CAPÍTULOS: [Capítulo único]






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Capítulo Único


Cores. Muitas cores! Um colorido de uma vivacidade que eu jamais havia visto antes. Eram borboletas. Milhares delas! Borboletas de todos os tamanhos, voando em volta da minha , pousando nela, brincando, deixando sua imagem multicolorida também. Ela dançava, com as mãos para o alto, como um dia tinha dançado, no meio da minha sala. Seus cabelos se movendo para todos os lados, levados pelo vento e pelas borboletas. Seus olhos se iluminavam, sorrindo para mim, enquanto seus lábios se curvavam timidamente. Em sua dança sensual, ela fechava os olhos, se entregando, mas então tudo mudava. Ao me encarar de novo, eles não tinham vida. Voando, já não havia borboletas, mas mariposas negras. E não havia . As mariposas eram ela, ela era feita de um negro fosco, que tirava meu ar, mas não de um jeito bom. E, então, como se tivesse havido uma explosão, os insetos voavam em todas as direções...
E eu acordei, suado, com o coração disparado, angustiado, e olhei em volta, me dando conta de que aquele pesadelo era só uma metáfora, mas tinha mesmo perdido o brilho de alguma forma, e escapado de mim. Ela tinha ido embora, na noite anterior. Tinha esperado por mim, com as malas prontas, e se despedido, dizendo que eu podia ligar, se quisesse, mas de uma forma tão indiferente e fria que me fizera acreditar que talvez fosse melhor até ignorar que eu tinha seu número gravado em meu celular.
A única coisa não tão ruim de toda essa história era que eu não podia me culpar. Eu não tinha culpa mesmo. Não dessa vez! Eu não tinha sido o cara que a dispensou.


subiu, apressada, as escadas do metrô da estação de Piccadilly Circus, andou algumas quadras que pareciam intermináveis naquele frio todo, e entrou no O’Neills Pub, sentindo logo um alívio, em relação à temperatura. Em compensação, alguma música da Rihanna tocava no andar de cima, onde ficava uma espécie de pista de dança, alto o suficiente para chegar a seus ouvidos, e, por mais que ela até gostasse de algo daquele tipo, quando ia ao bar com as amigas e queria dançar a noite toda, naquele momento não poderia estar menos no clima. Sequer estaria ali, se ou tivesse atendido a porra do celular!
Andou até os fundos do primeiro andar, onde havia um balcão, atrás do qual um rapaz enchia uma grande caneca com chope, e sentou-se em um dos três bancos que havia ali, todos desocupados, ao contrário das mesas, que estavam bem cheias, o que não era incomum às sextas-feiras, mesmo quando os termômetros londrinos marcavam temperaturas abaixo de zero.
?” Perguntou, surpresa, ao reconhecer quem fazia as vezes de barman.
“Oi, .” Ele cumprimentou, olhando para ela por apenas um segundo, e continuando a servir a bebida, que colocou, então, junto a outras, em uma badeja, logo recolhida por um garçom.
“O que você tá fazendo aí atrás?” Indagou, quando ele se aproximou.
“To dando uma força pro Sam. Ele tava sozinho com os garçons, e tá cuidando das coisas lá em cima.” Respondeu, já recebendo de outro funcionário um novo pedido.
“Cadê o meu irmão, o Mike e aquele barman que eles tinham contratado, na semana passada?” Continuou conversando, enquanto ele começava a preparar algum drink que ela não reconheceu, logo de primeira.
“O Mike foi viajar com a Naomi. O barman foi destratado pela sua mais nova cunhada ontem e, provavelmente não por coincidência, não apareceu pra trabalhar hoje. O seu irmão, por sua vez, disse que ia sair com a tal Mariah, porque era aniversário de alguma amiga dela.”
“Hum...” Ela fez uma careta. “Confesso que eu tenho alguma culpa nisso. A tal Mariah estuda comigo e fui eu quem a trouxe até aqui, há alguns dias. Só não pensei que pudesse ficar sério.”
“E quando não fica sério pro seu irmão?” Ele indagou, se apoiando no balcão e aproveitando que não havia mais pedidos, por enquanto. “Ele já deixou logo a garota se sentindo a quarta dona do lugar e – me desculpe, já que ela é sua amiga, mas – ela se achou no direito de tratar o cara de uma maneira que nem ele, o Mike e o Sam tratam ninguém aqui.”
“Ela não é minha amiga, é minha colega de faculdade! Se eu soubesse que era bestinha assim, tinha dado um toque no . Se bem que... não sei se ia adiantar muito, né?” Riu. era seu irmão mais velho e adorava dar palpite em sua vida, mas achava que a recíproca não podia ser verdadeira, justamente porque ela era a pirralha. Na verdade, a diferença era de pouco mais de um ano, mas ele tratava as coisas como se fosse um sábio e ela uma imatura. A essa altura da vida, ela não só tinha se acostumado, como passado a achar graça.
“Eu nem te perguntei. Você quer uma Foster?” Ele questionou, lembrando-se que ela costumava pedir sempre esta mesma cerveja, quando ele era barman naquele mesmo bar, no primeiro ano de faculdade. Na época, , Sam e Mike eram seus colegas de faculdade e frequentavam o local, justamente porque ele trabalhava lá. Depois, resolveram comprar o lugar e usar os conhecimentos adquiridos no curso de Administração em seu próprio negócio. Tinham-no convidado, é claro, mas optara por fazer estágio no escritório de uma grande empresa, e isso não era compatível com tomar conta de um bar.
“Não, não. Hoje, eu quero uma dose de vodca, por favor.”
“Tem certeza?” Ele franziu o cenho. “Se você quer dar uma variada, eu posso preparar um drink pra você. Eu ainda me lembro como se faz, e eu era muito bom nisso... sem querer me gabar.” Sorriu.
“Não mesmo. Vodca pura! Esses drinks e até mesmo cerveja são muito... mulherzinha.” Disse, fazendo cara de desdém.
“Ei!” Ele se inclinou no balcão se aproximando o máximo que podia. “Eu não sei se você sabe ou se vai ser uma informação assustadora pra você, mas... você é uma mulher.”
“Engraçadinho!” Torceu o nariz. “Mulherzinha, no sentido de bobinha, fraquinha... você entendeu! Me dá logo essa vodca.” Ele levantou as mãos, como se estivesse se rendendo, e depois providenciou a dose que ela tanto desejava. Virou-se de costas, para providenciar novas bebidas solicitadas por um dos garçons e, quando olhou na direção dela, outra vez, a garota apontava o copo vazio, indicando que queria mais.
“Você tá querendo que eu tenha problemas com o , hum?” tinha servido uma segunda dose para , sem dizer nada, mas protestou, quando ela pediu a terceira.
“Ele nem vai saber!” A menina o encarou, tentando fazer a carinha que o Gato de Botas fazia nos desenhos, mas ele continuou hesitante, com a garrafa na mão. “Já que ele não tá aqui, quando eu mais preciso dele, eu vou, pelo menos, aproveitar e encher a cara, como eu to merecendo fazer, ok?” Ele deu de ombros e encheu o copinho de mais ou menos quatro dedos de altura. Talvez, se ele não a servisse, ela fosse beber em outro lugar, onde ele nem mesmo poderia tomar conta dela para o amigo. “Pensando bem, é até bom que ele não esteja aqui, porque um porre, hoje, vai me fazer muito melhor do que qualquer tentativa de conselho dele faria.” a ouviu dizer, antes de virar a terceira dose.
Obviamente, ela pediu uma quarta, que ele serviu sem discutir, antes de sair de perto, para continuar seu trabalho provisório. Felizmente, havia outros clientes, e ele ganharia tempo, antes de colocar uma quinta dose à disposição de . Eles não tinham muita intimidade, mas ela era a irmã caçula de um dos melhores amigos dele, e o comportamento dela estava um pouco fora da curva, o que o estava deixando genuinamente preocupado, não só pela possibilidade de deixa-la muito bêbada, e ter seu fígado moído e comido no jantar, com batatas inglesas.
“Já que eu estou sendo obrigado a te servir – sob protesto, diga-se de passagem –, será que ao menos eu posso perguntar o que houve, pra você querer se afogar em álcool desse jeito?” Disse, ao servir mais um pouco de vodca para ela, depois de enrolar tanto quanto pode.
“Meu namorado terminou comigo. Nenhum drama, na verdade.” Deu de ombros.
“Nenhum drama?” Ele cruzou os braços na frente do corpo, encarando-a. “Sabe? Me parece bem dramático, olhando daqui.”
“É que aconteceu hoje, aconteceu comigo, e não é a primeira, a segunda, nem a terceira vez!” Bufou. “E, dessa vez, eu decidi beber, como vocês homens fazem. Seria drama, se eu estivesse chorando, na minha cama.” Completou, irritada.
“Me desculpa... eu não quis...”
“Tudo bem, .” Ela interrompeu, colocando a mão sobre a dele, que estava apoiada no balcão, para mostrar que não tinha se chateado. Não com ele. “Eu também acharia dramático, olhando pelo seu ângulo de visão. Só que, quando eu digo que não teve nenhum drama, é porque, hoje, não teve drama algum mesmo. O já tinha dado todos os sinais de que eu e ele não estávamos na mesma página, e fui eu que não quis enxergar, como eu sempre faço, pensando que eu vou mudar as coisas... achando que vou fazer o cara se apaixonar por mim! Fui eu quem acabou obrigando ele a dizer com todas as letras que eu tava confundindo tudo, que eu queria mais do que ele podia dar.”
“Entendi.” lamentava muito, mas ele nunca tinha estado naquela posição, para conseguir dizer nada melhor que isso. Apenas serviu mais uma dose. Cuidaria de , caso ela passasse mal, mas não iria questionar a maneira da garota de lidar com o próprio problema, ainda mais não tendo a experiência necessária.
“Eu definitivamente devo ter algum defeito muito grave! Ou é um puta de um carma de outras vidas... esse azar da porra.” disse, quando mais essa dose fez efeito em seu organismo. Se não fosse pelo conteúdo desconcertante, teria rido do jeito dela. “Nenhum cara se apaixona por mim! Nenhunzinho, ! Nem aqueles por quem eu fiquei perdidamente apaixonada, nem os outros, com quem eu fiquei porque meus amigos diziam que eles eram perfeitos pra mim. Nenhum mesmo. Todos acabam não querendo nada sério.”
“Olha, sobre isso eu posso te falar: a maioria dos caras não quer nada sério! E isso não é nada com você, .” Assegurou. “Você obviamente deve ter defeitos, como todo mundo, mas tenho certeza de que você não tem nenhum problema grave.”
“Mas o ...”
“Seu irmão é carente.” Ele riu. “É sério! Seu irmão é exceção.”
“Eu sei que vocês, homens, gostam de liberdade. Mas eu também acho que, quando um cara se apaixona, as coisas mudam. Quando alguém ama, de verdade, é claro que não vai querer ficar sem a pessoa.” Ela revirou os olhos.
“Pois eu acho que muitos caras já devem ter se apaixonado por você, sim. Eles só ficaram com medo. Eu já me apaixonei e nunca me comprometi, pra valer.” Falou, e voltou a atenção para um cliente que se aproximara do bar, para perguntar algo. ficou ali, pensativa, sozinha com aquela nova perspectiva dada por ele sobre como agiam os homens.

Eu me lembro muito bem dessa conversa e eu estava sendo completamente sincero quando disse isso a .
No ensino médio, eu tinha conhecido Whitney e tinha deixado de lado todas as outras garotas, para passar meu tempo apenas com ela e meus amigos. Em uma época em que eu só pensava em seios, ela apareceu com aqueles olhos verdes, aquele sorriso tímido, e atraiu minha atenção, mais do que qualquer decote usado pelas líderes de torcida que acompanhavam o time de basquete em que eu jogava. Convidei Whitney para o baile de formatura e ignorei o convite da garota mais popular da escola, que insinuara até que poderíamos dormir juntos, depois da festa, mesmo sabendo que minha convidada provavelmente não acabaria a noite na cama comigo. Fui até a casa dela e até posei para fotos, quando sua mãe pediu, mesmo me sentindo desconfortável, mas decidi passar as férias nos Estados Unidos, usando a viagem como uma desculpa para terminar tudo, depois de ter sido convidado para um jantar em sua casa, com toda a família.
Logo na primeira semana de faculdade, eu literalmente esbarrara com Hollie, em um dos corredores, enquanto procurava minha sala. Por acaso, ela estava indo para a mesma aula, e tínhamos mais três disciplinas em comum. No final de semana, mostrei tudo em Londres a ela, que era canadense e tinha se mudado havia pouco tempo. Grudamos um no outro feito chiclete em sola de sapato, e eu achava que nada podia me deixar mais feliz que ouvir a risadinha contida que ela dava, cada vez que eu contava piada ou fazia graça, de algum outro jeito. Tudo parecia perfeito, até eu encontrar calcinhas dela na minha gaveta, que eu coloquei imediatamente em uma sacola e devolvi, no mesmo dia em que disse a ela que tínhamos ido rápido demais, e eu precisava de um tempo.
Pouco mais de um ano depois, tinha encontrado Sarah em um ponto de ônibus. Ela havia sido minha vizinha, quando eu ainda morava com meus pais, mas ambos tínhamos nos mudado e perdido o contato. Trocamos números de telefone e nos encontramos dois dias depois, para tomar um café, que virou uma noitada no O’Neills, que virou uma madrugada de sexo na casa dela, que virou um café da manhã juntos, que virou uma tarde de mais sexo na casa dela, que virou semanas de muitos encontros quentes, mas também de muita conversa, brincadeiras... até Sarah comprar uma escova de dentes para mim e colocar ao lado da dela, em um copo que ficava sobre a bancada da pia do banheiro, e eu me tornar o cara mais ocupado do mundo com trabalho.
Então, sim, eu estava sendo completamente sincero com . Eu achava que tinha amado aquelas garotas, e que tinha apenas me apavorado com a possibilidade de compromisso. Eu tinha deixado todas elas, como , e outros miseráveis antes dele, tinham feito com . Essa culpa eu não tinha em relação a ela, porque fora ela quem me deixara para trás, perdido e confuso.
Eu estava contente por não ser o cara que a dispensou, mas eu estava mais triste do que nunca, provando do meu próprio veneno.


acordou em uma cama estranha, em um quarto estranho, de uma casa estranha. Sua cabeça estava latejando, mas, ainda que aos poucos, ela foi se lembrando de tudo. Mesmo quando bebia bastante, e ficava tonta na hora e com ressaca no dia seguinte, ela não era de ter amnésia alcoólica. Lembrou-se de ter tomado várias doses de vodca, de ter conversado muito com , de não ter sido atendida por , para quem tentou ligar mais algumas vezes, e de ter recebido uma resposta de no whatsapp apenas quando já tinha aceito a oferta generosa de , que oferecera a casa dele para ela passar a noite.
Na verdade, ele a intimara, depois de saber que a razão pela qual a menina tinha ido ao bar, atrás do irmão, não tinha sido necessidade de desabafar, mas sim de pedir para cair no sofá dele por um tempo. Não havia clima para que ela continuasse morando na república em que morava, mesmo que cada um tivesse seu próprio quarto. Ela sabia que todos, incluindo o próprio ex, a olhariam com aquela cara de pena característica, com a qual as pessoas olham quem levou o pé na bunda - nas palavras usadas por ela mesma, quando contou ao amigo do irmão sobre a roubada em que se metera, ao decidir tentar a sorte, ficando com um colega de república.
Havia, no criado-mudo, um copo, uma garrafinha de água mineral e um comprimido de analgésico, esperando por ela. Afinal, sabia cuidar bem de seus hóspedes e entendia de ressaca. Depois de tomar o remédio, de usar o banheiro da suíte onde estava e de trocar a camiseta que ele tinha emprestado a ela, por sua própria roupa, ela encontrou o rapaz na cozinha, e ele mostrou ser melhor anfitrião ainda, recebendo-a com um belíssimo café da manhã.
“Bom dia.” Cumprimentou.
“Bom dia. Como você tá se sentindo? Ressaca muito braba?”
“Dor de cabeça, mas já vai passar, graças ao remédio que você deixou pra mim. Obrigada.”
“De nada.” Ele sorriu. “Eu comprei algumas coisas pra gente comer. Tá mais pra hora do almoço, mas, mesmo assim, eu achei que cairia melhor um café.”
“Eu não tenho nem como te agradecer, .” Ela disse, mostrando concordância ao sentar à mesa e abocanhar um croissant. “O meu irmão está muito bem de melhor amigo! Ele me deixou na mão, mas eu vou ter que perdoar.” Riu.
“Tá tudo certo.” Ele assentiu. “Inclusive, eu queria te falar que você pode ficar quanto tempo quiser. Não acho mesmo boa ideia você continuar na república onde o cara mora, mas também acho uma furada ir pra casa do seu irmão, pra ficar num sofá. Não esquece que ele mora com o Mike e o Joe, a Naomi vive lá, e agora a Mariah também. Eu tenho um quarto de hóspedes, com uma cama que não vai te deixar com dor nas costas, e quase não faço barulho.” Riu.
“Eu não posso te dar esse trabalho, . Eu te agradeço muito, mas...”
“Não é trabalho nenhum! Eu não disse que vou fazer sua cama ou cozinhar pra você, disse?” Foi a vez dela de rir.
“Tem certeza que não é muito abuso? Eu posso ficar com a .”
“Não é ela que mora num quarto, no campus da Universidade?”
“É...” Ela respondeu, suspirando. “É por pouco tempo, ok? Eu vou arrumar um lugar, bem rápido. E – juro – você não vai nem perceber que eu to aqui. Obrigada, !”
“De nada, garota.” Ele revirou os olhos, principalmente porque, na realidade, ele estava com uma baita intuição de que iria querer, sim, notar – e bastante – a presença dela por ali.
“Desculpa o abuso, mas por que um universitário solteiro tem um apartamento de dois quartos?” Ela não conseguiu conter a curiosidade e perguntou, quando já estava comendo o terceiro croissant.
“Insistência da minha mãe, que disse que precisava ter um lugar para dormir, quando viesse me visitar.”
! Então, eu não posso ficar!” Reclamou.
“Ei! Relaxa!” Ele sorriu amplamente. “Não é como se ela dormisse mesmo. Ela mora a meia hora daqui! Ela só quis um pretexto pra alugar um apartamento melhor.”
“Hum...” Ela bebeu um gole de suco de laranja, enquanto ele servia um pouco mais do de uva para si.
“Eu não sei se o seu irmão já comentou, mas eu quis sair de casa, logo que fui pra faculdade, mesmo não tendo mudado de cidade. Eu queria o meu espaço, queria não ter todos os meus passos vigiados, e, principalmente, queria não escutar, dia e noite, que eu deveria trabalhar com meu pai, nas empresas dele. É claro que eu não consegui ficar absolutamente independente ainda. Eles pagam o aluguel, por exemplo. Mas, desde então, eu tento depender o mínimo possível...”
“Foi por isso que o filho de magnata trabalhou de barman.”
“Yep. Até porque, se dependesse da minha mãe, eu teria pego um cargo na diretoria aos dezoito anos, mas não é assim que a banda toca. O meu pai é um cara coerente, e ele disse que eu seria estagiário. E eu concordo com ele que era assim que eu precisava começar, sabe? E mais: eu tinha que estagiar quando eu já tivesse algum conhecimento de administração e quando alguém me contratasse por isso, e não por eu ser o herdeiro.”
“Eu te entendo.” já tinha descoberto que era bom amigo, bom anfitrião, e, agora, tinha acabado de descobrir também que ele queria ser um profissional de valor, e reconhecido como tal.
“Uau!” Ela pensou com seus botões. “Um cara maravilhosamente lindo e gostoso como ele ainda podia ter tantas outras qualidades? Era por isso que ele era galinha! Todo mundo tem que ter algum defeito, certo?”
“Eu não tenho uma chave pra te dar, . A cópia fica com a moça que faz a limpeza, uma vez por semana. Coisa da minha mãe.” Sentiu necessidade de acrescentar. “Eu posso te encontrar na república, e aproveitar pra te ajudar a trazer suas coisas.” Ele não percebeu que a tirara de seus devaneios, mesmo que ela tenha apenas assentido.

******


entrou no apartamento, colocando as chaves sobre um aparador, que ficava perto da porta. Tirou o sobretudo e perdurou no cabide, se livrando ainda das luvas e do cachecol. Escutou um barulho incomum, vindo da sala de estar. Normalmente, quando ele chegava do estágio, já estava no quarto dela, de portas fechadas, fazendo sua presença bem imperceptível, como tinha prometido, o que, aliás, era uma pena. Muitas vezes, eles tinha pensado em bater e convidá-la para jantar com ele ou ver um filme, mas também tinha ficado com medo de incomodar.
“Hey!” Ele demonstrou surpresa, ao vê-la assistindo televisão na sala.
“Oi, .” Ela mordeu o lábio inferior, sem jeito. “Você chegou mais cedo hoje, né?”
“Aham. Não tinha muito o que fazer.”
“Me desculpa. Eu to aqui há quinze dias e, ao invés de estar procurando algum lugar pra ficar, pra te devolver sua suíte e seu sossego, eu to na sua sala, vendo um dos seus DVDs... mas é que eu não resisti.” Ela mordeu o lábio de novo e ele percebeu que era o jeito dela de ficar envergonhada, mas era tão fucking sexy que o tinha deixado sem resposta por alguns segundos.
“Hum... é...” Ele pigarreou, limpando a garganta. “Relaxa, ! Você pode ficar quanto quiser... eu já disse.” Então se aproximou, olhando para a tela. “Eu só não sei se posso te perdoar por ver um dos meus filmes favoritos sem me convidar.” Brincou.
“Sério? Eu também amo. Já perdi as contas de quantas vezes assisti! Mas o Marty McFly acabou de conhecer a mãe dele jovem. Tá no comecinho! E eu não me importo de colocar do início, se você fizer pipoca, já que eu não fiz porque sempre como o pacote todo e depois quase morro de culpa.”
“Fechado!” Ele falou, empolgado até demais. “Vou trocar de roupa e já volto com a pipoca.” Completou.
Um filme não foi suficiente e eles acabaram assistindo aos três. Era tarde da noite quando acabou, e os dois provavelmente teriam dificuldade para acordar, no dia seguinte, e ir à aula, mas De volta para o futuro fazia algumas horas a menos de sono valerem à pena.
, eu esqueci de uma coisa.” Ela falou, quando estavam recolhendo o saco da pipoca, os copos usados para tomar coca-cola, e mais alguns pacotes de guloseimas que tinham ficado espalhados pela sala, antes de, finalmente, irem dormir.
“O que foi?”
“Eu peguei sua correspondência com o porteiro. Tá aí na mesinha de centro.” Ela disse, levando as coisas que havia pego para a cozinha.
“Eu não acredito que ela fez mesmo isso!” Ouviu dizer, algum tempo depois.
“Oi?” Ela voltou à sala.
“A minha mãe. Ela tinha falado que mandaria pra mim os convites que ela e meu pai receberam, pra uma vernissage de um amigo dela. Eu gosto de arte, visito museus, mas eu não curto essa coisa atual, que vira arte só porque alguém de renome disse que é. E o evento em si, com certeza, vai ser um saco! Ainda mais se o cara resolver puxar meu saco por ser filho dela, e me apresentar a outros artistas, pra que eles façam o mesmo.”
“Puxar o saco?”
“Minha mãe é colecionadora e eles ficam em volta delas como moscas em volta do lixo!” se incomodava muito com bajulação interessada. Ele fugia desse tipo de evento até mais por isso do que por falta de vontade de dar uma oportunidade ao novo, e analisar ele mesmo se era algo que ele também chamaria de arte com prazer.
“Não vai.” Ela deu de ombros, mas percebeu que ele ficou abatido, encarando os convites em sua mão. “Ela faz muita questão?”
“Normalmente, eu consigo fugir de ir com ela. Só que ela vai estar com o meu pai em Nova York, nesse dia, e ela tá contando comigo pra representá-la.
“Fica menos chato se eu for com você?” Ela se ofereceu, espontânea. “Ai! Desculpa... que abuso.” Ela cobriu o rosto com as mãos.
Abuso? Essa foi a melhor ideia que você já teve, ! E, se você se sentia em dívida comigo, você vai quitar nessa vernissage.” Ela tirou as mãos do rosto e sorriu de um jeito tão verdadeiro, que ele sentiu vontade de pegá-la no colo, e foi bem difícil se conter.

******


“Uau!” ficou, de repente, sem vocabulário, como se fosse uma criança de meses, quando viu arrumada para a vernissage. Ele respirou fundo, procurando mais alguma palavra, mas foi ela quem quebrou o silêncio.
“Ei! Para de me olhar assim! Eu fico sem graça.” Ela não era propriamente uma menina tímida, mas ele a estava olhando de um jeito que a fazia sentir-se realmente deslumbrante. Claro que isso era bom! Um cara lindo como ele, vestindo um terno elegante, que também a estava deixando sem fôlego, se mostrar sem palavras diante dela, era bom demais para o ego! Mas, por outro lado, ele nunca tinha demonstrado qualquer interesse e, de uma hora para outra, resolve demonstrar tão efusivamente que reparou nela? Isso assusta!
“Desculpa.” Ele ajeitou a gravata, se ocupando de algum modo. Talvez não tivesse sido tão boa ideia assim sair com , já que ela era a caçulinha de um amigo seu, e a vontade que ele estava sentindo de beijá-la, naquele momento, ia demandar uma luta e tanto, para ser combatida. “Vamos?” Abriu a porta e seguiram para o evento.
Tudo o que previra se confirmou: o artista elogiou toda a árvore genealógica da família dele, em um monólogo que durou entre dez minutos e a eternidade, apresentou e a acompanhante a outros artistas, que também falaram da mãe dele, como se ela fosse a perfeição esculpida em diamante, e os quadros... Oh. Meu. Deus.. Dizer que eles eram de gosto duvidoso era bem pouco, e ficou se perguntando quem tinha sido o louco da vez que tinha dado sua palavra de especialista e dado aval para que tudo aquilo fosse exposto ao público como obra de arte.
e evitavam se olhar, pois, a cada obra que a etiqueta os obrigava a parar para observar, precisavam segurar o riso. Até que, em determinado momento, estavam diante de algo tão bizarro, que se viraram um para o outro, automaticamente, e tiveram uma crise de riso, daquelas que vão ficando cada vez piores, porque a gente começa a rir também do riso do outro e ele do nosso, e é como uma bola de neve descendo uma grande montanha.
Ele segurou a mão dela e a puxou para fora da galeria, antes que o expositor da noite percebesse o que tinha ocorrido. Entraram no carro, ainda aos risos, e enxugou o rosto de , que tinha lágrimas, formadas graças à força das gargalhadas impossíveis de conter.
“Meu Deus, ! Que saudades de Picasso e Dali.”
“De Miró... Monet... Modigliani...Na boa, eu não sei como uma pessoa como a minha mãe, que visita museus com frequência, que tem obras de grandes artistas, que estudou arte, consegue levar isso a sério!”
“Realmente, eu achei que você tava exagerando, mas foi muito ruim.”
“Ela já me levou a alguns muitos bons, pra não dizer que qualquer coisa contemporânea é uma merda... longe disso. Mas... eu não devo saber nada de arte mesmo, se esse cara é artista.”
“Nem eu.” Riu.
“Desculpa pela roubada.”
“Nós estamos empatados agora, lembra?” Ela deu uma cotovelada brincalhona no braço dele. “Maaaaaas, caso você agora esteja se sentindo em dívida, você pode acabar com isso, de uma vez por todas, me pagando um lanche no Burger King.”
“Fechado!” Ele esticou a mão para ela, que a apertou, selando o acordo. Terminaram a noite, conversando sobre arte e outros assuntos, e tiveram acessos de riso várias outras vezes.
E, mesmo não tendo feito sexo, beijado ou mesmo tocado nela, a não ser por aquele único aperto de mão, teve certeza de que tinha sido uma das melhores noites da vida dele.

******


“Oi, !” cumprimentou , que estava sentada à mesa, na cozinha, olhando um livro. Era sábado, ele tinha voltado de sua corrida matinal e ela tinha acordado há pouco tempo. Ainda estava, inclusive, usando o short e a camiseta do pijama, e ele se esforçou muito para não olhar na direção dos seios dela. A atração que estava sentindo por já não era mais algo que ele pudesse negar a si mesmo, mas estava tentando se manter discreto, na esperança de que ela não percebesse.
“Oi!” Ela respondeu de volta, sorridente. Também estava atraída por ele e percebia que ele, agora, a olhava como mulher, o que não acontecia antes da fatídica noite em que lhe dera o fora, mas isso não queria dizer que algo fosse acontecer. Na verdade, era melhor que não acontecesse, para que depois não ficassem ambos constrangidos, já que ele era amigo de , e não era como se eles pudessem simplesmente nunca mais olhar para a cara um do outro. Isso não impedia, no entanto, que o diabinho que vivia dentro dela a fizesse jogar um pouco de charme, de vez em quando.
“O que é isso?” Ele se aproximou, olhando o livro.
“Borboletas.” Ela comentou o que já era óbvio, afinal ele estava vendo.
“Você estuda isso, né?” Perguntou.
Ainda não. Eu estudo ciências biológicas e tive uma disciplina sobre entomologia, que é o estudo dos insetos.” Explicou. “Mas, agora que a faculdade está acabando, eu vou me candidatar pra pós de entomologia e, então, eu pretendo me especializar em Heteropterologia, que é o estudo das borboletas e das mariposas.”
“Sério?” Ele franziu a testa e ela riu.
“Eu sei que borboletas são lindas e mariposas são feias, e até meio assustadoras. Tem gente que tem até fobia delas! Mas elas são meio parentes e eu tenho que estudá-las também.”
“Mas por que borboletas?” Ele continuou com o cenho carregado. “Tudo bem que elas são bonitas, mas... Estudar borboletas?”
“Eu sei que é estranho.” Ela riu. “Mas isso nasceu comigo. É algo que eu não sei explicar! Eu gosto delas, desde criança. Sempre fiquei encantada, e achava uma pena que elas raramente aparecessem. E fiquei mais fascinada ainda quando soube como é a vida delas, que elas são lagartas, que passam por uma fase de casulo, depois saem voando, coloridas, livres...”
“É. Pelo jeito como você fala, eu vejo que é uma paixão mesmo.” Ele entendeu e sorriu.
“Qual é a mais bonita dessas?” Ela quis saber dele, apontando para a página.
“Eu... não sei.” Ele olhou com atenção, mas ficou na dúvida entre duas. “Por quê?” Questionou, encarando-a e sorrindo.
“Eu vou fazer uma tatuagem, hoje.” Sorriu de volta.
“Tatuagem? Mesmo?”
“Por que, ? Vai me dizer que tem problemas com tatuagens?”
“Não! Eu até tenho uma nas costas... você só não tinha comentado.”
“Eu resolvi ontem mesmo e marquei pra hoje. Eu sempre faço uma borboleta, quando acontece alguma mudança na minha vida.” Ela não comentaria qual era a mudança, desta vez, mas tudo bem se ele perguntasse. Ela tinha decidido se preocupar menos com ter um relacionamento, e mais com curtir a vida e suas infinitas possibilidades.
“Você já tem outras, então?”
“Duas.”
“Onde?” Ele perguntou muito espontaneamente, se arrependendo quando a viu corar, o que não era nada comum.
“É... íntimo.” Riu.
“Desculpa.” Ele sentiu um calor tomando conta de si e se afastou, indo até a geladeira e se servindo de água. “Faz a azul. É linda.”
“Você me faz companhia, mais tarde?” Ele não tinha nenhum compromisso e estar com ela era seu maior prazer, nos últimos tempos. Mais precisamente, por todo o último mês, durante o qual, inclusive, com a desculpa perfeita que era ter uma hóspede, não tinha levado nenhuma garota para a cama.

******


“E aí?” entrou na sala, onde estava jogado no sofá, assistindo a um jogo de futebol qualquer.
“Oi, .” Ele se ajeitou no sofá, sentando-se para olhar para ela. “Vai aonde, linda assim?” Sentiu-se um pouco enciumado, mas não usou nenhum tom que denunciasse isso, apenas deu a ela um sorriso cheio de malícia. A cada dia, ficava mais difícil se conter, principalmente porque ela também parecia estar a fim. Uma parte dele queria que ela arrumasse um lugar para morar, para a tentação ir para longe, mas esta parte era pequena demais perto daquela que adorava tê-la por perto, com aquele sorriso lindo, um perfume inebriante, a risada quase escandalosa que dava, quando achava algo realmente engraçado, a voz, os olhos, o corpo... ela!
“Eu ia, do verbo não vou mais, porque minha amiga comeu demais e está sentindo o efeito catástrofe". Ele soltou uma gargalhada e ela queria se manter zangada, mas não conseguiu evitar uma leve levantada dos cantos de sua própria boca.
“Desculpa, . Sério... eu não gosto de rir da desgraça alheia. Nem da sua, que, pelo jeito, queria muito sair, nem da dela, que – coitada, né? Quem já passou por isso, sabe. Mas é que o seu jeito de falar é... hilário!”
“Se nada der certo, eu vou ser comediante.” Ela disse, sem humor, sentando-se ao lado dele. “Mas é verdade: eu queria sair. Me arrumei toda, pra nada! E to chateada também porque outra coisa que furou foi o tal aluguel que a Nina disse que ia arrumar pra mim.” Suspirou.
“Eu já te disse...”
“...que eu posso ficar o tempo que precisar. Eu sei. Só que eu não posso me acomodar! É o seu apartamento e já faz mais de um mês e meio.”
“Relaxa.” Riu.
“Eu podia até ir pro O’Neills com você e não perder a noite, depois de me vestir, escovar cabelo e fazer maquiagem.” Comentou. “Mas pra lá eu não to a fim de ir, porque realmente a Mariah e o meu irmão não...”
“Eu vou ficar em casa, . Eu... não to na pilha.” Na verdade, o que ele gostava de fazer no bar era passar um tempo com os amigos, mas só ia estar por lá, naquela noite, e estaria com a namorada. Era um bom lugar para pegação também, mas, sendo bem sincero com ele mesmo, quem ele queria pegar não estaria lá. Na verdade, estava bem ali, e não ia mais a lugar nenhum – o que era ótimo e, ao mesmo tempo, um perigo.
“Sério?” Ela ficou surpresa e mais animada, sabendo que teria companhia, apesar de com um pouco de medo, como ficava sempre que estavam a sós. Não que não fosse comum ficarem a sós, mas cada dia estava mais complicado não fazer uma bobagem do tamanho de uma jamanta e se jogar de cabeça naquele desejo.
“Aham! E eu comprei um monte de porcarias pra comer, bastante álcool, e aluguei uns filmes do canal pago.”
“De repente, ficou bem menos tedioso ficar em casa!” Disse. “E exponencialmente mais perigoso com álcool.” Pensou. “Eu vou colocar uma roupa confortável, pra te fazer companhia.” Ele também percebeu o aumento do risco de perder as estribeiras, considerando-se a quantidade de vodca na geladeira e suas habilidades de barman, mas o anjinho dentro dele vinha trabalhando demais nos últimos tempos e adormeceu, deixando o diabinho pronto para se aproveitar de qualquer oportunidade.
fez drinks para os dois com frutas e vodca, e os apresentou a como seu famoso Yellow Submarine. A bebida era deliciosa e ambos beberam seus primeiros copos, antes mesmo de passado um quarto do primeiro filme. Ele preparou mais dois, e eles beberam até que Os Vingadores II tivesse acabado. Ainda havia mais filmes para ver, mas estava achando um pouco chato fazer isso, no momento.
“Esses drinks lindos, da cor do sol, não combinam com ficar sentado no sofá, vendo filme, por mais que adore todos os Parques dos Dinossauros e tenha certeza de que esse novo deve ser igualmente foda”. Pelo vocabulário escolhido, percebeu que ela já estava alegrinha. “Combinam com música, gente dançando, rindo...”
“Só tem nós dois aqui, . E eu posso te garantir que você não quer me ver dançando.” Riu, mas ela deu de ombros e se levantou, colocando uma das músicas de seu iPod, que já ficava constantemente ligado ao som que ele tinha na sala, para tocar.

Well I met this girl, just the other day,
I hope i don't regret, the things that i said now
And when we're laughing, joking with each other now,
I'm glad I met this girl
She didn't walk away,
I think she was impressed and was having a good time,
And when we're laughing, joking with each other,
Spending all our time together.


As palavras tomavam conta do ambiente, junto com o som dos instrumentos, e as repetia, cantando junto, ao mesmo tempo em que mexia o corpo, com os braços para cima, animada. se perdeu nos movimentos dela, ficou hipnotizado, e sentiu seu corpo reagir à sensualidade que ela exalava, por todos os poros, sem nem mesmo precisar ter qualquer intenção de seduzi-lo. Ela estava entregue à música, de olhos fechados, do mesmo jeito que ele estava entregue nas mãos dela, seus olhos vidrados, quase sem piscar.
“Que foi?” abriu os olhos e deu um sorriso tímido. “Não conhece?”
“É claro que eu conheço McFly, . O que eu não conhecia era essa , dançante e cantante.” Ele sorriu, mais uma vez com a malícia de quando a elogiara, horas antes.
“Eu canto e danço muito bem, tá?”
“Eu não disse o contrário.” Ele respirou fundo e se ajeitou no sofá, tentando disfarçar o que ela, em verdade, já tinha percebido. “Eu vou fazer mais um pra gente.” Disse, levantando-se, pegando os copos vazios, e mostrando-os a ela, que assentiu e voltou a dançar. Ele precisava de um tempo, mas ir à cozinha e preparar mais drinks seria mesmo uma boa estratégia? Depende... quem decidiria se era uma boa estratégia seria seu lado racional, que tinha medo de ser esganado pelo irmão mais velho dela, ou seu lado emocional, hormonal, louco por ela de um jeito que ele jamais tinha nem imaginado que podia ficar por qualquer garota que fosse?
“Vamos brincar de alguma coisa?” A garota pediu, quando ele voltou.
“Como assim, ?”
“Sei lá... verdade ou consequência?”
“Com duas pessoas?” Ele levantou as sobrancelhas.
“E eu nunca? A bebida nós já temos.”
“Eu nunca brinquei disso.” Respondeu, e ela bebeu um gole do drink.
“Eu bebi porque já brinquei. A brincadeira é justamente isso: você fala uma coisa, afirmando que nunca fez, mas bebe se, na realidade, já tiver feito.”
“Ok." Ele respondeu. Talvez já tivessem passado da idade de ficar brincando, mas aquele tipo de brincadeira poderia fazer com que descobrisse mais sobre ela. "Eu nunca beijei um cara.” Começou no terreno do óbvio. Não bebeu e ela bebeu de novo, é claro.
“E eu nunca beijei uma garota.” Finalmente, ele tomou um pouco da bebida.
“Eu nunca fiz sexo no carro.” Ele falou, tomando mais um gole e, quando ela bebeu também, ele a encarou, mordendo o lábio inferior.
“Eu nunca fiz sexo com duas pessoas ao mesmo tempo.” Foi a vez dela de tentar a sorte, mas nenhum dos dois bebeu.
“Eu nunca fui ao Canadá.” Ele disse, rindo de modo irônico. Não bebeu e sabia que ela beberia. e tinham parentes em Vancouver.
“Isso foi trapacear!” Ela finalmente ocupou o lugar no sofá ao lado dele de novo, cansada de ficar de pé. “Eu... deixa eu ver... Eu nunca transei com uma pessoa comprometida.” Não tomou nada e ficou esperando que ele tomasse, mas isso também não aconteceu. “Não é possível, ! Você tá mentindo! Isso não vale!”
“Eu não to, eu juro. Eu posso ter sido meio galinha, mas não sou cafajeste, ok?” Fez-se de ofendido.
“Você é ético a ponto de resistir, é?” Ela lambeu os lábios, de forma provocante. “Resiste só às comprometidas ou... por exemplo, às irmãs dos seus amigos?”
...” Ele engoliu seco, mas não respondeu.
“Ficou sem resposta, é?” Provocou de novo. “Pois eu acho que você não resiste.” Afirmou, indo para o colo dele.
.” Ele falou de novo, querendo chamar a atenção dela, para que ela desistisse daquilo que estava prestes a acontecer, enquanto era tempo, já que ele estava perdendo as forças. Ela, porém, estava decidida a curtir a vida, e era a pessoa perfeita, se ela queria mesmo seguir com esse plano, porque, conhecendo o pensamento dele sobre relacionamentos, não criaria expectativa, como costumava criar com os outros.
“Você resiste, ? Tem certeza?” Repetiu, agora esfregando o nariz no dele, suas bocas a poucos centímetros de distância.
, me escuta.” Pediu. “Se você não sair do meu colo, agora, eu vou te beijar, e, se eu te beijar, você precisa saber que eu vou querer muito mais que isso.” Avisou.
Ele já queria muito mais com ela. Ele queria tudo! Ele não gostaria de magoar a irmã de um grande amigo, mas quem sabe, dessa vez, não fosse ser diferente? Quem sabe não fosse a hora de se comprometer com alguém, ao invés de acabar com tudo, quando as coisas ficavam mais sérias? Por muito tempo, ele não acreditara que isso era possível, nem com sentimentos, mas o fazia querer se segurar nela e não soltar mais. Ela parecia capaz de prendê-lo ao chão, de cortar as asas dele, e de, ao invés de causar pânico, fazê-lo extremamente feliz com isso.
“Eu já quero mais.” respondeu, espelhando o que ele sentia, e então todas as barreiras caíram. Ele segurou-a pela nuca, com a mão direita, e envolveu sua cintura, com o braço esquerdo, e colou os lábios nos dela, iniciando um beijo no qual ambos colocaram todo o tesão que vinham sentindo e contendo.
Foram parar na cama, naquela mesma noite, assim como na próxima e em várias outras. Não havia qualquer constrangimento entre eles e não havia qualquer cobrança. Eles ficavam cada vez mais amigos, mas, agora, além de conversarem muito sobre tudo, rirem e verem, juntos, filmes e séries dos quais nem os amigos dele, nem as amigas dela, gostavam, havia também os beijos e as transas, que eram como cobertura colocada em um bolo já muito gostoso. Eles foram ao cinema, algumas vezes, ao O’Neills e a outros bares, e ficavam juntos na frente das pessoas, quando tinham vontade, mas, se alguém perguntasse se estavam namorando, ela se apressava em responder que não, e ele ficava sem jeito, e mentalmente ensaiava maneiras de dizer a ela que estava apaixonado, e de perguntar se ela queria namorar, mas acabava achando todas horríveis, e deixava para depois.
“Fica aqui, hoje.” Ele pediu, uma noite, quando, depois de transar com ele, estava vestindo o baby doll, para ir para o quarto de hóspedes. “Eu não ronco e prometo não chutar você à noite também.” Brincou. Ela sempre ia embora, na hora de efetivamente dormir, e havia algum tempo que ele queria pedir para ela ficar.
“Tá.” Ela ficou surpresa, mas fingiu que não era nada demais. Tinha que aprender a não supervalorizar certas coisas! O fato de ele querer ficar de conchinha não significava que ele ia querer dar exclusividade a ela e fazer planos para o futuro. Ela tinha aprendido com os erros.
Deitou-se ao lado dele, que a abraçou por trás, e começou a fazer um cafuné gostoso em seus cabelos, enquanto dava beijinhos nas três borboletas azuis tatuadas em seu ombro, que ele adorava quase tanto quanto as quatro borboletas em diferentes tons de lilás que ficavam bem abaixo da marca do biquíni. Ficaram conversando, mas, em algum momento, ela cochilou e não respondeu algo que ele havia perguntado.
Aproveitando que ela tinha dormido, ele sorriu e disse eu acho que te amo, garota... e adormeceu com a maior sensação de paz que já tinha experimentado.

******


entrou em casa, na noite seguinte, super animado, mas seu sorriso se desmontou, quando ele encarou a imagem de , sentada no sofá, perto do qual estavam as mesmas malas que ele tinha ajudado a trazer, e do colega de turma dela, Paul, sentado na poltrona, mexendo no celular.
“Hey, .” Ela disse, tentando parecer normal.
“Oi. É... o que houve?”
“Eu finalmente consegui um lugar... um quarto lá nos dormitórios da faculdade, perto da . O Paul veio pra me ajudar com as coisas, e eu tava esperando pra me despedir.” Sorriu, mas, se, por um lado, sua boca se curvava, por outro, seus olhos não pareciam ter brilho de animação algum. “Muito obrigada, ! Você foi o melhor amigo que eu poderia ter desejado, no momento exato em que eu mais precisei de um.” Falou, com lágrimas nos olhos, e isso, sim, soou verdadeiro.
“Mas...” olhou para Paul e ele se tocou de que o rapaz tinha algo a dizer, então pegou as malas maiores e saiu do apartamento, dando uma desculpa que nem ouviu. “A gente... é... aconteceu alguma coisa? Eu achei que a gente tava se curtindo...”
“Não aconteceu nada, . Eu só tava procurando há muito tempo por um lugar e, finalmente, pintou. Você pode me ligar, se quiser.” Disse, mas ele já tinha se visto nessa cena antes. No lugar de , sempre estava ele e, quando as meninas ligavam, ele então dava mil desculpas esfarrapadas para não se encontrar mais com elas.
“Tá ok.” Respondeu, tentando esconder a tristeza, enquanto seu mundo virava de cabeça para baixo.

Eu estava ali, deitado em minha cama, olhando para o teto, e lembrando de tudo isso, pela milésima vez. Ela tinha deixado o apartamento há quase uma semana e os últimos dias não estavam sendo meus melhores. Eu estava confuso, sem saber se deveria ligar, sem saber se ela tinha ido embora porque não sentia nada por mim, ou se...
De repente, me ocorreu que ela pudesse ter ouvido, quando eu disse que achava que a amava, e que podia ter ficado assustada com isso. Mas – caramba – ser amada não era o que ela queria e achava que não conseguia ter, por algum carma ou defeito insuportável?
Eu precisava saber, ou estaria, sim, sendo o cara que a deixou, mesmo que indiretamente. Eu só poderia ficar bem comigo mesmo, por não ter sido eu quem estragou tudo, se eu lutasse, até o fim, até o último sopro de esperança em meu coração.
Eu só precisava que ela atendesse o telefone e aceitasse me encontrar, mas é claro que ela deu várias desculpas para não sair comigo. E, então, mesmo com todos os meus amigos me chamando de louco e bobo apaixonado, mesmo sendo meu horário de expediente e correndo o risco de perder o estágio, e ter que aceitar ir trabalhar com meu pai, antes da data em que eu pretendia – que seria só depois da formatura –, eu não pude mais esperar e fui procurar por ela.


estava no corredor da faculdade, conversando com e Claire, quando chegou, colocando as mãos nos olhos dela, e fazendo aquela brincadeira, na qual temos que adivinhar quem está atrás de nós. As duas outras meninas saíram de fininho, deixando os dois a sós, e ela fingiu não saber quem era, apesar de ter reconhecido o perfume do qual sentia uma absurda falta.
“O que você tá fazendo aqui, doido?” Perguntou, rindo.
“Você já inventou desculpas demais pra não me ver. Não vou esperar você criar uma história de morte na família, como último recurso.” Brincou, tentando não tornar aquilo uma cobrança pesada.
...”
“Você me ouviu dizer que achava que amava você, não foi?” Ela não respondeu e ficou admirando os próprios sapatos, até que ele levantasse seu queixo. “Você ficou chateada porque eu disse que achava, foi isso? Eu não acho... isso foi só um modo de falar. Eu tenho certeza! Eu amo você, .”
“Não foi o acho que me assustou.” Ela falou, muito baixinho.
“Hum?”
“Não foi o acho que me assustou.” Repetiu, com mais ênfase. “O que me assustou foi que eu quis que você me falasse, sem que achasse que eu estava dormindo. O que me assustou foi que... eu quis dizer de volta! E... , eu não sou como você. Pra mim, paixão, amor... tem a ver com querer a pessoa perto de mim, haja o que houver. Tem a ver com querer a pessoa pra mim... com querer compromisso.”
“Se eu vim até aqui, é porque eu quero tudo isso, ! Eu quero me comprometer, me estabelecer.”
“Você mesmo me disse que isso não aconteceria, . Afirmou pra mim que isso não depende de amor, mas do jeito de cada um, das pretensões e planos, e que não fazia parte dos seus planos, da sua natureza.”
“Eu tava errado!” Ele pegou as mãos dela nas suas. “Eu achava que tinha me apaixonado antes, mas eu não tinha. Ou talvez eu tenha até me apaixonado antes, mas não amado alguém. Eu me apavorava com qualquer coisa que pudesse indicar um relacionamento, mas, com você, eu penso em coisas como almoços de família, suas roupas ocupando mais lugar que as minhas no meu armário, eu contando com a ajuda das suas amigas, pra te dar o presente perfeito, no dia dos namorados, e tudo isso me dá vontade de sorrir!” Os olhos dela estavam marejados e, quando uma lágrima escorreu, ele secou com o polegar, com uma delicadeza tão grande que ela chorou ainda mais. “Eu ouvi um sermão do seu irmão sobre a quantidade de porrada que eu ia levar, se machucasse você, e nem liguei, porque eu sabia que não machucaria. Pelo menos não sem machucar muito mais a mim mesmo.”
“Você tá falando sério, ? Você não vai mudar de ideia quando eu voltar pro seu apartamento, como sua namorada, pra dormir no seu quarto?” Ela testou. Se ele a aceitasse não só como namorada, mas já, de imediato, de volta ao apartamento, ela não teria razão para duvidar de suas intenções.
“Cadê as malas?” Ele perguntou, ao pé do ouvido dela, que riu. “Me dá essa chance, . Eu não vou te decepcionar."

estava linda, em seu vestido azul turquesa, com os cabelos presos em um coque, e uma fina aliança de prata, junto à de ouro, que estava há exatos vinte e cinco anos em seu dedo. Eu tinha uma igual no meu anelar esquerdo e me orgulhava disso, porque era o símbolo da nossa relação, na qual ninguém tinha colocado a menor fé, e que tinha chegado mais longe que a maioria das relações vividas pelas pessoas que nos rodeavam.
Vinte e cinco anos! Era realmente bastante tempo e ela não acreditou, quando eu lhe disse que ela estava mais linda do que nunca, naquela noite, mas, aos meus olhos, isso era a mais pura de todas as verdades.
Nossa filha mais velha, de vinte e três anos, tinha insistido para que fizéssemos uma grande festa e nós não resistíamos a nenhum pedido dela.
E, quando entramos no salão, aplaudidos por todos, mas, ao dançar com a minha , eu senti como se só existíssemos nós dois, do mesmo jeito que tinha me sentido em nosso casamento, eu vi que valera a pena passar meses escolhendo flores, visitando hotéis, clubes e mansões que alugavam espaços para festas, ouvindo as três mulheres da família – mesmo a minha moleca de quatorze anos – falarem de tecidos, e modelos de vestidos.
Mais uma vez, eu podia dizer que eu era feliz – o homem mais feliz do mundo – por não ter sido nenhum dos pobres coitados que a dispensaram.



Fim



Nota da autora: Queria ter feito um trabalho melhor com essa fic. Ela era bem mais legal na minha cabeça! MAS meu maior defeito na vida é ser procrastinadora e, quando enfim eu resolvi escrever o que estava só no campo das ideias, não havia mais tempo... Espero que, mesmo assim, não tenha ficado ruim. Mereço comentários? hehe Obrigada por ler e um beijo grande da Mari. (25/06/2015)

Fics da autora: (lista atualizada em 17/09/2016)

De ficstapes:
03. The guy who turned her down (Memory Lane)
03. Earned it (50 shades of Grey)
05. All You Had To Do Was Stay (1989)
05. Up all night (Up all night)
05. Just one yesterday (FOB)
06. All I have to give (Backstreet boys)
07. Night changes (Four)
07. In your pocket (V)
09. Fire Starter (Demi)
10. Better than revenge (Speak now)
11. This Moment (Prism)
12. I want to write you a song (Made In The A.M.)
14. Blue (Beyoncé)
15. Starlight (Red)
15. Do it (For You)

Outras shorts:
A bruxa tá solta, Insane Mardi Gras e Easter Game (em continuidade)
Corações em pedaços
Fly me to the moon e Moonlight Serenade (continuação)
Nem tudo é relativo
Provocadora gratidão
Season of love

Longas:
A Chave Para O Coração e Momentos chave de nossas vidas (continuação)
Dos Tons Pastel Ao Vermelho
Herança De Grego
No teu corpo
Quando nossos corpos falam
Segura, peão
Um (nada) santo remédio e O que não tem remédio (continuação)
Uma nova injeção de adrenalina

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