Capítulo Único
O dia estava quente e a mulher podia sentir o suor escorrendo sob o vestido que usava. Agradeceu mentalmente ao sentir o ar fresco de dentro da cabine, o ar-condicionado fazendo o seu trabalho perfeitamente bem, ao poluir o meio ambiente do lado de fora, enquanto deixava os passageiros, do lado de dentro, confortáveis com a temperatura amena.
Ah, os prazeres do capitalismo…
Atrás dela, a mulher podia ouvir vozes de crianças empolgadas com a viagem que fariam, a primeira de trem. Quem diria que ainda existiam excursões, de uma cidade à outra, de trem? , com certeza, não poderia.
Apesar de ter morado a vida inteira em St. Louis, Missouri, ela nunca tinha feito uma viagem usando um meio de transporte tão… Peculiar.
Sua primeira experiência dentro de um trem havia sido cinco anos atrás. , por algum motivo, pensara que seria uma forma interessante de ter um primeiro encontro. não poderia discordar mais.
Uma senhora parou ao seu lado, tirando-a das lembranças, e fez menção de que iria se sentar no banco desocupado, mas a parou com um gesto da mão.
— Está reservado. — ela disse.
A senhora conferiu mais uma vez o bilhete nas mãos, deu um sorriso de desculpas, e então passou a caminhar pelo vagão em busca do número correto.
voltou a se ajeitar confortavelmente no seu assento, colocando os óculos escuros no rosto, e então passou a olhar a paisagem pela janela. Não tinha muito o que ver ainda, contudo. O trem ainda estava parado na estação.
Mas assim que ouviu o motor entrar em funcionamento, no momento em que ouviu a voz do comandante sair pelas caixas de som, informando o percurso que fariam, soube que poderia, finalmente, relaxar. Afinal, pelas próximas horas, ela faria questão de deixar o celular desligado e de deixar todas as preocupações para trás.
O assento ao seu lado continuou vazio, e assim ele continuaria até o final do dia.
Enquanto contemplava a paisagem tomar forma do lado de fora, a mulher deixou a mente vaguear e as memórias voltarem, exatamente como acontecia todas as vezes que ela escolhia aquele assento, daquela companhia ferroviária, para aquele percurso turístico.
. . .
subiu no trem da tarde, o dia estava ensolarado. Era a sua primeira vez.
O verão mal havia começado e os dias já estavam quentes demais para as pessoas simplesmente saírem de casa. Mas não poderia negar aquele convite, ah não… era o herdeiro do nome e dinheiro da Oil, uma das maiores parceiras econômicas da empresa da sua família.
— Mas eu não quero. — ela dissera.
— Você não tem poder de escolha aqui. — seu pai respondeu, firme.
Não era como se ela tivesse tido muitas escolhas ao longo da sua vida, contudo.
Como herdeira das empresas ’s, teve uma vida perfeitamente desenhada e traçada desde o dia do seu nascimento. Seu pai usou todas as economias da família para investir nela, nas melhores escolas, nos melhores tutores, nos melhores cursos de artes, de idiomas, de etiqueta e de finanças.
Suas tardes de lazer foram trocadas por tardes de estudos, e suas amizades na infância precisavam passar pelo crivo de qualidade de seu pai ou, como passou a chamar eventualmente, “pela análise de influência” de seu pai.
Se o sobrenome de sua amiguinha tinha alguma força econômica, social ou política, ela seria muitíssimo bem-vinda na casa dos Wilsons. Mas se se tratasse de um sobrenome pouco conhecido, não precisaria nem mesmo gastar saliva para tentar convencer seu pai.
O perfeito retrato de uma infância saudável, ela pensava, ironicamente.
— Espero que goste do passeio, Srta. .
Ela se assustou com a voz do seu lado. Por um segundo se esquecera do seu acompanhante, e culpado, por ela estar perdendo uma tarde de domingo no clube, com as amigas, dentro de uma cabine de trem.
— Também espero, Sr. . — sorriu, como sua professora de etiqueta lhe ensinou anos atrás.
— Oh, por favor, me chame de .
Ela sorriu mais abertamente, passando a mensagem de que estava satisfeita com o convite de proximidade dele.
— Posso chamá-la de ?
— . — o corrigiu. — Pode me chamar de .
Foi a vez dele sorrir abertamente.
era um homem bonito. diria que atendia muito bem aos padrões heteronormativos dos Estados Unidos. Alto, cabelo perfeitamente alinhado e penteado para trás, o sorriso brilhante, os ombros largos, e dono de uma educação que, com certeza, era fruto de algumas boas aulas de etiqueta — sabia reconhecer os sinais, afinal de contas.
E ela também sabia o motivo por estar ali.
não estava tentando cortejá-la, mas apenas queria ser educado, fingir que o relacionamento que eles teriam, dali para frente, seria um relacionamento verdadeiro, construído aos poucos, e não algo que simplesmente fora imposto por ambas as famílias como moeda de troca para uma transação comercial caríssima.
Porque era isso que estava representando naquele momento: a passagem, só de ida, para o sucesso financeiro das empresas da sua família.
A aliança que colocaria no dedo dali a algumas semanas seria a garantia de contratos milionários junto à Oil. E ela representou muito bem o seu papel. Porque sim, aquele era o papel dela na família , como seu pai sempre deixou muitíssimo claro.
Foi realmente uma surpresa para as famílias ricas da cidade, as “tradicionais” e perfeitas famílias da alta sociedade, descobrirem acerca da união entre e . E a cidade disse:
— Como uma divorciada, de classe média, conseguiu isso?
Porque era o tipo de pessoa que não tinha um lugar na sociedade. Perto dos mais pobres, a família era considerada riquíssima. Mas perto dos milionários, a mulher não passava de um sobrenome pouco influente que, em outros tempos, seu pai não permitiria que ela se envolvesse.
Mas ali estava ela, casando-se com um dos homens mais ricos do país e, consequentemente, tornando-se tão rica quanto ele.
O casamento foi lindo, mas alguns diriam que um pouco humilde.
não era do tipo que gostava de esbanjar sua riqueza para as famílias tradicionais da alta sociedade que, como ele costumava dizer, “pareciam urubus em cima de carniça”.
Apesar de morarem em uma típica casa de arquitetura inglesa, enorme demais, cara demais, com quartos e banheiros demais, o casal também escolheu uma segunda casa, essa no litoral, a qual chamaram de “Casa de Férias”.
Um pouco mais afastada da cidade, e costumavam ir para a Casa de Férias nos finais de semana, feriados e em todas as oportunidades que lhe apareciam, já que acabou revelando um lado divertido que não fazia ideia que existia.
Aparentemente, não gostava de se exibir para a alta sociedade, mas para os amigos do casal, a história era outra.
Suas festas eram de bom gosto, alguns diriam que um pouco barulhenta demais, e então entendeu o motivo pelo qual insistiu em comprarem uma casa sem vizinhos.
Eventualmente, contudo, acabou descobrindo outros lados de .
Seu marido não apenas era excelente nos negócios, bom em se relacionar com pessoas invejosas, curiosas e desagradáveis, prontas para entrarem em uma disputa sobre quem tinha a conta bancária mais gorda, um marido presente e atencioso, mas também era especialista em guardar segredos.
Bom… Na verdade, não tão especialista assim, já que o maior de todos os seus segredos foi descoberto por logo nos primeiros meses de casamento.
— , eu posso explicar. — ele repetiu pela milésima vez naquela noite.
Mas não precisava de explicações, afinal, estava tudo muitíssimo claro.
— Desde quando?
— Desde quando o quê?
Ela rolou os olhos. Se existia uma coisa que não era, era idiota.
— Desde quando você sabe? — ela forçou a pergunta.
suspirou. E sem ter coragem de olhar nos olhos da esposa, respondeu:
— Desde sempre.
ficou confusa por um instante, mas a confusão logo passou quando a compreensão lhe abateu: era o único herdeiro das empresas Oil. Seus pais já eram falecidos e seus parentes mais próximos não tinham capacidade de dirigir nem mesmo um carro automático, quem dirá uma empresa. precisava de herdeiros, mas, antes disso, ele precisava de uma família. Uma família que a sociedade em que vivia, considerasse “de respeito”.
E tinha certeza que um homem gay, à frente de uma das maiores companhias empresariais dos Estados Unidos, mantendo uma relação nada tradicional, não era exatamente o tipo de luxo que podia se dar sem correr o risco de perder contratos milionários e o apoio de pessoas influentes.
Viviam em um mundo hipócrita, afinal de contas.
— … Eu juro que vou entender se você quiser pedir o divórcio.
Um divórcio… É claro que teria o direito de pedir o divórcio, já que acabara de descobrir que o seu casamento não passava de uma farsa. Mas…
— E se eu te ajudar? — ela perguntou.
E então uma ideia insana passou pela sua cabeça.
Uma ideia sem precedentes, uma ideia que, provavelmente, lhe causaria problemas no futuro… Mas uma ideia que, com certeza, lhe daria liberdade. Pela primeira vez na vida. Ou, pelo menos, algo próximo a isso.
E então o casal passou a ser visto com menor frequência, já que suas aparições nas reuniões sociais deixaram de ser prioridade, enquanto as festas na Casa de Férias passaram a ficar mais famosas.
e mantinham a imagem de um casamento perfeito aos olhos da sociedade americana, mas, nos bastidores, tudo o que o casal tinha era a mais sincera e leal amizade.
acobertava os casinhos proibidos e indecentes de , enquanto o homem permitia que a mulher tomasse toda e qualquer decisão referente à sua própria vida — coisa que nunca experimentou, já que sempre precisou ser a filha perfeita, e então a esposa perfeita, e, depois do divórcio, voltou a ser a filha perfeita em busca de um novo marido para voltar a ser a esposa perfeita.
Juntos eles se divertiram como nunca fizeram antes, sem censuras, sem julgamentos, sem medos. Juntos eles viveram como sempre quiseram viver, sem amarras sociais, sem preocupações, sem cobranças entre eles.
Mas tinha uma saúde frágil, e eles logo vieram a descobrir que o seu coração não era tão saudável quanto um coração da sua idade deveria ser.
O médico tinha dito para ele sossegar a vida, mas a estava vivendo, verdadeiramente, pela primeira vez. Ele não queria sossegar, especialmente quando não sabia quanto tempo ainda lhe restava.
E então, quando o pior aconteceu, não foi surpresa para os comentários que começaram a passar de boca em boca.
— Deve ter sido culpa dela que o coração dele parou de bater. — eles disseram.
— Lá se vai a última grande dinastia americana. — outros lamentaram ao descobrir que falecera sem deixar um herdeiro.
— Quem sabe, se ela nunca tivesse aparecido, o que poderia ter sido. — alguns comentaram.
descobriu que seu estilo de vida livre, luxuoso e cheio de regalias condenadas pela alta sociedade, rendeu-lhe uma má fama.
Foda-se, pensou.
— Lá se vai a mulher mais louca que essa cidade já viu. — ela ouviu duas pessoas comentarem quando ela passou correndo pelo parque em uma certa manhã de exercícios matinais.
Ainda de luto pela perda do seu melhor amigo, ela decidiu fazer o impensável. O inimaginável.
assinou sua sentença de morte social quando, no papel de única herdeira das empresas Oil, vendeu cada uma das ações.
E então sim, lá se foi a última dinastia americana.
Pela primeira vez, a mulher se viu, verdadeiramente, livre para ser quem quisesse e fazer o que lhe desse na telha. Ela não tinha homem nenhum a quem se curvar, e nunca mais deixaria que pessoa nenhuma a subjugasse.
Uma nova era, na vida de , havia começado.
--
desceu do trem quando já estava anoitecendo. Caminhou a passos lentos até o lado de fora da ferroviária, os olhos atentos à procura de um táxi. Não estava com pressa, contudo. Ela nunca tinha pressa. Depois de alguns anos, aprendeu a viver cada momento como se fosse o último da sua vida, sem se preocupar com coisas triviais como os ponteiros do relógio; ou com os olhares que recebia na rua por usar roupas consideradas extravagantes e fora dos padrões aceitos pela população da cidade; ou com comentários maldosos direcionados a ela.
aprendera a ser maior do que tudo aquilo. Então coisas pequenas, simplesmente, não chegavam realmente a chamar-lhe a atenção.
Agradeceu ao motorista que abriu a porta do táxi para ela e seguiu admirando a paisagem do lado de fora da janela enquanto o carro se movimentava. Infelizmente, o tempo tinha fechado, e as nuvens escuras escondiam a lua que começava a aparecer, ao tempo em que o sol se punha no horizonte, no oceano. As estrelas logo apareceriam e, se ela tivesse sorte, ao chegar no seu destino, as nuvens de chuva já teriam se dissipado com a força do vento.
A corrida durou poucos minutos. Estava tão distraída que nem viu o tempo passar. Quando se colocar na posição de motorista, costumava prestar mais atenção na estrada e no tempo. Mas, naquele momento, ela só queria aproveitar o silêncio da sua mente.
— Obrigada. — pagou pela corrida em dinheiro e recusou o troco.
Olhou para frente, para a enorme construção que, outrora, foi tão cheia de vida.
A Casa de Férias foi palco de grandes festas e enormes comemorações. Foi cúmplice dos melhores momento da sua vida de casa, e foi recepção do começo da nova fase da vida de , fase essa, que durava até os dias atuais — só que em outra recepção.
. . .
Depois da morte de , desistiu da vida na cidade para sempre. Não havia mais sentido continuar morando naquela cidade hipócrita, tampouco tinha vontade em continuar pagando dezenas de funcionários para manterem um casarão enorme no qual apenas ela vivia.
sempre foi muito exagerado, apaixonado por grandes construções, por enormes peças de artes, e por caríssimos carros de luxo que ele mal conseguia dirigir devido à sua saúde frágil. Vender todos aqueles bens foi mais um passo à libertação que tanto almejava, afinal, a mulher não queria se preocupar em carregar peso nenhum em suas costas.
Bem, talvez nem todos os bens.
A Casa de Férias continuou do jeitinho que decorara anos atrás. não poderia se desfazer do imóvel, não quando o lugar tinha tanto significado para o ex-casal.
Mudou-se para lá então. Convidou todo o seu grupo de amigas da cidade e encheu a piscina de champanhe enquanto nadava com os grandes nomes. Ou, pelo menos, era isso o que diziam as revistas de fofoca da época, alimentadas pelos relatos pouco convincentes da alta sociedade. Alta sociedade essa que não se conformava com o estilo de vida esbanjador de .
Quer dizer… Passaram a não se conformar quando deixaram de usufruir de suas festas extravagantes.
E então, as críticas, que antes eram às escondidas, passaram a ser às claras, escancaradas. E eles disseram.
— Lá se vai a última grande dinastia americana.
via graça a cada nova notícia que envolvia o seu nome. Algumas poucas chegavam próximas da verdade, mas a maioria era apenas uma grande dor de cotovelo pela mulher, que recém tinham alcançado os trinta anos, estar tendo a chance de viver uma vida sem limitações impostas pelo patriarcado.
Seu primeiro marido a traíra, e então eles se divorciaram. O pequeno negócio que abriram juntos, no começo do casamento, ficou com ele quando assinaram os papéis do divórcio. Atualmente, ele estava mais do que falido, estava endividado e com alguns agiotas batendo à sua porta.
Seu segundo marido morreu, mas antes disso, deu à um gostinho da liberdade que ela sempre almejara. E, depois da morte, deu a ela a chance de viver o seu maior sonho.
Seu pai, por outro lado, vez ou outra ainda tentava entrar em contato com ela para lhe despejar insultos acerca da venda da empresa que ele tanto desejara em ser sócio um dia.
— Bem, papai, o senhor ainda é sócio da empresa. O seu contrato ainda é válido.
— Mas as ações, ! A ações não valem nem um terço do que valiam antes! Tudo por sua culpa, sua garotinha irresponsável, egoísta…
Felizmente, a garotinha irresponsável e egoísta não tinha tempo a perder para ouvir os lamentos do seu pai que caminhava rumo à falência. Afinal de contas, se ela quisesse fazer jus ao título que ganhara na cidade, ainda precisaria se divertir muito, gastar muito dinheiro para, de fato, colocar fim à última dinastia americana.
As más línguas disseram que ela gastou todo o dinheiro com garotos e balé, mas o que ela podia fazer se era uma grande fã de companhias de dança? Incentivar e financiar grupos de dança parecia ser um bom negócio, especialmente quando recebia convites para participar de todas as grandes apresentações.
Sua agenda de eventos, mesmo após a morte de , continuou bastante cheia.
— Ouvi dizer que ela perdeu apostas em jogos de cartas.
— Oh, meu Deus, ela é uma viciada em jogos?
— Não me surpreende nadinha.
Esse era um dos boatos que mais a divertiam, já que a mulher não fazia ideia de onde tinha surgido. Quer dizer, talvez ela tenha ido para Dalí com as amigas, em uma viagem de última hora, e talvez tenha perdido uma elevada quantia em dinheiro com jogos de carta, mas não era como se jogos de azar fizessem parte da rotina da mulher.
Mas as conversas não pararam por ali. Eles continuaram a dizer,
— Quem sabe, se ela nunca tivesse aparecido, o que poderia ter sido.
se arrepiava só de pensar na possibilidade.
provavelmente não teria vivido seus últimos anos feliz, como viveu ao lado dela, e as empresas Oil continuariam a fazer o monopólio do estado girar em torno delas, impedindo que o mercado crescesse.
Ninguém enxergava o quão bem tinha feito para a cidade, para o estado, para o país?
Mas os boatos se intensificaram e ficaram mais escandalosos à medida que o fluxo de pessoas, homens, principalmente, aumentou na Casa de Férias.
Àquele tempo, a Casa de Férias já não era tão reclusa como quando adquirida pelo ex-casal. Outras construções se fizeram em volta, e os vizinhos, tão curiosos e fofoqueiros como em qualquer outro lugar do mundo, adoravam comentar sobre a vida libertina que aparentemente estava levando.
— Pietro, querido, pode ficar mais para o lado? Diego, suba mais um degrau. Luiz, mais rápido com isso, não temos o dia todo. — ela orientou os modelos, enquanto ouvia os sons dos flashes atrás dela.
encontrou uma nova forma de gastar a sua recheada fortuna e, para isso, contou com a ajuda de algumas amigas que trabalhavam no ramo da moda há algum tempo.
— Acha que conseguirei assinar sozinha a próxima coleção? Ou acha que é muito cedo para eu me lançar sozinha? — perguntou.
Havia vivido à sombra de homens a vida toda, sempre ficando, ao menos, um passo para trás de quem acompanhava, exatamente como as regras de etiqueta ensinavam. Apesar da maior parte do investimento financeiro ter vindo dela, e dos desenhos serem de sua autoria, demorou para conseguir lançar a sua marca no mercado da moda, especialmente quando precisou construir seu nome do zero.
Mas conseguiu.
E então o seu nome caiu na boca do povo de novo, dessa vez, mais forte e com muito mais material para ser comentado, afinal de contas, o que não faltavam eram notícias de em viagens em Paris e Milão, e em festas com homens e mulheres. Sua imagem não poderia estar mais longe à anteriormente associada à última grande dinastia americana.
— Lá se vai a mulher mais sem-vergonha que essa cidade já viu.
Era o que as pessoas comentavam de forma automática, sem convicção nenhuma das palavras, mas cheias de inveja nos olhos.
— Tudo… Tudo o que a família construiu um dia… Foi tudo por água abaixo.
ria daqueles comentários.
Ela se divertiu bastante estragando tudo.
— Dizem que é tudo fachada, que ela não aguenta viver em desgraça e que a vida dela está por um fio… — alguém disse.
— Meu Deus, é verdade? — uma curiosa perguntou.
— Dizem que ela é vista de vez em quando andando pelas rochas, olhando para o mar, à meia-noite. — outra pessoa comentou.
— Coitadinha… — alguém lamentou.
— Eu não sinto pena, ela procurou por isso. Tinha a vida perfeita e jogou fora. Agora que lide com as consequências.
A verdade era que gostava da brisa do mar e se sentia inspirada durante a noite. Odiava trabalhar durante o dia. Além disso, quando faltava energia na Casa de Férias — malditas fiações que mal davam conta de uma chuva forte — a mulher não aguentava ficar dentro de casa, o calor era demais e os cômodos, abafados demais.
Mas as pessoas gostavam de inventar histórias depreciativas sobre ela.
“Acreditar que o outro é infeliz à sua maneira de ser, provavelmente, deixa suas vidas medíocres mais fáceis de serem suportadas”, era o que costumava dizer.
não poderia concordar mais.
— Acredita que, em uma briga com o seu vizinho, ela roubou seu cachorro e o pintou de verde limão? — alguém falou em tom de novidade.
— Eu não acredito! — uma mulher levou a mão ao peito.
— Essa mulher é maluca! — uma pessoa brandou.
— Eu já não me surpreendo com mais nada vindo dela. — todos concordaram com a fala daquela pessoa. — Deve ter perdido o pouco da razão que tinha depois que entrou para esse mundo da moda. — novamente, ninguém questionou.
— Com certeza…
— Sim, faz sentido!
, seu vizinho, e dono do cachorro que nunca fora pintado de verde limão, deu uma ótima gargalhada ao ouvir um grupo de senhoras, em meio ao seu chá da tarde em uma cafeteria no centro da cidade, comentarem tais absurdos.
— Espero que você não tenha as desmentido na frente de todo mundo. — comentou enquanto terminava de secar os cabelos em frente ao espelho.
— E tirar delas o único assunto interessante que teriam para conversar pelo resto da semana? Acha que sou tão cruel assim? — ele perguntou, irônico.
e se conheceram por acaso, quando o cachorro do rapaz invadiu a propriedade dela enquanto caçava um esquilo. Ou, pelo menos, foi essa a desculpa esfarrapada que disse à quando bateu à porta da sua casa para se apresentar, e para pedir desculpas pela bagunça que o cachorro havia feito no jardim da mulher.
nunca acreditou nas palavras dele, e sabia disso — ele não era bom contando mentiras —, mas foi o bastante para que se interessasse pelo seu vizinho bem apessoado, que até mesmo inventara uma desculpa ridícula apenas para se aproximar dela.
E, bem, a aproximação tinha dado certo. passava mais tempo na casa dela no que na própria… Como naquele momento, em que ele ainda se encontrava na cama que dividia com , esperando tomar coragem para se levantar e tomar banho antes de ir trabalhar.
— Preciso sair, estou atrasada. — ela disse, enquanto buscava por um casaco no armário. — Não precisa me esperar acordado hoje.
Era o que sempre dizia antes de sair de casa, já que nunca sabia a que horas voltaria. No que sempre respondia…
— Vou deixar a luz acesa enquanto te espero.
Mesmo que, ainda que ele deixasse a luz acesa, nem sempre conseguisse ficar acordado a esperando, de fato. Não que se importasse com isso, afinal, ela tinha outras preocupações mais urgentes, tais como aumentar o seu império pessoal, e continuar a destruir a última dinastia americana — porque, sim, mesmo depois de anos, algumas pessoas ainda insistiam nessa história, e não seria ela que tiraria dessas pessoas desocupadas e amarguradas com as próprias vidas, a felicidade de tentarem diminuir alguém infinitamente melhor do que elas.
--
A Casa de Férias permaneceu silenciosamente naquela praia depois que se mudara com para outro lugar.
Para o completo choque e desespero da cidade, se mudou, levando consigo todos os móveis da Casa de Férias, deixando claro que não pretendia voltar a morar ali.
E então as festas pararam. As músicas altas, as fofocas e os boatos que tanto alimentavam os dias das famílias mais ricas da cidade, infelizmente, acabaram.
— Pelo menos estaremos livres daquelas pessoas que costumava trazer para cá… Mulheres loucas e homens e com hábitos ruins. — uma mulher forçou o corpo a estremecer, mesmo que os pelos dos seus braços não tenham se arrepiado.
— Lá se vai a mulher mais escandalosa que essa cidade já viu. — outra disse com um leve pesar, já sabendo que a monotonia voltaria a reinar na cidade.
sorriu, olhando para a Casa de Férias.
Quantas memórias… Quantas histórias vividas ali… Ela não se arrependia de nada, absolutamente nada. Nem mesmo de ter sido a causa do fim da última grande dinastia americana.
— Eu me diverti bastante estragando tudo. — pensou alto, orgulhosa de si mesma, das escolhas que fez, dos ciclos que encerrou para, em seguida, começar novos. — Eu me diverti.
E, se dependesse dela, continuaria a se divertir, vivendo de acordo com os seus desejos e vontades, nem que para isso ela tivesse que ir contra a moral hipócrita de algumas pessoas. Até porque, nos últimos anos ela havia construído um novo reinado, o seu próprio, à sua maneira, e por mais que alguns dissessem que chegara ao topo, ainda queria mais.
E ela conseguiria, custasse a fofoca que custasse.
Ah, os prazeres do capitalismo…
Atrás dela, a mulher podia ouvir vozes de crianças empolgadas com a viagem que fariam, a primeira de trem. Quem diria que ainda existiam excursões, de uma cidade à outra, de trem? , com certeza, não poderia.
Apesar de ter morado a vida inteira em St. Louis, Missouri, ela nunca tinha feito uma viagem usando um meio de transporte tão… Peculiar.
Sua primeira experiência dentro de um trem havia sido cinco anos atrás. , por algum motivo, pensara que seria uma forma interessante de ter um primeiro encontro. não poderia discordar mais.
Uma senhora parou ao seu lado, tirando-a das lembranças, e fez menção de que iria se sentar no banco desocupado, mas a parou com um gesto da mão.
— Está reservado. — ela disse.
A senhora conferiu mais uma vez o bilhete nas mãos, deu um sorriso de desculpas, e então passou a caminhar pelo vagão em busca do número correto.
voltou a se ajeitar confortavelmente no seu assento, colocando os óculos escuros no rosto, e então passou a olhar a paisagem pela janela. Não tinha muito o que ver ainda, contudo. O trem ainda estava parado na estação.
Mas assim que ouviu o motor entrar em funcionamento, no momento em que ouviu a voz do comandante sair pelas caixas de som, informando o percurso que fariam, soube que poderia, finalmente, relaxar. Afinal, pelas próximas horas, ela faria questão de deixar o celular desligado e de deixar todas as preocupações para trás.
O assento ao seu lado continuou vazio, e assim ele continuaria até o final do dia.
Enquanto contemplava a paisagem tomar forma do lado de fora, a mulher deixou a mente vaguear e as memórias voltarem, exatamente como acontecia todas as vezes que ela escolhia aquele assento, daquela companhia ferroviária, para aquele percurso turístico.
subiu no trem da tarde, o dia estava ensolarado. Era a sua primeira vez.
O verão mal havia começado e os dias já estavam quentes demais para as pessoas simplesmente saírem de casa. Mas não poderia negar aquele convite, ah não… era o herdeiro do nome e dinheiro da Oil, uma das maiores parceiras econômicas da empresa da sua família.
— Mas eu não quero. — ela dissera.
— Você não tem poder de escolha aqui. — seu pai respondeu, firme.
Não era como se ela tivesse tido muitas escolhas ao longo da sua vida, contudo.
Como herdeira das empresas ’s, teve uma vida perfeitamente desenhada e traçada desde o dia do seu nascimento. Seu pai usou todas as economias da família para investir nela, nas melhores escolas, nos melhores tutores, nos melhores cursos de artes, de idiomas, de etiqueta e de finanças.
Suas tardes de lazer foram trocadas por tardes de estudos, e suas amizades na infância precisavam passar pelo crivo de qualidade de seu pai ou, como passou a chamar eventualmente, “pela análise de influência” de seu pai.
Se o sobrenome de sua amiguinha tinha alguma força econômica, social ou política, ela seria muitíssimo bem-vinda na casa dos Wilsons. Mas se se tratasse de um sobrenome pouco conhecido, não precisaria nem mesmo gastar saliva para tentar convencer seu pai.
O perfeito retrato de uma infância saudável, ela pensava, ironicamente.
— Espero que goste do passeio, Srta. .
Ela se assustou com a voz do seu lado. Por um segundo se esquecera do seu acompanhante, e culpado, por ela estar perdendo uma tarde de domingo no clube, com as amigas, dentro de uma cabine de trem.
— Também espero, Sr. . — sorriu, como sua professora de etiqueta lhe ensinou anos atrás.
— Oh, por favor, me chame de .
Ela sorriu mais abertamente, passando a mensagem de que estava satisfeita com o convite de proximidade dele.
— Posso chamá-la de ?
— . — o corrigiu. — Pode me chamar de .
Foi a vez dele sorrir abertamente.
era um homem bonito. diria que atendia muito bem aos padrões heteronormativos dos Estados Unidos. Alto, cabelo perfeitamente alinhado e penteado para trás, o sorriso brilhante, os ombros largos, e dono de uma educação que, com certeza, era fruto de algumas boas aulas de etiqueta — sabia reconhecer os sinais, afinal de contas.
E ela também sabia o motivo por estar ali.
não estava tentando cortejá-la, mas apenas queria ser educado, fingir que o relacionamento que eles teriam, dali para frente, seria um relacionamento verdadeiro, construído aos poucos, e não algo que simplesmente fora imposto por ambas as famílias como moeda de troca para uma transação comercial caríssima.
Porque era isso que estava representando naquele momento: a passagem, só de ida, para o sucesso financeiro das empresas da sua família.
A aliança que colocaria no dedo dali a algumas semanas seria a garantia de contratos milionários junto à Oil. E ela representou muito bem o seu papel. Porque sim, aquele era o papel dela na família , como seu pai sempre deixou muitíssimo claro.
Foi realmente uma surpresa para as famílias ricas da cidade, as “tradicionais” e perfeitas famílias da alta sociedade, descobrirem acerca da união entre e . E a cidade disse:
— Como uma divorciada, de classe média, conseguiu isso?
Porque era o tipo de pessoa que não tinha um lugar na sociedade. Perto dos mais pobres, a família era considerada riquíssima. Mas perto dos milionários, a mulher não passava de um sobrenome pouco influente que, em outros tempos, seu pai não permitiria que ela se envolvesse.
Mas ali estava ela, casando-se com um dos homens mais ricos do país e, consequentemente, tornando-se tão rica quanto ele.
O casamento foi lindo, mas alguns diriam que um pouco humilde.
não era do tipo que gostava de esbanjar sua riqueza para as famílias tradicionais da alta sociedade que, como ele costumava dizer, “pareciam urubus em cima de carniça”.
Apesar de morarem em uma típica casa de arquitetura inglesa, enorme demais, cara demais, com quartos e banheiros demais, o casal também escolheu uma segunda casa, essa no litoral, a qual chamaram de “Casa de Férias”.
Um pouco mais afastada da cidade, e costumavam ir para a Casa de Férias nos finais de semana, feriados e em todas as oportunidades que lhe apareciam, já que acabou revelando um lado divertido que não fazia ideia que existia.
Aparentemente, não gostava de se exibir para a alta sociedade, mas para os amigos do casal, a história era outra.
Suas festas eram de bom gosto, alguns diriam que um pouco barulhenta demais, e então entendeu o motivo pelo qual insistiu em comprarem uma casa sem vizinhos.
Eventualmente, contudo, acabou descobrindo outros lados de .
Seu marido não apenas era excelente nos negócios, bom em se relacionar com pessoas invejosas, curiosas e desagradáveis, prontas para entrarem em uma disputa sobre quem tinha a conta bancária mais gorda, um marido presente e atencioso, mas também era especialista em guardar segredos.
Bom… Na verdade, não tão especialista assim, já que o maior de todos os seus segredos foi descoberto por logo nos primeiros meses de casamento.
— , eu posso explicar. — ele repetiu pela milésima vez naquela noite.
Mas não precisava de explicações, afinal, estava tudo muitíssimo claro.
— Desde quando?
— Desde quando o quê?
Ela rolou os olhos. Se existia uma coisa que não era, era idiota.
— Desde quando você sabe? — ela forçou a pergunta.
suspirou. E sem ter coragem de olhar nos olhos da esposa, respondeu:
— Desde sempre.
ficou confusa por um instante, mas a confusão logo passou quando a compreensão lhe abateu: era o único herdeiro das empresas Oil. Seus pais já eram falecidos e seus parentes mais próximos não tinham capacidade de dirigir nem mesmo um carro automático, quem dirá uma empresa. precisava de herdeiros, mas, antes disso, ele precisava de uma família. Uma família que a sociedade em que vivia, considerasse “de respeito”.
E tinha certeza que um homem gay, à frente de uma das maiores companhias empresariais dos Estados Unidos, mantendo uma relação nada tradicional, não era exatamente o tipo de luxo que podia se dar sem correr o risco de perder contratos milionários e o apoio de pessoas influentes.
Viviam em um mundo hipócrita, afinal de contas.
— … Eu juro que vou entender se você quiser pedir o divórcio.
Um divórcio… É claro que teria o direito de pedir o divórcio, já que acabara de descobrir que o seu casamento não passava de uma farsa. Mas…
— E se eu te ajudar? — ela perguntou.
E então uma ideia insana passou pela sua cabeça.
Uma ideia sem precedentes, uma ideia que, provavelmente, lhe causaria problemas no futuro… Mas uma ideia que, com certeza, lhe daria liberdade. Pela primeira vez na vida. Ou, pelo menos, algo próximo a isso.
E então o casal passou a ser visto com menor frequência, já que suas aparições nas reuniões sociais deixaram de ser prioridade, enquanto as festas na Casa de Férias passaram a ficar mais famosas.
e mantinham a imagem de um casamento perfeito aos olhos da sociedade americana, mas, nos bastidores, tudo o que o casal tinha era a mais sincera e leal amizade.
acobertava os casinhos proibidos e indecentes de , enquanto o homem permitia que a mulher tomasse toda e qualquer decisão referente à sua própria vida — coisa que nunca experimentou, já que sempre precisou ser a filha perfeita, e então a esposa perfeita, e, depois do divórcio, voltou a ser a filha perfeita em busca de um novo marido para voltar a ser a esposa perfeita.
Juntos eles se divertiram como nunca fizeram antes, sem censuras, sem julgamentos, sem medos. Juntos eles viveram como sempre quiseram viver, sem amarras sociais, sem preocupações, sem cobranças entre eles.
Mas tinha uma saúde frágil, e eles logo vieram a descobrir que o seu coração não era tão saudável quanto um coração da sua idade deveria ser.
O médico tinha dito para ele sossegar a vida, mas a estava vivendo, verdadeiramente, pela primeira vez. Ele não queria sossegar, especialmente quando não sabia quanto tempo ainda lhe restava.
E então, quando o pior aconteceu, não foi surpresa para os comentários que começaram a passar de boca em boca.
— Deve ter sido culpa dela que o coração dele parou de bater. — eles disseram.
— Lá se vai a última grande dinastia americana. — outros lamentaram ao descobrir que falecera sem deixar um herdeiro.
— Quem sabe, se ela nunca tivesse aparecido, o que poderia ter sido. — alguns comentaram.
descobriu que seu estilo de vida livre, luxuoso e cheio de regalias condenadas pela alta sociedade, rendeu-lhe uma má fama.
Foda-se, pensou.
— Lá se vai a mulher mais louca que essa cidade já viu. — ela ouviu duas pessoas comentarem quando ela passou correndo pelo parque em uma certa manhã de exercícios matinais.
Ainda de luto pela perda do seu melhor amigo, ela decidiu fazer o impensável. O inimaginável.
assinou sua sentença de morte social quando, no papel de única herdeira das empresas Oil, vendeu cada uma das ações.
E então sim, lá se foi a última dinastia americana.
Pela primeira vez, a mulher se viu, verdadeiramente, livre para ser quem quisesse e fazer o que lhe desse na telha. Ela não tinha homem nenhum a quem se curvar, e nunca mais deixaria que pessoa nenhuma a subjugasse.
Uma nova era, na vida de , havia começado.
desceu do trem quando já estava anoitecendo. Caminhou a passos lentos até o lado de fora da ferroviária, os olhos atentos à procura de um táxi. Não estava com pressa, contudo. Ela nunca tinha pressa. Depois de alguns anos, aprendeu a viver cada momento como se fosse o último da sua vida, sem se preocupar com coisas triviais como os ponteiros do relógio; ou com os olhares que recebia na rua por usar roupas consideradas extravagantes e fora dos padrões aceitos pela população da cidade; ou com comentários maldosos direcionados a ela.
aprendera a ser maior do que tudo aquilo. Então coisas pequenas, simplesmente, não chegavam realmente a chamar-lhe a atenção.
Agradeceu ao motorista que abriu a porta do táxi para ela e seguiu admirando a paisagem do lado de fora da janela enquanto o carro se movimentava. Infelizmente, o tempo tinha fechado, e as nuvens escuras escondiam a lua que começava a aparecer, ao tempo em que o sol se punha no horizonte, no oceano. As estrelas logo apareceriam e, se ela tivesse sorte, ao chegar no seu destino, as nuvens de chuva já teriam se dissipado com a força do vento.
A corrida durou poucos minutos. Estava tão distraída que nem viu o tempo passar. Quando se colocar na posição de motorista, costumava prestar mais atenção na estrada e no tempo. Mas, naquele momento, ela só queria aproveitar o silêncio da sua mente.
— Obrigada. — pagou pela corrida em dinheiro e recusou o troco.
Olhou para frente, para a enorme construção que, outrora, foi tão cheia de vida.
A Casa de Férias foi palco de grandes festas e enormes comemorações. Foi cúmplice dos melhores momento da sua vida de casa, e foi recepção do começo da nova fase da vida de , fase essa, que durava até os dias atuais — só que em outra recepção.
Depois da morte de , desistiu da vida na cidade para sempre. Não havia mais sentido continuar morando naquela cidade hipócrita, tampouco tinha vontade em continuar pagando dezenas de funcionários para manterem um casarão enorme no qual apenas ela vivia.
sempre foi muito exagerado, apaixonado por grandes construções, por enormes peças de artes, e por caríssimos carros de luxo que ele mal conseguia dirigir devido à sua saúde frágil. Vender todos aqueles bens foi mais um passo à libertação que tanto almejava, afinal, a mulher não queria se preocupar em carregar peso nenhum em suas costas.
Bem, talvez nem todos os bens.
A Casa de Férias continuou do jeitinho que decorara anos atrás. não poderia se desfazer do imóvel, não quando o lugar tinha tanto significado para o ex-casal.
Mudou-se para lá então. Convidou todo o seu grupo de amigas da cidade e encheu a piscina de champanhe enquanto nadava com os grandes nomes. Ou, pelo menos, era isso o que diziam as revistas de fofoca da época, alimentadas pelos relatos pouco convincentes da alta sociedade. Alta sociedade essa que não se conformava com o estilo de vida esbanjador de .
Quer dizer… Passaram a não se conformar quando deixaram de usufruir de suas festas extravagantes.
E então, as críticas, que antes eram às escondidas, passaram a ser às claras, escancaradas. E eles disseram.
— Lá se vai a última grande dinastia americana.
via graça a cada nova notícia que envolvia o seu nome. Algumas poucas chegavam próximas da verdade, mas a maioria era apenas uma grande dor de cotovelo pela mulher, que recém tinham alcançado os trinta anos, estar tendo a chance de viver uma vida sem limitações impostas pelo patriarcado.
Seu primeiro marido a traíra, e então eles se divorciaram. O pequeno negócio que abriram juntos, no começo do casamento, ficou com ele quando assinaram os papéis do divórcio. Atualmente, ele estava mais do que falido, estava endividado e com alguns agiotas batendo à sua porta.
Seu segundo marido morreu, mas antes disso, deu à um gostinho da liberdade que ela sempre almejara. E, depois da morte, deu a ela a chance de viver o seu maior sonho.
Seu pai, por outro lado, vez ou outra ainda tentava entrar em contato com ela para lhe despejar insultos acerca da venda da empresa que ele tanto desejara em ser sócio um dia.
— Bem, papai, o senhor ainda é sócio da empresa. O seu contrato ainda é válido.
— Mas as ações, ! A ações não valem nem um terço do que valiam antes! Tudo por sua culpa, sua garotinha irresponsável, egoísta…
Felizmente, a garotinha irresponsável e egoísta não tinha tempo a perder para ouvir os lamentos do seu pai que caminhava rumo à falência. Afinal de contas, se ela quisesse fazer jus ao título que ganhara na cidade, ainda precisaria se divertir muito, gastar muito dinheiro para, de fato, colocar fim à última dinastia americana.
As más línguas disseram que ela gastou todo o dinheiro com garotos e balé, mas o que ela podia fazer se era uma grande fã de companhias de dança? Incentivar e financiar grupos de dança parecia ser um bom negócio, especialmente quando recebia convites para participar de todas as grandes apresentações.
Sua agenda de eventos, mesmo após a morte de , continuou bastante cheia.
— Ouvi dizer que ela perdeu apostas em jogos de cartas.
— Oh, meu Deus, ela é uma viciada em jogos?
— Não me surpreende nadinha.
Esse era um dos boatos que mais a divertiam, já que a mulher não fazia ideia de onde tinha surgido. Quer dizer, talvez ela tenha ido para Dalí com as amigas, em uma viagem de última hora, e talvez tenha perdido uma elevada quantia em dinheiro com jogos de carta, mas não era como se jogos de azar fizessem parte da rotina da mulher.
Mas as conversas não pararam por ali. Eles continuaram a dizer,
— Quem sabe, se ela nunca tivesse aparecido, o que poderia ter sido.
se arrepiava só de pensar na possibilidade.
provavelmente não teria vivido seus últimos anos feliz, como viveu ao lado dela, e as empresas Oil continuariam a fazer o monopólio do estado girar em torno delas, impedindo que o mercado crescesse.
Ninguém enxergava o quão bem tinha feito para a cidade, para o estado, para o país?
Mas os boatos se intensificaram e ficaram mais escandalosos à medida que o fluxo de pessoas, homens, principalmente, aumentou na Casa de Férias.
Àquele tempo, a Casa de Férias já não era tão reclusa como quando adquirida pelo ex-casal. Outras construções se fizeram em volta, e os vizinhos, tão curiosos e fofoqueiros como em qualquer outro lugar do mundo, adoravam comentar sobre a vida libertina que aparentemente estava levando.
— Pietro, querido, pode ficar mais para o lado? Diego, suba mais um degrau. Luiz, mais rápido com isso, não temos o dia todo. — ela orientou os modelos, enquanto ouvia os sons dos flashes atrás dela.
encontrou uma nova forma de gastar a sua recheada fortuna e, para isso, contou com a ajuda de algumas amigas que trabalhavam no ramo da moda há algum tempo.
— Acha que conseguirei assinar sozinha a próxima coleção? Ou acha que é muito cedo para eu me lançar sozinha? — perguntou.
Havia vivido à sombra de homens a vida toda, sempre ficando, ao menos, um passo para trás de quem acompanhava, exatamente como as regras de etiqueta ensinavam. Apesar da maior parte do investimento financeiro ter vindo dela, e dos desenhos serem de sua autoria, demorou para conseguir lançar a sua marca no mercado da moda, especialmente quando precisou construir seu nome do zero.
Mas conseguiu.
E então o seu nome caiu na boca do povo de novo, dessa vez, mais forte e com muito mais material para ser comentado, afinal de contas, o que não faltavam eram notícias de em viagens em Paris e Milão, e em festas com homens e mulheres. Sua imagem não poderia estar mais longe à anteriormente associada à última grande dinastia americana.
— Lá se vai a mulher mais sem-vergonha que essa cidade já viu.
Era o que as pessoas comentavam de forma automática, sem convicção nenhuma das palavras, mas cheias de inveja nos olhos.
— Tudo… Tudo o que a família construiu um dia… Foi tudo por água abaixo.
ria daqueles comentários.
Ela se divertiu bastante estragando tudo.
— Dizem que é tudo fachada, que ela não aguenta viver em desgraça e que a vida dela está por um fio… — alguém disse.
— Meu Deus, é verdade? — uma curiosa perguntou.
— Dizem que ela é vista de vez em quando andando pelas rochas, olhando para o mar, à meia-noite. — outra pessoa comentou.
— Coitadinha… — alguém lamentou.
— Eu não sinto pena, ela procurou por isso. Tinha a vida perfeita e jogou fora. Agora que lide com as consequências.
A verdade era que gostava da brisa do mar e se sentia inspirada durante a noite. Odiava trabalhar durante o dia. Além disso, quando faltava energia na Casa de Férias — malditas fiações que mal davam conta de uma chuva forte — a mulher não aguentava ficar dentro de casa, o calor era demais e os cômodos, abafados demais.
Mas as pessoas gostavam de inventar histórias depreciativas sobre ela.
“Acreditar que o outro é infeliz à sua maneira de ser, provavelmente, deixa suas vidas medíocres mais fáceis de serem suportadas”, era o que costumava dizer.
não poderia concordar mais.
— Acredita que, em uma briga com o seu vizinho, ela roubou seu cachorro e o pintou de verde limão? — alguém falou em tom de novidade.
— Eu não acredito! — uma mulher levou a mão ao peito.
— Essa mulher é maluca! — uma pessoa brandou.
— Eu já não me surpreendo com mais nada vindo dela. — todos concordaram com a fala daquela pessoa. — Deve ter perdido o pouco da razão que tinha depois que entrou para esse mundo da moda. — novamente, ninguém questionou.
— Com certeza…
— Sim, faz sentido!
, seu vizinho, e dono do cachorro que nunca fora pintado de verde limão, deu uma ótima gargalhada ao ouvir um grupo de senhoras, em meio ao seu chá da tarde em uma cafeteria no centro da cidade, comentarem tais absurdos.
— Espero que você não tenha as desmentido na frente de todo mundo. — comentou enquanto terminava de secar os cabelos em frente ao espelho.
— E tirar delas o único assunto interessante que teriam para conversar pelo resto da semana? Acha que sou tão cruel assim? — ele perguntou, irônico.
e se conheceram por acaso, quando o cachorro do rapaz invadiu a propriedade dela enquanto caçava um esquilo. Ou, pelo menos, foi essa a desculpa esfarrapada que disse à quando bateu à porta da sua casa para se apresentar, e para pedir desculpas pela bagunça que o cachorro havia feito no jardim da mulher.
nunca acreditou nas palavras dele, e sabia disso — ele não era bom contando mentiras —, mas foi o bastante para que se interessasse pelo seu vizinho bem apessoado, que até mesmo inventara uma desculpa ridícula apenas para se aproximar dela.
E, bem, a aproximação tinha dado certo. passava mais tempo na casa dela no que na própria… Como naquele momento, em que ele ainda se encontrava na cama que dividia com , esperando tomar coragem para se levantar e tomar banho antes de ir trabalhar.
— Preciso sair, estou atrasada. — ela disse, enquanto buscava por um casaco no armário. — Não precisa me esperar acordado hoje.
Era o que sempre dizia antes de sair de casa, já que nunca sabia a que horas voltaria. No que sempre respondia…
— Vou deixar a luz acesa enquanto te espero.
Mesmo que, ainda que ele deixasse a luz acesa, nem sempre conseguisse ficar acordado a esperando, de fato. Não que se importasse com isso, afinal, ela tinha outras preocupações mais urgentes, tais como aumentar o seu império pessoal, e continuar a destruir a última dinastia americana — porque, sim, mesmo depois de anos, algumas pessoas ainda insistiam nessa história, e não seria ela que tiraria dessas pessoas desocupadas e amarguradas com as próprias vidas, a felicidade de tentarem diminuir alguém infinitamente melhor do que elas.
A Casa de Férias permaneceu silenciosamente naquela praia depois que se mudara com para outro lugar.
Para o completo choque e desespero da cidade, se mudou, levando consigo todos os móveis da Casa de Férias, deixando claro que não pretendia voltar a morar ali.
E então as festas pararam. As músicas altas, as fofocas e os boatos que tanto alimentavam os dias das famílias mais ricas da cidade, infelizmente, acabaram.
— Pelo menos estaremos livres daquelas pessoas que costumava trazer para cá… Mulheres loucas e homens e com hábitos ruins. — uma mulher forçou o corpo a estremecer, mesmo que os pelos dos seus braços não tenham se arrepiado.
— Lá se vai a mulher mais escandalosa que essa cidade já viu. — outra disse com um leve pesar, já sabendo que a monotonia voltaria a reinar na cidade.
sorriu, olhando para a Casa de Férias.
Quantas memórias… Quantas histórias vividas ali… Ela não se arrependia de nada, absolutamente nada. Nem mesmo de ter sido a causa do fim da última grande dinastia americana.
— Eu me diverti bastante estragando tudo. — pensou alto, orgulhosa de si mesma, das escolhas que fez, dos ciclos que encerrou para, em seguida, começar novos. — Eu me diverti.
E, se dependesse dela, continuaria a se divertir, vivendo de acordo com os seus desejos e vontades, nem que para isso ela tivesse que ir contra a moral hipócrita de algumas pessoas. Até porque, nos últimos anos ela havia construído um novo reinado, o seu próprio, à sua maneira, e por mais que alguns dissessem que chegara ao topo, ainda queria mais.
E ela conseguiria, custasse a fofoca que custasse.
Fim!
Nota da autora: Oi, oi, gente! Fiquei super tensa escrevendo essa fanfic porque ela foge um pouco do padrão que eu estou acostumada. Mas eu acabei gostando do resultado final, e espero que vocês tenham gostado também <3 Deixem um comentário cheio de amor e indiquem a fanfic para as amigas! <3
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