Última atualização: 22/03/2019

Capítulo 1

Reuniões de família nunca foram os programas preferidos de .

— Eu realmente preciso ir? — perguntou escorada no batente da porta do quarto dos pais. Dali, assistia a mãe se arrumar diante do espelho. Questionou mesmo sabendo qual seria a resposta.

— Se hoje fosse uma reunião como outra qualquer, juro que deixaria você ficar em casa. Você sabe que não é o caso — a mulher respondeu. Não se deu o trabalho de virar para olhar a filha, mas encarou-a através do reflexo do espelho. — Seu pai vai ficar extremamente magoado se souber que você pediu para não ir no aniversário de 60 anos da mãe dele. Não comenta essa vontade com ele. Tente entender.

suspirou, ciente da derrota.

— Vou terminar de me arrumar, então.

Após afastar-se do quarto dos pais, não rumou em direção ao seu para fazer o que garantiu à mãe. Caminhou para a cozinha. De fato, iria tomar banho e vestir qualquer traje para a comemoração dos 60 anos da avó, mas sairia de casa com o estômago cheio para não precisar comer durante a festa e ouvir dos familiares os mesmos desaforos de sempre.

Abriu a geladeira, pegando a vasilha que continha as sobras da lasanha servida no almoço. Naquela noite, estava determinada a evitar os fiscais de comida da família.

***


— Ue, tá doente? — o tio perguntou, sentando-se ao seu lado. apenas olhou-o, confusa, sem emitir som algum. — Hoje você não tá comendo. Toda festa você se entope horrores. A gordinha só pode estar doente!

Um, dois, três. contou em pensamento, contendo-se para não responder de forma mal educada. Será possível que não teria paz nem mesmo de boca fechada?

— Vou muito bem de saúde, tio. Obrigada por se preocupar — respondeu, seca.

— Ah, filha, aí a senhorita já tá forçando a amizade — o homem riu. — Bem de saúde você não tá, não. Precisa emagrecer pra ser saudável mesmo e você tem chão pra chegar lá.

As palavras soaram como socos em seu estômago. Ao invés de responder, limitou-se a se levantar e sair de perto, rumando para a cozinha. Ao longe escutou o tio comentar “essa menina é muito sensível” para a esposa, que também estava sentada com eles.

No cômodo dos fundos a equipe de garçons e cozinheiros contratados pela avó, naquela noite, corriam de um lado para o outro para que todos na sala fossem bem servidos. Sentou-se em uma cadeira vazia, certa de que naquele espaço não iria atrapalhar o movimento dos funcionários. Ficaria ali até os pais decidirem que era hora de ir embora para casa. A menina preferia a companhia de desconhecidos à presença tóxica dos familiares.

***


— Que vergonha você me fez passar — o pai reclamava sem parar. Resmungava desde que deixaram a casa da avó. — Onde já se viu se enfiar na cozinha logo no aniversário da sua avó? Ela ficou extremamente magoada com a sua atitude.

Ela não é a única magoada aqui, pensou. Ignorou toda a fala do pai, subindo as escadas e correndo para o quarto. Trancou-se. Sentia o peito apertar a cada lufada de ar que mandava pra dentro.

Postou-se diante do espelho pregado na porta do guarda-roupa, tendo uma visão de seu corpo inteiro. A papada embaixo do queixo ficava cada vez mais evidente. Suas bochechas eram redondas e nem mesmo a calcinha mais larga que encontrou na loja de departamento estava dando conta de segurar a gordura no quadril — era possível enxergá-la mesmo por cima da roupa. Marcava. Era como se as numerações das vestes não fossem capazes de suprir suas necessidades.

Estava acima do peso, sabia disso, tinha olhos e enxergava perfeitamente bem. estava ciente de que era uma pré-adolescente gorda. O incômodo que tomava conta de seu peito era causado por outro motivo. A menina não conseguia entender por que os familiares a perseguiam tanto por causa de seu corpo. Seu corpo. O corpo era dela. Por que os adultos insistiam em tirar sua paz daquele jeito?!

Calou-se por tanto tempo que era como se tudo estivesse entalado em sua garganta. Precisava extravasar todos os sentimentos que a sufocavam. Aquela indignação tinha que sair de alguma forma.

Olhou para o computador desligado sobre a escrivaninha. Respirou fundo. Ela sabia o que fazer.



Capítulo 2

Eu me chamo Perkins, tenho 13 anos, meço 1.58 de altura e peso 70kg. Se esses números chamaram sua atenção, isso significa que você, leitor, entendeu que eu sou uma pré-adolescente gorda mesmo sem ter visto a minha imagem. Você está certo. Sou gorda. E não tem absolutamente nada de errado nisso.

As palavras que um dia Perkins usou para compor seu perfil em um blog agora apareciam nas primeiras páginas dos livros que começavam a chegar às livrarias de todo o país.

***


Os livros de capa vermelho rubro, o tom de batom preferido de , apareciam nas mãos de todas as leitoras que entravam na fila para pegar uma senha para a tarde de autógrafos, na Barnes & Nobles. Todas vibravam ansiosas ante à espera de encontrar a autora e blogueira plus size pessoalmente. Assim que o ponteiro do relógio chegou à hora em que o evento havia sido marcado para começar, os seguranças permitiram a entrada de todas para que cada menina e mulher pudesse se acomodar no auditório. Haviam moças de todas as idades no espaço.

já aguardava suas seguidoras na sala, sorrindo e acenando para cada uma quando sua presença era notada. Trajava um vestido rodado, branco com bolinhas pretas, suas curvas marcadas com delicadeza. Aquela era uma das peças que desenhou e confeccionou em parceria com KING55. Se as lojas que costumava consumir quando mais nova não eram capazes de se adaptar ao corpo de mulheres com manequim GG e XG, ora, ela tratou de contribuir com esse universo da maneira como pôde junto da marca de moda vegana.

Sete anos haviam se passado desde a noite em que chegou em casa com a angústia tomando conta de seu ser, no aniversário de sua avó. Sete anos haviam se passado desde o dia em que criou o blog Change Your Life, e agora ela estava ali no lançamento do livro de mesmo nome, um compilado de crônicas que escreveu ao longo de todo esse tempo. Textos sobre o que viveu com a família e a sociedade gordofobica. Relatos do quanto amava a sua forma, como seu corpo era a sua morada e que ela estava sim saudável mesmo acima do peso.

Sete anos desde que a sua força chegou à meninas e mulheres que sentiam na pele todo o peso das palavras que ela escutava dentro e fora de casa, todas se ajudando, apoiando e compreendendo, para não se deixarem cair no poço que a ignorância alheia desejava colocá-las.

Sete anos desde que tomou a melhor decisão de sua vida: transformar seus sentimentos em palavras e jogar na internet.

Deu uma palestra de meia-hora quando todas as suas leitoras estavam devidamente acomodadas nas poltronas, transformando tudo em uma verdadeira roda de conversa. Quando os autógrafos de fato começaram, fez o possível para atender meninas e mulheres da maneira mais atenciosa que os poucos minutos que cada uma tinha permitiam.

Ficou surpresa, porém, quando um rapaz magro, alto e de barba rala se aproximou com um exemplar em mãos. Seu perfil destoava em todos os sentidos, a começar pelo gênero.

— Vim em nome da minha irmã — explicou, ciente de que sua presença era inusitada. — Ela tem 14 anos, é sua fã e gostaria muito de estar aqui hoje, mas nossos pais a levaram pro interior. Casamento de família, sabe como é.

arqueou as sobrancelhas.

— Eu realmente sei como é — frisou. De fato, ela sabia mesmo como era a família impor suas vontades acima das dela. Por sorte livrou-se disso depois de conquistar a própria independência. — Como você e a sua irmã se chamam?

— Eu sou e ela, Corinna.

sorriu, abrindo o livro que lhe entregou e colocando-se a escrever no espaço em branco da primeira folha.

Oi, Corinna! Espero que o conteúdo deste livro te faça bem. Seu irmão foi muito gentil vindo em seu nome, mas saiba que espero vê-la um dia, ok? Beijos, .

— Você salvou a vida dela através do blog e do canal — sussurrou. Mesmo com ele estando em pé e ela sentada, foi capaz de escutá-lo. — Vou ser eternamente grato.

estava dando as costas para ir embora quando finalmente reencontrou as palavras. Sentiu que ficou sem elas após aquela declaração.

! — exclamou, chamando não apenas a atenção do rapaz, mas também de outras leitoras próximas. Quando ele girou nos calcanhares em sua direção, de novo, continuou. — Anota o seu número neste papel. Entrarei em contato para encontrar a Corinna.

Viu o rosto do rapaz se iluminar. Sem demora, escreveu o telefone na folha que ela lhe entregou, se afastando ligeiro mediante o olhar de censura do segurança, que não estava entendendo nada mas sabia que a fila precisava seguir seu curso. Aquele leitor estava extrapolando no tempo, mesmo que sob a permissão da própria .

A blogueira guardou o papel dentro do sutiã, graças à ausência de bolsos, para não correr o risco de extraviar caso ficasse sobre a mesa.

Estava determinada a conhecer Corinna e entender como ela salvou a vida de uma adolescente de 14 anos.



FIM



Nota da autora: Primeira oneshot finalizada em 2019! Espero que gostem dessa blogueira sensacional, e caso queiram conhecer mais fics minhas publicadas aqui no FFOBS, só entrar no meu grupo de leitoras (link abaixo) ou conferir a listinha com os títulos. Já deixo aqui meu muito obrigada por cada feedback <3





Outras Fanfics:

Em andamento:
Questão de Tempo (Colegial, universitária, restrita)
The Royal Theater (Realeza, restrita)

Finalizadas:
The Royal Wedding (Realeza, restrita)
03. Everybody Knows
04. What About Us
07. Preocupa Não
08. Innocence
MV: Dance, Dance




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