Finalizada


Capítulo Único

*Deixe a música tocando.


San Francisco, 1986.


O dia estava ameno, calmo. Os pássaros cantavam e a multidão se deslocava para seguir com suas vidas. Uns corriam contra o tempo, outros apenas apreciavam a paisagem. Arabella, no entanto, rumava em direção ao centro; de seus lábios, podia-se distinguir a melodia de "Helter Skelter" em murmúrios entre tragadas de seu cigarro natural. Usava uma saia longa de retalhos e um par de botas Gatorskin que achara em uma Venda de Garagem na semana anterior por sete dólares. As solas já estavam desgastadas, eram centímetros maiores que seus pés, e o barulho do couro ecológico se contorcendo a cada nova passo fazia Arabella rir. Seus cabelos esvoaçavam junto à brisa morna, e o sorriso em seu rosto arrancava suspiro de muitas bocas masculinas ao seu redor.
Mal notara o tempo que levou até chegar ao seu destino, afinal, não se importava em andar; até preferia. Assim podia sentir o sol quente arder em seus ombros desnudos, o cheiro da terra úmida ao passar pelo parque; escutar o bater das asas dos pássaros e seu canto em uníssono. Não trocaria essa sensação extasiante por chegar minutos mais cedo em seus compromissos. Para o inferno com os horários!
Ajeitou os óculos de sol redondos e reluzentes, como uma tiara em seu cabelo, assim que adentrou o portal luxuoso do estúdio fotográfico. Pôde ouvir a batida intensa de um punk qualquer ecoando por todo o edifício e bufou. Só podia ser coisa dele, é claro.

– Bom dia, ! – Elouise acenou por detrás do balcão e Arabella abriu um sorriso singelo no rosto.
– Ugh – a mulher fingiu uma cara de nojo. – Que horror, Eloise. Sabe que não gosto que me chamem assim. Arabella, por favor – ela piscou à garota miúda da recepção, rindo logo em seguida. As bochechas de Elouise enrubesceram.
– Desculpe! – ela entregou a folha de ponto à hippie à sua frente, que alegremente assinou. – O Sr. já está à sua espera.

Arabella largou a caneta no balcão e virou-se em direção ao corredor. A música ecoava cada vez mais alta, e por mais que seus instintos e princípios dissessem para não se abalar, "apenas deixar rolar". Sua frustração era algo quase impossível de se controlar. Ela não se orgulhava do sentimento nefasto que crescia em seu interior, e a música em si nem era o real problema. Podia muito bem escutar aquele barulho que as crianças de hoje em dia escutavam e apreciavam tão fervorosamente. Ah, não, o ódio que fazia seu corpo tremer ia muito além disso.

– Você está atrasada – escutou ao passar pela porta. O cenário já estava arrumado e a equipe inteira em posições. estava encostado na parede ao seu lado, os braços cruzados e a expressão de menino malvado em seu rosto. A jaqueta de couro preta cobrindo a camisa xadrez preta e vermelha – seu vestuário favorito - contrastava com a sua jeans surrada e rasgada. Em seus pés, um coturno desamarrado. – Gostou da música?
Arabella evitou o contato visual, até porque sabia que não aguentaria ver aquele sorriso de escárnio e malícia em seus lábios. era o perfeito estereótipo de bad boy, não fosse sua cara de bebê e os oito anos a menos. Ora, ele sabia o quanto aquele tipo de música a irritava e sempre que a agência os mandava em trabalhos em conjunto, ele fazia questão de ligar o aparelho de som no último volume. Ninguém da equipe se importava; a maioria até gostava.
– Vocês é que chegaram cedo demais – retrucou, entrando na sala e indo direto à maquiagem. – Seria pedir demais que abaixasse esse lixo fonográfico? Não sou obrigada. – Ele riu, dando de ombros e desencostando da parede.
tomou uma das câmeras Nikon F 35mm em suas mãos e ficou a olhar a mulher de 35 anos mais linda que já vira em toda a sua vida. Os cabelos longos e sedosos que acompanham a linha de sua cintura, os traços simples de seu rosto jovial. Ela era mais do que a sua modelo, era sua musa, sua inspiração. E deixá-la com os nervos à flor da pele, mesmo que soubesse muito bem sobre suas convicções e ideias transcritas pela filosofia do budismo, onde a paz, serenidade e liberdade predominavam nos pensamentos de Arabella, ele adorava vê-la se descontrolar por sua causa. estava ciente do quanto isso era errado, mas não podia evitar e a expressão de ódio em seus olhos , apenas o instigava a continuar com seus métodos de tortura.
Quando a maquiagem ficou pronta, Arabella parecia uma artista dos anos 60. O maiô prata Barbarella dava vida às suas incontestáveis curvas e os cabelos, antes soltos e caídos pelo lombar, agora moldados em cachos e topetes. Ela estava linda e ao mesmo tempo completamente ridícula. riu consigo mesmo e Arabella revirou os olhos.
– Você vai ficar aí rindo ou vai fazer o seu trabalho? – Já posicionada entre as câmeras e o cenário falso atrás de si, Arabella fechou os punhos na cintura, como uma criança mimada. Às vezes se questionava sobre quem realmente era o mais maduro entre os dois.
– Luzes! Peter, ajuste o ventilador, por favor. Não quero muito vento, apenas o suficiente para o cabelo dela ter movimento – Peter assim o fez e logo, o estúdio ficou mais fresco. – Comece com poses simples, Arabella. Nada muito extravagante.
Ela assentiu e começou a posar. O maiô reluzia quando os holofotes focavam-se nele e Arabella mantinha o olhar penetrante e fatal.
O modo como ela se movia com sutileza era envolvente e exalava sensualidade. O mundo parecia entrar em transe quando Arabella modelava. Menos, claro, , que a clicava a cada nova posição, cada novo sorriso, cada olhar. Não havia nada mais exótico do que aquela mulher a sua frente, e por trás das lentes, ele sentia-se no poder e no privilégio de dizer que só ele conseguia enxergá-la daquele jeito. Não era uma simples e mera coincidência que Arabella era escalada exclusivamente para suas campanhas fotográficas. Todos na agência compartilhavam da mesma opinião. Arabella era a modele dele, e ele era o fotógrafo dela. Sem “porém”, sem “mais”.
– Sorria com os olhos, Arabella – ele a instruía, e ela o fazia. A sessão durou cerca de três horas, com cinco trocas de maiôs e maquiagem. – Por hoje é só, pessoal. Acho que conseguimos material o suficiente – disse, depois de tirar sua última foto. Os holofotes se apagaram, o ventilador foi desligado e todos suspiraram; especialmente Arabella, que se sentia presa naquelas roupas de banho sufocantes. Julgava tecidos apertados como figuras de linguagem para o real significado de prisões. Sentia-se presa, claustrofóbica. Mal usava sutiãs, odiava a sensação de algo a prendendo. Seguia rigidamente as crenças de Buda e liberdade como um todo, espírita e fisicamente, era o lema de Arabella.
Arabella não se importou com os olhares famintos do público masculino sobre ela enquanto a mesma tirava o maiô e ficava completamente nua. Nem mesmo conseguiu desviar o olhar de seu corpo coberto de glitter. Com a maquiagem pesada ainda no rosto, ela ria e tagarelava sobre suas últimas aventuras como ativista em protestos contra a utilização da pele de animais em roupas e sapatos. Algo que impressionava a todos ao seu redor, era que ela causara um grande impacto na indústria da moda e principalmente, em sua agência. Só aceitava campanhas onde as roupas distribuídas para o photoshoot eram 100% naturais e produtos e cosméticos, comprovadas por pesquisas especializadas, não providas de testes em animais. Aliás, até tinha sua própria loja de comidas orgânicas e veganas. Arabella era o tipo de mulher genuinamente boa.
Irônico alguém como ela trabalhar como modelo, uma vez chegou a pensar. Ria da contradição e costumava fazer graça. Arabella nunca se importou, de verdade. Tinha seus motivos e razões. A loja era fruto de seu trabalho suado e esforço próprio. A modelagem servia apenas como um dinheiro extra, e não para si, para os outros. Arabella recebia apenas 20% de seu salário, o restante automaticamente era debitado e divido entre três instituições carentes do estado da Califórnia. Mas ninguém, além dela e do pessoal da contabilidade que assinavam os cheques, sabiam disso. E nem precisavam saber.
– Que horas temos que nos encontrar mais tarde? – perguntou à Myrtle, a maquiadora.
– Umas quatro horas, eu acredito. quer pegar o pôr do sol.
– E que horas são agora? – Arabella olhava-se no espelho e limpava o que sobrou da maquiagem de seus olhos.
– Mais ou menos duas da tarde – Myrtle olhou rapidamente o relógio em seu pulso. – Você faz alguma ideia de como vai até lá? Eu sei que você não tem carro e acho que de táxi não dá.
– Ela vai comigo – disse , fazendo a mulher e a garota se exaltarem, em susto. estava à espreita, guardando as câmeras em seus devidos estojos e vez ou outra prestando atenção na conversa, como naquele momento.
– Você realmente acha que eu vou entrar no seu carro e ficar mais de uma hora sentada naquele antro de perdição fedido, exalando à punk e sexo, até a Marin Headlands? – as sobrancelhas de Arabella estavam erguidas e um sorriso sarcástico, no canto de seus lábios. Myrtle deu de ombros e continuou a limpar o rosto da mulher.
– Não sei você, mas eu pretendo acabar essa sessão ainda hoje. Pretende atrasar ainda mais o meu trabalho? – ele retrucou, colocando os estojos dentro de uma mala maior. Seu tom de voz era firme, mas o brilho em seus olhos indicava seu divertimento.
– Tá – ela disse, bufando. Parecia uma criança de cinco anos emburrada por não ter ganhado aquele brinquedo que queria de Natal. apenas riu e ajeitou a jaqueta no corpo, passando as mãos grossas pelo cabelo em seguida.

Os equipamentos já estavam todos embalados e prontos para a viagem. A continuação da sessão seria perto da península de Marin Headlands, onde a vista belíssima para o oceano seria o principal cenário para a campanha. levaria Arabella consigo e os outros iriam com seus carros, respectivamente. O caminho seria longo e ele decidiu partir primeiro.
Os dois já estavam do lado de fora do estúdio e os materiais no porta-malas. Arabella encarou o Puma 64 vermelho estacionado na entrada. Seus lábios tremeram.
– Vamos logo, Arabella. Você sabia que quanto mais rápido você parar de drama, mais rápido a gente vai chegar lá? – ele abriu a porta do carona para ela e ainda indecisa e infeliz com a opção que a cercara, ela entrou no carro. O interior todo fedia a couro queimado e whisky; suas narinas arderam. Ele se aconchegou no banco do motorista e baixou a capota. Agora pelo menos o cheiro se dissiparia e talvez assim, a viagem não fosse tão perturbadora.
– Pronta? – ele virou o rosto para encará-la; o sorriso de dentes brancos e cheio de segundas intenções.
– É, acho que sim – o carro já estava em movimento. – Mas se você colocar qualquer uma daquelas suas músicas horrorosas, eu juro por Deus que eu abro essa porta e pulo.
riu – uma risada rouca e extremamente sensual, Arabella pôde constatar – e concordou com a cabeça.
– Claro! Por que não ouvimos, então, um pouco daquele seu lixo hippie? – mas o rádio continuou desligado.
– Não vou entrar em uma discussão sobre música com você. Até porque, essa batalha já estaria ganha – Arabella pôs os óculos e virou-se para a janela aberta. Seus cabelos voavam e brilhavam a luz do sol. , já com seu ray-ban preto cobrindo os olhos, a assistia de soslaio. Ela ficava ainda mais bonita irritada.
– Tem medo de que meus argumentos sejam tão bons assim, a ponto de nem querer discutir comigo? Ou só está com medo de perder? – Arabella continuou virada para a janela e suspirou profundamente, massageando as têmporas. Cruzou as pernas e as botas de cano alto debaixo da saia ficaram aparentes. – Belas botas, por sinal.
– Obrigada. E por que você não cala a boca e faz dessa viagem um pouco mais agradável? Talvez você devesse rever os seus conceitos, sabe? Meditar de vez em quando. Assim, quem sabe, eu poderia perder meu tempo falando com você – Arabella não desviou o olhar da janela nem por um segundo enquanto falava, mas só por seu tom irritadiço e irônico, sabia que ela estava rangendo os dentes e seus punhos provavelmente estariam fechados. Era engraçado como ele podia lê-la tão bem, sem ao menos realmente conhecê-la.
– Você fala demais, Arabella. Se você fechasse essa matraca ao invés de despejar tanta merda assim, talvez as pessoas gostassem de você – o que ele sabia que não era, de fato, verdade. Arabella era a pessoa mais adorável da face do planeta Terra. Gentil, bondosa e carinhosa. Preocupava-se com o bem estar dos outros e do ambiente. Sua única fraqueza e indisposição provinham daquele ser humano deplorável com o sorriso diabólico nos lábios que dirigia em direção a ponte Golden Gate.

Ela não respondeu. Não se daria ao trabalho. O silêncio perjurou durante todo o longo trajeto entre a ponte e a entrada da Área Nacional de Recreação de Golden Gate. assoviava algo que ela reconheceu como uma música do Ramones, mas não sabia bem qual.
O trajeto parecia interminável. Arabella já estava impaciente e o barulho de cantarolando a incomodava mais do que o normal.
– Você ao menos sabe como chegar lá? – ela perguntou, assim que percebeu que eles estavam mata à dentro e o oceano não podia mais ser visto pela janela do carro.
– Relaxe, eu só peguei um atalho – murmurou e continuou batucando os polegares no volante. – Devemos chegar lá em alguns minutos.
Mas os alguns minutos viraram dez, viraram vinte e quando já tinha dado quase meia hora, Arabella declarou.

– Eu não acredito que estou perdida no meio do nada com você – odiava admitir, mas ela estava certa. Talvez ele tivesse mesmo virado na estrada errada... – Vamos voltar.
– Nós não estamos perdidos. Só devo ter pegado o atalho errado, não tem nada com o que se preocupar.
– Você é idiota ou o quê, ? Nós estamos perdidos – Arabella jogou os braços sobre sua cabeça e grunhiu, com ódio. – Isso só pode ser um pesadelo, não é possível.
– Com você dando ataque de histeria desse jeito, com certeza é um pesadelo. Fica quieta que eu vou dar um jeito – ele olhou ao seu redor. Não havia nada além de árvores, mato e o som do vento nas folhas e dos pássaros cantando. Pelo menos, do lado de Arabella, a vista era agradável. O oceano já podia ser visto novamente, mas não a baía, nem a ponte. Estavam do outro lado da península. – É só a gente voltar pelo caminho que viemos.
– Ah, claro. Então faça isso – Arabella já estava perdendo o controle sobre seus atos. Se não se acalmasse, ela provavelmente atacaria o pescoço alvo e um tanto quanto convidativo de . Respirou fundo e concentrou-se em pensamentos positivos.
engatou a ré e acelerou, mas o carro não saiu do lugar. Tentou uma, duas, três vezes e o barulho dos pneus traseiros esforçando-se a se locomover ficou cada vez mais alto.
– O que foi agora? – Arabella perguntou, interrompendo a meditação. Ela girou o corpo para observar a parte de trás do carro e conseguiu ver grandes pedaços de barro sendo jogados na estrada. – Ah, não, não, não. Por favor, me diz que o carro não está atolado.
deu um sorriso murcho, quase envergonhado. Tirou os óculos dos olhos e jogou no banco de trás. Aquilo definitivamente não podia estar acontecendo.
– Você vai ficar aí parado ou vai fazer alguma coisa?
– Vê se me dá um tempo, Arabella! – saiu exaltado e bateu a porta do carro com força, fazendo Arabella se encolher em seu assento. Ele estava tão bravo quanto ela. Por mais que adorasse vê-la se contorcer de raiva, ele também não estava apreciando nem um pouco a situação. Nem mesmo sua paciência inesgotável parecia ajudá-lo naquele momento e o modo como ela o olhava como se fosse capaz de assassiná-lo brutalmente e esconder o corpo naquele fim de mundo, não o agradava.
A visão de seus pneus novos cobertos por grossas camadas de lama e barro só intensificaram seu mau humor. Ele passou a mão pelo cabelo em frustração.
– Parece que estamos presos aqui – ele anunciou.
– O quê?! – a voz de Arabella está um tom acima do normal. Ela saiu do carro desengonçadamente, apenas para constatar a realidade. – Não posso acreditar nisso. O que foi que eu fiz pra merecer esse tormento, meu Deus? – ela choramingou, enquanto rodopiava olhando para o céu.
– O que foi que eu fiz, digo eu! Não aguento mais ouvir você reclamando, Arabella. Se quiser tanto sair daqui, por que você não faz alguma coisa?
sentiu seu corpo inteiro tremer de raiva e a tensão entre os dois era perceptível até mesmo pelos animais, porque um silêncio grotesco se instalou no local.
Ambos respiraram fundo, quase em sincronia. Arabella sabia que estava sendo rígida demais, mas oras, o que ela podia fazer, afinal? A culpa era toda dele! Se tivesse dado seu jeito de vir sozinha, e recusado a oferta, isso nunca teria acontecido. compartilhava do mesmo sentimento. Onde diabos ele estava com a cabeça ao oferecer uma carona para aquela mulher insuportável? Aquele par de peitos não valia tanto a pena assim. Ou será que valia?

– Vem, me ajuda aqui – Arabella disse, despertando de seus devaneios e fazendo-o tirar os olhos de seu busto. Ela amarrou a bainha da saia e agachou perto das rodas. – Vamos ter que cavar.
– Você é mesmo louca, não é? – ele riu, desacreditado com a atitude da mulher, mas logo estava ao chão; a jaqueta despida e atirada no banco de trás do Puma, as mangas da camisa dobradas até os cotovelos e a calça jeans suja do joelho para baixo.
– Tenta tirar o máximo de lama que conseguir daí, e eu nesse daqui – a voz dela soou autoritária, da forma como alguém com 35 anos deveria sempre soar. Ela começou a cavar, tentando inutilmente libertar os pneus e também fazia sua parte. Contudo, fora em vão: o carro estava preso em uma vala profunda que passara despercebida.
– Isso só pode ser brincadeira.
– Olhando pelo lado positivo, não tem como piorar. – deu de ombros.
– Não acredito que você falou isso! – não fosse o controle absurdo de Arabella, ela arrancaria com prazer os cílios perfeitamente curvados do garoto, um a um.
– O quê? – ele perguntou, um tanto confuso.
– Você acabou de agourar tudo! Toda vez que alguém fala “não tem como piorar”, as coisas sempre pioram! Seu imbecil! – ela sentou na grama, batendo as mãos meladas no colo.
– Ei! Foi só um modo de falar. Não venha colocar a culpa em mim se qualquer coisa de ruim acontecer – ele mal fechou a boca e o som do trovão ecoou longinquamente.
– Viu? Seu idiota. Isso está parecendo um filme de terror – Arabella resmungou. Mas o céu continuava limpo – não fosse a aquarela de cores se formando junto ao pôr do sol que estava próximo –, e não parecia que iria chover tão cedo.
– Você deveria ganhar o título de rainha do drama, sabia? – ele se levantou; a calça coberta de lama dos joelhos até os pés. fez uma reverência à Arabella. – Se vossa alteza não se incomodar, vou estar no carro.
Ela revirou os olhos e também se levantou; saia ainda amarrada na altura das coxas. Ele não pôde deixar de reparar em como suas pernas pareciam tão macias, mesmo as crateras de barro cobrindo-as. Os dois retornaram ao carro, cada um em seu respectivo banco. Fosse outro dia qualquer, não suportaria a ideia de ver seu bebê todo sujo daquela maneira, porém, sabia que se reclamasse, formaria mais uma trilha de discussões sem nenhum ganhador.
Decidiu ligar o toca fitas e "Cry, Baby" da Janis Joplin começou a tocar. Arabella virou-se imediatamente para encará-lo, boquiaberto. Pera aí, ele ouvia Janis?
– Não fique tão surpresa – ele disse, os olhos fixos no oceano colorido.
– Apenas imaginei que você não escutasse esse tipo de “lixo hippie” – Arabella caçoou, quotando as mesmas palavras que ele tinha usado mais cedo.
– Você não sabe nada sobre mim, Arabella – algo que ela não podia discordar. O que ela sabia, afinal? Nome? Idade? Profissão? A tara de mulheres bonitas e o gosto peculiar por rock pesado? O que mais?
– Você está certo. Da mesma forma que eu estou certa quando digo que você também não sabe nada sobre mim, . Você me julga e nem me conhece.
– Eu não te julgo! – ele girou o corpo, ficando frente a frente com Arabella. Ela deveria ter passado as mãos pelo cabelo e rosto, porque ambos estavam com resquícios do barro. Até na ponta do nariz.
– Ah, não? Você vive fazendo piadinhas sobre o modo como eu vivo a minha vida. Você julga as minhas atitudes, pensamentos e gostos e faz de tudo para me tirar do sério. Não sei quem você pensa que é pra dar opinião na minha vida! – Arabella estava um tanto exaltada. Sua voz soava histérica e às vezes trêmula. Estava com tanta raiva que podia jogá-lo de cima do penhasco. – Você assume que eu sou um tipo de pessoa, sendo que nem tem bases e argumentos para justificar esses pensamentos. Você é apenas um moleque mimadinho e babaca que me fotografa de vez em quando. Nada além disso.
– Mimadinho e babaca? Wow, Arabella, você realmente se superou dessa vez. Eu não posso te julgar, mas você pode? Acho engraçado e irônico você manter esse seu manto de “eu sou hippie, olhem para mim, olhem como eu sou uma pessoa ótima e ajudo o próximo”, quando você se vende desse jeito. Deve ser tudo uma fachada pra garotinha abandonada pelos pais que tem dentro de você, revoltada contra a sociedade, mas que no fundo, no fundo, é tão materialista quanto qualquer uma.
– Cala a boca! Como pôde? Você não faz a menor ideia do que está falando. Isso é quem eu sou, não é uma fachada. Se você não consegue enxergar isso, então realmente não tem salvação pra você. Mas como você saberia, não é? Você não passa de um garotinho machista, imaturo e excitado, louco pra comer a primeira garota gostosa que passar na sua frente! – seu rosto ardia de fúria e ela conseguia sentir a respiração ofegante dele batendo contra sua pele. A distância entre os dois era tão curta que se ela se inclinasse uns dois centímetros, seria capaz de encostar seus narizes. O olhar de era penetrante sobre o seu e aquilo a intimidava.
– E você não passa de uma feminista estúpida e ignorante – seus lábios se repuxaram em um sorriso sádico.
– Retire o que disse! – Arabella ordenou. Uma onda de adrenalina percorreu todo o seu corpo. – Seu babaca!
– Idiota!
– Infantil!
– Falsa!
– Cala a boca e me beija!

A reação foi instantânea. não recuou e só obedeceu. Suas bocas se encontraram com fúria e o beijo envolvia todos os sentimentos mais repugnantes que Arabella já sentira em toda sua vida e mesmo assim era bom, era viciante. As mãos de Arabella percorreram toda a extensão dos ombros de até a nuca, amarrando os fios de cabelo na ponta de seus dedos e puxando com força. Ele, no entanto, espalmava as coxas dela por debaixo da saia, arranhando sua pele com as unhas roídas e quase inexistentes. O gosto do beijo era uma mistura de tabaco, álcool e um pouco de menta. Refrescava ao mesmo tempo em que os incendiava. Nenhum dos dois entendia o porquê daquilo ser tão bom, de porque precisarem saborear-se ao máximo. Talvez fosse o aparente ódio que nutriam um pelo outro, talvez fosse só o desejo enrustido em seus interiores e domesticado por todo aquele tempo. Contudo, ali, diante de um horizonte pitoresco e colorido de um pôr do sol inesquecível, as lembranças ruins foram esquecidas e o que os restava era apenas o aqui e o agora.
Os arranhões ficaram mais fortes e os puxões de cabelo, mais violentos. A sensação térmica era igual aos 40ºC, eles estavam em chamas. soltou os lábios de Arabella e deslizou-os até o pescoço alvo e convidativo dela, beijando a região com fervor e dando leves chupões, vez ou outra. A mulher em seus braços, completamente à mercê de suas ações, soltou um grunhido prazeroso enquanto apertava as pálpebras contra a própria pele. Não queria abrir os olhos, não queria ver nada ao seu redor que não fosse o corpo de junto ao seu.
A blusinha de renda bordada por ela, minutos depois, já estava embaixo do banco do passageiro e seus mamilos rosados e rígidos, na boca de , que sugava sua pele lentamente. Arabella tremia e prendia os lábios com os dentes, tentando – inutilmente – controlar os gemidos abafados que escapavam de sua garganta. Ah, como tinha sonhado com aquele momento. Ter alguém como aquela mulher presa contra seu corpo, completamente submissa a ele...
Suor escorria de suas testas e tanto as roupas, quanto seus corpos estavam sujos de barro e lama. A posição de ambos não era nada confortável e como se suas mentes estivessem conectadas, empurrou Arabella para o banco de trás. Não era muito espaçoso, mas o suficiente para que Arabella deitasse com as costas nuas no assento de couro marrom, com entre suas pernas flexionadas. Ela o observou desabotoar a camisa xadrez em uma lentidão nada comum para alguém como ele. Claro que ele estava a provocando, deixando-a com vontade de mais. Logo, o peito arfante de estava desnudo e metade de sua calça, baixa, mostrando a cueca preta que cobria sua significativa ereção.
mordiscou o lábio inferior, escondendo o sorriso safado e pilantra que aparecera em seu rosto. Ainda assim, o percebeu e a vontade de possuí-la só aumentara. Entre seus dedos grossos, ele prendeu o tecido da saia dela e puxou, fazendo-a deslizar vagarosamente pelas coxas carnudas de Arabella. Ele já a havia visto nua inúmeras vezes, mas aquilo era diferente. Não existiam personagens, roupas futurísticas, nem maquiagens espalhafatosas. Era apenas Arabella: simples, frágil e linda de um jeito que só ela podia ser. E principalmente, era uma Arabella entregue a ele e somente ele.
Dedilhou a barriga dela, do umbigo a virilha, causando-lhe arrepios constantes. Passou o dedo com delicadeza em seu clitóris e a estimulou com os dedos indicador e anelar. Ela se contorceu embaixo de si e a visão era tão gratificante, que sem nem ao menos tocá-lo, ele pôde sentir seu membro vibrar dentro da cueca. Ela gemia baixo, de olhos fechados e com as mãos livres, acariciava os próprios seios. A imagem se distorcia junto ao céu alaranjado e o inundava de satisfação e prazer. Maldita! Como podia deixá-lo apaixonado desse jeito?!
A hora parecia mais do que propícia. Arabella choramingou algo que ele entendeu por um “vamos logo, acabe com isso” e ele mesmo não conseguia mais se segurar. Abaixou a cueca e posicionou-se entre as pernas dela, puxando-as para cima de modo que ele se encaixasse perfeitamente na região. Adentrou-a apenas com a cabeça, arrancando gemidos altos de Arabella e murmúrios dele mesmo. A expressão de piedade nos olhos dela deixava toda aquela cena bizarra com um ar irônico; nunca pensara que fosse vê-la implorar para que ele fizesse o que ele estava prestes a fazer. Estocou seu membro rígido em sua entrada, profundamente; o corpo dela estremeceu até os dedos dos pés, que estavam envergados. Continuou a ação, indo e vindo, alternando na pressão e na velocidade, mas manteve o ritmo violento ao ouvi-la quase gritar de prazer a cada novo movimento.
A sensação era de um prazer imensurável e o modo como ambos se moviam juntos, ajudando e pertencendo um ao outro era, de fato, inexplicável. Arabella rebolava o quadril, ajudando-o na penetração, enquanto se aprofundava dentro de si ainda mais. Um choque, daqueles que envolvem cada mísera partícula do corpo, envolvia Arabella e a acobertava em um manto inquebrável de torpor. investia cada vez mais forte, cada vez mais intensamente. Seus corpos se fundiam e ele estava perdido em uma realidade descontínua, onde Arabella mergulhava em seus pensamentos.
Ela gemia, ele suspirava. Ela rebolava, ele investia. Suas diferenças os uniam, como o mau e o bem, a lua e o sol, o fogo e água. Os dois lados de uma moeda que coexistiam e se completavam.
sentia o pré-gozo, porém, ele não parou. Arabella ainda se contorcia, o que significava que ela não estava inteiramente satisfeita. Inclinou-se para frente, encostando o peitoril suado no busto de Arabella, assim sendo capaz de beijá-la enquanto ele controlava seu êxtase. Apesar de estar disposto a esperá-la o tempo que fosse preciso, Arabella já estava envolta em uma nuvem de excitação. Seu corpo tremia, os dedos dos pés estavam atrofiados e o choque que sentira anteriormente, voltara a percorrer seu interior, pedaço por pedaço, mas de uma forma tão intensa que parecia que iria explodir. , então, liberou todo o prazer antes reprimido e os dois se inundaram em um misto de regozijo e deleitamento.

Somente a cor azul escura e a lua cheia preenchiam o céu. Os grilos cantavam e, às vezes, era possível ouvir o som das respirações ofegantes dos corpos jogados no banco de trás daquele Puma.
– Eu odeio você – Arabella, por fim, quebrou o silêncio. riu alto, enquanto envolvia seus braços ao redor da mulher e a apertava contra si. Ele virou o rosto e roçou seu nariz na testa de Arabella, beijando a região em seguida.
– Eu odeio como amo odiar você – ela sorriu.

E Marin Headlands nunca parecera tão tranquila quanto naquele exato momento.



FIM.




Nota da autora: Deixando os mimimis de lado, vamos direto aos agradecimentos. Bom, primeiramente, queria mandar um salve pra Rafa, que me salvou (literalmente) com essa fic. Todos os créditos por essa fanfic são, merecidamente, dela. Então, Rafa, sua linda, obrigada! Sem você e sua imaginação maravilhosa, Arabella não passaria de uma ideia fajuta e sem graça e talvez, nem existisse. Agradeço também a todas as meninas que participaram do Especial AM e que me ajudaram nessa luta contra o tempo de entrega e prorrogaram o prazo tantas vezes (não vou dizer que foi por influência minha, porque não foi. Pelo menos não totalmente rs). Sam, Dinha, Teesh, Catnip, Mírian e todo mundo que leu antes e mentiu pra mim dizendo que tava tudo lindo e maravilhoso. Vocês são todas umas falsas, mas ainda assim merecem um lugarzinho guardado no s2. Ah, claro, não podia deixar de agradecer a mim mesma, porque se não fosse o meu post no FFOBS, a possibilidade dessa fic existir (e as outras fics baseadas no CD, duh), seria nula.
Enfim, é isso. Desculpem pela fic escrota (com o final mais escroto ainda), mas foi o que eu consegui fazer. Quase dois meses (é isso mesmo?) de especial e até o começo da última semana eu só tinha dois parágrafos. Saiu até melhor do que eu imaginava, né? Só quem me viu surtando pra escrever esse caralho, sabe pelo que eu passei, porque eu não curto muito sá música não, viu. Por isso, espero dos fundilhos do meu coraçãozinho que gostem.

Um beijo na testa!
Vic (aka Cocó)



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