Posso ficar?
- Que tipo de pergunta é essa? - Ri de seu tom e apontei com a cabeça para dentro, enquanto fazia meu melhor para não deixar minha carteira cair, muito menos as pizzas. - Claro que pode. Teve algum momento que você não pode?
Ele não ficou antes, emocionalmente e fisicamente, mas só senti isso como um tapa no rosto quando ele deixou que o silêncio se instalasse entre nós. Uma ausência de som desconfortável, má e dolorosa.
- Como foi seu dia?
Muito, muito dolorosa.
- Foi bom, acredito que encontrei minha futura casa. Tem três quartos, mas em um deles estou pensando em fazer um escritório. A localização é boa e parece que a vizinhança é acolhedora também. Do tipo que eu poderia fazer um bolo e levar para os vizinhos quando me mudar, sabe?
Palavras e mais palavras. Nenhuma delas expressava o que eu realmente queria falar.
- Você disse isso na sua carta.
- Espera, você já recebeu ela?
- Não, eu lembrei. Lembrei do que você disse que escreveu e do que eu esperava pra mim mesmo em cinco anos.
- E o que você esperava, ?
- Não estar esperando tanto.
Quanto mais repetíamos a palavra "esperar", mais ela perdia o significado. Não sabia se era eu, a voz dele ou o peso daquele dia, mas "esperar" parecia verbo transitivo indesejado, acidente do vento que soprou errado em nosso cabelo e nos fez virar o rosto, perdendo o momento em que ele ia me pedir para ficar e eu cederia. Esperar era verbo intransitivo cruel que nos recordava dos bons momentos com um senso de nó na garganta para a falta que um amor fazia ao não residir no presente mais.
- Paciência é uma virtude que sempre tivemos, não acha?
- Às vezes não precisamos de virtudes, precisamos de copos meio cheios e uma entregadora de pizza que vai apertar a campainha pra você.
- O que você quer dizer, ?
Havia algo de esperançoso em recomeços. Talvez fosse a sensação de que tudo poderia ser diferente, de que uma segunda chance fosse uma confirmação de que a persistência seria recompensada com uma resposta positiva, um sonho que antes residia só na mente podia passar para a vida real. Era difícil de apontar com certeza, mas para algumas coisas não era necessário respostas quando a pergunta já era suficiente para emocionar.
O que você quer dizer, ?
- Estou batendo na sua porta para proclamar meu amor por você.
- Mas você não bateu na porta.
- Nem proclamei meu amor ainda.
- Você… isso é sério?
- É sério, mas entendo se for tarde demais ou cedo demais. O tempo parece tão indeciso quando se trata de você, , de verdade. Mas eu te amo e não importa quando, isso não vai mudar. Podemos continuar sendo amigos dessa maneira, mas você me ligou, . Foi pra mim que você quis ligar quando estava decidindo sua casa, não foi? - Não entendi sua suposição, mas concordei porque era verdade. - É a sua voz que quero ouvir quando tomo uma decisão também ou quando estou pra ir dormir e penso em comprar um travesseiro da NASA. É a sua opinião, o seu suspirar, a sua presença que eu procuro e às vezes… não, sempre, sempre é de uma maneira que parece que vai me fazer gritar. De um jeito bom, eu juro.
- Como que se grita de um jeito bom, ?
Desespero, felicidade extrema, paixão, exasperação. Emoções diferentes do que achava que sentia por ele, sempre achei que fosse calmaria, fim de tarde, jazz. Porém, com ele na minha frente, soube o que quis dizer sobre gritar. Era uma reação, não um sentimento. Por mais que o sentimento fosse pacífico, a reação que eu tinha sobre ele era visceral, instintiva, intensa. O sentimento aquecia, mas nossa reação um sobre o outro queimava até não sobrar rastros de qualquer outra coisa.
Era ele.
- Sei que é tarde, mas… - Ele se aproximou de mim e colocou a mão em minha bochecha. O aconchego, a familiaridade e a felicidade me tranquilizaram enquanto meu coração pareceu correr maratonas dentro do peito em antecipação. - eu amo tanto você.
Um sussurro. Quatro palavras no segredo de uma voz baixa.
- Eu amo você, .
E então ele sorriu daquele jeito que fazia, de um jeito que também me deixava com vontade de gritar. De um jeito bom.
- Então, dessa vez, por favor, isso deve bastar. Vamos pensar em caminhos pra voltar um pro outro, em maneiras de fazer isso dar certo, de eu poder te amar de perto e você me amar assim, desse jeito como me ama agora. Ou diferente, mas juntos. Porque só quero estar com você e espero que também queira isso. Você ainda me quer?
- Sempre vou querer, você sabe disso. - Imitei seu jeito, segurando seu rosto, e toquei seu nariz com a ponta do meu. - Mas sabe que preciso de confirmações, não sabe? Posso contar com você aqui?
- Pode, . Eu prometo que pode. - Novamente, outro sussurro. - Vou me esforçar mais, vou amar você do jeito que merece e dessa vez, , dessa vez a gente não vai precisar apostar nada. Vamos ter a certeza de que é pra ser, pra durar, por nós.
- Mas é impossível ter certeza disso, , você sabe disso. - Respondi, beijando sua bochecha de leve.
- Não sei de nada, só que amo você.
- Não sabe nem tocar uma campainha aparentemente.
E então ele riu e me puxou pela cintura. Beijou meu nariz, meus olhos e riu mais alto, depositando amor em forma de beijos em meus lábios também, que tomaram os seus sem questionamento algum. O peito queimava, ardia em felicidade, e minha cabeça rodava pela animação de um momento que parecia ter demorado uma eternidade para chegar.
Sua presença, seu amor, sua existência me aquecia de uma maneira que me fazia de fato sentir como uma vidente prevendo um futuro amoroso, gentil, duradouro, bom. Era ele, só podia ser ele, a minha pessoa.
- Você ainda tem aquela playlist? Minha sala pode ser nosso palco dessa vez.
- Ainda acho que vou morrer de amor por você. - Ele respondeu, me beijando mais algumas vezes antes de entrelaçar meus dedos nos dele e me arrastar para a ilha da cozinha. - Mas antes comida, por favor. Comida, mais beijos, sua voz, dança lenta e depois o futuro.
- Depois o futuro.
O meio do final: Parte 9
Sometimes
Às vezes as pessoas se esqueciam do lugar que se encontravam; às vezes se lembravam demais do local que estavam. Fosse pelas vezes que se lembravam ou pelas que se esqueciam, normalmente havia algo além do tempo que as faziam considerar os verbos como apostas.
Uma pessoa.
Um lugar.
Uma coisa.
Um sentimento.
Um momento.
Sem saber de uma resposta, as pessoas apostavam em "às vezes" e "sempre" porque existia o final do começo, o começo do meio e o meio do final, tempos verbais em que o "às vezes" e o "sempre" coexistiam, se anulavam, se amavam, se respeitavam. Era o caso de e , duas pessoas que às vezes se perdiam em timing ruim e profissões; que sempre se admiravam e que nunca eram nunca.
Eles eram a entregadora de pizza, que pensou neles por anos depois de bater na porta, questionando-se se eles haviam ficado juntos. Eles eram a casa que comprou e que dividiram por mais de uma década, até decidirem vender para encontrar o próximo lar que abrigaria a família linda deles. Eles eram a carta que chegou na casa dos pais de e os fez chorar com suas versões do passado. Eles eram o acalento causado pelo amor que aquecia, queimava, incinerava. Eles eram o momento em que se olhavam no meio do café da manhã de domingo, cansados e sentindo tranquilidade em viver.
Às vezes, muitas vezes, ser tudo aquilo não era tão ruim assim. Ser tudo aquilo era tudo que eles podiam ser no final do começo, no começo do meio e no meio do final.
Às vezes estava tudo bem não estar bem, mas eles estavam ótimos e pretendiam permanecer assim pelo tempo que fosse possível.
Fim
Muita obrigada de verdade por você que leu, que tirou um tempinho para comentar e espero demais que tenha sido uma leitura cheia de emoções (principalmente boas, por isso que teve que ter final feliz) e que possa estar acompanhando outras histórias minhas no futuro. Quem sabe, né?
Essa música e história tem um espaço gigante no meu coração e foi um prazer poder compartilhar esses personagens tão queridos com vocês! Obrigada obrigada obrigada e, se quiserem, fiz uma playlist com todas as músicas que escutei enquanto escrevia e que acho que combinam muito com cada cena/momento. Qualquer coisa é só avisar, chamar pelo @himoonlight_ no Instagram ou deixar um comentário aqui no ffobs mesmo que vou responder tudinho com certeza ;)
Playlist:
Parte 1: Sometimes do The Vamps
Parte 2: Da Primeira Vez do Bryan Behr e do Calum Scott e New Year's Day da Taylor Swift (e caso alguém queira, esse é o link da playlist "slow dancing in the living room")
Parte 3: Eleanor do Samuel Lim e World of You da MCK
Parte 4: Binibini (Last Day on Earth) do Zack Tabudlo e James TW e Love of My Life da Avery Linch
Parte 5: Wild & Young do McFLY e Meant To Be da Ber e do Charlie Oriani
Parte 6: Rely On Me do James Smith, Worldstop do Roy English e See You Later (Ten Years) da Jenna Raine
Parte 7: Help Me Get Over You da The Band Camino e Protocol do The Vamps
Parte 8: See You Later (Ten Years) da Jenna Raine e Homewatching do Samuel Lim
Parte 9: Waiting For Us do Stray Kids
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