Capítulo Único
A casa de paredes azuis como um céu claro estava movimentada naquela manhã. Caixas iam e vinham em uma sequência quase ritmada, lembrando os soldadinhos de chumbo que várias crianças por ali tinham.
e Melanie observavam sorrateiramente pela janela do quarto dos pais, puxando as cortinas com as pontas dos dedos.
- Se a mamãe nos pegar aqui, vai nos deixar de castigo no porão amarradas a cadeiras - a mais nova cochichou, arrancando risos de .
- Você precisa parar de assistir à televisão, garotinha. Daqui a pouco vai ficar achando que esses objetos voadores não identificados existem.
- E quem te garante que não existem? Melanie perguntou, erguendo as finas sobrancelhas para a irmã. - Se os cientistas ainda acreditam na possibilidade, não será você a destruir essa teoria.
- Deixe de ser mal educada, Mel! Vou contar para a mamãe que você não está respeitando os mais velhos.
- EU QUERO ACREDITAR EM ALIENÍGENAS! Vou brincar na rua para tentar ver os nossos novos vizinhos. Você vem?
- Não. Preciso estudar para o teste de francês da senhora Victorine. Ainda há alguns cognatos que não memorizei - a mais velha respondeu, virando-se para retornar ao seu quarto.
- Credo. Nunca quero ficar velha que nem você - reclamou a pequena, que saiu correndo pela porta até alcançar as escadas.
riu, caminhando calmamente até seu quarto. Pegou o livro de francês e se sentou de frente para a janela, buscando um pouco de paz para estudar. Gostava de ter a claridade fornecida pela iluminação natural enquanto decorava aqueles verbos. Francês era uma língua tão bonita, esperava poder conhecer a França algum dia.
Lia aquelas palavras todas, assimilando todas elas com uma precisão incrível. Foi quando uma movimentação estranha do outro lado da janela desviou sua atenção. Um rapaz ia e vinha dentro do quarto da casa vizinha, carregando algumas caixas e malas. A janela dele ficava perfeitamente posicionada em frente à sua. Os grandes recortes retangulares envidraçados encaixavam perfeitamente ao outro.
O rapaz tinha os cabelos cortados de forma levemente desalinhada sobre a linha do pescoço e um rosto magro, angulado e um tanto pálido. Sua aparência era muito diferente daquela que via entre os garotos da escola. Ela gostou da diferença. Ele, por sua vez, sequer a viu. Estava focado demais em empilhar aquelas caixas. A garota torceu brevemente para que aquele realmente fosse o quarto dele.
Desceu as escadas rapidamente até a cozinha, em busca de um copo d'água que restaurasse seu foco para a língua neolatina. Melanie se aproximou rapidamente por trás da irmã, assustando-a ao tocá-la.
- Droga, Melanie! Eu poderia morrer engasgada!
- Credo! Por que você tem que ser tão exagerada? Você deveria fazer teatro - a pequena apontou, segurando o riso ao copiar a piada que o pai delas havia feito uma vez. - Seu talento para drama está sendo perdido.
- Engraçadinha! Não ia brincar na rua?
- Eu fui. Na verdade, fui conhecer os vizinhos. Mamãe fez um bolo de chocolate para dar a eles como boas-vindas. Eu e papai fomos também para nos apresentarmos.
- Por que não me avisaram? Agora, eu pareço uma má educada. - Não era bem essa a preocupação de , mas a irmã não cogitaria outra coisa.
- Porque você estava estudando e mamãe fez propaganda da sua inteligência e dedicação na escola. A senhora , nossa vizinha, até disse que talvez te chamasse para ajudar o filho mais novo deles com matemática.
- E eles têm um filho mais velho, então? - se fez de desentendida.
- Sim, o nome dele é e ele é bem bonito. Mas ele não faz o seu tipo.
A irmã mais velha riu, revirando os olhos. Melanie mal podia imaginar como, de repente, era exatamente o seu tipo.
- Certo, pestinha. Eu vou voltar a estudar. Vá brincar.
E não precisou pedir duas vezes. Melanie estava do lado de fora praticamente no mesmo instante, andando em círculos com sua bicicleta rosa.
, por sua vez, sentou-se novamente de frente à janela para estudar. Francês ainda era uma língua bonita, mas a imagem de algo muito mais bonito se apossara de sua mente.
*****
Já passava de meia-noite e o sono simplesmente não vinha. foi até a cozinha esquentar uma caneca de leite ao fogo. Qualquer coisa que a fizesse dormir mais rápido já estava de bom tamanho.
Sentou-se no parapeito da janela, como de costume, segurando seu leite aquecido e apoiando seu exemplar gasto de "O Nome da Rosa" sobre as pernas cruzadas. A posição evidenciava a flanela azul de suas grossas calças de pijama. Aquele era seu canto de calmaria e seu momento de tranquilidade. A madrugada estrelada trazia a brisa com o frio da noite. respirou fundo, sentindo-se solitariamente em paz.
Seus olhos atentos passaram a correr velozmente sobre as páginas desbotadas. Perdeu-se em meio ao movimento ágil de seus dedos pelas folhas. A leitura para ela era assim: um mergulho profundo. Nada ao seu redor tinha real importância quando ela abria um livro. Era como se aquelas letrinhas a sugassem para um universo particular, afastado demais para que o mundo real a puxasse de volta com facilidade.
- O que você está lendo? - Uma voz grossa perguntou, assustando-a ao ponto de ela quase cuspir seu leite quente. - Desculpa, não queria assustar.
Ele estava lá, olhando-a pela janela. Os cabelos bagunçados como se estivesse tentando dormir há algum tempo e finalmente entendesse que o sono não viria tão fácil. A camisa verde ficava larga no corpo dele e pensou como seria usá-la. Sacudiu a cabeça, tentando afastar aquelas ideias impróprias. Imaginou o que seus pais pensariam se soubessem as coisas que passavam por sua mente.
- Desculpa. Não queria parecer rude.
- Não pareceu - o rapaz disse, sorrindo levemente. - Só perguntei sobre o livro.
- Ah, isso? - Ela chacoalhou o exemplar. - Peguei na biblioteca. Umberto Eco, conhece?
- Nunca ouvi falar. Não sou lá um grande leitor. Prefiro música. Scorpions, Bon Jovi, Guns... Gosta?
- Sim. Meu pai tem alguns discos mais antigos de que também gosto bastante.
- Legal. - Ele sorriu. - Aliás, eu sou o e você deve ser a , estou certo? - Ela assentiu. - Seus pais falaram muito de você. Sobre como você é a garota perfeita, inteligente e doce.
sentiu suas bochechas mudarem de cor bruscamente. Sua face ardia em puro constrangimento. Sabia o quanto seus pais eram orgulhosos pela filha que tinham, mas o exagero público deles acabava fazendo-a passar vergonha.
- Eles são exagerados. Eu amo meus pais, mas eles realmente esquecem os limites do que dizer às vezes.
- São pais, não? Acho que é essa a função primordial deles. Se eles não nos envergonharem um pouco e inflarem nosso ego para o resto do mundo, talvez se sintam menos dignos da paternidade.
riu, meneando a cabeça em concordância. Olhou para a caneca de leite vazia em sua mão e se lembrou de que tinha a prova de francês logo pela manhã.
- Preciso ir e tentar dormir um pouco. Com licença - anunciou, descendo do parapeito.
- Também preciso descansar. A viagem até aqui foi exaustiva. Boa noite, . Até amanhã.
- Até amanhã, - respondeu com um sorriso antes de fechar a janela e as cortinas de tecido claro.
Ao se deitar, o sono veio incrivelmente rápido e, junto dele, vieram os sonhos. Jon Bon Jovi cantava só para eles, embalando o momento com uma de suas canções preferidas.
*****
sentia os fundos dos olhos queimarem pelas poucas horas de sono. Por sorte, a prova havia sido extremamente simples para alguém tão bem preparada quanto ela. Permitiu-se fechar as pesadas pálpebras por alguns míseros segundos, enquanto se apoiava na porta cinza de seu armário. Sua calmaria, no entanto, foi bruscamente interrompida pela conversa que começava a acontecer ao seu redor.
- Fiquei sabendo que entrou um aluno novo. - Era a voz de Paige, sua colega de sala que possuía o armário ao lado do seu. - As meninas que o viram disse que ele tem todo um charme misterioso.
arregalou os olhos ao perceber que elas estavam falando de . Só podia ser dele! A cidade era pequena demais para que dois rapazes da idade chegassem à escola ao mesmo tempo. Não poderia ser uma coincidência. Tomou um tempo extra para arrumar os grampos que prendiam seu cabelo, na intenção de ouvir mais da conversa. Sua mãe dissera milhares de vezes o quão feio era ouvir por trás da porta, mas aquilo não devia valer para quando as pessoas literalmente surgem à sua porta. Era um espaço público, afinal, e era o armário dela!
- Ah, eu o vi pelos corredores! Com uma blusa de gola alta e uma jaqueta preta. Parece o tipo de cara que fariam as nossas mães gritarem reclamações sobre cabelos brancos. É exatamente por isso que ele é tão atraente.
- O fruto proibido é sempre o melhor. - Paige riu para a amiga, fazendo revirar os olhos. - Algumas pessoas juram tê-lo visto pela cidade. Inclusive disseram que ele é vizinho dos .
acabou derrubando seus livros de matemática e biologia aplicada ao ouvir o sobrenome de sua família mencionado. Não era possível que eles já tivessem ido tão longe a ponto de saber onde morava.
- Falando no demônio... - Paige satirizou, virando-se de frente para , que tinha as bochechas ruborizadas. - Vocês se conheceram?
- Não - ela mentiu. - Eu estava ocupada estudando para o teste de francês. Nem saí do meu quarto.
- É claro que não saiu, nerd. Sabe, , você realmente não sabe aproveitar as oportunidades que a vida lhe dá. O mundo coloca um cara maravilhoso em sua vida e você continua estudando. Por isso que você vai morrer encalhada e virgem.
- Pode ser. Mas também vou morrer independente e realizada profissionalmente. O que você pode dizer sobre isso? Vai trabalhar com o quê, afinal? Caça aos homens?
- Não, sua burrinha. Não trabalharei com nada porque as mulheres não foram feitas para trabalhar. Deus nos criou diferentes dos homens porque só somos completas com eles por perto. Ao fim do dia, minha única função sempre será agradar o meu marido. É a minha decisão.
meneou a cabeça, em total descrença. Às vezes ficava impressionada com o quão conservadores e retrógrados poderiam ser os pensamentos de certas pessoas. Isso porque a mãe de Paige era manicure e ajudava com os gastos em casa.
- Em uma coisa você está certa, Paige. Essa realmente é a sua decisão e eu a respeitarei até o último momento, assim como respeito o seu direito de escolha. Só me entristece saber que o seu machismo não lhe permite enxergar as outras opções que a vida lhe fornece. Seria uma escolha mais justa se você percebesse as outras alternativas que você e as outras mulheres têm.
Paige ainda protestou qualquer coisa com uma voz estridente. Provavelmente estava reclamando da "mentira" que dizia ao chamá-la de machista. Independente do que fosse, já estava muito longe para se preocupar com os impropérios.
Na sala de aula, o assunto não era diferente. Todas as meninas queriam ver se era mesmo tão charmoso quanto diziam. Todos os meninos queriam aparecer mais do que o normal para não perderem seus supostos postos de macho alfa. Os poucos que tiveram o prazer de vê-lo pelos corredores estavam divididos entre a completa curiosidade e o total despeito. continuava se fazendo de desentendida sempre que perguntavam algo para ela. Era melhor assim.
Em casa, os jantaram como a família perfeita que sempre aparentaram ser. Melanie balançava os pés no ar, divertindo-se com a cadeira alta. A mãe das garotas havia feito lasanha, prato preferido das duas e, provavelmente, a única coisa com a qual concordavam nessa vida. O senhor estava com as vendas em alta na loja da família e tudo estava bem. Tão bem que se esqueceu do sono e decidiu retornar ao peitoril de sua janela para observar as estrelas e agradecê-las por todas as coisas boas que vinham acontecendo. O céu escuro parecia sorrir para ela, como se alguém lá em cima repousasse orgulhoso.
- No que está pensando? - A voz masculina a assustou, fazendo com que ela soltasse um gritinho e sentisse o coração saltar no peito. - Droga, será que eu não vou conseguir nunca conversar contigo sem te assustar? Daqui a pouco você vai acabar trancando essa janela para não ter que se assustar com esse chato importuno.
riu, respirando fundo para acalmar o seu corpo agitado. Não era possível que suas adrenais fossem assim tão sensíveis a .
- Eu só estava distraída com as estrelas, por mais que soe bem ridículo dizer isso com todas as letras. Parecia menos tosco na minha mente.
- Não é tosco - ele disse, sentando-se em seu próprio parapeito, ajeitando o corpo de frente para o dela. - É... Pacífico. Essa janela é bem reconfortante, na verdade. Às vezes é bem tranquilizante lembrar que existe um canto em que eu possa fingir que todo o caos não está reinando do lado de fora daquela porta.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não aconteceu. Na verdade, está acontecendo há tempo demais. Meus pais não estão se falando.
- Ah. - sentia a dor escancarada em sua voz. Doía nela. - Eu sinto muito, de verdade.
- Sinceramente, é melhor que não se falem. A maioria das vezes em que eles decidem trocar palavras além daquelas extremamente necessárias acaba resultando em brigas horríveis.
abaixou a cabeça sem saber o que dizer. Seus dedos finos brincavam com a barra de sua blusa vermelha, buscando alguma ocupação. Queria saber o que dizer. Queria ter palavras para confortá-lo. Queria saber usar por conta própria todas aquelas palavras que adorava ler, mas colocá-las em sequência verbalizada parecia difícil demais. Os livros estavam prontos, as relações eram frágeis. Tinha medo de dizer algo que o machucasse.
- Não sei o que dizer. Perdão - pediu, envergonhada.
- Não precisa dizer nada. Sei que é difícil. Mas já me alivia demais poder falar sobre isso com alguém. Não imagina o peso que pude tirar das costas por alguns segundos.
- Bom, estou aqui para quando precisar conversar.
- Nessa mesma hora e nesse mesmo local - brincou
, sorrindo para ela de uma forma tão afetuosa que quase parecia propagar calor do jeito mais literal possível dada a situação. - Quer saber? Na verdade, eu acho que você pode fazer algo para me ajudar.
arqueou a sobrancelha, curiosa.
- E o que seria?
- Você pode me contar uma piada. Aposto que é o tipo de pessoa que conhece várias.
A garota riu alto do pedido. Levou a mão à barriga, tentando em vão controlar a contração de seus músculos abdominais. Por um breve instante, cogitou fazer alguns exercícios para que uma simples gargalhada não a causasse contrações incomodamente indesejadas. Aquele sorriso que a fitava, no entanto, rapidamente fez com que ela voltasse à realidade.
- Eu e as piadas não nos damos bem. Mas eu aceito ouvir uma. Prometo dar risada para você não se sentir mal se for muito ruim.
ajeitou-se no parapeito, arranhando a garganta como se estivesse prestes a dizer a coisa mais importante de todo o ano.
- Você está pronta para a mais incrível piada que você já ouviu?
- Não, mas eu aceito correr o risco de querer bater a cabeça nessa parede até perder a consciência ou a memória ou os dois.
- Então, lá vai - ele disse, segurando o riso antes mesmo de começar. - O que são cinco pontinhos coloridos no meio do jardim?
perdeu alguns segundos tentando verdadeiramente pensar na resposta, mas nada lhe veio à mente.
- Eu realmente não sei.
- Flower Rangers. Pois é. Incrível. Eu sei.
- Acho que eu vou entrar. Não posso mais ser sua amiga depois dessa - disse, ameaçando voltar para dentro quando a impediu entre risos. - Eu não esperava que fosse boa, mas ela conseguiu ser incrivelmente ruim.
- Eu sei. Péssima ideia. - O garoto balançou a cabeça, pensando em como mudar de assunto. - Já sei. Qual sua comida favorita?
E assim seguiram, conversando sobre comidas, doces, sonhos, micos da escola, brigas de irmãos e várias outras coisas, oscilando entre os assuntos sérios e as risadas. Sorrisos não faltavam, nem olhares bobos. Os minutos se passavam e com eles vinham as horas. O tempo passando era apenas um irritante acaso para o germinar daquela relação. O sono era um empecilho inevitável que os levava a uma despedida indesejada.
- Boa noite, . Espero que as coisas se acertem, seja lá o que o certo signifique.
- Boa noite, . Vejo você amanhã.
E com uma piscada, fechou os vidros, bem como as cortinas de seu quarto. passou mais tempo sorrindo, enquanto esticava as mangas da camisa para se esconder do vento gelado. Seus cabelos provavelmente estavam desgrenhados e fora de qualquer lugar existente. Incrivelmente, ela não se importava. A menina perfeita mal se lembrava dos conselhos de comportamento que a mãe dera ao longo dos anos. Só queria mesmo poder continuar com aquele sorriso nos lábios e em meio àquelas estrelas, cujo brilho dançava uma linda valsa por sua face.
*****
- Você tem que entender que o coeficiente linear representa a ordenada do ponto que corta o eixo y. Se o x for zero, o y tem que ser igual ao coeficiente linear. Entendeu?
estava sentada na sala de visitas da casa dos , tentando ensinar matemática para o caçula Will, que vinha apresentando dificuldades em acompanhar a matéria na escola.
- Acho que sim. Vou tentar fazer esse exercício. Espero que dê certo - torceu o menino, arrancando uma risada da garota.
estava com as costas escoradas à parede da sala, observando a cena com um sorriso no rosto. O jeito que a garota tinha com seu irmão, a didática e a preocupação eram algumas das coisas mais encantadoras a que seus olhos tiveram a graça de presenciar. Seu semblante demonstrava isso claramente para quem quisesse ver, mas e Will estavam muito concentrados naqueles números estranhos daquelas funções esquisitas.
- Acho que eu também preciso de uma aula dessas - comentou, sentando-se no sofá atrás deles.
- Ela é muito melhor que a minha professora - Will contou. - E tem mais paciência comigo do que o papai também. Ela não grita comigo quando eu erro a tabuada.
fez um barulho que mais parecia uma reclamação velada. Não queria que Will se envolvesse, mas era difícil quando o próprio irmão começava a sentir as consequências daquele relacionamento decadente. O casamento dos pais tropeçava ladeira abaixo, aos trancos e barrancos, e a pobre criança sentia o distanciamento e o estresse do pai, o homem que ele mais amava em todo o mundo. Mesmo com todo o tipo forte despreocupado, queria proteger o irmão. Sua única preocupação era que o caçula tivesse todo o tratamento que ele merecia para seu desenvolvimento. Ele tinha dificuldades na escola e alguns indícios de ansiedade generalizada. O mais velho queria chacoalhar os pais até eles perceberem como faziam mal ao seu próprio filho.
- Esquece ele, maninho. O papai não está passando por bons momentos. Mas vai melhorar, você vai ver.
- Às vezes parece que ele não gosta mais de mim - Will desabafou, encolhendo os ombros com pesar.
sentiu o coração pesar ao ouvir aquilo. Não sabia bem o que fazer. Compartilhar aquele momento de tanta intimidade e sensibilidade familiar parecia de alguma forma muito errada.
- Ele ama você - disse, sentindo a respiração pesar. - Só não sabe demonstrar isso com todo o estresse martelando a cabeça dele. Mas até lá, acho que a pode te ajudar com matemática se não for atrapalhar as notas perfeitas dela.
- Não me atrapalha em nada - a garota garantiu, sorrindo para o pequeno. - Sempre que precisar, é só bater lá em casa.
Will agradeceu profundamente, pensando se seria invasivo demais abraçá-la. Olhou para o irmão, encontrando o sorriso do mais velho. Involuntariamente, sorriu também.
- Eu gosto dela - disse.
- Eu também gosto - respondeu. - Muito.
abaixou o rosto, tentando esconder o novo tom róseo que suas bochechas provavelmente estavam adquirindo.
- Por isso, acho que ela deveria aceitar sair comigo no sábado. Poderíamos ir ao teatro e talvez tomar um sorvete depois. Você não acha uma ideia legal, Will? - O irmão mais velho perguntou, com um sorriso de lado.
- Acho. Posso ir da próxima vez?
- Não sei nem se ela vai aceitar essa vez, quem dirá a próxima. Não assusta a sua professora, baixinho.
riu, disfarçando os batimentos acelerados de seu coração, perdidos entre uma mistura de euforia pelo convite e decepção por não poder aceitá-lo. Que injustiça ridícula o destino arremessava ao seu colo. Com certeza era uma piada de mau gosto.
- Eu adoraria poder aceitar o seu convite, de coração. Era o que eu mais queria poder fazer. Mas sábado é o baile do colégio e, por mais que eu ache aquilo chato demais, tenho que ir por ser da comissão de classe. Eu adoraria poder evitar os vestidos, as músicas lentas demais e toda aquela irritação de não ter comida o suficiente, mas tenho que cumprir as responsabilidades da função. Sinto muito mesmo. Mas você poderia ir ao baile. Seria legal ter uma companhia para passar por isso.
O irmão caçula riu, zombeteiro, usando sua infantil ausência de papas na língua para dizer exatamente o que se passou por sua cabeça.
- não vai a bailes. Ele se acha muito esquisitão para viver em sociedade. Fica se gabando sobre como ele é excluído.
- Ei, seu boca aberta! O que já falamos sobre espalhar o que falamos nas conversas de irmão para irmão? Cadê a nossa parceria, pestinha?
- Sinto muito. Ela me ensina funções, estou do lado dela agora.
riu, estendendo a mão para que a criança batesse.
- Bom, apesar da indiscrição, o pirralho está certo - admitiu, dando de ombros. - Não me sinto bem em ambientes como esse. Num colégio novo, então, a situação vai ser ainda pior. Eu sei que pode parecer frescura, mas eu só não gosto de me sentir deslocado.
concordou com a cabeça, tentando esboçar um sorriso compreensivo. Na verdade, estava bem decepcionada, apesar de buscar entender que ela própria, se tivesse opção, também preferiria estar em qualquer outro lugar que não aquele ginásio excessivamente decorado. Só de imaginar que teria que passar algumas horas ouvindo Paige falar sem parar sobre maquiagem e como ela própria seria uma ótima esposa, pensava seriamente se não poderia inventar uma crise de catapora na sexta-feira à noite.
- Entendo. Bom, se você quiser arriscar, talvez exista uma chance de não ser tão ruim afinal. Se você mudar de ideia, eu estarei lá. Provavelmente sentada em alguma mesa perto da comida ou ajudando os professores, mas ainda sim lá. - Ela riu, enquanto guardava as coisas em seu estojo e organizava seu bloco de anotações, aprontando-se para ir de volta para casa.
Despediu-se de Will, desejando a ele que tivesse boas aulas no dia seguinte. Caminhou até a porta de entrada, sendo acompanhada por e seu silêncio cortante. O rapaz puxou a maçaneta, abrindo espaço para que ela saísse. No fundo, ele queria pedir que ela ficasse, mas sabia que não podia fazer isso.
- Sinto muito - admitiu, sem saber ao certo o que dizer.
- Eu também - ela disse com um sorriso, mais uma vez. - De verdade.
O movimento dos lábios dela, tentando fingir que estava tudo bem, estavam acabando com ele. seguiu seu caminho sem usar um segundo sequer para olhar para trás.
- Acho que ela ficou triste com você - Will admitiu, quando o irmão mais velho voltou para dentro.
- Eu sei. É o que acontece quando a garota é boa demais para você: ela se decepciona - desabafou. - Essa é a merda de ser o esquisitão, pirralho.
- Ela gosta de você, trouxa. Mesmo que você seja um esquisitão. Até eu percebi isso e eu não sou nenhum prodígio.
- Primeiro, olha o respeito com o seu irmão mais velho. Não me chama de trouxa, seu trouxa. Segundo, volta para as suas variáveis auxiliares que elas devem estar sentindo sua falta já - caçoou o mais velho, enquanto bagunçava os cabelos do irmão.
Naquela noite, observou sozinho as nuvens esparsas que tentavam cobrir a lua cheia. Movimentavam-se, carregadas pelo vento, como pequenas canoas levadas pela correnteza. O céu continuava bonito, mas de repente parecia alguns tons mais escuro. A atmosfera parecia de repente ter uma pressão muito acima do que aquela que eles usavam como normal para os cálculos na físico-química. A janela à sua frente estava fechada, com as cortinas perfeitamente cerradas. Era difícil dizer se a luz do quarto estava acesa, mas sabia que ela estava lá. Torcia para que, ao contrário dele, ela pudesse ter uma boa noite de sono.
Ao sentir os pelos do braço se eriçarem mais do que deviam pelo vento gelado da madrugada, decidiu que era hora de descer do peitoril que adotara como canto favorito da casa nova. Will dormia profundamente na cama do mais velho, calmo após o desespero que alguns pesadelos tinham lhe causado. O pequeno não procurava mais os pais; ia direto ao quarto do irmão por não aguentar mais entrar na briga. Por conta própria, percebeu que era melhor para sua própria saúde tomar a iniciativa de se afastar daquela zona de conflito. Agora, o garotinho respirava profundamente, ajeitando-se na coberta que o irmão usara para protegê-lo.
deitou no tapete ao lado da cama, ajeitando seu corpo da melhor forma que pôde sobre o chão duro. Sua costela estava dolorosamente pressionada contra o piso, dificultando qualquer tentativa do rapaz de encontrar uma posição. Vencido pelo sono e pela tranquilidade de ver o irmão dormindo calmamente a seu lado, ele acabou dormindo.
*****
Alguma música qualquer era tocada pela banda que a escola contratara para o baile. A decoração temática de inverno fora de época era ridiculamente clichê, mas tinha sido feita com muito bom gosto. sorriu, satisfeita de ter ajudado a organizar aquilo tudo. Os dias pendurando estrelas e flocos de neve no teto do ginásio valeram a pena ao fim de tudo. Estava orgulhosa de saber que tinha cortado aquelas cortinas e feito parte do processo criativo que dera origem àquele momento que era tão especial para muitos. Algo que era tão pequeno para várias pessoas, era uma satisfação especial para ela.
- Ei, - Kourtney, uma de suas amigas, chamou. - Não fique aí sentada. Você trabalhou muito para esse baile e merece se divertir agora. Venha. - Ela estendeu a mão. - Vamos dançar.
riu, enquanto ajeitava mais uma vez a saia do vestido vermelho e preto.
- Você sabe bem que dançar não é comigo, Kourtney.
- Sei. Mas eu não disse "Venha se quiser", apenas "Venha". Ande logo. - A amiga estendeu a mão outra vez, rindo da timidez da outra. aceitou o convite com um revirar de olhos teatral.
Thriller tocava alto pelas caixas de som, agitando todos os alunos e até fazendo com que alguns dos professores arriscassem uns passinhos na pista de dança. O hit de Michael Jackson era provavelmente a maior música dos últimos tempos, além de estar na lista de canções que não permitiam que ninguém ficasse parado. Os rapazes faziam algumas gracinhas para conseguir a atenção das garotas, sendo muitas delas tentativas completamente frustradas.
A banda tocou outras músicas famosas e outras nem tanto, fornecendo certo tempo para que os jovens desistissem da pista e escolhessem suas bebidas não alcoólicas no balcão azul cintilante improvisado.
escolheu um refresco de laranja misturado com algum outro suco de alguma fruta que ela definitivamente não reconhecia. Tudo que a garota sabia era que a bebida era doce e cítrica, de uma forma que agradava muito seu paladar.
As meninas se reuniram novamente em um protótipo de roda, conversando sobre qualquer coisa ou simplesmente permanecendo juntas em silêncio. Naquele momento, se perguntou se não deveria voltar para casa e reler outro livro de sua amada coleção em vez de assistir ao bate papo paralelo que não lhe dizia respeito algum. Talvez a ideia da crise de catapora de faz-de-conta não fosse tão ruim afinal. As canetinhas hidrocor que Melanie usava para as aulas de artes plásticas provavelmente dariam conta de simular algumas pequenas manchas em sua pele. Rapidamente, afastou seus pensamentos, culpando-se pelas ideias tão infantis. Não tinha mais idade para isso. Deus, o que o desespero não fazia com o ser humano?
- Eu estou vendo direito? - Paige perguntou retoricamente, chamando a atenção do grupo. - O garoto novo decidiu nos dar o ar da graça?
Todas se viraram quase instantaneamente, dando de cara com adentrando o ginásio com um semblante nervoso, perdido e uma camisa que lhe caía perfeitamente bem. Os cabelos do rapaz estavam levemente arrumados para trás, deixando-o ainda mais charmoso. tentou evitar um sorriso ao visualizar aquela cena que quase parecia uma mentira. Seu coração martelava seu peito com tanta força que parecia prestes a quebrar seu esterno. Não havia como controlar sua respiração entrecortada, nem a surpresa que brilhava em suas íris e dilatava suas pupilas com tanta facilidade.
Ele se aproximava do grupo como se levitasse. Mal sabia ela o esforço que tinha que fazer para tirar os próprios pés do chão e se forçar a dar o passo seguinte. Não era nada fácil para ele ser o centro das atenções e essa, definitivamente, era uma coisa com a qual ela poderia se identificar com absurda facilidade.
Contudo, no momento em que se posicionou perto do grupo e respirou fundo, prestes a se manifestar, Paige foi mais rápida:
- Quer dançar, gatinho? - Ela se aproximou enquanto proferia aquelas palavras.
Os olhos de sequer se moveram. Sua visão continuava estática, trancada ao rosto de - a única coisa com a qual ele se importava de verdade no momento. Seu sorriso sincero quase amoleceu as pernas da garota no mesmo instante.
- Agradeço o convite, mas vou ter que recusar - o rapaz disse. - Uma garota muito especial me convenceu de que talvez eu devesse começar a me arriscar e dar chances para coisas como esse baile. É com ela que eu pretendo passar o resto dessa noite.
Quando ela sorriu de volta, o semblante de pareceu relaxar ao passo que o próprio sorriso se alargava em sua face. Estendeu a mão para .
- Você me concederia o prazer de uma dança? Seria bem vergonhoso tomar um fora agora. Sem pressão.
- Pensei que você não fosse esse tipo de cara, esquisitão - ela zombou, com a sobrancelha arqueada de uma forma desafiadoramente divertida.
- Não era. Mas não custa nada dar uma chance pela pessoa certa.
sorriu abertamente, sentindo as próprias bochechas ficarem da cor de seu vestido. Aceitou a mão dele e juntos caminharam até a pista de dança.
O timing não poderia ter sido mais perfeito: uma música lenta começava a tocar na hora. Ela recostou a própria cabeça no peito dele, permitindo que seus braços a envolvessem e a guiassem a pequenos passos que se mantinham no mesmo lugar.
- Obrigada por vir - disse com a voz abafada.
- Eu que agradeço. Estou dançando com a garota mais incrível, linda e inteligente de todo o colégio. Talvez eu até consiga parecer menos esquisitão depois disso.
riu, empurrando-o de leve.
- Mas você ainda está me devendo companhia ao teatro.
- Eu sei. Com certeza, eu darei uma chance a essa ideia. Por você.
e Melanie observavam sorrateiramente pela janela do quarto dos pais, puxando as cortinas com as pontas dos dedos.
- Se a mamãe nos pegar aqui, vai nos deixar de castigo no porão amarradas a cadeiras - a mais nova cochichou, arrancando risos de .
- Você precisa parar de assistir à televisão, garotinha. Daqui a pouco vai ficar achando que esses objetos voadores não identificados existem.
- E quem te garante que não existem? Melanie perguntou, erguendo as finas sobrancelhas para a irmã. - Se os cientistas ainda acreditam na possibilidade, não será você a destruir essa teoria.
- Deixe de ser mal educada, Mel! Vou contar para a mamãe que você não está respeitando os mais velhos.
- EU QUERO ACREDITAR EM ALIENÍGENAS! Vou brincar na rua para tentar ver os nossos novos vizinhos. Você vem?
- Não. Preciso estudar para o teste de francês da senhora Victorine. Ainda há alguns cognatos que não memorizei - a mais velha respondeu, virando-se para retornar ao seu quarto.
- Credo. Nunca quero ficar velha que nem você - reclamou a pequena, que saiu correndo pela porta até alcançar as escadas.
riu, caminhando calmamente até seu quarto. Pegou o livro de francês e se sentou de frente para a janela, buscando um pouco de paz para estudar. Gostava de ter a claridade fornecida pela iluminação natural enquanto decorava aqueles verbos. Francês era uma língua tão bonita, esperava poder conhecer a França algum dia.
Lia aquelas palavras todas, assimilando todas elas com uma precisão incrível. Foi quando uma movimentação estranha do outro lado da janela desviou sua atenção. Um rapaz ia e vinha dentro do quarto da casa vizinha, carregando algumas caixas e malas. A janela dele ficava perfeitamente posicionada em frente à sua. Os grandes recortes retangulares envidraçados encaixavam perfeitamente ao outro.
O rapaz tinha os cabelos cortados de forma levemente desalinhada sobre a linha do pescoço e um rosto magro, angulado e um tanto pálido. Sua aparência era muito diferente daquela que via entre os garotos da escola. Ela gostou da diferença. Ele, por sua vez, sequer a viu. Estava focado demais em empilhar aquelas caixas. A garota torceu brevemente para que aquele realmente fosse o quarto dele.
Desceu as escadas rapidamente até a cozinha, em busca de um copo d'água que restaurasse seu foco para a língua neolatina. Melanie se aproximou rapidamente por trás da irmã, assustando-a ao tocá-la.
- Droga, Melanie! Eu poderia morrer engasgada!
- Credo! Por que você tem que ser tão exagerada? Você deveria fazer teatro - a pequena apontou, segurando o riso ao copiar a piada que o pai delas havia feito uma vez. - Seu talento para drama está sendo perdido.
- Engraçadinha! Não ia brincar na rua?
- Eu fui. Na verdade, fui conhecer os vizinhos. Mamãe fez um bolo de chocolate para dar a eles como boas-vindas. Eu e papai fomos também para nos apresentarmos.
- Por que não me avisaram? Agora, eu pareço uma má educada. - Não era bem essa a preocupação de , mas a irmã não cogitaria outra coisa.
- Porque você estava estudando e mamãe fez propaganda da sua inteligência e dedicação na escola. A senhora , nossa vizinha, até disse que talvez te chamasse para ajudar o filho mais novo deles com matemática.
- E eles têm um filho mais velho, então? - se fez de desentendida.
- Sim, o nome dele é e ele é bem bonito. Mas ele não faz o seu tipo.
A irmã mais velha riu, revirando os olhos. Melanie mal podia imaginar como, de repente, era exatamente o seu tipo.
- Certo, pestinha. Eu vou voltar a estudar. Vá brincar.
E não precisou pedir duas vezes. Melanie estava do lado de fora praticamente no mesmo instante, andando em círculos com sua bicicleta rosa.
, por sua vez, sentou-se novamente de frente à janela para estudar. Francês ainda era uma língua bonita, mas a imagem de algo muito mais bonito se apossara de sua mente.
Já passava de meia-noite e o sono simplesmente não vinha. foi até a cozinha esquentar uma caneca de leite ao fogo. Qualquer coisa que a fizesse dormir mais rápido já estava de bom tamanho.
Sentou-se no parapeito da janela, como de costume, segurando seu leite aquecido e apoiando seu exemplar gasto de "O Nome da Rosa" sobre as pernas cruzadas. A posição evidenciava a flanela azul de suas grossas calças de pijama. Aquele era seu canto de calmaria e seu momento de tranquilidade. A madrugada estrelada trazia a brisa com o frio da noite. respirou fundo, sentindo-se solitariamente em paz.
Seus olhos atentos passaram a correr velozmente sobre as páginas desbotadas. Perdeu-se em meio ao movimento ágil de seus dedos pelas folhas. A leitura para ela era assim: um mergulho profundo. Nada ao seu redor tinha real importância quando ela abria um livro. Era como se aquelas letrinhas a sugassem para um universo particular, afastado demais para que o mundo real a puxasse de volta com facilidade.
- O que você está lendo? - Uma voz grossa perguntou, assustando-a ao ponto de ela quase cuspir seu leite quente. - Desculpa, não queria assustar.
Ele estava lá, olhando-a pela janela. Os cabelos bagunçados como se estivesse tentando dormir há algum tempo e finalmente entendesse que o sono não viria tão fácil. A camisa verde ficava larga no corpo dele e pensou como seria usá-la. Sacudiu a cabeça, tentando afastar aquelas ideias impróprias. Imaginou o que seus pais pensariam se soubessem as coisas que passavam por sua mente.
- Desculpa. Não queria parecer rude.
- Não pareceu - o rapaz disse, sorrindo levemente. - Só perguntei sobre o livro.
- Ah, isso? - Ela chacoalhou o exemplar. - Peguei na biblioteca. Umberto Eco, conhece?
- Nunca ouvi falar. Não sou lá um grande leitor. Prefiro música. Scorpions, Bon Jovi, Guns... Gosta?
- Sim. Meu pai tem alguns discos mais antigos de que também gosto bastante.
- Legal. - Ele sorriu. - Aliás, eu sou o e você deve ser a , estou certo? - Ela assentiu. - Seus pais falaram muito de você. Sobre como você é a garota perfeita, inteligente e doce.
sentiu suas bochechas mudarem de cor bruscamente. Sua face ardia em puro constrangimento. Sabia o quanto seus pais eram orgulhosos pela filha que tinham, mas o exagero público deles acabava fazendo-a passar vergonha.
- Eles são exagerados. Eu amo meus pais, mas eles realmente esquecem os limites do que dizer às vezes.
- São pais, não? Acho que é essa a função primordial deles. Se eles não nos envergonharem um pouco e inflarem nosso ego para o resto do mundo, talvez se sintam menos dignos da paternidade.
riu, meneando a cabeça em concordância. Olhou para a caneca de leite vazia em sua mão e se lembrou de que tinha a prova de francês logo pela manhã.
- Preciso ir e tentar dormir um pouco. Com licença - anunciou, descendo do parapeito.
- Também preciso descansar. A viagem até aqui foi exaustiva. Boa noite, . Até amanhã.
- Até amanhã, - respondeu com um sorriso antes de fechar a janela e as cortinas de tecido claro.
Ao se deitar, o sono veio incrivelmente rápido e, junto dele, vieram os sonhos. Jon Bon Jovi cantava só para eles, embalando o momento com uma de suas canções preferidas.
sentia os fundos dos olhos queimarem pelas poucas horas de sono. Por sorte, a prova havia sido extremamente simples para alguém tão bem preparada quanto ela. Permitiu-se fechar as pesadas pálpebras por alguns míseros segundos, enquanto se apoiava na porta cinza de seu armário. Sua calmaria, no entanto, foi bruscamente interrompida pela conversa que começava a acontecer ao seu redor.
- Fiquei sabendo que entrou um aluno novo. - Era a voz de Paige, sua colega de sala que possuía o armário ao lado do seu. - As meninas que o viram disse que ele tem todo um charme misterioso.
arregalou os olhos ao perceber que elas estavam falando de . Só podia ser dele! A cidade era pequena demais para que dois rapazes da idade chegassem à escola ao mesmo tempo. Não poderia ser uma coincidência. Tomou um tempo extra para arrumar os grampos que prendiam seu cabelo, na intenção de ouvir mais da conversa. Sua mãe dissera milhares de vezes o quão feio era ouvir por trás da porta, mas aquilo não devia valer para quando as pessoas literalmente surgem à sua porta. Era um espaço público, afinal, e era o armário dela!
- Ah, eu o vi pelos corredores! Com uma blusa de gola alta e uma jaqueta preta. Parece o tipo de cara que fariam as nossas mães gritarem reclamações sobre cabelos brancos. É exatamente por isso que ele é tão atraente.
- O fruto proibido é sempre o melhor. - Paige riu para a amiga, fazendo revirar os olhos. - Algumas pessoas juram tê-lo visto pela cidade. Inclusive disseram que ele é vizinho dos .
acabou derrubando seus livros de matemática e biologia aplicada ao ouvir o sobrenome de sua família mencionado. Não era possível que eles já tivessem ido tão longe a ponto de saber onde morava.
- Falando no demônio... - Paige satirizou, virando-se de frente para , que tinha as bochechas ruborizadas. - Vocês se conheceram?
- Não - ela mentiu. - Eu estava ocupada estudando para o teste de francês. Nem saí do meu quarto.
- É claro que não saiu, nerd. Sabe, , você realmente não sabe aproveitar as oportunidades que a vida lhe dá. O mundo coloca um cara maravilhoso em sua vida e você continua estudando. Por isso que você vai morrer encalhada e virgem.
- Pode ser. Mas também vou morrer independente e realizada profissionalmente. O que você pode dizer sobre isso? Vai trabalhar com o quê, afinal? Caça aos homens?
- Não, sua burrinha. Não trabalharei com nada porque as mulheres não foram feitas para trabalhar. Deus nos criou diferentes dos homens porque só somos completas com eles por perto. Ao fim do dia, minha única função sempre será agradar o meu marido. É a minha decisão.
meneou a cabeça, em total descrença. Às vezes ficava impressionada com o quão conservadores e retrógrados poderiam ser os pensamentos de certas pessoas. Isso porque a mãe de Paige era manicure e ajudava com os gastos em casa.
- Em uma coisa você está certa, Paige. Essa realmente é a sua decisão e eu a respeitarei até o último momento, assim como respeito o seu direito de escolha. Só me entristece saber que o seu machismo não lhe permite enxergar as outras opções que a vida lhe fornece. Seria uma escolha mais justa se você percebesse as outras alternativas que você e as outras mulheres têm.
Paige ainda protestou qualquer coisa com uma voz estridente. Provavelmente estava reclamando da "mentira" que dizia ao chamá-la de machista. Independente do que fosse, já estava muito longe para se preocupar com os impropérios.
Na sala de aula, o assunto não era diferente. Todas as meninas queriam ver se era mesmo tão charmoso quanto diziam. Todos os meninos queriam aparecer mais do que o normal para não perderem seus supostos postos de macho alfa. Os poucos que tiveram o prazer de vê-lo pelos corredores estavam divididos entre a completa curiosidade e o total despeito. continuava se fazendo de desentendida sempre que perguntavam algo para ela. Era melhor assim.
Em casa, os jantaram como a família perfeita que sempre aparentaram ser. Melanie balançava os pés no ar, divertindo-se com a cadeira alta. A mãe das garotas havia feito lasanha, prato preferido das duas e, provavelmente, a única coisa com a qual concordavam nessa vida. O senhor estava com as vendas em alta na loja da família e tudo estava bem. Tão bem que se esqueceu do sono e decidiu retornar ao peitoril de sua janela para observar as estrelas e agradecê-las por todas as coisas boas que vinham acontecendo. O céu escuro parecia sorrir para ela, como se alguém lá em cima repousasse orgulhoso.
- No que está pensando? - A voz masculina a assustou, fazendo com que ela soltasse um gritinho e sentisse o coração saltar no peito. - Droga, será que eu não vou conseguir nunca conversar contigo sem te assustar? Daqui a pouco você vai acabar trancando essa janela para não ter que se assustar com esse chato importuno.
riu, respirando fundo para acalmar o seu corpo agitado. Não era possível que suas adrenais fossem assim tão sensíveis a .
- Eu só estava distraída com as estrelas, por mais que soe bem ridículo dizer isso com todas as letras. Parecia menos tosco na minha mente.
- Não é tosco - ele disse, sentando-se em seu próprio parapeito, ajeitando o corpo de frente para o dela. - É... Pacífico. Essa janela é bem reconfortante, na verdade. Às vezes é bem tranquilizante lembrar que existe um canto em que eu possa fingir que todo o caos não está reinando do lado de fora daquela porta.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não aconteceu. Na verdade, está acontecendo há tempo demais. Meus pais não estão se falando.
- Ah. - sentia a dor escancarada em sua voz. Doía nela. - Eu sinto muito, de verdade.
- Sinceramente, é melhor que não se falem. A maioria das vezes em que eles decidem trocar palavras além daquelas extremamente necessárias acaba resultando em brigas horríveis.
abaixou a cabeça sem saber o que dizer. Seus dedos finos brincavam com a barra de sua blusa vermelha, buscando alguma ocupação. Queria saber o que dizer. Queria ter palavras para confortá-lo. Queria saber usar por conta própria todas aquelas palavras que adorava ler, mas colocá-las em sequência verbalizada parecia difícil demais. Os livros estavam prontos, as relações eram frágeis. Tinha medo de dizer algo que o machucasse.
- Não sei o que dizer. Perdão - pediu, envergonhada.
- Não precisa dizer nada. Sei que é difícil. Mas já me alivia demais poder falar sobre isso com alguém. Não imagina o peso que pude tirar das costas por alguns segundos.
- Bom, estou aqui para quando precisar conversar.
- Nessa mesma hora e nesse mesmo local - brincou
, sorrindo para ela de uma forma tão afetuosa que quase parecia propagar calor do jeito mais literal possível dada a situação. - Quer saber? Na verdade, eu acho que você pode fazer algo para me ajudar.
arqueou a sobrancelha, curiosa.
- E o que seria?
- Você pode me contar uma piada. Aposto que é o tipo de pessoa que conhece várias.
A garota riu alto do pedido. Levou a mão à barriga, tentando em vão controlar a contração de seus músculos abdominais. Por um breve instante, cogitou fazer alguns exercícios para que uma simples gargalhada não a causasse contrações incomodamente indesejadas. Aquele sorriso que a fitava, no entanto, rapidamente fez com que ela voltasse à realidade.
- Eu e as piadas não nos damos bem. Mas eu aceito ouvir uma. Prometo dar risada para você não se sentir mal se for muito ruim.
ajeitou-se no parapeito, arranhando a garganta como se estivesse prestes a dizer a coisa mais importante de todo o ano.
- Você está pronta para a mais incrível piada que você já ouviu?
- Não, mas eu aceito correr o risco de querer bater a cabeça nessa parede até perder a consciência ou a memória ou os dois.
- Então, lá vai - ele disse, segurando o riso antes mesmo de começar. - O que são cinco pontinhos coloridos no meio do jardim?
perdeu alguns segundos tentando verdadeiramente pensar na resposta, mas nada lhe veio à mente.
- Eu realmente não sei.
- Flower Rangers. Pois é. Incrível. Eu sei.
- Acho que eu vou entrar. Não posso mais ser sua amiga depois dessa - disse, ameaçando voltar para dentro quando a impediu entre risos. - Eu não esperava que fosse boa, mas ela conseguiu ser incrivelmente ruim.
- Eu sei. Péssima ideia. - O garoto balançou a cabeça, pensando em como mudar de assunto. - Já sei. Qual sua comida favorita?
E assim seguiram, conversando sobre comidas, doces, sonhos, micos da escola, brigas de irmãos e várias outras coisas, oscilando entre os assuntos sérios e as risadas. Sorrisos não faltavam, nem olhares bobos. Os minutos se passavam e com eles vinham as horas. O tempo passando era apenas um irritante acaso para o germinar daquela relação. O sono era um empecilho inevitável que os levava a uma despedida indesejada.
- Boa noite, . Espero que as coisas se acertem, seja lá o que o certo signifique.
- Boa noite, . Vejo você amanhã.
E com uma piscada, fechou os vidros, bem como as cortinas de seu quarto. passou mais tempo sorrindo, enquanto esticava as mangas da camisa para se esconder do vento gelado. Seus cabelos provavelmente estavam desgrenhados e fora de qualquer lugar existente. Incrivelmente, ela não se importava. A menina perfeita mal se lembrava dos conselhos de comportamento que a mãe dera ao longo dos anos. Só queria mesmo poder continuar com aquele sorriso nos lábios e em meio àquelas estrelas, cujo brilho dançava uma linda valsa por sua face.
- Você tem que entender que o coeficiente linear representa a ordenada do ponto que corta o eixo y. Se o x for zero, o y tem que ser igual ao coeficiente linear. Entendeu?
estava sentada na sala de visitas da casa dos , tentando ensinar matemática para o caçula Will, que vinha apresentando dificuldades em acompanhar a matéria na escola.
- Acho que sim. Vou tentar fazer esse exercício. Espero que dê certo - torceu o menino, arrancando uma risada da garota.
estava com as costas escoradas à parede da sala, observando a cena com um sorriso no rosto. O jeito que a garota tinha com seu irmão, a didática e a preocupação eram algumas das coisas mais encantadoras a que seus olhos tiveram a graça de presenciar. Seu semblante demonstrava isso claramente para quem quisesse ver, mas e Will estavam muito concentrados naqueles números estranhos daquelas funções esquisitas.
- Acho que eu também preciso de uma aula dessas - comentou, sentando-se no sofá atrás deles.
- Ela é muito melhor que a minha professora - Will contou. - E tem mais paciência comigo do que o papai também. Ela não grita comigo quando eu erro a tabuada.
fez um barulho que mais parecia uma reclamação velada. Não queria que Will se envolvesse, mas era difícil quando o próprio irmão começava a sentir as consequências daquele relacionamento decadente. O casamento dos pais tropeçava ladeira abaixo, aos trancos e barrancos, e a pobre criança sentia o distanciamento e o estresse do pai, o homem que ele mais amava em todo o mundo. Mesmo com todo o tipo forte despreocupado, queria proteger o irmão. Sua única preocupação era que o caçula tivesse todo o tratamento que ele merecia para seu desenvolvimento. Ele tinha dificuldades na escola e alguns indícios de ansiedade generalizada. O mais velho queria chacoalhar os pais até eles perceberem como faziam mal ao seu próprio filho.
- Esquece ele, maninho. O papai não está passando por bons momentos. Mas vai melhorar, você vai ver.
- Às vezes parece que ele não gosta mais de mim - Will desabafou, encolhendo os ombros com pesar.
sentiu o coração pesar ao ouvir aquilo. Não sabia bem o que fazer. Compartilhar aquele momento de tanta intimidade e sensibilidade familiar parecia de alguma forma muito errada.
- Ele ama você - disse, sentindo a respiração pesar. - Só não sabe demonstrar isso com todo o estresse martelando a cabeça dele. Mas até lá, acho que a pode te ajudar com matemática se não for atrapalhar as notas perfeitas dela.
- Não me atrapalha em nada - a garota garantiu, sorrindo para o pequeno. - Sempre que precisar, é só bater lá em casa.
Will agradeceu profundamente, pensando se seria invasivo demais abraçá-la. Olhou para o irmão, encontrando o sorriso do mais velho. Involuntariamente, sorriu também.
- Eu gosto dela - disse.
- Eu também gosto - respondeu. - Muito.
abaixou o rosto, tentando esconder o novo tom róseo que suas bochechas provavelmente estavam adquirindo.
- Por isso, acho que ela deveria aceitar sair comigo no sábado. Poderíamos ir ao teatro e talvez tomar um sorvete depois. Você não acha uma ideia legal, Will? - O irmão mais velho perguntou, com um sorriso de lado.
- Acho. Posso ir da próxima vez?
- Não sei nem se ela vai aceitar essa vez, quem dirá a próxima. Não assusta a sua professora, baixinho.
riu, disfarçando os batimentos acelerados de seu coração, perdidos entre uma mistura de euforia pelo convite e decepção por não poder aceitá-lo. Que injustiça ridícula o destino arremessava ao seu colo. Com certeza era uma piada de mau gosto.
- Eu adoraria poder aceitar o seu convite, de coração. Era o que eu mais queria poder fazer. Mas sábado é o baile do colégio e, por mais que eu ache aquilo chato demais, tenho que ir por ser da comissão de classe. Eu adoraria poder evitar os vestidos, as músicas lentas demais e toda aquela irritação de não ter comida o suficiente, mas tenho que cumprir as responsabilidades da função. Sinto muito mesmo. Mas você poderia ir ao baile. Seria legal ter uma companhia para passar por isso.
O irmão caçula riu, zombeteiro, usando sua infantil ausência de papas na língua para dizer exatamente o que se passou por sua cabeça.
- não vai a bailes. Ele se acha muito esquisitão para viver em sociedade. Fica se gabando sobre como ele é excluído.
- Ei, seu boca aberta! O que já falamos sobre espalhar o que falamos nas conversas de irmão para irmão? Cadê a nossa parceria, pestinha?
- Sinto muito. Ela me ensina funções, estou do lado dela agora.
riu, estendendo a mão para que a criança batesse.
- Bom, apesar da indiscrição, o pirralho está certo - admitiu, dando de ombros. - Não me sinto bem em ambientes como esse. Num colégio novo, então, a situação vai ser ainda pior. Eu sei que pode parecer frescura, mas eu só não gosto de me sentir deslocado.
concordou com a cabeça, tentando esboçar um sorriso compreensivo. Na verdade, estava bem decepcionada, apesar de buscar entender que ela própria, se tivesse opção, também preferiria estar em qualquer outro lugar que não aquele ginásio excessivamente decorado. Só de imaginar que teria que passar algumas horas ouvindo Paige falar sem parar sobre maquiagem e como ela própria seria uma ótima esposa, pensava seriamente se não poderia inventar uma crise de catapora na sexta-feira à noite.
- Entendo. Bom, se você quiser arriscar, talvez exista uma chance de não ser tão ruim afinal. Se você mudar de ideia, eu estarei lá. Provavelmente sentada em alguma mesa perto da comida ou ajudando os professores, mas ainda sim lá. - Ela riu, enquanto guardava as coisas em seu estojo e organizava seu bloco de anotações, aprontando-se para ir de volta para casa.
Despediu-se de Will, desejando a ele que tivesse boas aulas no dia seguinte. Caminhou até a porta de entrada, sendo acompanhada por e seu silêncio cortante. O rapaz puxou a maçaneta, abrindo espaço para que ela saísse. No fundo, ele queria pedir que ela ficasse, mas sabia que não podia fazer isso.
- Sinto muito - admitiu, sem saber ao certo o que dizer.
- Eu também - ela disse com um sorriso, mais uma vez. - De verdade.
O movimento dos lábios dela, tentando fingir que estava tudo bem, estavam acabando com ele. seguiu seu caminho sem usar um segundo sequer para olhar para trás.
- Acho que ela ficou triste com você - Will admitiu, quando o irmão mais velho voltou para dentro.
- Eu sei. É o que acontece quando a garota é boa demais para você: ela se decepciona - desabafou. - Essa é a merda de ser o esquisitão, pirralho.
- Ela gosta de você, trouxa. Mesmo que você seja um esquisitão. Até eu percebi isso e eu não sou nenhum prodígio.
- Primeiro, olha o respeito com o seu irmão mais velho. Não me chama de trouxa, seu trouxa. Segundo, volta para as suas variáveis auxiliares que elas devem estar sentindo sua falta já - caçoou o mais velho, enquanto bagunçava os cabelos do irmão.
Naquela noite, observou sozinho as nuvens esparsas que tentavam cobrir a lua cheia. Movimentavam-se, carregadas pelo vento, como pequenas canoas levadas pela correnteza. O céu continuava bonito, mas de repente parecia alguns tons mais escuro. A atmosfera parecia de repente ter uma pressão muito acima do que aquela que eles usavam como normal para os cálculos na físico-química. A janela à sua frente estava fechada, com as cortinas perfeitamente cerradas. Era difícil dizer se a luz do quarto estava acesa, mas sabia que ela estava lá. Torcia para que, ao contrário dele, ela pudesse ter uma boa noite de sono.
Ao sentir os pelos do braço se eriçarem mais do que deviam pelo vento gelado da madrugada, decidiu que era hora de descer do peitoril que adotara como canto favorito da casa nova. Will dormia profundamente na cama do mais velho, calmo após o desespero que alguns pesadelos tinham lhe causado. O pequeno não procurava mais os pais; ia direto ao quarto do irmão por não aguentar mais entrar na briga. Por conta própria, percebeu que era melhor para sua própria saúde tomar a iniciativa de se afastar daquela zona de conflito. Agora, o garotinho respirava profundamente, ajeitando-se na coberta que o irmão usara para protegê-lo.
deitou no tapete ao lado da cama, ajeitando seu corpo da melhor forma que pôde sobre o chão duro. Sua costela estava dolorosamente pressionada contra o piso, dificultando qualquer tentativa do rapaz de encontrar uma posição. Vencido pelo sono e pela tranquilidade de ver o irmão dormindo calmamente a seu lado, ele acabou dormindo.
Alguma música qualquer era tocada pela banda que a escola contratara para o baile. A decoração temática de inverno fora de época era ridiculamente clichê, mas tinha sido feita com muito bom gosto. sorriu, satisfeita de ter ajudado a organizar aquilo tudo. Os dias pendurando estrelas e flocos de neve no teto do ginásio valeram a pena ao fim de tudo. Estava orgulhosa de saber que tinha cortado aquelas cortinas e feito parte do processo criativo que dera origem àquele momento que era tão especial para muitos. Algo que era tão pequeno para várias pessoas, era uma satisfação especial para ela.
- Ei, - Kourtney, uma de suas amigas, chamou. - Não fique aí sentada. Você trabalhou muito para esse baile e merece se divertir agora. Venha. - Ela estendeu a mão. - Vamos dançar.
riu, enquanto ajeitava mais uma vez a saia do vestido vermelho e preto.
- Você sabe bem que dançar não é comigo, Kourtney.
- Sei. Mas eu não disse "Venha se quiser", apenas "Venha". Ande logo. - A amiga estendeu a mão outra vez, rindo da timidez da outra. aceitou o convite com um revirar de olhos teatral.
Thriller tocava alto pelas caixas de som, agitando todos os alunos e até fazendo com que alguns dos professores arriscassem uns passinhos na pista de dança. O hit de Michael Jackson era provavelmente a maior música dos últimos tempos, além de estar na lista de canções que não permitiam que ninguém ficasse parado. Os rapazes faziam algumas gracinhas para conseguir a atenção das garotas, sendo muitas delas tentativas completamente frustradas.
A banda tocou outras músicas famosas e outras nem tanto, fornecendo certo tempo para que os jovens desistissem da pista e escolhessem suas bebidas não alcoólicas no balcão azul cintilante improvisado.
escolheu um refresco de laranja misturado com algum outro suco de alguma fruta que ela definitivamente não reconhecia. Tudo que a garota sabia era que a bebida era doce e cítrica, de uma forma que agradava muito seu paladar.
As meninas se reuniram novamente em um protótipo de roda, conversando sobre qualquer coisa ou simplesmente permanecendo juntas em silêncio. Naquele momento, se perguntou se não deveria voltar para casa e reler outro livro de sua amada coleção em vez de assistir ao bate papo paralelo que não lhe dizia respeito algum. Talvez a ideia da crise de catapora de faz-de-conta não fosse tão ruim afinal. As canetinhas hidrocor que Melanie usava para as aulas de artes plásticas provavelmente dariam conta de simular algumas pequenas manchas em sua pele. Rapidamente, afastou seus pensamentos, culpando-se pelas ideias tão infantis. Não tinha mais idade para isso. Deus, o que o desespero não fazia com o ser humano?
- Eu estou vendo direito? - Paige perguntou retoricamente, chamando a atenção do grupo. - O garoto novo decidiu nos dar o ar da graça?
Todas se viraram quase instantaneamente, dando de cara com adentrando o ginásio com um semblante nervoso, perdido e uma camisa que lhe caía perfeitamente bem. Os cabelos do rapaz estavam levemente arrumados para trás, deixando-o ainda mais charmoso. tentou evitar um sorriso ao visualizar aquela cena que quase parecia uma mentira. Seu coração martelava seu peito com tanta força que parecia prestes a quebrar seu esterno. Não havia como controlar sua respiração entrecortada, nem a surpresa que brilhava em suas íris e dilatava suas pupilas com tanta facilidade.
Ele se aproximava do grupo como se levitasse. Mal sabia ela o esforço que tinha que fazer para tirar os próprios pés do chão e se forçar a dar o passo seguinte. Não era nada fácil para ele ser o centro das atenções e essa, definitivamente, era uma coisa com a qual ela poderia se identificar com absurda facilidade.
Contudo, no momento em que se posicionou perto do grupo e respirou fundo, prestes a se manifestar, Paige foi mais rápida:
- Quer dançar, gatinho? - Ela se aproximou enquanto proferia aquelas palavras.
Os olhos de sequer se moveram. Sua visão continuava estática, trancada ao rosto de - a única coisa com a qual ele se importava de verdade no momento. Seu sorriso sincero quase amoleceu as pernas da garota no mesmo instante.
- Agradeço o convite, mas vou ter que recusar - o rapaz disse. - Uma garota muito especial me convenceu de que talvez eu devesse começar a me arriscar e dar chances para coisas como esse baile. É com ela que eu pretendo passar o resto dessa noite.
Quando ela sorriu de volta, o semblante de pareceu relaxar ao passo que o próprio sorriso se alargava em sua face. Estendeu a mão para .
- Você me concederia o prazer de uma dança? Seria bem vergonhoso tomar um fora agora. Sem pressão.
- Pensei que você não fosse esse tipo de cara, esquisitão - ela zombou, com a sobrancelha arqueada de uma forma desafiadoramente divertida.
- Não era. Mas não custa nada dar uma chance pela pessoa certa.
sorriu abertamente, sentindo as próprias bochechas ficarem da cor de seu vestido. Aceitou a mão dele e juntos caminharam até a pista de dança.
O timing não poderia ter sido mais perfeito: uma música lenta começava a tocar na hora. Ela recostou a própria cabeça no peito dele, permitindo que seus braços a envolvessem e a guiassem a pequenos passos que se mantinham no mesmo lugar.
- Obrigada por vir - disse com a voz abafada.
- Eu que agradeço. Estou dançando com a garota mais incrível, linda e inteligente de todo o colégio. Talvez eu até consiga parecer menos esquisitão depois disso.
riu, empurrando-o de leve.
- Mas você ainda está me devendo companhia ao teatro.
- Eu sei. Com certeza, eu darei uma chance a essa ideia. Por você.
FIM
Nota da autora:
O que eu fiz da minha vida com esses ficstapes, meu Deus? Espero que tenham gostado mesmo sendo tão pequenina.
Para mais informações sobre minhas histórias, entrem no grupo.
Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Stitches
03. I Did Something Bad
04. Someone New
04. Warning
06. If I Could Fly
08. No Goodbyes
10. Is it Me
13. Part of Me
13. See Me Now
15. Overboard
4th of the July
Dark Moon
Side by Side
O que eu fiz da minha vida com esses ficstapes, meu Deus? Espero que tenham gostado mesmo sendo tão pequenina.
Para mais informações sobre minhas histórias, entrem no grupo.
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