Última atualização: Fanfic finalizada.

Capítulo Único

O vento gélido da noite ricocheteou nos longos cabelos embaraçados que cobriam o rosto dela a cada rajada, mas não parecia ligar enquanto dançava no ritmo da música que tocava de algum carro mais à frente. Um riso escapou pelos lábios dela quando quase tropeçou nos próprios pés e abriu os braços, erguendo o rosto para a noite escura e muito estrelada de um dos piores bairros da cidade.
Apesar de por fora aparentar diversão para qualquer um que a visse bebendo e rindo, por dentro estava tão quebrada que se não estivesse rindo, sabia que iria chorar o tanto que não conseguiu nos últimos meses e ela não queria quebrar assim.
— Você sabe que está dançando em um túmulo, não sabe?
A voz quebrou a bolha onde ela tinha se colocado e olhou para frente, para quem tinha falado, para a voz que se tornou tão familiar nos últimos meses. O local não era exatamente um cemitério, apenas o terreno ao lado de uma igreja em ruínas, onde algumas sepulturas de religiosos que foram notáveis há alguns séculos estava. Ela deu de ombros, soltando um grito e dando mais um giro que a fez gargalhar mais intensamente.
— O dono está morto demais pra se importar — retrucou, lambendo o lábio inferior. — Estou tirando a poeira pra ele.
O recém-chegado soltou um riso rouco, nem um pouco animado. Ele estava contra a luz da imensa fogueira mais atrás que tinham feito no meio do terreno, mas o cabelo que batia nos ombros soprava para trás com o vento e ela sabia que ele estava usando a jaqueta de couro que ficava tão bem nele.
— Dançar na cova de um religioso não pode cair bem para você — ele rebateu, dando alguns passos mais para frente.
— Eu estou indo para o inferno de qualquer jeito, então por que não dançar com o diabo? — levou o gargalo da garrafa de vodca barata aos lábios e tomou um gole generoso, quase se engasgando.
— O inferno vai esperar a hora dele, agora você vai pra casa comigo.
ergueu uma sobrancelha, descrente da ordem implícita na voz dele. Ela estalou a língua no céu da boca, balançando a cabeça em negação e pulou de cima do túmulo para o gramado seco. Segurou com mais firmeza a garrafa de bebida quando se aproximou do homem, que continuava calmo e impassível com as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta cara.
— E o que te faz pensar isso? — perguntou, ficando de frente para ele.
— Eu — respondeu na mesma calma insuportável — não vou te deixar aqui com um bando de drogados, .
— Eles são uma boa companhia, . — Ergueu o queixo para encará-lo nos olhos. — E você não é meu pai.
— Você não precisa desse tipo de boa companhia — debochou, o olhar se tornando ainda mais escuro. — E não, não sou seu pai, mas sou alguém que se preocupa com você.
— Ah, por favor! — Revirou os olhos, descrente. — Vai embora, .
— Você pode não acreditar, mas, sim, eu me preocupo com você a ponto de seguir o rastro da sua amiga até te achar bebendo vodca barata em um cemitério — falou, tirando a garrafa da mão dela para ler o nome. — E com um grupo que pode acabar com alguém em overdose até o amanhecer.
bufou, arrancando a garrafa da mão dele novamente. e ela não eram amigos, na verdade a relação deles era uma bela bagunça. Ele era melhor amigo do irmão dela há tanto tempo que ela não lembrava de já ter vivido uma vida sem , mas com a diferença de oito anos entre os dois, nunca tinham se aproximado até a morte de , irmão de , há exatamente um ano. Ela havia aparecido na porta dele no meio de uma tempestade às duas da manhã, pedindo abrigo porque não suportava ficar no apartamento que tinha dividido com o irmão e moravam juntos há meses.
Desde então, os dois tinham formado um laço estranho e indefinido. Não eram amigos, mas também não eram desconhecidos. Jantavam juntos às vezes, sentavam para assistir os documentários sobre crimes reais que ambos gostavam e gostava de pintar na varanda enquanto tocava piano na sala de vez em quando. O mais importante é que os dois compartilhavam a dor pela perda da mesma pessoa e ainda abordavam o tópico com cuidado.
— Você não pode me deixar ser apenas imprudente por hoje? — ela perguntou, cansada demais pra brigar, mas pronta para isso. — Eu sempre chego em casa viva, não levo ninguém lá e não deixo bagunça.
— Eu estou tentando te ajudar. — pegou de volta a garrafa, arremessando o frasco bem longe, enquanto ainda encarava . — E isso inclui não te deixar sozinha, dançando em uma cova no meio da noite.
O olhar incrédulo dela seguiu a garrafa espatifada e depois voltou para o rosto sereno de . Ela simplesmente odiava como ele parecia pacífico e calmo, não importava a situação.
— Eu sei me cuidar! — esbravejou, empurrando o peito dele com as duas mãos. — Não preciso de babá.
— Mas se não está se cuidando, eu vou cuidar de você, suspirou, cambaleando com o empurrão dela. — Não porque eu gosto de perseguir mulheres imprudentes no meio da noite, mas porque eu tenho a maldita necessidade de te ajudar a passar por isso.
— Por quê? Por que você não pode simplesmente me deixar afundar na minha miséria? — rosnou, continuando a empurrá-lo para trás, socando o peito largo do homem na sua frente. — Eu preciso disso.
— Porque eu conheço você o suficiente para saber que essa não é você. — Ele segurou os pulsos dela com firmeza, mas não o suficiente para machucá-la. — E conheço o seu irmão o bastante para saber que ele não iria querer te ver assim, ainda mais por ele.
— Bom, ele está morto demais para me ver... — Ela riu com pesar, nem mesmo lutando contra o aperto dele mais.
— Ele está morto, mas você está aqui e é seu dever viver tão bem quanto ele queria que você tivesse vivido, . — Puxando-a mais para perto, baixou o olhar até os olhos atormentados da mulher na sua frente. — E não só por ele, mas por você, porque você merece o melhor, não o fundo do poço, cheio de drogas e álcool que você se enfiou.
O brilho das chamas da fogueira iluminava os olhos claros de , tanto que pareciam estar em chamas com uma dor tão intensa quanto a dela. Às vezes ela esquecia que também havia perdido seu irmão para o câncer que tomou conta dele durante o ano passado, um estágio avançado demais quando descoberto. vinha tentando lidar com a notícia desde o momento que soube, mas não chegou nem perto de estar preparada para perder a última família que lhe restara. E, depois disso, ela havia conseguido se afastar de todos os amigos possíveis, se afundando ainda mais na própria miséria.
— Se eu parar com isso, eu vou sentir tudo de novo. — Piscou os longos cílios, sentindo os olhos encherem de lágrimas. — Eu não aguento mais sentir isso, , eu só preciso esquecer.
— Esse êxtase momentâneo só te ajuda por um momento. — Ele umedeceu os lábios. — Não vai te ajudar a esquecer, você já devia ter percebido isso.
— E quando fica mais fácil? — sua voz falhou, se rendendo ao choro que arduamente tentou conter. — Porque fez um ano e eu ainda não consigo entrar na minha própria casa, .
— Você vai aprender a viver com o buraco que a falta dele te deixou — sussurrou, soltando os pulsos dela lentamente. — E não é fácil, especialmente em dias como esse, mas você aprende a viver com isso sem se destruir no processo. Você perdeu a pessoa mais importante da sua vida, mas precisa se reencontrar sem ele, .
Com a respiração pesada, as lágrimas borrando o rímel e o coração partido em mil pedaços, não pensou duas vezes antes de abraçar o homem na sua frente e, em resposta, ele envolveu os braços ao redor dela imediatamente. Afundando o rosto na curva do pescoço dele, deixou as lágrimas caírem e os soluços quebrarem o silêncio instaurado entre os dois, mesmo com os gritos e a música ao redor. Nesse momento, onde compartilhava dor semelhante com a pessoa em seus braços, também se permitiu sentir a falta que o melhor amigo seguia fazendo em sua vida desde o momento em que partiu.
Se fosse ser sincero consigo mesmo, era um grande hipócrita ao aconselhar quando nem ele mesmo tinha aprendido a lidar direito com o luto ainda. Ela já tinha perdido os pais quando era criança, mas era jovem demais para sentir demais a dor por eles. sempre admirou a força do melhor amigo por tudo que suportou pela irmã e como lidou tão fácil com a morte dos pais, mas agora ele entendia que só era bom em esconder a dor, como o próprio vinha fazendo. Eram quase como irmãos e nunca experimentou a dor de perder alguém tão próximo até ele.
chorou no ombro dele até que sentiu o peso aliviar o suficiente para que os soluços cessassem e ela pudesse se soltar do abraço com um pouco mais de dignidade mesmo com os olhos vermelhos e as bochechas manchadas com o rastro do rímel. Felizmente, a jaqueta não teria danos permanentes com a mancha da maquiagem.
— Podemos ir para casa? — ele perguntou suavemente.
Assentindo, ela saiu na frente, envergonhada demais para olhar para ele, e também não puxou conversa. Caminharam em silêncio até o carro e o silêncio permaneceu durante o percurso todo até o prédio de na área nobre de Seattle. Deixando o carro no estacionamento, subiram sozinhos no elevador, cada um em uma parede oposta. Mesmo que fosse tão tarde, nenhum dos dois estava com sono no momento.
— Aceita uma bebida agora? — perguntou, recostando-se na parede.
— Com certeza. — nem precisou pensar duas vezes. — Sem quebrar a garrafa dessa vez, por favor.
soltou um riso nasalado, olhando para os próprios pés.
— Vou fazer o meu melhor — brincou.
As portas do elevador se abriram no andar e as luzes do corredor se acenderam automaticamente à medida que chegavam mais perto da porta. nem tentou procurar as próprias chaves, se sentia tonta demais para procurar alguma coisa que a fizesse abaixar a cabeça. acendeu as luzes da sala ao passar e fechou a porta quando entrou. Deixando as botas sujas no tapete, ela nem tirou o casaco quando se dirigiu até a varanda.
— Whisky? — ele perguntou, parando em frente ao armário para pegar os copos.
— Com gelo, por favor — pediu, se encolhendo em uma das confortáveis cadeiras da varanda. — E duplo.
soltou um som que parecia uma afirmação e voltou o olhar para a vista imponente à sua frente. Ela ainda preferia observar as estrelas, mas tinha algo muito especial em observar a cidade tão iluminada enquanto os outros dormiam. Quando tinha insônia, ela e o irmão acordavam para fumar um beck no telhado do antigo prédio, enquanto falavam o quanto amavam a cidade.
— Fiz um triplo por via das dúvidas.
A voz dele a puxou de volta para o presente e esboçou um sorriso ao pegar o copo da mão dele. se sentou no espaço ao lado dela no sofá de jardim, apoiando os pés na mesa de centro na frente deles.
— Obrigada — agradeceu.
— Não vai agradecer amanhã quando estiver com ressaca. — ergueu o copo na direção dela. — Esse é um dos fortes.
— É exatamente o que eu estou precisando. — bateu o copo de cristal levemente contra o de .
— Eu ainda não acredito que já faz um ano que o perdermos. — Ele bebeu um gole do whisky, o olhar perdido nas luzes da cidade à frente deles.
— Ainda parece que ele está fazendo aquelas viagens longas, mas que um dia vou vê-lo passar pela porta. — girou o copo de bebida na mão, observando com desinteresse o líquido balançar. — Só que a verdade é que eu não vou.
— Eu sei — suspirou, balançando a cabeça levemente. — A vida é uma grande bosta.
ficou quieta por um tempo e não fez questão de falar. Beberam em silêncio por alguns minutos, se beneficiando apenas com a presença do outro ali, ambos lidando com a dor que essa data lhes trazia. Para , em especial, era ainda mais difícil. tinha sido pai, amigo e irmão em uma só pessoa, o único em quem ela confiava cegamente.
— Eu devia ter aprendido a lidar com a morte dele, não é? Quer dizer, as pessoas que eu conheço não pararam suas vidas com a morte de alguém próximo, então eu não devia já ter superado? Ou ficado mais fácil? — Bebeu um gole do whisky, apreciando o gosto amargo da bebida na língua.
— As pessoas lidam de forma diferente com o luto — justificou. — Algumas fingem muito bem estarem bem, outras realmente se adaptam mais fácil... Mas outras, como você, tem um tempo mais difícil quando se veem sem alguém que tanto amam.
— Eu tentei me preparar no momento que ele soube, mas, mesmo assim, cá estou eu. — Soltou uma risada sem graça alguma, fechando os olhos por um momento. — Eu estou com tanto medo de encarar a verdade, ... Que eu estou sozinha agora.
— Mas não está, !
Deixando o copo de lado, girou o corpo para ficar de frente para ela e então segurou seu rosto entre as mãos com uma delicadeza que não parecia muito com ele. Os olhos escuros da mulher se fixaram nele, surpresa por isso. Tirando abraços de conforto, eles nunca tinham se tocado assim e com tanta proximidade. Se já não estivesse vendo tudo girar pela bebida, esse seria o momento que sua mente começaria a rodar.
— Olha, eu sei que eu não chego nem perto de ser o que o seu irmão era pra você, mas espero que você saiba que não está sozinha, , porque eu não vou te deixar sozinha. Não só porque o pediu pra tomar conta de você, mas porque você é importante pra mim. — Os olhos dele brilhavam com tanta intensidade que se sentiu perdida naquele azul. — Você pode estar quebrada pela morte dele, mas eu ainda estou aqui pra te ajudar a passar por isso. Não diga que está sozinha porque nem se você quisesse, eu te deixaria.
não percebeu que estava segurando a respiração até que ficou insuportável demais e ela soltou todo o ar que inconscientemente prendeu, absorta demais nas palavras de . Naquele momento, depois de meses se sentindo vazia, sozinha e quebrada, ela finalmente viu uma ponta de esperança em voltar a ser a pessoa que era antes da doença do seu irmão ir matando-a aos poucos também.
— Obrigada — murmurou, sem a mínima ideia do que mais poderia falar.
E para sua surpresa maior ainda, se inclinou e a beijou na testa com um toque tão carinhoso que fez o estômago dela se agitar.
— Não por isso. — Ele sorriu, voltando para o próprio lugar e descendo o resto do whisky em um único gole.
sentiu a necessidade de fazer o mesmo.


— Ela gosta de você!
ignorou o comentário, aumentando o passo da corrida e disparando na frente, mas não aceitou derrota e acelerou atrás dele. Os dois vinham correndo juntos de manhã desde o aniversário da morte de há três semanas e a atividade os aproximou o suficiente para que pudesse fazer piada sobre uma das mulheres que sempre apareciam para correr no mesmo horário que ele e que não pareciam muito felizes ao verem a nova acompanhante dele.
— Você está vendo coisa onde não tem — cortou, mantendo o foco na trilha à sua frente.
— Ela te chamou pra um café depois da corrida, então não, não estou vendo coisa. — riu, ofegante. — Você gosta dela? Ela é linda.
— Sim, ela é. — Ele não podia negar isso. — Mas não estou interessado.
— Por que não? — insistiu, a voz mal saindo pelo esforço em acompanhar .
Mas simplesmente a ignorou e disparou na frente, fazendo grunhir de frustração, pois tinha começado a sentir as pontadas irritantes de dor na barriga que eram frequentes quando corria, já que ela era péssima em controlar sua respiração e a postura durante a corrida.
! — ela gritou, parando de correr aos poucos. — Eu acho que vou desmaiar.
Ele parou imediatamente, virando para confirmar se não estava sendo zoado. , que tinha aprendido a implicar com ele, cambaleou para trás e fingiu estar zonza, colando a mão na cabeça. disparou de volta até onde ela estava e envolveu um braço ao redor de no momento que ela fechou os olhos e fingiu desmaiar.
! — ele chamou, apavorado.
Ela segurou a vontade de rir quando ele a pegou no colo com tamanha facilidade, já acelerando o passo até a saída do parque ambiental onde haviam ido correr, mas, como ela não conseguia ficar séria por muito tempo, logo deixou um riso estrangulado escapar. parou na mesma hora, incrédulo demais.
— Eu não acredito que você fingiu desmaiar!
— Desculpa. — Ela riu, nem um pouco culpada. — Eu estava com dor, você ia me deixar pra trás como sempre.
— O que eu faço com você, hein? — suspirou, olhando para o rosto vermelho da mulher em seu colo.
— Pode começar fazendo café da manhã. — Ela piscou, sorrindo alegremente. — É sábado e eu vim correr com você, acho que mereço.
— Só se você não falar mais na Georgina — fez a contraproposta.
— E se eu te ajudar a fazer o café da manhã, aí a gente fala um pouquinho sobre ela? — sugeriu, gostando muito mais dessa alternativa.
— Por que precisamos falar da Georgina?
— Porque ela é bonita e tá te dando mole — explicou, apoiando um braço no ombro dele. — A menos que você esteja interessado em outra pessoa.
— Bem, eu estou interessado em outra pessoa — ele nem hesitou em responder.
piscou lentamente, processando a informação e achando muito estranha a pontada de... Nem mesmo sabia o que era tinha a atingido ao saber que ele estava interessado em outra pessoa. E se não sabia o que a tinha atingido, muito menos ainda o porquê de ter se sentido assim.
— Vai me falar sobre essa pessoa então? — ela perguntou.
— Só se você me acompanhar nesse último quilômetro — desafiou, a colocando delicadamente no chão.
— Isso é injusto! — reclamou, segurando na lateral da barriga onde sentia a dor.
— Já falei para arrumar a postura e parar de respirar pela boca enquanto corre. — Ele riu, caminhando de costas enquanto falava com ela. — Vai ter essas dores sempre se não aprender essas coisas.
, por favor! — choramingou, observando-o se distanciar cada vez mais.
— Te encontro no carro, . — Ele acenou, dando as costas para ela e retomando o ritmo tranquilo da corrida.
Com um chiado que podia muito bem ser de um urso machucado, respirou fundo e foi caminhando atrás do rastro de poeira deixado por . Ela corria com o irmão há anos, mas nunca tinha conseguido se acostumar, preferindo muito mais uma boa aula de spinning na academia ou uma trilha de bicicleta. Corria para fazer a vontade de de companhia e apesar de quase sempre ser divertido, ela odiava. Aqui, olhando as árvores altas e o mesmo caminho íngreme onde corria com ele, ela desejou poder ter de volta os momentos que antes abominava.
— Não, sem choro, , sem choro... — repetiu para si mesma, piscando os olhos com rapidez para secar as lágrimas que a memória fez surgir.
Quando chegou ao estacionamento do parque, a esperava sentado no capô do carro com os óculos escuros no rosto, exalando a aura de modelo que cada poro dele tinha e atraindo os olhares de um grupo de adolescentes sentadas em um canto do parque, próximo ao carro.
— Chegou cedo pra amanhã — zombou, abrindo um sorriso descontraído.
— Ah, cala a boca. — Revirou os olhos, passando direto por ele até a porta do passageiro.
— Então, ovos mexidos ou bacon? — perguntou, entrando na porta do motorista.
— Ovos mexidos com panqueca — decretou, botando o cinto de segurança. — E panqueca doce também.
— Ninguém nunca te disse que comer tanto açúcar pode te deixar com diabetes? — Arqueou uma sobrancelha. — Porque você come mais açúcar em um dia do que uma pessoa normal deveria.
— Até dizem — admitiu, sorrindo enviesada. — Mas eu prefiro ignorar o que não me convém.
— Você é igual ao seu irmão nesse quesito — acusou.
— Quem você acha que me ensinou?
Com um último olhar para a passageira insolente ao seu lado, ele engatou a ré para sair do estacionamento e seguiram direto para casa em meio a conversas, risadas e provocações. Alguma coisa tinha mudado entre eles durante a conversa de três semanas atrás e ambos estavam gostando mais do que achavam que devia, o que era um grande problema para , que não queria se aproveitar da vulnerabilidade de nesse momento.
— Como vai a preparação para sua exposição? Saindo alguma coisa? — perguntou, olhando-a de relance.
— Não estou nos meus melhores dias — disse, se inclinando levemente para o lado. — Preciso terminar os três quadros em duas semanas, mas não estou conseguindo pintar nada.
— Tenho certeza de que você vai conseguir até lá — tentou encorajá-la, mas recebeu um olhar de pura descrença. — Ah, qual é! Tenha fé.
— Eu estou indo hoje à tarde para uma exposição para ver se me ajuda — acrescentou, mordendo o canto da boca. — Eu adoraria companhia se você estiver interessado.
ponderou por um momento, lembrando dos projetos que queria adiantar durante a tarde, mas, mesmo com sua mente lhe falando para ficar em casa e terminar um desses projetos, o que ele resolveu foi o exato oposto.
— Vou adorar — afirmou, recebendo um sorriso em resposta.
No resto do caminho, contou sobre a exposição e seus olhos brilharam tanto com a empolgação dela que não conseguiu parar de sorrir ao se sentir contagiado por isso. Ele gostava de vê-la assim, do brilho e do sorriso que não tinham sido tão constantes nos últimos meses, mas que eram a marca registrada dela desde que a conhecia.
E, para a própria surpresa, ele notou que vivia por esses sorrisos nas últimas semanas.


fechou a porta da casa atrás de si e encarou a sala de estar empoeirada por um momento. Tudo estava no mesmo lugar, mas meses de poeira cobriam o chão de madeira e os móveis da sala. As cortinas estavam fechadas e as plantas mortas, resultado de meses esquecidas sem luz ou água. Ela não pisava ali há seis meses, desde que foi morar com , mas sabia que já estava na hora de tomar coragem para enfrentar o lugar.
Porém, por enquanto, sua missão ali era apenas uma: Pegar a carta que seu irmão havia a deixado e que ela nunca teve coragem de abrir. Subiu as escadas até o corredor dos quartos e passou pela porta fechada do seu próprio, seguindo em direção ao de no fim do corredor. Sua mão travou na maçaneta, mas, reunindo toda coragem que ainda lhe restava, respirou fundo e entrou. O cômodo permanecia o mesmo, ela não sabia o que esperava encontrar de diferente ali.
A parede em frente à cama ainda tinha o painel com fotos de com os amigos, nas viagens que ele adorava fazer e a grande maioria com a própria . O ursinho que ela lhe dera no Dia dos Pais, há mais de 10 anos, também na prateleira e todos os desenhos da infância ainda estavam colados na porta do closet. O quarto seguia o mesmo, mas ela não sentia mais o perfume familiar do irmão, nem o conforto de estar ali, como também era costume.
— Só pega as cartas e sai, — falou consigo mesma, correndo o olhar pelo quarto até encontrar os envelopes que ela havia ignorado quando o advogado de lhe entregou.
As duas cartas endereçadas a ela e estavam na escrivaninha onde ela havia deixado meses atrás, mas, diferente do que esperava fazer, não sentiu o ímpeto de sair correndo assim que segurou os envelopes, mas de abrir ali mesmo o seu. Sentou-se na cama do irmão e fitou por tempo indeterminado seu nome escrito na caligrafia bagunçada de , sorrindo triste por sentir falta até de decifrar o que ele escrevia.
— Arranca logo o band-aid. — Arrancando o lacre do envelope, ela retirou a folha de dentro, que estava cuidadosamente dobrada.

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Eu sinto muito por não conseguir te falar isso pessoalmente, mas nós dois sabemos que você nunca me deixaria terminar de falar, não é? Nem eu sei se conseguiria falar. Acontece que estar morrendo não me tornou mais forte ou sábio, ainda sou seu irmão que se embola em discursos, que chora quando te vê chorar e que não queria te deixar sozinha tão cedo, então é mais seguro para nós dois que eu esteja escrevendo.
Primeiro, quero deixar claro que você não pode deixar a minha morte te consumir. Você pode sentir minha falta, chorar um pouquinho e lamentar não ver mais meu rosto bonito sempre que quiser, mas não deixe que seja para sempre, irmãzinha. Seu sorriso é bonito demais para apagar assim e se de fato existir um céu — e se eu for apto para chegar até ele —, quero vê-la sorrindo assim, pois garanto que sua felicidade vai ser minha última lembrança quando meus olhos se fecharem.
Você foi minha irmã, melhor amiga, confidente e filha, eu acho. Eu gostaria de poder ter sido apenas seu irmão, mas nunca tivemos essa oportunidade, não é? Mas não me arrependo de nenhuma das escolhas que fiz por você, nem de termos sido uma família de dois por esses longos onze anos. Eu sinto falta dos nossos pais todos os dias e queria que eles tivessem tido tanta sorte quanto eu em ver você se tornar a mulher incrível que é hoje. Queria também ter a chance de te levar ao altar, de ameaçar o indivíduo que conseguiu laçar seu coração teimoso e ensinar seus filhos a comer tanto doce quanto nós dois, mas o destino tinha outros planos para nossa família imperfeita.
Eu senti raiva a princípio, achei injusto morrer no auge dos meus 29 anos, mas decidi que morrer guardando rancor não é algo que eu queria. Eu aproveitei muito os meus limitados anos de vida e não me arrependo de nenhuma ressaca, nem de nenhuma maratona de Star Wars que fizemos nas noites de Natal, quando minhas namoradas insistiam para passarmos nas casas delas. E eu espero que você, assim como eu, também aproveite a sua longa vida da melhor forma que puder, irmãzinha. Faça loucuras, pinte o cabelo de verde como você queria aos 14 anos, faça a tatuagem ridícula do Keanu Reeves na sua bunda, case em Las Vegas como sempre disse que queria...
Mas viva, . Viva por você, não porque eu estou te pedindo — embora negar o desejo de um morto possa vir a te trazer um karma do caralho —, enfim, viva. Não deixe a tristeza te consumir e não acredite por um minuto que você está sozinha, porque eu sempre estarei com você. Somos sangue do mesmo sangue, carne da mesma carne, mas, além disso, nossas almas estão conectadas pela eternidade. Somos um só, lembra? Nos tornamos um só no dia que fizemos o juramento de dedinho no seu aniversário de 10 anos.
Eu não sou de escrever muito, nem sei se você vai entender metade dessa carta, mas eu termino por aqui. Você vai chegar daqui a pouco pra me visitar no hospital e provavelmente contrabandeado os muffins de chocolate da padaria da esquina. Eu vou sentir sua falta, mas te espero para contar as histórias da sua vida quando estiver bem velhinha, beleza? Eu não acho que te disse o suficiente, mas você é tudo para mim e eu te desejo toda a felicidade do mundo, .
Eu te amo, irmã.


Com as lágrimas borrando sua visão, mal sabia como conseguiu terminar de ler a carta antes de explodir em uma mistura de lágrimas e soluços que sacudiram seu corpo com força. Abraçando a carta, se deixou cair de costas no colchão, sentindo tanta falta das pequenas coisas relembradas nela que por um momento seus pulmões pareceram prestes a explodir com falta de ar. A dor era tão intensa que lhe consumia de dentro pra fora. A maior parte era saudade pelo que nunca poderiam viver e toda a angústia que tentou ignorar nos primeiros meses. Descarregou tudo ali, abraçando um travesseiro empoeirado que já não tinha o cheiro de quem um dia tinha dormido ali.
Não viu a hora passar, nem a tarde virar noite, nem a noite virar madrugada. Quando as lágrimas cessaram, quando os soluços diminuíram e os olhos pesaram, sentiu o peso dos últimos meses sendo aliviados seus ombros e o coração aquecido pelas palavras que releu dezenas de vezes até cansar. Finalmente se rendendo ao cansaço, quando seus olhos fecharam, pela primeira vez em meses, ela se sentiu em paz.
Pela primeira vez em meses, sentiu novamente o amor que pensou ter perdido quando morreu.


estava prestes a abrir um buraco no chão da sala de tanto andar de um lado para outro, enquanto checava o celular, esperando notícias de , que havia sumido na tarde passada e nem ao menos recebia mensagens. Ele devia estar indo para o trabalho a essa hora, mas estava a um minuto de ligar alegando estar doente e ir procurar , pois estava temendo o pior: Que ela tivesse tido uma recaída e ido parar em um lugar semelhante à igreja onde a encontrou há um mês.
O som da maçaneta girando fez com que ele se aproximasse da porta a passos largos, parando diante da soleira no momento que entrou. Seus olhos estavam inchados, o cabelo em uma trança desgrenhada e a roupa amassada, mas nada que indicasse uma noite de bebedeira.
— Ei — ele a cumprimentou, esperando que ela fosse a primeira a falar.
— Oi. — fechou a porta, caminhando até parar a poucos passos de . — Desculpa se eu te preocupei, tá? Eu fui em casa e acabei perdendo a noção do tempo. Estava tão cansada que dormi lá e meu celular descarregou, então não pude nem te mandar uma mensagem.
— Você conseguiu dormir lá? — perguntou, não escondendo a surpresa em seu olhar.
— Não antes de chorar até desidratar, acredite. — Sorriu, balançando o envelope lacrado. — Eu devia ter te entregado isso quando recebi a minha, mas não consegui. Desculpa... Eu, abri a minha ontem.
olhou para o envelope lacrado com a caligrafia que conhecia muito bem e pego o pedaço de papel, fitando seu nome escrito no alto. Ele voltou a olhar para , que não parecia abalada após a noite anterior — na verdade, alguma coisa nela estava certa novamente.
— E como você lidou com isso? — Ele ficou curioso.
— Eu chorei, depois chorei mais, depois odiei a vida e senti muita falta — murmurou, desviando o olhar para a tatuagem de pássaros no próprio pulso. — E depois, de alguma forma, tudo pareceu mais leve. Acho que eu precisava ter esse último contato para dizer adeus, coisa que eu não me permiti antes.
Ela sorriu e, naquele sorriso, sentiu a sinceridade que ele raramente sentia nela quando o assunto era como estava lidando com a morte de . O coração dele bateu aliviado no peito, um misto de felicidade e orgulho pela mulher na sua frente, mas também apertou ao pensar no que o melhor amigo poderia ter escrito para ele.
— Acho que eu vou ler mais tarde quando chegar do trabalho — falou, mais para si, do que para . — Já estou atrasado.
— Tudo bem — assentiu, indicando a porta do quarto. — Acho que eu preciso de um banho também.
— A gente se vê mais tarde.
— Até mais tarde.
A última coisa que conseguiu foi se concentrar no trabalho depois da carta que tinha revelado. Qualquer menção ao melhor amigo ainda era dolorosa e ele não fazia ideia do que podia esperar ao ler o que ele tinha escrito ali. Passou por duas reuniões no piloto automático, entregou dois projetos com o pensamento bem longe de onde realmente estava e não somente pela carta.
Se fosse ser sincero consigo mesmo, não sabia mais como seria se acostumar a ficar sozinho se estivesse pronta para voltar para casa. Estava feliz por ela, sem dúvidas, mas uma parte egoísta dele a queria com ele, porque era onde parecia certo, o que era idiota já que eles nem sequer tinham alguma coisa. Quando finalmente chegou a hora de ir embora, ele ignorou qualquer outra coisa, pronto para fazer duas coisas:
Ler a carta do melhor amigo e garantir de revelar seus sentimentos por antes que ela fosse embora.


havia passado o dia inteiro na frente do cavalete, cercada por suas tintas e telas brancas. Tinha conseguido finalizar sua primeira pintura em meses e seu coração parecia estar cheio de uma felicidade que há meses não sentia por nada. Com as tintas a óleo, cheia de inspiração e um apartamento apenas para si, ela conseguiu finalizar a primeira pintura da exposição da próxima semana. Não lembrava de ter feito algo tão sentimental quanto esse quadro, mas o resultado final tinha impressionado até a si mesma.
Quando chegou em casa, ela ainda estava sentada no banco enquanto contornava os últimos detalhes da primeira obra, o cabelo preso em um coque bagunçado, a camiseta manchada de tinta, assim como suas mãos.
— Você está pintando. — Ele sorriu, olhando para a bagunça na varanda. — Isso é bom.
— Isso é muito bom — concordou, o olhando por cima da tela. — Fazia tanto tempo que eu não me sentia tão completa.
— Eu trouxe o jantar pra comemorar. — estendeu a sacola de comida japonesa. — A gente pode até abrir aquele vinho que eu te neguei semana passada.
Ela riu.
— Eu não vou recusar aquele vinho. — Piscou para ele, arteira. — Vou terminar aqui e já vou para a cozinha.
— Vou tomar banho, nos encontramos lá — avisou, deixando a sacola com a comida na mesa de centro.
Assim que acabou o último detalhe da pintura, correu para o próprio quarto para tomar um banho e tentar — sem sucesso — tirar metade da tinta nas suas mãos. Optou por usar o vestido vermelho que se destacava lindamente na sua pele negra e soltou os cachos emaranhados, deixando-os caírem pelas costas. Quando chegou à cozinha, já estava lá, colocando a comida na mesa. Mesmo usando apenas uma calça de moletom e uma camisa simples, ele não precisava se esforçar para ficar bonito. O cheiro da loção pós-barba já era mais do que suficiente para que quisesse ignorar seu lado racional que vinha lutando arduamente com as coisas que ela tinha começado a sentir por ele durante as últimas semanas.
— Sushi e vinho é o tipo de jantar bom demais para um quinta-feira — brincou, se aproximando da mesa de resina branca, onde estava dispondo a comida. — Posso colocar música?
— Fica à vontade — ele consentiu, colocando a última taça na mesa.
— Alexa, tocar James Bay — pediu para o pequeno aparelho que estava na bancada de café da manhã.
A voz robótica consentiu e logo a let it go preencheu o ambiente da cozinha, fazendo sorrir pela escolha. Sentando-se na cadeira mais próxima, ela não esperou por para encher as taças e despejou o vinho suave nas duas enquanto ele abria as caixas de sushi na mesa.
— Pegou até rolinho primavera? — olhou com interesse para a caixa onde os dois estavam.
— Era o brinde hoje — explicou, finalmente se sentando na cadeira de frente para ela. — Do jeito que você gosta.
— Oba! — Esfregou as mãos uma na outra, fazendo graça. — Antes de comer, vamos brindar.
— Brindar ao quê? — pegou a própria taça, esperando pelo veredito.
— A recomeços e seguir em frente — ela propôs, erguendo a taça.
— A recomeços e seguir em frente. — Sorriu, batendo a taça de cristal contra a dela.
Beberam um gole do vinho antes de começarem a comer, conversando sobre as amenidades do dia enquanto tomava coragem pra fazer a pergunta que realmente queria.
— E então, o que você pretende fazer agora? — perguntou, apoiando os cotovelos na mesa.
— Quero vender a casa — disse, brincando com os palitinhos. — É grande demais para uma pessoa só. E se você não estiver ansioso para me ver fora daqui, eu adoraria ficar enquanto eu não arrumo um apartamento novo.
— Não está nos meus planos te expulsar nem tão cedo, — confessou.
— Você reclamava do meu caos logo quando me mudei — ela retrucou, lembrando de como ele costumava reclamar da bagunça.
— Acho que eu me apaixonei por esse caos — murmurou, deixando sair tão no automático que mal notou.
Os olhos dela se arregalaram levemente, o estômago gelou e o peito deu um salto que indicava problemas.
— Você o quê? — questionou, só para ter certeza de que escutou certo.
balançou a cabeça, de repente muito ansioso pelo que tinha acabado de revelar. Pareceu errado por tanto tempo estar apaixonado por ela, não só por ser irmã do seu melhor amigo, mas também porque ela estava quebrada nos últimos meses e tentar alguma coisa parecia ser tirar vantagem de alguém fragilizado. Mas não era mais o que parecia agora e ele não tinha desculpas para não admitir de uma vez por todas o que esteve querendo fazer o dia inteiro.
— Eu me apaixonei por você. Pelo seu caos, por tudo que você nem sonha que me deu. Com você aqui, eu precisei lutar com meus próprios demônios depois da morte do para poder te ajudar a lutar com os seus. Eu não posso te dizer quando, nem como, mas, em algum momento, você parou de ser apenas a irmã do meu melhor amigo, aquela que eu prometi proteger por ele, e se tornou a mulher que eu queria proteger por simplesmente precisar de te ver bem — desandou a falar, os olhos fixos nos dela. — Eu me apaixonei por você no meio da nossa própria confusão e nem me dei conta. Esse é o efeito que você tem em mim, .
Sem dizer uma palavra, levantou da mesa e a contornou até parar de frente para , que levantou sem dizer uma palavra. Ele abaixou o olhar para olhar nos olhos dela e não resistiu ao impulso de tocá-lo, apoiando a mão na bochecha quente dele, deixando o polegar fazer movimentos preguiçosos.
— Eu não achei que eu pudesse superar esse ano sozinha, mas quando apareci na sua porta aquela noite, eu... Simplesmente soube que, de uma forma ou de outra, você seria a minha salvação, . — Ela umedeceu os lábios, presa demais naqueles olhos claros. — E, de certa forma, foi. Você me ajudou a me reencontrar comigo mesma, me tirou do poço de autodestruição que eu estava empenhada a me enfiar e, em algum momento entre isso, eu simplesmente te amei. Eu me apaixonei por você sem notar, até que fosse tarde demais para fugir.
— Você quer fugir? — se aproximou mais dela, segurando sua cintura com ambas as mãos.
balançou a cabeça em negação.
— Nunca.
Não se sabe ao certo quem iniciou o beijo, mas na mesma hora que se inclinou para cima, abaixou a cabeça para beijá-la e no momento que seus lábios se encontraram, tudo pareceu se encaixar como a última peça de um quebra-cabeça que levou meses para ser montado. gemeu baixinho contra a boca dele, se deliciando com o gosto de vinho na língua de , enquanto ele a apertou contra seu corpo, moldando cada curva a ele, a mantendo com firmeza contra si.
— Foda-se o sushi — resmungou entre o beijo, agarrando os cabelos dele entre os dedos.
riu contra os lábios dela, aproveitando para morder o inferior e puxar lentamente, o que provocou uma onda de calor que desceu por todo o corpo de . Sem delongas, ele a içou no colo e caminharam às cegas em direção ao quarto, pouco se importando que o primeiro beijo dos dois acabaria na cama. Tudo parecia certo demais para ser ignorado nesse momento. No fim da noite, enrolados juntos na cama dele, nada pareceu tão certo quanto aquele momento.
Mas quando já estava dormindo depois de terem acabado com a garrafa de vinho na cama, se sentia acordado demais para tentar adormecer. Com uma olhada para a mesa de cabeceira, ele avistou a carta que também tinha o atormentado a manhã inteira. Se inclinou para pegar o envelope e tirou a carta de lá sem mais delongas.

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Eu pensei em algumas formas de te escrever essa carta, mas todas pareciam ruins demais e até agora ainda parece. Cara, eu devia ter conversado com você cara a cara, mas a gente perdeu tempo assistindo ao jogo dos Lakers e eu acho que vou ser entubado amanhã, o que vai dificultar um pouco a conversa. Serei breve, prometo.
Você foi um ótimo amigo, . Não acho que eu teria suportado metade do meu drama familiar se você não tivesse por perto para me pagar uma cerveja e me apresentar as amigas das suas amigas. Vivemos dias bons, não vivemos? Lembra de mim neles, não nas visitas ao hospital. Lembra das festas de fraternidade na faculdade e da vez que acordamos na fronteira com o México, usando nada mais que sombreiros e boxers. Ainda acho que a culpa foi da garota que tava com você.
Eu quero agradecer por tudo que eu não tive coragem de dizer cara a cara e te pedir para cuidar de mais alguém por mim. Não deixa a sozinha, beleza? É meu pedido de moribundo, espero que você leia com atenção e não me faça voltar para puxar seu pé à noite. Ela vai precisar de alguém que não deixe ela se afogar e eu preciso que você seja a pessoa que irá mergulhar atrás dela, se preciso, porque eu confio em você tanto assim. Preciso que você chute algumas bundas em meu nome, se preciso, e que você a proteja como sabe que eu protegeria qualquer uma das suas irmãs. A é tudo para mim e deixá-la com você por perto vai me deixar muito mais em paz, saiba disso.
Você foi como um irmão para mim e escrever mil obrigados não seria suficiente para descrever tudo que você fez por mim, cara. Vê se não sente muito a minha falta também, o que eu sei que vai ser difícil, já que eu era a alma da festa e minha personalidade encantadora cativava todos vocês, mas eu preciso que você não fique preso a isso e que nomeie seu primogênito em minha homenagem (ou então voltarei pra te assombrar também).
Também te amo.


sorriu para a carta, ouvindo a voz do melhor amigo falando cada palavra escrita no papel. A saudade do grande idiota invadiu seu peito, mas não se deixou pensar muito nisso. Dando uma última olhada na carta, fez uma promessa silenciosa, esperando que seu melhor amigo soubesse que ele cuidaria e amaria da forma como ela merecia.
— Vou te contar sobre tudo quando nos vermos novamente, cara.
apertou o medalhão que carregava ao redor do pescoço e igual ao que um dia usou, ambos presentes de há mais tempo do que ele podia lembrar. Uma brisa mais forte soprou pela janela aberta e ele teve certeza de que seu melhor amigo tinha recebido o recado.


FIM



Nota da autora: Olá! Eu sofri demais pra escrever esse ficstape, meu Deus. Tinha umas cinco ideias, comecei a escrever essas cinco ideias, depois descartei todas e tive mais outras duas. Então comecei mais outras duas ideias, gostei muito delas, mas não tive tempo de desenvolver e voltei para essa que já estava no meio do caminho, mas que também precisei correr para entregar. Enfim, espero que vocês curtam e não deixem de me falar o que acharam. Beijos!

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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