Capítulo Único
Poucas coisas na vida davam a mesma sensação efusiva que parecia pipocar por todas as vísceras como ouvir rock sendo tocado ao vivo por alguém que era realmente apaixonado por aquilo. Era essa a opinião inquestionável e indiscutível de , ainda mais quando se tratava dela .
era a personificação de tudo o que ele sempre quis antes mesmo de saber que queria. Talvez antes mesmo de saber que de fato queria algo.
Tinha meio que suspeitado disso pela primeira vez quando a viu sentada no fundo da aula de literatura inglesa, com os coturnos pretos apoiados na carteira da frente, cutucando o esmalte preto com a tampa da caneta esferográfica e fuzilando cada um que ousasse obrigá-la a desviar sua atenção.
Mas depois do olhar duro, ela respondia todas as questões sobre Virginia Woolf, Hemingway e Bukowski com a facilidade com que o corpo aprendia que deveria respirar assim que tomava alguns tapinhas depois do parto. Parecia estúpido que ela ainda estivesse ali para aprender tudo aquilo que já sabia tão bem.
percebeu que ela provavelmente também pensava assim quando notou sua carteira de costume ficando vazia por duas semanas seguidas. tinha simplesmente abandonado o colégio de uma hora para outra e feito a aula de literatura inglesa bem menos interessante.
Como a fofoca era o passatempo favorito de ao menos noventa por cento de sua geração e os rumores corriam mais rápido que Usain Bolt batendo seu recorde, logo todos sabiam que a garota havia realmente abandonado a ideia de ter um diploma porque simplesmente não via sentido em nada daquilo. Estava apenas desperdiçando seu tempo em um ambiente que não a ajudava em nada a seguir o caminho daquilo que realmente amava: a música.
Também não demorou para que descobrissem que ela havia se juntado a um baixista e um baterista e estava tocando no bar mais famoso da cidade, atropelando a regra de idade simplesmente por ser uma mulher bonita. Aparentemente, era do interesse dos donos oferecer um atrativo feminino para o público.
E, sim, ela achava isso uma puta de uma bosta. Era machista, objetificador e várias outras coisas que lhe davam ânsia. Mas era a sua melhor oportunidade de mostrar seu trabalho e, no fim do dia, pagava bem o suficiente para que ela pudesse compensar as reviradas de olhos. Sem contar que havia tirado a sorte grande com seus colegas de banda, que pareciam dois pitbulls de segurança para qualquer engraçadinho que quisesse fazer piadinhas inconvenientes.
, por sua vez, havia conseguido entrar com uma carteira de habilitação obviamente falsificada porque era amigo do sobrinho do dono e isso meio que fazia com que os guardas magicamente acreditassem na documentação.
E teria que agradecer à maldita corrupção de cada dia por ter feito vista grossa a cada um daqueles detalhes de seu caminho, permitindo que ele estivesse bem ali, bem naquele momento, vendo-a cantar do fundo de sua alma - e garganta - a letra um tanto pesada e irônica que planava sensualmente, em uma melodia que fazia os cérebros daquelas pessoas borbulharem com a vontade insana de baterem cabeça por aí. Mas ele não. Ele só tinha olhos para ela.
Sua opinião jamais poderia ser levada totalmente em consideração. Era o ponto de vista mais enviesado do mundo de alguém que a colocaria facilmente em um pedestal. Mesmo assim, ele diria a quem perguntasse como aquela deveria ser a noite em que ela havia atingido algum tipo de pico de magnificência.
era diferente. Não diferente do tipo de porcaria clichê e problemática, rivalizando mulheres. era diferente porque era a única pessoa que poderia pisar no meio do seu estômago com o salto de suas botas e ele ainda a agradeceria. Ele já tinha superado a fase de se envergonhar ao admitir para si mesmo o quão idiota ele era por ela.
Quando ela jogou os cabelos escuros com mechas azuis para frente, em um movimento de pura sincronia fervorosa com o último acorde do baixo, todos aplaudiram enormemente. deu uma piscada sorrateira - que ele juraria de pés juntos que havia sido para ele - e se dirigiu para fora do palco, aceitando com um sorriso simpático a pequena garrafa de água que o garçom já havia deixado a postos para o fim do show.
— Vamos pegar umas bebidas - cutucou o amigo, fazendo sair daquele estranho transe.
— A gente não tem idade para beber.
deu uma risada alta.
— A gente também não tem idade para estar aqui, mas adivinha só?
não viu opção a não ser seguir o amigo até o bar e acompanhar enquanto ele acenava para todo mundo e ria com uma facilidade que ele invejava.
— E aí, Ted?
— Fala, garoto - cumprimentou o barman. — Veio visitar seu tio? Ele não veio hoje.
— Não tem problema, depois eu mando uma mensagem para ele. Hoje viemos pelo show mesmo.
O homem concordou, enquanto ordenava os copos limpos segundo o tipo de bebida principal que deveriam servir.
— Vocês e boa parte dessa galera. Os dias de melhor movimento são quase sempre os que eles tocam. Já estamos longe de acreditar que seja pura coincidência.
— Os caras são foda - comentou.
“Ela principalmente”, pensou, sem ter coragem de verbalizar.
— O que vocês vão querer?
— Acho que pode ser uma cerveja para mim - ele disse. — E para você?
— O mesmo que o dele - o amigo respondeu porque era o mais fácil a se dizer. E porque ele já havia se acostumado com o amargor da cerveja mais do que com a gradação alcoólica de basicamente qualquer outra coisa que ele poderia encontrar naquele bar.
— Duas cervejas saindo, então - Ted anunciou. — Na conta da casa.
faria um monumento de adoração incondicional para o tio facilmente por momentos como aquele. O cara era um babaca prepotente muitas vezes, mas lhe fornecia bebida e entretenimento de graça, mesmo com a menoridade. Era o suficiente para que ele merecesse alguns agradecimentos por aí de vez em quando.
Em poucos instantes, ele estava de volta com duas long necks com o vidro esbranquiçado, insinuando o quão estupidamente geladas estavam. Enquanto Ted usou o abridor para abrir habilmente as tampas, fez uma prece silenciosa para que sua sensibilidade dentária o perdoasse.
— Eu ia pedir um drink, mas com esse gelo todo é quase um pecado não tomar uma cerveja - a voz feminina soou ao lado deles. — Ted, querido, me traz uma, por favor?
— É para já.
— Pode colocar na minha conta - um rapaz falou ao lado deles. — Um agradecimento pelo show.
deu um sorriso de canto, evitando revirar os olhos para a forma com que ele parecia prestes a fazê-la morrer de desidratação de tanto que a secava. Se ele achava que conseguiria algo além da perda de alguns dólares ao pagar pela bebida, ele estava enganado. Mas ela também não tinha intenção alguma de impedi-lo de pagar.
— Muito obrigada - ela disse na direção de Ted, ignorando o homem e se sentando ao lado de .
O garoto sentiu a garrafa prestes a congelar as pontas de seus dedos quanto mais a apertava de forma nervosa.
— E aí, ? - perguntou, inclinando a cabeça em um movimento rápido que, algum dia, alguém havia decidido que deveria ser admitido como um tipo de cumprimento.
— - ela disse, erguendo sua cerveja, antes de dar um longo gole. — Quanto tempo não te vejo por aqui.
— Precisei dar um tempo para não reprovar nas últimas provas. Se eu tivesse que fazer tudo de novo, minha mãe ia arranjar um jeito de mandar me deportarem.
Ela soltou uma exclamação de reprovação.
— Por isso eu abandonei essa merda toda.
— Se eu tivesse metade do seu talento eu teria feito o mesmo - ele respondeu.
estava atônito. Desde quando e eram amigos daquele jeito e por que infernos ele nunca tinha pensado que seria uma boa ideia mencionar esse pequeno - gigante - detalhe?
Como se lesse a sua mente, ele pareceu subitamente se lembrar de que tinha ido até lá acompanhado.
— Ah, você conhece o ?
puxou um elástico preto do pulso, prendendo o cabelo de uma forma bagunçada, enquanto encarava o garoto.
— Eu acho que não, mas ao mesmo tempo tenho impressão de que sim. Você já trouxe ele aqui antes?
— Não. Primeira vez.
— Então deve ser só impressão mesmo. Prazer, . Eu sou a .
— O prazer é meu - ele respondeu. — Belo show. Você canta muito bem.
— Que bom que gostou - ela disse, com um sorriso sincero.
— O canta também - soltou a bomba como se não fosse nada, fazendo o amigo pensar, em tempo recorde, sobre todas as formas criativas de se livrar de um corpo.
Ela arqueou uma sobrancelha, intrigada e interessada naquela revelação aparentemente despropositada.
— Ah, é? Tem uma banda também?
— Não. Eu nem canto. O está só falando merda.
— Canta sim - o amigo insistiu. — E toca guitarra também.
meneou a cabeça.
— Bom, a primeira vez em que eu te vi literalmente foi quando você decidiu salvar a minha vida e cobrir a ausência do meu baterista - ela comentou. — Então vocês já têm vocal, guitarra e bateria. Deveriam procurar mais gente e tentar fazer algo. Eu juro que foi a melhor decisão que eu tomei. Nada no mundo te faz se sentir tão livre e eufórico quanto subir em um palco e ver que as pessoas gostam do que você faz.
— Seria uma ótima ideia - concordou. — Pena que meu queridíssimo amigo não tem coragem de encarar o público.
sentiu uma veia pulsando em sua nuca. Queria esganá-lo pela exposição falaciosa.
— Engraçado. Porque da última vez que eu sugeri de tocarmos em um show de talentos foi você quem deu para trás.
— Meu Deus, vocês vão ter uma DR? Por favor, continuem - pediu , se ajeitando sobre os próprios punhos.
— Eu não queria tocar naquele dia - tentou se justificar.
O amigo soltou uma risada nasalada.
— E depois diz que sou eu que tenho medo.
ergueu a mão, fazendo com que os dois lhe dessem atenção.
— Quero ser a mediadora e fazer uma sugestão. Por que os dois idiotas não param de discutir e provam o contrário ao outro topando a ideia da banda?
e piscaram algumas vezes, digerindo a sugestão óbvia.
— Bom, preciso ir e ajudar os meninos com os instrumentos - ela disse. — Mas pensem nisso. Adoraria ver vocês tocando.
Devolvendo a garrafa vazia sobre o balcão, ela saiu da vista deles, levando consigo qualquer resquício de bom senso que tivesse na cabeça.
— Que cara é essa?
— A gente precisa formar uma banda - ele disse. — Logo.
🎸🎤🥁
— Por que caralhos você não me impediu? Que ideia idiota.
fuzilou , segurando o prato ainda ecoante de sua bateria.
— Eu disse com todas as letras que era uma ideia horrível. Não joga sua memória seletiva para cima de mim, não.
— Mas não me impediu.
— E eu lá tenho cara de quem ia perder tempo e insistir sabendo que você estava cego só porque queria impressionar a ?
baixou o olhar levemente.
— Nem adianta tentar negar.
— Ok, essa era a maior parte do motivo - ele admitiu. — Mas eu realmente pensei que seria legal tentar. Não é como se nunca tivéssemos tocado juntos.
— Mas nunca tocamos juntos para qualquer público que exceda a contagem de dois. Seus pais.
bufou.
— Não é como se eu fosse o maior fã de me imaginar na frente de uma multidão de olhos e orelhas julgadores. Mas até que ponto enfrentar esse desafio não é exatamente o que a gente precisa para sair da nossa zona de conforto?
— Chama zona de conforto por um motivo - disse. — E não é porque é uma boa ideia sair dela.
— Sabe do que a gente precisa?
— Bom senso?
— De mais gente - respondeu. — Acho que vai ser bem menos desconfortável com outras pessoas para dividir a atenção em um palco.
apoiou o queixo contra as baquetas, pensativo. Talvez aquela fosse a conclusão menos estúpida que o amigo tivesse tirado nos últimos dias.
— e eram bons - comentou. — Eles tocaram uma vez no meu colégio, lembra?
É claro que ele lembrava. Foi o auge do momento de um rockstar para adolescentes de treze anos. Era o ponto claro de cisão entre a conexão de cada um deles com a música e com o imaginário do estrelato possível, mas quase tão distante quanto um prêmio de loteria.
— Você acha que eles topariam?
— Acho que não vamos saber se não tentarmos.
meneou a cabeça, concordando. Aparentemente, tinha compromissos importantes para o dia seguinte.
🎸🎤🥁
— Realmente quem é vivo sempre aparece - disse.
— Não que você pareça muito vivo com essa cara - acrescentou.
— Obrigado pela parte que me toca - Lume respondeu, cumprimentando-os com um toque entre as mãos.
— Essa não é a cara de quem andou se lembrando de dormir.
— Pelo menos eu tentei - admitiu. — Só não funcionou muito bem.
— E é por isso que você percebeu que deveria vir atrás dos amigos esquecidos? — perguntou.
— Eu não esqueci ninguém. Vocês estudam em outro colégio, não é tão simples assim.
— Eu tenho literalmente uns dez argumentos contrários a isso - interveio. — Mas eu vou deixar passar porque você parece realmente desesperado e precisando de ajuda.
— Não estou desesperado. - Talvez estivesse um pouco. — Mas realmente preciso de ajuda.
e o encararam, aguardando que ele desse o próximo passo em direção à sua demanda. Ele respirou fundo, torcendo silenciosamente para que seus falecidos ídolos estivessem intercedendo por ele em algum canto e elaborassem sua mágica para que aquela conversa caminhasse não direção certa.
— e eu estamos pensando em começar uma banda e precisamos de mais integrantes. Foi impossível não lembrar de vocês já que são as pessoas mais talentosas que conhecemos.
— Se você está pensando que vai me ganhar com esses elogios - disse —, você está completamente certo.
— Meu Deus, você é fácil demais - reclamou, revirando os olhos.
— Você quer mesmo que eu acredite que não acha a ideia, no mínimo, tentadora? Não é como se não tivéssemos falado recentemente sobre voltar a tocar.
— , você fala demais. O que vocês estão pensando em fazer, ?
O rapaz coçou a nuca, ponderando. Não precisava se envergonhar de cara, expondo o gatilho para sua decisão sem mais nem menos. Mas a ideia tinha realmente começado a criar raízes em sua mente e, o que antes parecia só um tiro no escuro, começava a fazer mais sentido e realmente lhe fornecer perspectivas animadoras.
— A gente só quer fazer um som. Uma pegada meio pop punk, pop rock. E temos a vantagem de ter um lugar fácil para tocar graças ao tio do .
gargalhou, antes de inspirar profundamente.
— Como eu amo o nepotismo.
— Perdeu, meritocracia. Você sabe que perdeu.
Os rapazes riram, terminando em um silêncio que ebuliu pelo ar.
— Vocês topam? - perguntou.
Os dois se entreolharam, como se estivessem decidindo em uma linguagem visual silenciosa o que fazer.
— Onde vamos ensaiar? O que vamos tocar? Você disse o gênero, mas vamos tocar covers? Vamos tentar montar arranjos para composições próprias? Vamos levar isso a sério de verdade ou vai ser um passatempo que só vai ser lembrado a cada quinze dias?
— ofereceu a garagem dele para os ensaios porque não quer ter que ficar levando a bateria para qualquer canto. Acho que podemos fazer covers e composições próprias. Eu escrevi algumas coisas e lembro que vocês escreviam também.
assentiu.
— Então só falta você responder à pergunta principal.
— Vamos levar a sério - declarou determinado. — Não é um passatempo quinzenal.
— Nesse caso, quando começamos?
esboçou um sorriso vitorioso e aliviado. Sabia que havia colocado um peso sobre os próprios ombros com toda aquela história, mas não imaginava que havia sido tanto até que as articulações relaxassem.
Marcaram o primeiro encontro na casa de dali a quatro dias a fim de decidir o nome da banda, o primeiro repertório e tentar ensaiar como um grupo completo. Teriam vários azulejos naquele caminho a percorrer até poderem abusar da boa vontade e da relação sanguínea do dono do bar com aquele que esperavam ser o mais novo baterista conhecido na cidade.
e garantiram que o encontrariam no dia seguinte e se despediram, seguindo sua própria rota de volta ao apartamento que passaram a dividir nos últimos meses.
aceitou aquela despedida como sua deixa para seguir também o regresso para casa. Seus planos, contudo, foram frustrados assim que viu as mechas azuis que pareciam nunca desbotar balançando para dentro de um estabelecimento no outro lado da rua.
Sua curiosidade ainda o mataria e ele próprio teria de admitir que era bem feito. Assim como seria bem feito se recebesse um processo por ser considerado um maldito stalker seguindo a garota só para poder fingir que haviam se esbarrado da forma mais coincidente e despropositada do universo.
Ele não se deu o tempo nem de olhar para o letreiro sobre sua cabeça ou para a vitrine do lugar antes de simplesmente cruzar a porta. Quando começou a observar as prateleiras que se deu conta de onde tinha se metido.
— Puta merda - sussurrou.
— - a voz dela o fez engolir em seco, fingindo surpresa ao encará-la.— Não tinha te visto aqui.
— Ah, é que eu cheguei agora mesmo.
Ela concordou.
— Vai colocar um piercing também?
O sussurro de ‘puta merda’ dessa vez soou apenas em sua mente, acionando todas as sirenes, alarmes, buzinas e qualquer outra coisa que pudesse berrar para que ele fugisse o mais rápido possível. Suas pernas pareciam ter sido coladas ao chão.
— É - respondeu, sentindo o arrependimento queimando como ácido em sua garganta instantaneamente. Ele precisava consertar aquela merda o mais rápido possível. — Eu estava pensando em colocar um, mas não faço ideia do que ficaria bom. Acho que vim mais dar uma olhada mesmo, para ver se me ajuda a pensar e decidir.
— Entendi - ela respondeu, estreitando os olhos na direção dele por um momento. sentiu um arrepio estranho na nuca, como se uma brisa tivesse soprado a região. — Sabe de uma coisa? Acho que um piercing labial ficaria bem legal em você.
Ele piscou algumas vezes, enquanto balançava a cabeça em concordância, ouvindo alguma voz minimamente racional em seu subconsciente gritando que sua cabeça estava se movimentando para o lado errado. Tudo estava errado. Aquela, sim, era a pior ideia do mundo inteiro. Muito pior do que inventar uma banda de repente. Muito pior do que qualquer porcaria que pudesse ter passado em sua mente. Aquela era uma ideia digna de um recorde mundial de ideias horríveis.
— Eu tenho horário agora - ela continuou. — Vou colocar mais um piercing na orelha. Tenho certeza de que a Elsa topa fazer o seu ao mesmo tempo. Daí a gente se faz companhia.
Como era possível que as coisas na vida fossem tão ambíguas? Tão dolorosamente dúbias e distintas, colocadas sempre de lados opostos na balança. Tudo o que ele mais queria era poder se aproximar dela. E se essa era a forma…
— Certo, claro. Pode ser.
abriu um sorriso, virando-se rapidamente para avisar a profissional dos novos planos. Elsa não hesitou em aceitar rapidamente - mais uma aplicação significava renda extra e ela tinha tempo suficiente para isso. Sem contar que a garota era uma cliente fiel e seria bastante útil tê-la ali para reforçar a qualidade do trabalho para que o rapaz fosse também incentivado a repetir o trabalho ou recomendá-lo aos próprios amigos. Era assim que as coisas funcionavam entre os jovens no fim das contas. A propaganda do boca a boca sempre seria a mais eficaz.
A mulher pediu que eles aguardassem por um tempinho apenas para que ela separasse os materiais e as jóias e organizasse os assentos e iluminação local.
— É o seu primeiro, né?
concordou.
— É tranquilo, de verdade - ela assegurou. — Eu estava morrendo de medo quando coloquei o meu primeiro. Mas se você disser isso para alguém, eu obviamente vou negar até a morte e dizer que você chorou feito um bebê quando colocou o seu.
Ele foi obrigado a rir, temendo que ela não precisasse exatamente mentir se decidisse dizer aquilo para os outros.
— Quantos você já colocou?
puxou os cabelos em um coque bagunçado, exibindo as orelhas repletas de adornos.
— Tem o da sobrancelha também - disse. — O do nariz. E eu tenho um no umbigo.
— É bastante coisa.
— Elsa deve colocar alguma coisa nos antissépticos. Isso acaba virando um vício, eu juro.
— Mas você ainda não colocou no lábio.
Ela deu de ombros.
— Não acho que combine exatamente com a minha imagem. Mas talvez eu coloque um na língua. Ainda estou decidindo.
— E combina com a minha?
lhe ofereceu um sorriso de canto.
— Acho que vai ficar sexy. De um jeito que dá vontade de morder. Literalmente.
De repente ele não conseguia tirar aquela imagem da cabeça. Por Deus, tudo o que ele queria era que ela o mordesse. Que fosse para o inferno o processo de cicatrização que ele sequer sabia como seria. Aquela era a sua mais nova prioridade e o simples pensamento de que aquilo pudesse acontecer havia decidido morar em sua mente.
— Vocês estão prontos? - Elsa questionou, recebendo acenos de ambos.
Por costume e facilidade, a aplicadora começou com . Em um movimento rápido e preciso, ela acrescentou uma argola incompleta que simulava os pequenos chifres de um demônio.
— Obrigada! Os cuidados de sempre?
Elsa sorriu.
— Exatamente. Você já conhece o esquema. - E virando-se para . — Podemos?
— Manda ver.
Elsa mostrou um folder com exemplos de perfurações em diferentes posições. escolheu a mais periférica, pensando que seria menos pior para aprender a se alimentar com a presença do adereço, especialmente enquanto a região estivesse edemaciada e sensível com a recusa do corpo estranho.
— Vou trazer os materiais.
E por mais que ele estivesse se borrando de medo desde o momento em que havia decidido ser suicida o suficiente para aceitar a situação, foi naquele momento que ele percebeu o que estava prestes a acontecer. A ficha finalmente caiu de que aquela agulha perfuraria sua pele, lábio, gengiva e fosse lá o que mais.
— Eu juro que não é tão ruim quanto parece - disse, sentindo a tensão óbvia no ar. — E também é tão rápido que, quando você perceber, já acabou.
— Ah, sim. Eu estou tranquilo - ele mentiu. teve a decência de não contrariá-lo.
Elsa voltou com os materiais esterilizados.
— Tenta não se mexer, ok?
Ele realmente não tinha a intenção de fazê-lo. Não estava exatamente ansioso para a possibilidade de rasgar o seu lábio até tê-lo em pedaços. Ele ficaria tão imóvel que abriria mão até mesmo da necessidade de respirar.
Quando Elsa avisou que iria finalmente realizar a perfuração, ele prendeu a respiração e teve que usar todo o seu autocontrole para não fechar os olhos com força como uma criança obrigada a realizar um exame de sangue.
Foi mesmo rápido. E doeu muito mais do que as pessoas faziam parecer que doeria. Mas passou antes que ele pudesse se arrepender de verdade.
Foram necessários apenas alguns instantes mais para que Elsa se afastasse de vez.
— Prontinho.
o olhava com um sorriso de canto.
— Como ficou?
— Sexy - ela respondeu com uma piscadela.
Elsa interrompeu seja lá o que estivesse rolando entre eles.
— , seu horário amanhã está confirmado.
— Ah, certo. Obrigada!
— Mais um piercing? - perguntou, sabendo que definitivamente não era da sua conta.
— Não dessa vez. É outra coisa.
E ela não sabia porque estava fazendo aquilo, mas continuou:
— Se quiser, pode vir amanhã às cinco. Daí eu te mostro.
E ele definitivamente não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo, mas não se importava o suficiente. Para quem já tinha um lábio perfurado e teria que explicar a novidade para a mãe, aceitar mais alguma coisa às cegas não poderia ser exatamente muito pior.
— Às cinco, então.
🎸🎤🥁
Deveria fazer pelo menos uns dois anos que ele não usava aquelas calças e foi uma surpresa que elas ainda servissem tão bem.
Ele não tinha o hábito de usar jeans rasgados, mas pareceu coerente tentar o risco. Combinava de alguma forma com a sensação de não fazer ideia - mais uma vez - de onde estava se metendo.
Ele esperou cinco minutos na estação de metrô, receoso de parecer emocionado demais se chegasse antes do horário marcado. Aproveitou para comprar uma garrafa de água, uma das poucas coisas que ele se forçava a colocar na boca apesar do inchaço inconveniente.
Sua mãe havia feito várias perguntas. Várias mesmo. Muitas delas haviam sido repetições por puro choque e descrença. Ele não a culpava; também não acreditava que realmente tinha feito aquilo. A imagem no espelho ainda era a de um estranho impulsivo.
No fim das contas ela se acostumaria. E ele também.
— Você veio - disse, tirando-o de seus devaneios.
sorriu como pôde com o lábio edemaciado.
— Eu disse que viria.
— Que bom que vejo mesmo. Vem, vamos entrar.
Naquele dia, quem os recebeu não foi Elsa e sim um cara cabeludo e musculoso como se tivesse decidido que morar na academia seria uma boa economia.
— Otto - cumprimentou.
— . Quem é o amigo?
— Esse é o . Ele colocou um piercing aqui ontem também.
— Ah, o garoto que Elsa achou que fosse fazer chorar. Sei.
sentiu as bochechas queimarem, dando um sorriso amarelo. riu.
— Ele aguentou bem. E ficou muito bom, não acha?
Otto o encarou com atenção.
— Desmonta um pouco a pose entediante de bom moço. Foi uma boa escolha.
— Claro que foi - ela disse rapidamente. — A ideia foi minha.
— Não me surpreende - o homem admitiu. — Vamos entrando.
seguiu , que seguia Otto. As estampas nas paredes entregavam o que se fazia por ali.
se sentou na cadeira estofada e assentiu para o homem, que pediu licença para atender uma ligação.
— Vai fazer uma tatuagem?
— Retocar na verdade - ela respondeu. Respirando profundamente, ela ergueu a manhã da camisa, expondo o ombro. Era uma pequena rosa com uma data em algarismos romanos.
— Eu não sabia que você tinha.
— Quase ninguém sabe. Eu não costumo usar roupas muito abertas no colo e também não saio mostrando para qualquer um porque sei que os números causam curiosidade e as pessoas sempre querem saber a história por trás.
Ele engoliu a própria vontade de perguntar. Se a incomodava, então ele ficaria em silêncio. Ela poderia assumir que tinha o nome dele tatuado na bunda e ele não perguntaria história nenhuma. Apenas aquiesceu, tentando demonstrar que ainda estava fazendo parte daquele diálogo, mesmo sem saber exatamente o que deveria dizer.
— A minha avó era a melhor pessoa do mundo - ela continuou por vontade própria. sentiu a postura murchar um pouco ao tomar consciência da escolha do tempo verbal no passado. — Tudo de bom que há em mim só existe por causa dela. Ela me mostrou o que era amar alguém incondicionalmente e eu tenho a consciência limpa para poder falar sem remorso que eu a amei na mesma intensidade até seu último suspiro. Até depois. Até hoje.
se sentou onde provavelmente seria o lugar ocupado por Otto. Não importava. Aquele momento de intimidade espontânea demandava proximidade. Ele hesitou ao ver a mão dela ali, pendurada como se esperasse por algo. Em um segundo de coragem, ele a apertou na dele, torcendo para que fosse o suficiente para lhe dar a força necessária para terminar aquela história.
— Ela faleceu há uns três anos. O coração já vinha dando alguns sinais de enfraquecimento e chegou o momento em que ele não aguentou mais.
— Eu sinto muito. Muito mesmo. Tenho certeza de que ela foi muito feliz com o seu amor. E, onde estiver, deve estar louca de orgulho da neta.
— Ah, sim. Ela deve estar comparecendo em pista VIP para todos os meus shows - ela concordou, com um sorriso e os olhos úmidos. — Ela amava rosas e essa é a data do aniversário.
reparou melhor nos algarismos.
— É hoje - murmurou, finalmente se dando conta.
se ajeitou melhor na cadeira, concordando.
— Por isso quis retocar agora. Uma forma de reviver a minha memória dela.
Ele concordou, sentindo o peso e a importância daquele momento. Não sabia exatamente porque estava fazendo parte daquele momento, mas estava verdadeiramente feliz por isso. De alguma forma, sua admiração pela mulher sentada em sua frente tinha conseguido aumentar ainda mais.
— Obrigado por ter compartilhado essa história comigo.
— Eu lembro de você, sabe? - disse. — Não sei porque você não falou quando nos encontramos no bar, mas eu me lembro de você. Você foi o único que não me olhou com desprezo quando a professora de literatura inglesa disse que eu era a melhor aluna que ela tinha. Pelo contrário. Você sorriu para mim.
deu de ombros, sentindo-se corar de leve.
— Eu não tinha porque ser um cuzão.
— Pois é - ela concordou. — Mas as pessoas estão pouco se fodendo para isso. Elas simplesmente são e ponto. E você parece mesmo ser um cara legal e decente. De alguma forma eu sabia que podia compartilhar essa história com você sem que virasse uma grande coisa.
— Eu nem sei o que te dizer.
Ela sorriu mais uma vez.
— Não precisa falar nada. Mas eu realmente agradeço por você ter vindo. Não é meu dia favorito para ficar sozinha.
— Nesse caso, fico feliz que você tenha me convidado.
— É. Eu também, .
Otto voltou logo e começou a fazer o seu trabalho. se manteve de mãos dadas com o tempo todo, mesmo sabendo que ela definitivamente não precisava daquilo. Parecia certo.
A agulha raspou sua pele, tornando a flor e os algarismos novamente mais nítidos. deixou uma lágrima escorrer que nada tinha a ver com a dor. Quando ela disse o seu mais sincero obrigado, sabia que parte de sua gratidão também era honrosamente dirigida a ele.
— A gente deveria sair um dia desses - foi ela quem tomou a iniciativa, esfregando mais uma vez na cara dele como ela sempre estaria mil passos a sua frente.
Mas tudo bem. Ele não era orgulhoso o suficiente para colocar tudo a perder só por isso.
— Estou totalmente livre.
— Hoje não dá. Tenho ensaio com a banda e já estou meio atrasada, na verdade. Mas marcamos outra hora, ok?
concordou. Eles trocaram celulares e se despediram com um abraço apertado que o fez quase implorar para que o tempo pudesse se estender só mais um pouco.
— Eu te ligo - ela falou antes de sumir de sua vista.
E ele sabia que esperaria a cada segundo de cada dia, mesmo duvidando muito que aquela ligação realmente fosse atingir seu celular.
🎸🎤🥁
— Que foi, merda? Perdeu o cu na minha cara?
— Desculpa, eu não consigo me acostumar com esse negócio na sua boca. Parece que te pescaram - respondeu.
e não disfarçaram as risadas. bufou.
— Quanta maturidade.
— Certo, certo. Onde estávamos mesmo?
— Tentando decidir um nome para a banda - respondeu.
— Eu ainda acho que ‘ e os Caras’ é uma ótima opção.
— E eu acho que a gente não precisa tanto assim de um baterista para ter que te aguentar - interveio.
— Eu gosto de Hoodies - comentou.
— Pode ser uma boa - concordou, mais por educação e falta de opções do que por realmente ter sentido que aquele era o nome correto.
— Eu tive uma ideia ontem - se manifestou. — Não sei se é boa, mas já que estamos compartilhando…
— Desembucha - mandou .
— Eu pensei em 5 Seconds of Summer.
Os quatro se encararam em completo silêncio. fingiu limpar pequenos tufos de pelo invisível das calças pretas.
— De onde você tirou isso? - perguntou, sentindo uma dor leve ao esbarrar os dentes sem querer no piercing.
deu de ombros, desviando o olhar.
— Eu sabia que não era uma ideia boa, vamos continuar pensando. Ainda temos um tempo para decidir e nada precisa ser super oficial e imutável agora, sabe? A gente sempre pode estar mudando de ideia.
— Não, cara - retrucou. — É ótima. Exatamente por isso a curiosidade.
O dar de ombros se repetiu, agora acompanhado de um olhar mais leve e contente.
— Não faço ideia. Só passou pela minha cabeça. Literalmente não tem justificativa nenhuma.
— E é exatamente assim que as melhores coisas na vida começam - se meteu. — Então é oficial. 5 Seconds of Summer vai abalar as estruturas.
— Nunca mais fala isso - pediu. — É vergonhoso.
— Ok, ok. E o que vamos tocar?
sentiu três pares de olhos atentos em si, como predadores apenas esperando qualquer movimento brusco para darem o bote. O arrependimento foi imediato. Ele deveria ter ficado quieto em vez de ficar fazendo alarde.
— O que foi?
— Não se faz de sonso - foi quem respondeu. — Cadê a música que você andou escrevendo?
— Foram duas, na verdade. Mas não estão boas. Deixa para lá.
— Não. Canta.
Essa parte pelo menos havia sido fácil de decidir. assumiu o vocal principal, mesmo que eles tivessem decidido que todos poderiam cantar. era o guitarrista principal, cuidaria da bateria e arrasaria no baixo como de costume. Todos estavam bastante satisfeitos com isso.
bufou, retirando um quadrado de papel dobrado oito vezes do bolso. Com a letra que mais parecia um rabisco, na iminência de se tornar ilegível até mesmo para seu próprio dono, em mãos, ele explicou.
— Essa foi a primeira. Chama ‘Out of My Limit’.
Enquanto cantava, batendo o pé vez ou outra contra o chão para marcar o próprio ritmo, tinha o olhar perdido. e assentiram um ao outro assim que ele terminou.
— É boa - disse. — Acho que definitivamente podemos tocar. , o que você achou?
— Ele não estava prestando atenção - disse.
— Estava, sim - retrucou e se levantou, voltando com o baixo em mãos. — , canta de novo.
— Back in high school we used to take it slow
Red lipstick on and high heel stilettos
Had a job downtown working the servo
Had me waiting in line couldn't even let go
colocou as notas no seu instrumento, encontrando uma melodia que servia de base para que a letra se assentasse de uma forma que realmente parecia fazer sentido. No fim das contas, a música havia se tornado tão dele quanto de .
Com o resultado final em mãos, os dois se entreolharam com um sorriso.
— Acho que a gente acabou de compor nossa primeira música - disse, sentindo o próprio orgulho encher o peito.
— Ficou ótima - concordou. — Só falta um solo massa na percussão.
— Ah, meu Deus, cala a boca - reclamou.
— Podemos tentar tocar com todos os instrumentos? - questionou.
Todos assentiram, encaminhando-se para o espaço aberto da garagem e se posicionando à frente da bateria de , em uma formação que parecia ser o embrião real de um grupo.
— No três? - perguntou, erguendo as baquetas. — Um, dois…
Sua contagem foi interrompida pelo toque alto do celular de , que se afastou a passos rápidos para atender a ligação.
Foram necessários apenas alguns segundos para que ele retornasse, visivelmente frustrado.
— Era a operadora - justificou.
— E nada dela ainda? - arriscou perguntar.
negou com a cabeça.
— Dela quem? - O baixista quis saber.
— Ele é a fim da - o baterista contou.
— Tipo, a ?
— Foi o que eu falei, não foi?
— Não o julgo - disse. — É praticamente impossível não se impressionar com ela. Mas a garota é, tipo, inalcançável.
— E você acha que o nome da música veio de onde? - murmurou, fazendo os outros rapazes finalmente compreenderem a razão de várias coisas pelo caminho. apenas inspirou fundo.
— A gente teve um momento legal e ela me chamou para sair - contou. — Foi ela quem tomou a iniciativa e ela quem disse que ligaria.
— Já tem uns três dias - pontuou.
— Ela é uma pessoa ocupada - tentou suavizar a situação. — Com certeza está se matando de ensaiar e não teve tempo para te ligar ainda. Só isso. Você sabe como ela é dedicada ao grupo.
— Por que você não liga para ela? - arriscou.
— Porque ela disse que ligaria - repetiu. — Foi esse o combinado. Eu não vou ficar fazendo cobranças ou marcação acirrada para parecer que estou desesperado.
— Essa cara não está ajudando muito - comentou, recebendo um olhar fuzilante do melhor amigo.
Mas o que ele poderia fazer? Tinha colocado a porcaria de um piercing, voltado a usar os jeans rasgados e até começado a porcaria de uma banda para impressioná-la. Mesmo seu cérebro enganado por quaisquer que fossem os sinais de uma paixão sabia que aquilo já era demais. Ele estava se esforçando demais e nada daquilo parecia nem perto de acabar bem se assim continuasse.
Precisava dar um tempo. Para seu próprio bem.
— Posso mostrar a segunda música antes de a gente começar a ensaiar essa? - Seu questionamento totalmente tendencioso para qualquer que fosse a oportunidade de desviar sua mente do assunto. No fundo, ele sabia que ela havia sumido e, independentemente do que fosse que eles pareciam ter iniciado naquela noite, também tinham terminado.
Os rapazes assentiram.
— Ok - ele concordou. — Essa música chama ‘Beside You’.
🎸🎤🥁
Ted havia feito o favor de se disponibilizar para apresentá-los naquela noite. Depois de um mês ensaiando um repertório que incluía três músicas autorais - Out of My Limit, Beside You e Unpredictable - e alguns covers selecionados por , eles finalmente haviam decidido que poderiam se arriscar a subir naquele palco e ver como funcionavam sendo, de fato, oum grupo.
— Recebam, então, , , e , o 5 Seconds of Summer.
O pessoal bateu palmas e realizou algumas exclamações conforme eles sorriam, acenavam e se posicionavam com os seus instrumentos. arrumou o microfone da bateria para a sua altura e decidiu se manifestar uma última vez antes de começarem:
— Boa noite, galera! Espero que estejam todos bem e animados para ouvir uma música. No fim do show, vamos ter uma rodada de cerveja por minha conta.
Todos comemoraram ainda mais. Seus colegas de banda riram, revirando os olhos. Nunca mais seriam convidados para tocar ali assim que o tio dele soubesse de suas promessas endividadoras.
Começaram tocando Out of My Limit. Tinham decidido que os versos combinavam bem com a voz de e ele assumiu o vocal principal naquela canção. Quando finalmente chegaram ao refrão, se aproximou do microfone, desviando os olhos da guitarra e dos lugares exatos que seus dedos encontravam nas cordas para encarar a plateia.
Seu coração quase parou quando ele a viu. As mechas azuis haviam sido substituídas por um verde forte. O piercing na sobrancelha parecia ainda mais destacado pela quantidade de lápis preto esfumado ao redor dos olhos.
Não era miragem ou alucinação. estava bem ali, na primeira fila de seu primeiro show, olhando-o de uma forma penetrante e quase feroz que ele não esperaria nem em seus sonhos mais loucos.
— You're just a little bit out of my limit
It's been two years now you haven't even seen the best of me
And in my mind now I've been over this a thousand times
But it's almost over
Let's start over
A plateia aplaudiu o fim do primeiro refrão, reagindo positivamente à sensação da música ecoando pelo salão. não tirou os olhos dele por um segundo sequer e ele não ousou quebrar a conexão visual criada quando cantou:
— 'Cause I never wanna be that guy
Who doesn't even get a taste
No more having to chase
To win that prize
fez um movimento rápido com a mão, rodando a guitarra ao redor de seu corpo, levando o público à loucura. Eles estavam extasiados com cada micrograma de reação das pessoas presentes. O show da escola não chegava sequer aos pés daquilo. Ali, sim, a cada música que performaram, eles se sentiram estrelas do rock.
— Let's do something new and unpredictable - cantaram pela última vez, recebendo os aplausos vorazes enquanto se inclinavam para agradecer pela presença e pela atenção. Mais que tudo, agradeciam cada um dos completos desconhecidos por terem permitido que eles sentissem aquela adrenalina feroz sendo bombeada por cada uma de suas artérias e veias.
Poucas coisas na vida davam a mesma sensação efusiva que parecia pipocar por todas as vísceras como ouvir rock sendo tocado ao vivo por alguém que era realmente apaixonado por aquilo. Era essa a opinião de e continuaria sendo. Agora, contudo, ele acrescentaria à sua ideia que nada era melhor do que tocar ao vivo quando se é apaixonado por aquilo. Porque era exatamente isso que eles eram. E aquela ideia repentina que tinha absolutamente tudo a seu favor para dar completamente errado não poderia ter dado mais certo.
anunciou no microfone um lembrete sobre a rodada grátis no bar - como se alguém ali realmente precisasse ser lembrado da possibilidade de gratuidade de uma bebida. Os quatro organizaram os instrumentos e desceram do palco, recebendo os cumprimentos e elogios das pessoas enquanto encontravam seu caminho em direção à hidratação alcoólica que Ted lhes ofereceria.
— Ao 5SOS - brindou, recebendo em seguida o impacto das garrafas dos amigos contra a sua.
— Grande show - a voz feminina soou perto deles, com um sorrisinho. — Com certeza alguma pessoa incrivelmente sábia deve ter que receber algum crédito por ter sugerido que vocês tocassem.
— Não conheço ninguém assim - comentou, recebendo um tapa na nuca.
— O que você quer dizer é: , muito obrigado por ser tão incrível, perfeita e estar certa em absolutamente tudo. E eu digo de nada - ela completou.
— Acho que tem alguém mexendo na sua bateria - disse, fazendo se virar instantaneamente, já sentindo o sangue ferver nos olhos.
— Filho da puta. Onde?
— Daqui está ruim de ver - comentou, entendendo a postura do baixista. — Vamos lá rapidinho.
— Eu não estou vendo nada - disse, ainda esticando o corpo a fim de ver quem era o desgraçado mexendo no que não devia.
— Eu disse vamos lá rapidinho - repetiu, arrastando o baterista para longe e sendo seguido por .
deu uma risada, enquanto balançava a cabeça.
— Seus amigos são super discretos.
sorriu.
— Você nem imagina.
Ela se sentou ao lado dele, olhando para frente em vez de encará-lo nos olhos. Por mais que ele quisesse encará-la com a mesma atenção de minutos atrás, o fato de perceber que ela estava constrangida a fez, de alguma forma, parecer mais humana. não queria vê-la incomodada, mas, de alguma forma, ficava feliz que ela percebesse que podia ter momentos de muralhas derrubadas perto dele.
— Escuta, eu sei que não liguei - começou. — Me desculpa. Mesmo.
— Não tem problema. Acontece.
— Não, não acontece. Foi vacilo meu. Eu fiquei atolada naquela semana e depois já tinha passado esse tempo e pensei que seria escroto ligar. Não sei o porquê. Só pensei.
— Nunca vai ser escroto me ligar. Eu te dei meu número para isso, não foi?
aquiesceu.
— Daí eu vi os anúncios que 5 Seconds of Summer tocaria hoje e precisei vir para ver com os meus próprios olhos. Ótimo nome por sinal.
Ele sorriu.
— Foi ideia do .
— Qual foi a inspiração?
— Ninguém sabe - ele admitiu. — Nem ele. Acho que isso só fez o nome ser ainda mais legal.
— Realmente. E as músicas?
— Eu compus com o . Trabalhamos bem juntos. Bem melhor do que eu poderia esperar.
Ela concordou com a cabeça mais uma vez. soube que aquela pergunta tinha uma finalidade clara: confirmar que a música era para ela. E era. Praticamente tudo o que ele escrevia ou pensava em escrever, de alguma forma, voltava a ser sobre ela.
— Não sabe como eu fico feliz de saber que vocês aceitaram minha sugestão e realmente levaram isso para frente. Vocês são muito bons. Vão fazer um puta sucesso.
deu uma risada envergonhada, enquanto bebia outro gole da sua cerveja.
— Não é para tanto.
— Agora. Mas vai ser. Eu estou sempre certa, lembra?
— Você não me deixa esquecer.
Ela deu um daqueles sorrisos de canto que simplesmente acabavam com ele.
— Quero estar certa sobre mais uma coisa, então.
— Qual?
— Quero estar certa em achar que você ainda vai aceitar sair para jantar comigo.
Ele sentiu alguma coisa se revirando contente em seu estômago e tinha quase certeza de que não era o álcool.
— É só me ligar - respondeu.
moveu a cabeça de cima para baixo, antes de se aproximar de uma só vez e pegá-lo de surpresa ao selar seus lábios rapidamente.
— Dessa vez eu vou ligar mesmo.
era a personificação de tudo o que ele sempre quis antes mesmo de saber que queria. Talvez antes mesmo de saber que de fato queria algo.
Tinha meio que suspeitado disso pela primeira vez quando a viu sentada no fundo da aula de literatura inglesa, com os coturnos pretos apoiados na carteira da frente, cutucando o esmalte preto com a tampa da caneta esferográfica e fuzilando cada um que ousasse obrigá-la a desviar sua atenção.
Mas depois do olhar duro, ela respondia todas as questões sobre Virginia Woolf, Hemingway e Bukowski com a facilidade com que o corpo aprendia que deveria respirar assim que tomava alguns tapinhas depois do parto. Parecia estúpido que ela ainda estivesse ali para aprender tudo aquilo que já sabia tão bem.
percebeu que ela provavelmente também pensava assim quando notou sua carteira de costume ficando vazia por duas semanas seguidas. tinha simplesmente abandonado o colégio de uma hora para outra e feito a aula de literatura inglesa bem menos interessante.
Como a fofoca era o passatempo favorito de ao menos noventa por cento de sua geração e os rumores corriam mais rápido que Usain Bolt batendo seu recorde, logo todos sabiam que a garota havia realmente abandonado a ideia de ter um diploma porque simplesmente não via sentido em nada daquilo. Estava apenas desperdiçando seu tempo em um ambiente que não a ajudava em nada a seguir o caminho daquilo que realmente amava: a música.
Também não demorou para que descobrissem que ela havia se juntado a um baixista e um baterista e estava tocando no bar mais famoso da cidade, atropelando a regra de idade simplesmente por ser uma mulher bonita. Aparentemente, era do interesse dos donos oferecer um atrativo feminino para o público.
E, sim, ela achava isso uma puta de uma bosta. Era machista, objetificador e várias outras coisas que lhe davam ânsia. Mas era a sua melhor oportunidade de mostrar seu trabalho e, no fim do dia, pagava bem o suficiente para que ela pudesse compensar as reviradas de olhos. Sem contar que havia tirado a sorte grande com seus colegas de banda, que pareciam dois pitbulls de segurança para qualquer engraçadinho que quisesse fazer piadinhas inconvenientes.
, por sua vez, havia conseguido entrar com uma carteira de habilitação obviamente falsificada porque era amigo do sobrinho do dono e isso meio que fazia com que os guardas magicamente acreditassem na documentação.
E teria que agradecer à maldita corrupção de cada dia por ter feito vista grossa a cada um daqueles detalhes de seu caminho, permitindo que ele estivesse bem ali, bem naquele momento, vendo-a cantar do fundo de sua alma - e garganta - a letra um tanto pesada e irônica que planava sensualmente, em uma melodia que fazia os cérebros daquelas pessoas borbulharem com a vontade insana de baterem cabeça por aí. Mas ele não. Ele só tinha olhos para ela.
Sua opinião jamais poderia ser levada totalmente em consideração. Era o ponto de vista mais enviesado do mundo de alguém que a colocaria facilmente em um pedestal. Mesmo assim, ele diria a quem perguntasse como aquela deveria ser a noite em que ela havia atingido algum tipo de pico de magnificência.
era diferente. Não diferente do tipo de porcaria clichê e problemática, rivalizando mulheres. era diferente porque era a única pessoa que poderia pisar no meio do seu estômago com o salto de suas botas e ele ainda a agradeceria. Ele já tinha superado a fase de se envergonhar ao admitir para si mesmo o quão idiota ele era por ela.
Quando ela jogou os cabelos escuros com mechas azuis para frente, em um movimento de pura sincronia fervorosa com o último acorde do baixo, todos aplaudiram enormemente. deu uma piscada sorrateira - que ele juraria de pés juntos que havia sido para ele - e se dirigiu para fora do palco, aceitando com um sorriso simpático a pequena garrafa de água que o garçom já havia deixado a postos para o fim do show.
— Vamos pegar umas bebidas - cutucou o amigo, fazendo sair daquele estranho transe.
— A gente não tem idade para beber.
deu uma risada alta.
— A gente também não tem idade para estar aqui, mas adivinha só?
não viu opção a não ser seguir o amigo até o bar e acompanhar enquanto ele acenava para todo mundo e ria com uma facilidade que ele invejava.
— E aí, Ted?
— Fala, garoto - cumprimentou o barman. — Veio visitar seu tio? Ele não veio hoje.
— Não tem problema, depois eu mando uma mensagem para ele. Hoje viemos pelo show mesmo.
O homem concordou, enquanto ordenava os copos limpos segundo o tipo de bebida principal que deveriam servir.
— Vocês e boa parte dessa galera. Os dias de melhor movimento são quase sempre os que eles tocam. Já estamos longe de acreditar que seja pura coincidência.
— Os caras são foda - comentou.
“Ela principalmente”, pensou, sem ter coragem de verbalizar.
— O que vocês vão querer?
— Acho que pode ser uma cerveja para mim - ele disse. — E para você?
— O mesmo que o dele - o amigo respondeu porque era o mais fácil a se dizer. E porque ele já havia se acostumado com o amargor da cerveja mais do que com a gradação alcoólica de basicamente qualquer outra coisa que ele poderia encontrar naquele bar.
— Duas cervejas saindo, então - Ted anunciou. — Na conta da casa.
faria um monumento de adoração incondicional para o tio facilmente por momentos como aquele. O cara era um babaca prepotente muitas vezes, mas lhe fornecia bebida e entretenimento de graça, mesmo com a menoridade. Era o suficiente para que ele merecesse alguns agradecimentos por aí de vez em quando.
Em poucos instantes, ele estava de volta com duas long necks com o vidro esbranquiçado, insinuando o quão estupidamente geladas estavam. Enquanto Ted usou o abridor para abrir habilmente as tampas, fez uma prece silenciosa para que sua sensibilidade dentária o perdoasse.
— Eu ia pedir um drink, mas com esse gelo todo é quase um pecado não tomar uma cerveja - a voz feminina soou ao lado deles. — Ted, querido, me traz uma, por favor?
— É para já.
— Pode colocar na minha conta - um rapaz falou ao lado deles. — Um agradecimento pelo show.
deu um sorriso de canto, evitando revirar os olhos para a forma com que ele parecia prestes a fazê-la morrer de desidratação de tanto que a secava. Se ele achava que conseguiria algo além da perda de alguns dólares ao pagar pela bebida, ele estava enganado. Mas ela também não tinha intenção alguma de impedi-lo de pagar.
— Muito obrigada - ela disse na direção de Ted, ignorando o homem e se sentando ao lado de .
O garoto sentiu a garrafa prestes a congelar as pontas de seus dedos quanto mais a apertava de forma nervosa.
— E aí, ? - perguntou, inclinando a cabeça em um movimento rápido que, algum dia, alguém havia decidido que deveria ser admitido como um tipo de cumprimento.
— - ela disse, erguendo sua cerveja, antes de dar um longo gole. — Quanto tempo não te vejo por aqui.
— Precisei dar um tempo para não reprovar nas últimas provas. Se eu tivesse que fazer tudo de novo, minha mãe ia arranjar um jeito de mandar me deportarem.
Ela soltou uma exclamação de reprovação.
— Por isso eu abandonei essa merda toda.
— Se eu tivesse metade do seu talento eu teria feito o mesmo - ele respondeu.
estava atônito. Desde quando e eram amigos daquele jeito e por que infernos ele nunca tinha pensado que seria uma boa ideia mencionar esse pequeno - gigante - detalhe?
Como se lesse a sua mente, ele pareceu subitamente se lembrar de que tinha ido até lá acompanhado.
— Ah, você conhece o ?
puxou um elástico preto do pulso, prendendo o cabelo de uma forma bagunçada, enquanto encarava o garoto.
— Eu acho que não, mas ao mesmo tempo tenho impressão de que sim. Você já trouxe ele aqui antes?
— Não. Primeira vez.
— Então deve ser só impressão mesmo. Prazer, . Eu sou a .
— O prazer é meu - ele respondeu. — Belo show. Você canta muito bem.
— Que bom que gostou - ela disse, com um sorriso sincero.
— O canta também - soltou a bomba como se não fosse nada, fazendo o amigo pensar, em tempo recorde, sobre todas as formas criativas de se livrar de um corpo.
Ela arqueou uma sobrancelha, intrigada e interessada naquela revelação aparentemente despropositada.
— Ah, é? Tem uma banda também?
— Não. Eu nem canto. O está só falando merda.
— Canta sim - o amigo insistiu. — E toca guitarra também.
meneou a cabeça.
— Bom, a primeira vez em que eu te vi literalmente foi quando você decidiu salvar a minha vida e cobrir a ausência do meu baterista - ela comentou. — Então vocês já têm vocal, guitarra e bateria. Deveriam procurar mais gente e tentar fazer algo. Eu juro que foi a melhor decisão que eu tomei. Nada no mundo te faz se sentir tão livre e eufórico quanto subir em um palco e ver que as pessoas gostam do que você faz.
— Seria uma ótima ideia - concordou. — Pena que meu queridíssimo amigo não tem coragem de encarar o público.
sentiu uma veia pulsando em sua nuca. Queria esganá-lo pela exposição falaciosa.
— Engraçado. Porque da última vez que eu sugeri de tocarmos em um show de talentos foi você quem deu para trás.
— Meu Deus, vocês vão ter uma DR? Por favor, continuem - pediu , se ajeitando sobre os próprios punhos.
— Eu não queria tocar naquele dia - tentou se justificar.
O amigo soltou uma risada nasalada.
— E depois diz que sou eu que tenho medo.
ergueu a mão, fazendo com que os dois lhe dessem atenção.
— Quero ser a mediadora e fazer uma sugestão. Por que os dois idiotas não param de discutir e provam o contrário ao outro topando a ideia da banda?
e piscaram algumas vezes, digerindo a sugestão óbvia.
— Bom, preciso ir e ajudar os meninos com os instrumentos - ela disse. — Mas pensem nisso. Adoraria ver vocês tocando.
Devolvendo a garrafa vazia sobre o balcão, ela saiu da vista deles, levando consigo qualquer resquício de bom senso que tivesse na cabeça.
— Que cara é essa?
— A gente precisa formar uma banda - ele disse. — Logo.
— Por que caralhos você não me impediu? Que ideia idiota.
fuzilou , segurando o prato ainda ecoante de sua bateria.
— Eu disse com todas as letras que era uma ideia horrível. Não joga sua memória seletiva para cima de mim, não.
— Mas não me impediu.
— E eu lá tenho cara de quem ia perder tempo e insistir sabendo que você estava cego só porque queria impressionar a ?
baixou o olhar levemente.
— Nem adianta tentar negar.
— Ok, essa era a maior parte do motivo - ele admitiu. — Mas eu realmente pensei que seria legal tentar. Não é como se nunca tivéssemos tocado juntos.
— Mas nunca tocamos juntos para qualquer público que exceda a contagem de dois. Seus pais.
bufou.
— Não é como se eu fosse o maior fã de me imaginar na frente de uma multidão de olhos e orelhas julgadores. Mas até que ponto enfrentar esse desafio não é exatamente o que a gente precisa para sair da nossa zona de conforto?
— Chama zona de conforto por um motivo - disse. — E não é porque é uma boa ideia sair dela.
— Sabe do que a gente precisa?
— Bom senso?
— De mais gente - respondeu. — Acho que vai ser bem menos desconfortável com outras pessoas para dividir a atenção em um palco.
apoiou o queixo contra as baquetas, pensativo. Talvez aquela fosse a conclusão menos estúpida que o amigo tivesse tirado nos últimos dias.
— e eram bons - comentou. — Eles tocaram uma vez no meu colégio, lembra?
É claro que ele lembrava. Foi o auge do momento de um rockstar para adolescentes de treze anos. Era o ponto claro de cisão entre a conexão de cada um deles com a música e com o imaginário do estrelato possível, mas quase tão distante quanto um prêmio de loteria.
— Você acha que eles topariam?
— Acho que não vamos saber se não tentarmos.
meneou a cabeça, concordando. Aparentemente, tinha compromissos importantes para o dia seguinte.
— Realmente quem é vivo sempre aparece - disse.
— Não que você pareça muito vivo com essa cara - acrescentou.
— Obrigado pela parte que me toca - Lume respondeu, cumprimentando-os com um toque entre as mãos.
— Essa não é a cara de quem andou se lembrando de dormir.
— Pelo menos eu tentei - admitiu. — Só não funcionou muito bem.
— E é por isso que você percebeu que deveria vir atrás dos amigos esquecidos? — perguntou.
— Eu não esqueci ninguém. Vocês estudam em outro colégio, não é tão simples assim.
— Eu tenho literalmente uns dez argumentos contrários a isso - interveio. — Mas eu vou deixar passar porque você parece realmente desesperado e precisando de ajuda.
— Não estou desesperado. - Talvez estivesse um pouco. — Mas realmente preciso de ajuda.
e o encararam, aguardando que ele desse o próximo passo em direção à sua demanda. Ele respirou fundo, torcendo silenciosamente para que seus falecidos ídolos estivessem intercedendo por ele em algum canto e elaborassem sua mágica para que aquela conversa caminhasse não direção certa.
— e eu estamos pensando em começar uma banda e precisamos de mais integrantes. Foi impossível não lembrar de vocês já que são as pessoas mais talentosas que conhecemos.
— Se você está pensando que vai me ganhar com esses elogios - disse —, você está completamente certo.
— Meu Deus, você é fácil demais - reclamou, revirando os olhos.
— Você quer mesmo que eu acredite que não acha a ideia, no mínimo, tentadora? Não é como se não tivéssemos falado recentemente sobre voltar a tocar.
— , você fala demais. O que vocês estão pensando em fazer, ?
O rapaz coçou a nuca, ponderando. Não precisava se envergonhar de cara, expondo o gatilho para sua decisão sem mais nem menos. Mas a ideia tinha realmente começado a criar raízes em sua mente e, o que antes parecia só um tiro no escuro, começava a fazer mais sentido e realmente lhe fornecer perspectivas animadoras.
— A gente só quer fazer um som. Uma pegada meio pop punk, pop rock. E temos a vantagem de ter um lugar fácil para tocar graças ao tio do .
gargalhou, antes de inspirar profundamente.
— Como eu amo o nepotismo.
— Perdeu, meritocracia. Você sabe que perdeu.
Os rapazes riram, terminando em um silêncio que ebuliu pelo ar.
— Vocês topam? - perguntou.
Os dois se entreolharam, como se estivessem decidindo em uma linguagem visual silenciosa o que fazer.
— Onde vamos ensaiar? O que vamos tocar? Você disse o gênero, mas vamos tocar covers? Vamos tentar montar arranjos para composições próprias? Vamos levar isso a sério de verdade ou vai ser um passatempo que só vai ser lembrado a cada quinze dias?
— ofereceu a garagem dele para os ensaios porque não quer ter que ficar levando a bateria para qualquer canto. Acho que podemos fazer covers e composições próprias. Eu escrevi algumas coisas e lembro que vocês escreviam também.
assentiu.
— Então só falta você responder à pergunta principal.
— Vamos levar a sério - declarou determinado. — Não é um passatempo quinzenal.
— Nesse caso, quando começamos?
esboçou um sorriso vitorioso e aliviado. Sabia que havia colocado um peso sobre os próprios ombros com toda aquela história, mas não imaginava que havia sido tanto até que as articulações relaxassem.
Marcaram o primeiro encontro na casa de dali a quatro dias a fim de decidir o nome da banda, o primeiro repertório e tentar ensaiar como um grupo completo. Teriam vários azulejos naquele caminho a percorrer até poderem abusar da boa vontade e da relação sanguínea do dono do bar com aquele que esperavam ser o mais novo baterista conhecido na cidade.
e garantiram que o encontrariam no dia seguinte e se despediram, seguindo sua própria rota de volta ao apartamento que passaram a dividir nos últimos meses.
aceitou aquela despedida como sua deixa para seguir também o regresso para casa. Seus planos, contudo, foram frustrados assim que viu as mechas azuis que pareciam nunca desbotar balançando para dentro de um estabelecimento no outro lado da rua.
Sua curiosidade ainda o mataria e ele próprio teria de admitir que era bem feito. Assim como seria bem feito se recebesse um processo por ser considerado um maldito stalker seguindo a garota só para poder fingir que haviam se esbarrado da forma mais coincidente e despropositada do universo.
Ele não se deu o tempo nem de olhar para o letreiro sobre sua cabeça ou para a vitrine do lugar antes de simplesmente cruzar a porta. Quando começou a observar as prateleiras que se deu conta de onde tinha se metido.
— Puta merda - sussurrou.
— - a voz dela o fez engolir em seco, fingindo surpresa ao encará-la.— Não tinha te visto aqui.
— Ah, é que eu cheguei agora mesmo.
Ela concordou.
— Vai colocar um piercing também?
O sussurro de ‘puta merda’ dessa vez soou apenas em sua mente, acionando todas as sirenes, alarmes, buzinas e qualquer outra coisa que pudesse berrar para que ele fugisse o mais rápido possível. Suas pernas pareciam ter sido coladas ao chão.
— É - respondeu, sentindo o arrependimento queimando como ácido em sua garganta instantaneamente. Ele precisava consertar aquela merda o mais rápido possível. — Eu estava pensando em colocar um, mas não faço ideia do que ficaria bom. Acho que vim mais dar uma olhada mesmo, para ver se me ajuda a pensar e decidir.
— Entendi - ela respondeu, estreitando os olhos na direção dele por um momento. sentiu um arrepio estranho na nuca, como se uma brisa tivesse soprado a região. — Sabe de uma coisa? Acho que um piercing labial ficaria bem legal em você.
Ele piscou algumas vezes, enquanto balançava a cabeça em concordância, ouvindo alguma voz minimamente racional em seu subconsciente gritando que sua cabeça estava se movimentando para o lado errado. Tudo estava errado. Aquela, sim, era a pior ideia do mundo inteiro. Muito pior do que inventar uma banda de repente. Muito pior do que qualquer porcaria que pudesse ter passado em sua mente. Aquela era uma ideia digna de um recorde mundial de ideias horríveis.
— Eu tenho horário agora - ela continuou. — Vou colocar mais um piercing na orelha. Tenho certeza de que a Elsa topa fazer o seu ao mesmo tempo. Daí a gente se faz companhia.
Como era possível que as coisas na vida fossem tão ambíguas? Tão dolorosamente dúbias e distintas, colocadas sempre de lados opostos na balança. Tudo o que ele mais queria era poder se aproximar dela. E se essa era a forma…
— Certo, claro. Pode ser.
abriu um sorriso, virando-se rapidamente para avisar a profissional dos novos planos. Elsa não hesitou em aceitar rapidamente - mais uma aplicação significava renda extra e ela tinha tempo suficiente para isso. Sem contar que a garota era uma cliente fiel e seria bastante útil tê-la ali para reforçar a qualidade do trabalho para que o rapaz fosse também incentivado a repetir o trabalho ou recomendá-lo aos próprios amigos. Era assim que as coisas funcionavam entre os jovens no fim das contas. A propaganda do boca a boca sempre seria a mais eficaz.
A mulher pediu que eles aguardassem por um tempinho apenas para que ela separasse os materiais e as jóias e organizasse os assentos e iluminação local.
— É o seu primeiro, né?
concordou.
— É tranquilo, de verdade - ela assegurou. — Eu estava morrendo de medo quando coloquei o meu primeiro. Mas se você disser isso para alguém, eu obviamente vou negar até a morte e dizer que você chorou feito um bebê quando colocou o seu.
Ele foi obrigado a rir, temendo que ela não precisasse exatamente mentir se decidisse dizer aquilo para os outros.
— Quantos você já colocou?
puxou os cabelos em um coque bagunçado, exibindo as orelhas repletas de adornos.
— Tem o da sobrancelha também - disse. — O do nariz. E eu tenho um no umbigo.
— É bastante coisa.
— Elsa deve colocar alguma coisa nos antissépticos. Isso acaba virando um vício, eu juro.
— Mas você ainda não colocou no lábio.
Ela deu de ombros.
— Não acho que combine exatamente com a minha imagem. Mas talvez eu coloque um na língua. Ainda estou decidindo.
— E combina com a minha?
lhe ofereceu um sorriso de canto.
— Acho que vai ficar sexy. De um jeito que dá vontade de morder. Literalmente.
De repente ele não conseguia tirar aquela imagem da cabeça. Por Deus, tudo o que ele queria era que ela o mordesse. Que fosse para o inferno o processo de cicatrização que ele sequer sabia como seria. Aquela era a sua mais nova prioridade e o simples pensamento de que aquilo pudesse acontecer havia decidido morar em sua mente.
— Vocês estão prontos? - Elsa questionou, recebendo acenos de ambos.
Por costume e facilidade, a aplicadora começou com . Em um movimento rápido e preciso, ela acrescentou uma argola incompleta que simulava os pequenos chifres de um demônio.
— Obrigada! Os cuidados de sempre?
Elsa sorriu.
— Exatamente. Você já conhece o esquema. - E virando-se para . — Podemos?
— Manda ver.
Elsa mostrou um folder com exemplos de perfurações em diferentes posições. escolheu a mais periférica, pensando que seria menos pior para aprender a se alimentar com a presença do adereço, especialmente enquanto a região estivesse edemaciada e sensível com a recusa do corpo estranho.
— Vou trazer os materiais.
E por mais que ele estivesse se borrando de medo desde o momento em que havia decidido ser suicida o suficiente para aceitar a situação, foi naquele momento que ele percebeu o que estava prestes a acontecer. A ficha finalmente caiu de que aquela agulha perfuraria sua pele, lábio, gengiva e fosse lá o que mais.
— Eu juro que não é tão ruim quanto parece - disse, sentindo a tensão óbvia no ar. — E também é tão rápido que, quando você perceber, já acabou.
— Ah, sim. Eu estou tranquilo - ele mentiu. teve a decência de não contrariá-lo.
Elsa voltou com os materiais esterilizados.
— Tenta não se mexer, ok?
Ele realmente não tinha a intenção de fazê-lo. Não estava exatamente ansioso para a possibilidade de rasgar o seu lábio até tê-lo em pedaços. Ele ficaria tão imóvel que abriria mão até mesmo da necessidade de respirar.
Quando Elsa avisou que iria finalmente realizar a perfuração, ele prendeu a respiração e teve que usar todo o seu autocontrole para não fechar os olhos com força como uma criança obrigada a realizar um exame de sangue.
Foi mesmo rápido. E doeu muito mais do que as pessoas faziam parecer que doeria. Mas passou antes que ele pudesse se arrepender de verdade.
Foram necessários apenas alguns instantes mais para que Elsa se afastasse de vez.
— Prontinho.
o olhava com um sorriso de canto.
— Como ficou?
— Sexy - ela respondeu com uma piscadela.
Elsa interrompeu seja lá o que estivesse rolando entre eles.
— , seu horário amanhã está confirmado.
— Ah, certo. Obrigada!
— Mais um piercing? - perguntou, sabendo que definitivamente não era da sua conta.
— Não dessa vez. É outra coisa.
E ela não sabia porque estava fazendo aquilo, mas continuou:
— Se quiser, pode vir amanhã às cinco. Daí eu te mostro.
E ele definitivamente não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo, mas não se importava o suficiente. Para quem já tinha um lábio perfurado e teria que explicar a novidade para a mãe, aceitar mais alguma coisa às cegas não poderia ser exatamente muito pior.
— Às cinco, então.
Deveria fazer pelo menos uns dois anos que ele não usava aquelas calças e foi uma surpresa que elas ainda servissem tão bem.
Ele não tinha o hábito de usar jeans rasgados, mas pareceu coerente tentar o risco. Combinava de alguma forma com a sensação de não fazer ideia - mais uma vez - de onde estava se metendo.
Ele esperou cinco minutos na estação de metrô, receoso de parecer emocionado demais se chegasse antes do horário marcado. Aproveitou para comprar uma garrafa de água, uma das poucas coisas que ele se forçava a colocar na boca apesar do inchaço inconveniente.
Sua mãe havia feito várias perguntas. Várias mesmo. Muitas delas haviam sido repetições por puro choque e descrença. Ele não a culpava; também não acreditava que realmente tinha feito aquilo. A imagem no espelho ainda era a de um estranho impulsivo.
No fim das contas ela se acostumaria. E ele também.
— Você veio - disse, tirando-o de seus devaneios.
sorriu como pôde com o lábio edemaciado.
— Eu disse que viria.
— Que bom que vejo mesmo. Vem, vamos entrar.
Naquele dia, quem os recebeu não foi Elsa e sim um cara cabeludo e musculoso como se tivesse decidido que morar na academia seria uma boa economia.
— Otto - cumprimentou.
— . Quem é o amigo?
— Esse é o . Ele colocou um piercing aqui ontem também.
— Ah, o garoto que Elsa achou que fosse fazer chorar. Sei.
sentiu as bochechas queimarem, dando um sorriso amarelo. riu.
— Ele aguentou bem. E ficou muito bom, não acha?
Otto o encarou com atenção.
— Desmonta um pouco a pose entediante de bom moço. Foi uma boa escolha.
— Claro que foi - ela disse rapidamente. — A ideia foi minha.
— Não me surpreende - o homem admitiu. — Vamos entrando.
seguiu , que seguia Otto. As estampas nas paredes entregavam o que se fazia por ali.
se sentou na cadeira estofada e assentiu para o homem, que pediu licença para atender uma ligação.
— Vai fazer uma tatuagem?
— Retocar na verdade - ela respondeu. Respirando profundamente, ela ergueu a manhã da camisa, expondo o ombro. Era uma pequena rosa com uma data em algarismos romanos.
— Eu não sabia que você tinha.
— Quase ninguém sabe. Eu não costumo usar roupas muito abertas no colo e também não saio mostrando para qualquer um porque sei que os números causam curiosidade e as pessoas sempre querem saber a história por trás.
Ele engoliu a própria vontade de perguntar. Se a incomodava, então ele ficaria em silêncio. Ela poderia assumir que tinha o nome dele tatuado na bunda e ele não perguntaria história nenhuma. Apenas aquiesceu, tentando demonstrar que ainda estava fazendo parte daquele diálogo, mesmo sem saber exatamente o que deveria dizer.
— A minha avó era a melhor pessoa do mundo - ela continuou por vontade própria. sentiu a postura murchar um pouco ao tomar consciência da escolha do tempo verbal no passado. — Tudo de bom que há em mim só existe por causa dela. Ela me mostrou o que era amar alguém incondicionalmente e eu tenho a consciência limpa para poder falar sem remorso que eu a amei na mesma intensidade até seu último suspiro. Até depois. Até hoje.
se sentou onde provavelmente seria o lugar ocupado por Otto. Não importava. Aquele momento de intimidade espontânea demandava proximidade. Ele hesitou ao ver a mão dela ali, pendurada como se esperasse por algo. Em um segundo de coragem, ele a apertou na dele, torcendo para que fosse o suficiente para lhe dar a força necessária para terminar aquela história.
— Ela faleceu há uns três anos. O coração já vinha dando alguns sinais de enfraquecimento e chegou o momento em que ele não aguentou mais.
— Eu sinto muito. Muito mesmo. Tenho certeza de que ela foi muito feliz com o seu amor. E, onde estiver, deve estar louca de orgulho da neta.
— Ah, sim. Ela deve estar comparecendo em pista VIP para todos os meus shows - ela concordou, com um sorriso e os olhos úmidos. — Ela amava rosas e essa é a data do aniversário.
reparou melhor nos algarismos.
— É hoje - murmurou, finalmente se dando conta.
se ajeitou melhor na cadeira, concordando.
— Por isso quis retocar agora. Uma forma de reviver a minha memória dela.
Ele concordou, sentindo o peso e a importância daquele momento. Não sabia exatamente porque estava fazendo parte daquele momento, mas estava verdadeiramente feliz por isso. De alguma forma, sua admiração pela mulher sentada em sua frente tinha conseguido aumentar ainda mais.
— Obrigado por ter compartilhado essa história comigo.
— Eu lembro de você, sabe? - disse. — Não sei porque você não falou quando nos encontramos no bar, mas eu me lembro de você. Você foi o único que não me olhou com desprezo quando a professora de literatura inglesa disse que eu era a melhor aluna que ela tinha. Pelo contrário. Você sorriu para mim.
deu de ombros, sentindo-se corar de leve.
— Eu não tinha porque ser um cuzão.
— Pois é - ela concordou. — Mas as pessoas estão pouco se fodendo para isso. Elas simplesmente são e ponto. E você parece mesmo ser um cara legal e decente. De alguma forma eu sabia que podia compartilhar essa história com você sem que virasse uma grande coisa.
— Eu nem sei o que te dizer.
Ela sorriu mais uma vez.
— Não precisa falar nada. Mas eu realmente agradeço por você ter vindo. Não é meu dia favorito para ficar sozinha.
— Nesse caso, fico feliz que você tenha me convidado.
— É. Eu também, .
Otto voltou logo e começou a fazer o seu trabalho. se manteve de mãos dadas com o tempo todo, mesmo sabendo que ela definitivamente não precisava daquilo. Parecia certo.
A agulha raspou sua pele, tornando a flor e os algarismos novamente mais nítidos. deixou uma lágrima escorrer que nada tinha a ver com a dor. Quando ela disse o seu mais sincero obrigado, sabia que parte de sua gratidão também era honrosamente dirigida a ele.
— A gente deveria sair um dia desses - foi ela quem tomou a iniciativa, esfregando mais uma vez na cara dele como ela sempre estaria mil passos a sua frente.
Mas tudo bem. Ele não era orgulhoso o suficiente para colocar tudo a perder só por isso.
— Estou totalmente livre.
— Hoje não dá. Tenho ensaio com a banda e já estou meio atrasada, na verdade. Mas marcamos outra hora, ok?
concordou. Eles trocaram celulares e se despediram com um abraço apertado que o fez quase implorar para que o tempo pudesse se estender só mais um pouco.
— Eu te ligo - ela falou antes de sumir de sua vista.
E ele sabia que esperaria a cada segundo de cada dia, mesmo duvidando muito que aquela ligação realmente fosse atingir seu celular.
— Que foi, merda? Perdeu o cu na minha cara?
— Desculpa, eu não consigo me acostumar com esse negócio na sua boca. Parece que te pescaram - respondeu.
e não disfarçaram as risadas. bufou.
— Quanta maturidade.
— Certo, certo. Onde estávamos mesmo?
— Tentando decidir um nome para a banda - respondeu.
— Eu ainda acho que ‘ e os Caras’ é uma ótima opção.
— E eu acho que a gente não precisa tanto assim de um baterista para ter que te aguentar - interveio.
— Eu gosto de Hoodies - comentou.
— Pode ser uma boa - concordou, mais por educação e falta de opções do que por realmente ter sentido que aquele era o nome correto.
— Eu tive uma ideia ontem - se manifestou. — Não sei se é boa, mas já que estamos compartilhando…
— Desembucha - mandou .
— Eu pensei em 5 Seconds of Summer.
Os quatro se encararam em completo silêncio. fingiu limpar pequenos tufos de pelo invisível das calças pretas.
— De onde você tirou isso? - perguntou, sentindo uma dor leve ao esbarrar os dentes sem querer no piercing.
deu de ombros, desviando o olhar.
— Eu sabia que não era uma ideia boa, vamos continuar pensando. Ainda temos um tempo para decidir e nada precisa ser super oficial e imutável agora, sabe? A gente sempre pode estar mudando de ideia.
— Não, cara - retrucou. — É ótima. Exatamente por isso a curiosidade.
O dar de ombros se repetiu, agora acompanhado de um olhar mais leve e contente.
— Não faço ideia. Só passou pela minha cabeça. Literalmente não tem justificativa nenhuma.
— E é exatamente assim que as melhores coisas na vida começam - se meteu. — Então é oficial. 5 Seconds of Summer vai abalar as estruturas.
— Nunca mais fala isso - pediu. — É vergonhoso.
— Ok, ok. E o que vamos tocar?
sentiu três pares de olhos atentos em si, como predadores apenas esperando qualquer movimento brusco para darem o bote. O arrependimento foi imediato. Ele deveria ter ficado quieto em vez de ficar fazendo alarde.
— O que foi?
— Não se faz de sonso - foi quem respondeu. — Cadê a música que você andou escrevendo?
— Foram duas, na verdade. Mas não estão boas. Deixa para lá.
— Não. Canta.
Essa parte pelo menos havia sido fácil de decidir. assumiu o vocal principal, mesmo que eles tivessem decidido que todos poderiam cantar. era o guitarrista principal, cuidaria da bateria e arrasaria no baixo como de costume. Todos estavam bastante satisfeitos com isso.
bufou, retirando um quadrado de papel dobrado oito vezes do bolso. Com a letra que mais parecia um rabisco, na iminência de se tornar ilegível até mesmo para seu próprio dono, em mãos, ele explicou.
— Essa foi a primeira. Chama ‘Out of My Limit’.
Enquanto cantava, batendo o pé vez ou outra contra o chão para marcar o próprio ritmo, tinha o olhar perdido. e assentiram um ao outro assim que ele terminou.
— É boa - disse. — Acho que definitivamente podemos tocar. , o que você achou?
— Ele não estava prestando atenção - disse.
— Estava, sim - retrucou e se levantou, voltando com o baixo em mãos. — , canta de novo.
— Back in high school we used to take it slow
Red lipstick on and high heel stilettos
Had a job downtown working the servo
Had me waiting in line couldn't even let go
colocou as notas no seu instrumento, encontrando uma melodia que servia de base para que a letra se assentasse de uma forma que realmente parecia fazer sentido. No fim das contas, a música havia se tornado tão dele quanto de .
Com o resultado final em mãos, os dois se entreolharam com um sorriso.
— Acho que a gente acabou de compor nossa primeira música - disse, sentindo o próprio orgulho encher o peito.
— Ficou ótima - concordou. — Só falta um solo massa na percussão.
— Ah, meu Deus, cala a boca - reclamou.
— Podemos tentar tocar com todos os instrumentos? - questionou.
Todos assentiram, encaminhando-se para o espaço aberto da garagem e se posicionando à frente da bateria de , em uma formação que parecia ser o embrião real de um grupo.
— No três? - perguntou, erguendo as baquetas. — Um, dois…
Sua contagem foi interrompida pelo toque alto do celular de , que se afastou a passos rápidos para atender a ligação.
Foram necessários apenas alguns segundos para que ele retornasse, visivelmente frustrado.
— Era a operadora - justificou.
— E nada dela ainda? - arriscou perguntar.
negou com a cabeça.
— Dela quem? - O baixista quis saber.
— Ele é a fim da - o baterista contou.
— Tipo, a ?
— Foi o que eu falei, não foi?
— Não o julgo - disse. — É praticamente impossível não se impressionar com ela. Mas a garota é, tipo, inalcançável.
— E você acha que o nome da música veio de onde? - murmurou, fazendo os outros rapazes finalmente compreenderem a razão de várias coisas pelo caminho. apenas inspirou fundo.
— A gente teve um momento legal e ela me chamou para sair - contou. — Foi ela quem tomou a iniciativa e ela quem disse que ligaria.
— Já tem uns três dias - pontuou.
— Ela é uma pessoa ocupada - tentou suavizar a situação. — Com certeza está se matando de ensaiar e não teve tempo para te ligar ainda. Só isso. Você sabe como ela é dedicada ao grupo.
— Por que você não liga para ela? - arriscou.
— Porque ela disse que ligaria - repetiu. — Foi esse o combinado. Eu não vou ficar fazendo cobranças ou marcação acirrada para parecer que estou desesperado.
— Essa cara não está ajudando muito - comentou, recebendo um olhar fuzilante do melhor amigo.
Mas o que ele poderia fazer? Tinha colocado a porcaria de um piercing, voltado a usar os jeans rasgados e até começado a porcaria de uma banda para impressioná-la. Mesmo seu cérebro enganado por quaisquer que fossem os sinais de uma paixão sabia que aquilo já era demais. Ele estava se esforçando demais e nada daquilo parecia nem perto de acabar bem se assim continuasse.
Precisava dar um tempo. Para seu próprio bem.
— Posso mostrar a segunda música antes de a gente começar a ensaiar essa? - Seu questionamento totalmente tendencioso para qualquer que fosse a oportunidade de desviar sua mente do assunto. No fundo, ele sabia que ela havia sumido e, independentemente do que fosse que eles pareciam ter iniciado naquela noite, também tinham terminado.
Os rapazes assentiram.
— Ok - ele concordou. — Essa música chama ‘Beside You’.
Ted havia feito o favor de se disponibilizar para apresentá-los naquela noite. Depois de um mês ensaiando um repertório que incluía três músicas autorais - Out of My Limit, Beside You e Unpredictable - e alguns covers selecionados por , eles finalmente haviam decidido que poderiam se arriscar a subir naquele palco e ver como funcionavam sendo, de fato, oum grupo.
— Recebam, então, , , e , o 5 Seconds of Summer.
O pessoal bateu palmas e realizou algumas exclamações conforme eles sorriam, acenavam e se posicionavam com os seus instrumentos. arrumou o microfone da bateria para a sua altura e decidiu se manifestar uma última vez antes de começarem:
— Boa noite, galera! Espero que estejam todos bem e animados para ouvir uma música. No fim do show, vamos ter uma rodada de cerveja por minha conta.
Todos comemoraram ainda mais. Seus colegas de banda riram, revirando os olhos. Nunca mais seriam convidados para tocar ali assim que o tio dele soubesse de suas promessas endividadoras.
Começaram tocando Out of My Limit. Tinham decidido que os versos combinavam bem com a voz de e ele assumiu o vocal principal naquela canção. Quando finalmente chegaram ao refrão, se aproximou do microfone, desviando os olhos da guitarra e dos lugares exatos que seus dedos encontravam nas cordas para encarar a plateia.
Seu coração quase parou quando ele a viu. As mechas azuis haviam sido substituídas por um verde forte. O piercing na sobrancelha parecia ainda mais destacado pela quantidade de lápis preto esfumado ao redor dos olhos.
Não era miragem ou alucinação. estava bem ali, na primeira fila de seu primeiro show, olhando-o de uma forma penetrante e quase feroz que ele não esperaria nem em seus sonhos mais loucos.
— You're just a little bit out of my limit
It's been two years now you haven't even seen the best of me
And in my mind now I've been over this a thousand times
But it's almost over
Let's start over
A plateia aplaudiu o fim do primeiro refrão, reagindo positivamente à sensação da música ecoando pelo salão. não tirou os olhos dele por um segundo sequer e ele não ousou quebrar a conexão visual criada quando cantou:
— 'Cause I never wanna be that guy
Who doesn't even get a taste
No more having to chase
To win that prize
fez um movimento rápido com a mão, rodando a guitarra ao redor de seu corpo, levando o público à loucura. Eles estavam extasiados com cada micrograma de reação das pessoas presentes. O show da escola não chegava sequer aos pés daquilo. Ali, sim, a cada música que performaram, eles se sentiram estrelas do rock.
— Let's do something new and unpredictable - cantaram pela última vez, recebendo os aplausos vorazes enquanto se inclinavam para agradecer pela presença e pela atenção. Mais que tudo, agradeciam cada um dos completos desconhecidos por terem permitido que eles sentissem aquela adrenalina feroz sendo bombeada por cada uma de suas artérias e veias.
Poucas coisas na vida davam a mesma sensação efusiva que parecia pipocar por todas as vísceras como ouvir rock sendo tocado ao vivo por alguém que era realmente apaixonado por aquilo. Era essa a opinião de e continuaria sendo. Agora, contudo, ele acrescentaria à sua ideia que nada era melhor do que tocar ao vivo quando se é apaixonado por aquilo. Porque era exatamente isso que eles eram. E aquela ideia repentina que tinha absolutamente tudo a seu favor para dar completamente errado não poderia ter dado mais certo.
anunciou no microfone um lembrete sobre a rodada grátis no bar - como se alguém ali realmente precisasse ser lembrado da possibilidade de gratuidade de uma bebida. Os quatro organizaram os instrumentos e desceram do palco, recebendo os cumprimentos e elogios das pessoas enquanto encontravam seu caminho em direção à hidratação alcoólica que Ted lhes ofereceria.
— Ao 5SOS - brindou, recebendo em seguida o impacto das garrafas dos amigos contra a sua.
— Grande show - a voz feminina soou perto deles, com um sorrisinho. — Com certeza alguma pessoa incrivelmente sábia deve ter que receber algum crédito por ter sugerido que vocês tocassem.
— Não conheço ninguém assim - comentou, recebendo um tapa na nuca.
— O que você quer dizer é: , muito obrigado por ser tão incrível, perfeita e estar certa em absolutamente tudo. E eu digo de nada - ela completou.
— Acho que tem alguém mexendo na sua bateria - disse, fazendo se virar instantaneamente, já sentindo o sangue ferver nos olhos.
— Filho da puta. Onde?
— Daqui está ruim de ver - comentou, entendendo a postura do baixista. — Vamos lá rapidinho.
— Eu não estou vendo nada - disse, ainda esticando o corpo a fim de ver quem era o desgraçado mexendo no que não devia.
— Eu disse vamos lá rapidinho - repetiu, arrastando o baterista para longe e sendo seguido por .
deu uma risada, enquanto balançava a cabeça.
— Seus amigos são super discretos.
sorriu.
— Você nem imagina.
Ela se sentou ao lado dele, olhando para frente em vez de encará-lo nos olhos. Por mais que ele quisesse encará-la com a mesma atenção de minutos atrás, o fato de perceber que ela estava constrangida a fez, de alguma forma, parecer mais humana. não queria vê-la incomodada, mas, de alguma forma, ficava feliz que ela percebesse que podia ter momentos de muralhas derrubadas perto dele.
— Escuta, eu sei que não liguei - começou. — Me desculpa. Mesmo.
— Não tem problema. Acontece.
— Não, não acontece. Foi vacilo meu. Eu fiquei atolada naquela semana e depois já tinha passado esse tempo e pensei que seria escroto ligar. Não sei o porquê. Só pensei.
— Nunca vai ser escroto me ligar. Eu te dei meu número para isso, não foi?
aquiesceu.
— Daí eu vi os anúncios que 5 Seconds of Summer tocaria hoje e precisei vir para ver com os meus próprios olhos. Ótimo nome por sinal.
Ele sorriu.
— Foi ideia do .
— Qual foi a inspiração?
— Ninguém sabe - ele admitiu. — Nem ele. Acho que isso só fez o nome ser ainda mais legal.
— Realmente. E as músicas?
— Eu compus com o . Trabalhamos bem juntos. Bem melhor do que eu poderia esperar.
Ela concordou com a cabeça mais uma vez. soube que aquela pergunta tinha uma finalidade clara: confirmar que a música era para ela. E era. Praticamente tudo o que ele escrevia ou pensava em escrever, de alguma forma, voltava a ser sobre ela.
— Não sabe como eu fico feliz de saber que vocês aceitaram minha sugestão e realmente levaram isso para frente. Vocês são muito bons. Vão fazer um puta sucesso.
deu uma risada envergonhada, enquanto bebia outro gole da sua cerveja.
— Não é para tanto.
— Agora. Mas vai ser. Eu estou sempre certa, lembra?
— Você não me deixa esquecer.
Ela deu um daqueles sorrisos de canto que simplesmente acabavam com ele.
— Quero estar certa sobre mais uma coisa, então.
— Qual?
— Quero estar certa em achar que você ainda vai aceitar sair para jantar comigo.
Ele sentiu alguma coisa se revirando contente em seu estômago e tinha quase certeza de que não era o álcool.
— É só me ligar - respondeu.
moveu a cabeça de cima para baixo, antes de se aproximar de uma só vez e pegá-lo de surpresa ao selar seus lábios rapidamente.
— Dessa vez eu vou ligar mesmo.
FIM
Nota da autora: SHE'S SO OUT OF REACH
Como sempre, mais um ficstape e não choca absolutamente ninguém.
Espero que tenham gostado dela, mesmo sendo curtinha.
Para mais informações sobre minhas histórias e atualizações, entrem no grupo do face e/ou do whatsapp
UM BEIJO E UM QUEIJO!
Caixinha de comentários: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
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02. Blow Me (One Last Kiss)
02. cardigan
02. Dance Again
02. Don't Let It Break Your Heart
02. Stitches
03. Dear Patience
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. All of Me
06. Consequences
06. Falling
06. If I Could Fly
06. Love Maze
07. Bossa
07. If Walls Could Talk
08. American Boy
08. Answer: Love Myself
08. No Goodbyes
09. When You Look Me In The Eyes
10. Is it Me
10. Simple Song
10. Trust
11. Boys Will Be Boys
11. Nós
11. Robot
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. They Don't Know About Us
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. False God
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
14. Tonight
14. When You're Ready
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
Evermore
MV: deja vu
MV: Golden
MV: Miracle
Not Over
Señorita
Wallfower
Como sempre, mais um ficstape e não choca absolutamente ninguém.
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