Capítulo Único
tocou o chão com as mãos tremendo, alisando a poeira do mesmo e tentando entender onde estava e o que havia acontecido. Aos poucos, suas memórias foram voltando e a respiração aumentando consideravelmente o ritmo. O aperto no peito se tornou maior que o nó em sua garganta.
O céu não era visto no local, repleto de escuridão com faixas finas tentando ultrapassar as janelas fechadas. Fraca, olhou em volta e se apavorou ainda mais. Não enxergava muito bem ali por motivos óbvios, então tudo que teria que fazer era pensar racionalmente.
O que ficava mais difícil ao passar do tempo que ela entendia a situação e ponderava começar a chorar e se entregar. Os flashs da noite anterior faziam sua cabeça doer e o gosto amargo da traição dançar em sua boca. Ele estava em todas as memórias e cenas. Ele havia a dominado por completo.
Suas mãos, ainda tremendo, tatearam seu corpo em busca de algum ferimento, conferindo se ainda estava com roupa e se estava presa a algo que a impediam de se libertar.
Claro que não era o caso físico. Outra coisa muito maior a impedia de se libertar. E, por julgar pelo quase desconhecido aonde acordou, poderia jurar que não seria uma amarra ou algema que lhe impediria de sair. Algo muito maior estava acontecendo.
Quando desceu mais os dedos e curvou as pernas doloridas, encontrou ferimentos no joelho ralado. Devagar apertou para ver o tamanho e concluiu, gemendo de dor, que era maior do que esperava. O que diabos havia acontecido com seu corpo?
Descendo, sentiu arranhões gigantes nas pernas descobertas e tremeu um pouco de agonia, pensando se iria virar alguma infecção com sua mão suja lá ou algo do tipo.
Já sabia seu estado, certo? Agora era hora de agir e tentar entender o que estava acontecendo. Onde diabos havia se metido. Onde estava .
Não saber doía e a deixava tonta, desestruturada. O pânico corria em suas veias, molhando seu corpo de desespero e adrenalina. Entretanto, nada fazia a não ser tremer desesperada e tentar soltar algumas palavras – ainda sussurradas – de sua garganta seca e sua boca desaprendida.
Ela não queria pensar agora nos problemas sociais. Terminar com o namorado, briga com a mãe. Acreditava que essas pequenas coisas não os impediria de amá-la e ajuda-la, mesmo não sabendo se precisava de ajuda.
Não era hora de pensar nisso. Se encolheu ao ouvir passos e se perguntou se seria melhor para sua saúde se mostrar desacordada. Ou fingisse de morta. Ou gritasse por ajuda.
Decidiu abaixar a cabeça. Com um estrondo, a assustando, a porta pesada se abriu deixando entrar uma boa luz. Uma luz que desenhou a silhueta que ela tanto conhecia. Aos poucos, a claridade que adentrou ao local a fez reconhecer. Era um porão muito conhecido. Muito conhecido.
Tão conhecido quanto o homem da silhueta de cabelos arrepiados. Ela não via seu rosto, mas não era preciso para lembrar até os mínimos detalhes.
- ... – chamou com dificuldade, podendo observar depois que a bochecha do rapaz inflou, indicando um sorriso. Essa ação a deixou confusa, com medo do que poderia significar e com medo do que encontraria.
Foi inevitável se encolher quanto mais o rapaz se aproximava – em passos lentos – em sua direção. Não controlava seu corpo mais. Sua mente não era dona de seu corpo; tivera o controle tomado por uma primitiva e selvagem vontade de sobreviver.
Esperava que seu coração não a traísse, já que quanto mais ele se aproximava, mais sentimentos inexplicáveis vinham juntos com ele.
Ao chegar perto o suficiente para observá-la de perto, o suposto se abaixou, ajoelhando e admirando o rosto dela. Com o ato, a luz encontrou seu perfil e ela pôde assistir o sorriso sádico de mais cedo e a aparência que ele tinha. Tudo foi rápido demais que ela sequer conseguiu descrever.
Os olhos azuis elétricos estavam mais bonito do que nunca, mas quando ela olhou atentamente, ficou horrorizada.
No fundo, algo teve certeza que aquilo ia acontecer. Como se sua mente lhe zombasse, de tanto avisar, agora a assistindo pagar o preço. Desde quando havia conhecido ele, já deveria ter sabido no que aquilo iria dar, onde estaria se metendo, com o que estava mexendo. Ela sabia. Ela sabia, mas preferiu não acreditar.
As lembranças da noite anterior voltaram. As lembranças de sua relação toda com voltaram. Sua consciência despertou. Como um choque, tudo voltou rasgando e de uma vez.
Tudo, menos . O seu não estava ali, não mais. O pesadelo com olhos manchados de sangue era algo desconhecido por ela, algo temido.
E ela suspeitou que nunca mais iria ver seu novamente.
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O sol estava meio frio naquela manhã, o que era algo suspeito e estranho para mim. As cores estavam pálidas e o tempo nublado, mas isso não impediu que o dia começasse bem e seguisse os planos que eu agendara para ele.
Assim que me levantei, chequei a data e o horário. Ao ler o “nove de junho”, senti um arrepio como se devesse me lembrar de algo. Um aniversário de alguém, talvez? Alguma data especial? Eu não sabia. Minha cabeça não conseguia encontrar a resposta para essa questão.
Tive que deixar de lado, mas estou retratando porque no final das coisas se tornou algo importante. Um dia que eu não queria ter levantado.
O Halloween estava chegando, e todo ano eu e minhas amigas fazíamos uma brincadeira de terror. Como uma lembrancinha, uma espécie de amigo secreto com caça ao tesouro. Começávamos sempre um mês antes, e hoje seria o dia marcado para a gente se organizar e resolver os pares.
Então, não tive escolha ao sair da cama daquele tempo nublado e ir até o local combinado. Não era mais necessário avisar para minha mãe, que já tinha se acostumado com os encontros anuais e, apesar de não aprovar as companhias ou as coisas que fazíamos, ela sempre deixava a chave do carro em cima do balcão logo cedo para mim.
Ainda era pouco menos de sete da manhã, mas as pessoas já estavam acordadas e o trânsito era existente. Infelizmente, a sede era quase fora da cidade e eu teria que demorar um longo tempo na estrada.
Enquanto minha concentração variava entre o que eu planejaria para o meu futuro amigo secreto e o trânsito, pude notar dois carros iguais em períodos de tempo diferentes indo para a mesma direção que eu. Normalmente, as pessoas sempre estavam indo contra a minha direção, já que moravam fora da cidade e iam lá para trabalhar. Não pude deixar de notar este detalhe.
Os carros eram caminhonetes pretas, com apenas jovem homens dentro e fora da cabine. Estavam sérios, com garrafas de bebidas nas mãos, com o vento batendo no rosto e murmurando coisas aleatórias que eu claramente não ouvia.
Eles passaram rápido por mim e eu tive a sensação de estar seguindo-os pelo resto do caminho.
Assim que cheguei até a fábrica abandonada onde costumávamos fazer tudo, percebi que as duas caminhonetes de hoje mais cedo estavam estacionadas por lá, junto com o carro das outras garotas.
O problema é que eu não sabia de nada daquilo, do motivo pelo qual eles estavam lá. Ou então por que garotos desconhecidos iriam fazer parte do jogo. Assim que Lise viu meu rosto questionando o óbvio, fez questão de explicar.
- Surpresa? – sorriu amarelo e eu a encarei, me perguntando que diabos de surpresa era aquela. – Eles vão ser auxiliares, . Irão nos ajudar a tornar a brincadeira ainda mais interessante.
Analisei ela por um tempo, percebendo que as outras meninas tinham me notado e viam em minha direção. Estava meio descontente ainda, meio incrédula. Mas o talvez do que poderíamos fazer com eles... De como esse dia das bruxas seria o melhor de todos me fez aceitar.
- Você deveria ter me avisado – alertei, fazendo uma careta e vendo-a sorri. As outras garotas chegaram e entenderam de cara o assunto.
- E estragar a surpresa? – Lise sorriu sapeca, com os fios loiros de cabelo entrando na frente do rosto. – Aliás, tem muito mais surpresas por aqui.
- O quê? – Arregalei os olhos, olhando para ela perdida. – Você fez algo?
Todas riram, olhando entre si e dando sorrisos maliciosos.
- Eles são uns gatos, . Sério – Savannah comentou, olhando por cima do ombro para a área onde os dois carrões estavam estacionados. Onde, por sua vez, os meninos estavam jogados fumando e conversando.
Eu não tinha reparado neles e me senti meio careta, ainda mais diante dos olhares delas.
- Vocês são pervertidas demais. – Voltei a andar para entrarmos no depósito abandonado. As outras garotas me seguiram, concordando como se não fosse nenhuma novidade. – Já se meteram com alguém?
- Me meti com o ruivinho – Jolie comentou como quem mostra um troféu, mas que não fez esforço para merecer ou sequer estava interessada. As vantagens de ser uma modelo não é ter qualquer um nas mãos?
- Como irá funcionar? Nos amigos secretos, eles vão escolher um papel também?
- Não e sim. Não da nossa forma, mas sim para qual de nós – Lise respondeu, chamando-os com as mãos com unhas vermelhas e afiadas.
- Nada de trapaça? – perguntei rindo baixinho, empurrando a porta grande e enferrujada que impedia nossa entrada parcial. O estrondo dela subindo de uma vez já tão acostumado me fez relaxar.
Era o meu território. Eram as minhas regras. Tudo iria ficar bem.
- Você sabe do que somos capazes.
A antiga fábrica têxtil tinha suas famosas lendas fantasmas, sobre a morte de vários operários em incêndios, amputações em máquinas, fantasmas perdidos e crianças que desapareciam enquanto a mãe ainda trabalhava, ocupada demais para prestar atenção na criança.
Outra das lendas era a que todos esses espíritos ruins fizeram a mesma falir ou demissões em massa. Administradores e historiadores discutirão sobre isso.
No entanto, pareceu ser um lugar ótimo para planejarmos nossas travessuras. Eu devo confessar que no início eu era muito medrosa. Antes mesmo de conhecer Lise, até em fantasmas eu tinha medo. Hoje é algo mais como consciência, desejo de adrenalina...
Assim que parei de observar o lugar, reparei que o grupo de rapazes – seis ao todo – já estavam parados atrás de mim, sem expressão, esperando que eu entrasse logo.
Eu corei. Acho que foi porque eu tinha estado parada tanto tempo olhando o local e pensando no significado. Ou então porque eles eram realmente muito bonitos, como as garotas haviam me avisado. Na hora eu não tinha reparado, mas agora...
Ainda sem fôlego e um pouco de amor próprio, entrei e dei espaço para entrarem. Lise, Jolie e Rose já foram para os seus lugares de costume, tirando os papéis da mala, escrevendo e conversando assuntos aleatórios, chamando os enjaquetados para mais perto.
Meu olhar se perdeu para o último da fila, que parecia estar no seu próprio mundo, ligando para absolutamente nada. Ele era extremamente atraente, com cabelos lisos, caídos, olhos verdes indiferentes e uma boca fina. Ao passar por mim, ele me deu um rápido e preciso olhar e voltou aos afazeres.
Eu não sei exatamente o que eu vi de tão incrível nele. Acho que o fato que ele não ligava me fascinava, de certo modo.
- Pronto, pessoal – chamei a atenção. – Não sei se as outras mostraram para vocês como funciona nossa brincadeira de Halloween, mas é o seguinte: cada uma de nós sorteia alguém como um amigo secreto. – Apontei para a cartola preta que usávamos como urna e os olhares masculinos se seguiram, voltando para mim logo depois, mostrando que estavam entendendo até ali. – E, no ato, meu amigo secreto deverá receber de mim uma dica de quem eu sou, uma missão para fazer com o presente e o presente.
“Na data certa, ele deverá entregar para mim o objetivo da missão, acertando quem é o amigo secreto – continuei. Antes de voltar a falar, o ruivo levantou a mão e sorriu sem graça. – Pode perguntar.
- Dê um exemplo para entender direito?
- Muito bem. A minha dica são olhos de fúria. – Lise riu, como se compartilhássemos uma piada interna. - O presente é uma faca afiada de caça. Sua missão é ir caçar na floresta um animal selvagem e me trazer. Mas você tem que mata-lo, não comprar; você traz ele da maneira que quiser, menos vivo; só poderá contar com a ajuda do presente e sua força corporal.
Os olhos dele viajaram mais um pouco para os amigos, como se processasse e tivesse ideias. Analisei os rapazes discretamente, como uma desculpa para olhar para o garoto de momentos atrás.
- Bem legal. E onde entramos aí? – enfim, um loiro perguntou no lugar do ruivo.
Eu olhei para as garotas, meio irritada por não saber exatamente onde e elas riram, dando de ombros. Um “improvisa” foi sussurrado e meu dedo mais indecente foi mandado.
- Vocês serão auxiliares. Não sei de quem foi a ideia – ri nervosa – mas vocês irão ser como nosso segundo presente. Irão espionar as outras para saber se está tudo na linha, irão nos ajudar com a missão e dica.
- E o que ganhamos com isso? – Foi o garoto indiferente quem disse. Sua voz, mesmo que bem calado como ele era, soava confiante e grossa, dominada. Naquele momento acreditei que não havia mais coisas para me atrair nele mais do que eu já estava.
E, olha, como eu estava errada.
- Bom, vocês fazem parte da brincadeira. No final das contas, pegamos os objetivos macabros da missão e fazemos algo com eles. No caso do exemplo, iríamos cozinhar o que o amigo secreto trouxesse.
- Queremos algo mais do que isso – concluiu.
- A brincadeira foi pensada inteiramente por mim do nada e praticamos há anos sem que ninguém saiba ou tenha a mesma ideia. Então, não repassem. Não façam. Nem tentem imitar.
- Ou o quê? Você chora? – ele disse e os outros começaram a rir. Repreendi Rose com o olhar ao vê-la dando risinhos também. Girei os olhos por pura impaciência e ouvi ele murmurar, zoando o ato de “Olhos de Fúria”.
- Eu os farei pagar.
- Uh, ok. Que comece o sorteio.
Os nomes femininos já estavam sendo colocados na cartola negra, esperando apenas a mistura e a hora da escolha. Assim que me aproximei, Jolie sorriu de leve e chacoalhou mais um pouco.
- Boa sorte – murmurou sapeca.
Eu coloquei a mão e escolhi o papel menor.
O nome que estava lá era o de Lise.
E assim acabou a nossa escolha. Em seguida, os garotos foram se nomeando para que a próxima rodada fosse feita. Como eram seis e nós quatro, foi necessário fazer uma intervenção.
- Dois de vocês estão fora – decidi e eles me olharam meio surpresos. Claro que já tinham feito as contas mentais, mas não acharam que eu seria tão audaciosa. – Um poderá lidar com a políci-
- Polícia – o ruivo me interrompeu. – Não sabia que o jogo de vocês era tão perigoso.
- Se fosse normal, não seria especial de Halloween – respondi ríspida e ele ergueu as sobrancelhas. – Um de vocês irá cuidar para que as outras pessoas que não sejam de dentro do grupo reparem em algo; o outro irá cuidar para que a polícia nem suspeite de algo.
Eles se olharam entre si como se pudessem ler mentes e eu achei isso meio estranho. Tamanha intimidade. Por um momento, desejei que o indiferente não fosse um dos escolhidos, mas sem total consciência do que eu realmente desejava.
Os outros dois garotos que não foram citados eram parecidos. Morenos, de olhos claros e sorriso sapeca. Eles se voluntariaram para serem os auxiliares.
- Então é isso! – Jolie disse assim que tudo foi definido. – Agora só pegarem os nomes.
Eu fui a última. As outras esperaram caladas até eu pegar o papel e foram revelando em seguida. Jolie havia pego o Nathan, o ruivo argumentador. Rose um garoto que descansava e mal prestava atenção no que falávamos, mais concentrado na garrafa em mãos. Nomeado de Ryan.
Por fim, Lise disse “”, e o rapaz bonito indiferente se levantou, dando um sorriso de canto e indo em direção a ela. Eu fiquei com o Gabe, o loirinho.
Não realmente frustrada, respirei fundo. O jogo estava para começar.
Nos separamos pela área desconhecida para planejar.
Tudo estava prestes a acontecer e eu apenas me concentrava em uma simples brincadeirinha que acabaria com minha vida.
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- Quem? – o loiro perguntou, me Annelisando de cima a baixo. Por um momento, me senti desengonçada e toda errada.
Caminhei em silêncio até a árvore seca onde eu geralmente ficava para pensar e escrever as pegadinhas.
- Lise – respondi depois de um tempo. Ele se sentou de frente a mim, com uma garrafa em mãos e olhos curiosos. Olhos que faiscavam ideias más e bem feitas. Eu soube, naquele momento, que ele seria o meu parceiro ideal. – Me conte sobre você.
- O que é do seu interesse? – Tomou um gole guloso e voltou a me encarar, limpando o canto da boca com a barra da camiseta preta.
- Quem são vocês e de onde as garotas encontraram?
- Isso não é exatamente sobre mim. – Sorriu sapeca e eu vi que a conversa seria complicada. – Elas nos encontraram numa festa. Nos atraiu e viramos a noite juntos. Uma delas, a morena que parece modelo – concordei com a cabeça – acabou soltando sobre o que aconteceria hoje.
- Vieram sem mais nem menos?
- Fizemos elas nos convidarem. Sabe como é. Acabaram ficando sem graça.
Concordei em compreensão, já pensando no que faria com Lise. O que eu precisava? O que seria realmente assustador?
Tomei a garrafa do tal Gabe e bebi um gole grande, respirando fundo e tentando pensar direito nos pontos fracos. Foi quando me lembrei da noite que a conheci que o plano foi claro e completo.
Gabe olhava em volta, desconfiado, como se pressentisse algo ruim. Quando reparou que eu o encarava, sorriu de canto.
- Já fez sua parte? – perguntou já sabendo a resposta e eu gamei no rapaz.
- Já. E você?
- Espera só para ver. – Piscou para mim e se levantou, caminhando pela área cheia de matos. Murmurou uma coisa ou outra, mas não estava prestando atenção. O dever dele estava sendo feito.
Apenas aguardei sem o mínimo interesse, concentrada no que eu faria e em tais olhos azuis que não saiam da minha cabeça.
O medo de fantasmas de Lise seria muito bem explorados; mas eu não sabia que os meus também.
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Quando eu reparei conscientemente, eu estava seguindo o rapaz de olhos azuis. Ele também parecia saber disso, já que, por pura diversão, deu duas voltas aleatórias esperando que eu seguisse seu trajeto; o que eu fiz.
Ele parou de súbito e eu dei só mais uns passos, temendo me aproximar demais e ele me chamar de louca. No entanto;
- Venha aqui, na minha frente. – Sua voz foi firme e séria e eu temi por uns instante, me xingando sobre o que eu estava fazendo.
Só poderia ser louca. Ou tarada.
Mas eu fui. Eu fui decidida até ele e fiquei em sua frente, analisando-o. Ele era ainda mais bonito de perto. Cabelos batendo na nuca, chapéu preto retrô e uma barbinha rala por fazer. O foco eram os olhos azuis elétricos. Um azul claro, de tirar o fôlego.
E a concentração. Porque ele já estava sorrindo convencido, me analisando curioso. Mas a nossa curiosidade era bem diferente.
- O que está fazendo? – disse, me tirando dos devaneios. – Fora o óbvio.
Minhas bochechas queimaram e eu torci para não ficar muito vermelha. Pelo movimento dos seus olhos, vi que não havia funcionado.
- Eu só vim... – Procurei uma desculpa na velocidade da luz, mas nada.
-... explicar algo sobre a brincadeira? – tentou, sorrindo de canto. Sabia que não.
- Sim. – Concordei. – Você não pode trapacear, entendeu? Gabe estava correndo e...
- Não era eu.
- O quê?
- Na área onde vocês estavam. Não era eu espionando. Tenho métodos melhores que esses.
Ergui a sobrancelha, aceitando como um desafio à minha capacidade mental. Ele sorriu mais uma vez, cruzando os braços sob o peito e me admirou de cima até embaixo.
O ato me deixou constrangida, porque ele era realmente incrível e eu...
- Saia comigo que eu te conto quais.
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Três semanas se passaram. Tudo foi anotado perfeitamente na parede antiga da fábrica. As datas em que as missões e dicas deveriam ser enviadas, a data em que os objetivos deveriam ser mandados e que os amigos secretos seriam revelados.
Então, faltava apenas uma semAnne para que eu enviasse o tabuleiro ouija para Lise e ainda nem sabia onde encontra-lo. Depois de uma longa pesquisa na internet, reconheci bairros obscuros que vendiam esse tipo de coisa, mas apesar de me considerar bem brava, eu estava receosa em ir até lá.
Gabe havia sumido há algum tempo e eu não me achava no direito de me intrometer na vida dele ou pedir para que viesse comigo. No entanto, eu não era a única sem o auxiliar. As garotas disseram que os meninos também haviam desaparecido no mesmo período de tempo.
Mas não decidimos causar alarme, porque poderia ser algo normal. Afinal, ninguém conhecia ninguém ali e isso era de se esperar. Esperávamos também que eles não revelassem nada para ninguém.
Depois do episódio com o , eu preferi não comentar nada.
Saí de casa e reparei que, estranhamente, estávamos em uma época onde o dia era sempre nublado e isso me deu um arrepio gostoso. A carta já estava feita – só faltava Gabe reescrever com a letra dele e evitar que descubram mais quem sou eu -, o presente iria ser comprado e atrás dele a missão seria escrita.
Ainda perdida em pensamentos, me mantive no caminho do GPS, apenas em calçadas. Temia fortemente o que iria receber. Com o passar do tempo, você conhece muito bem a pessoa e sabe dos seus maiores medos; nossa brincadeira era trazê-los a mostra. Então, se hoje eu sabia exatamente como apavorar Lise, com certeza quem eu fui sorteada saberia mexer profundamente comigo.
E isso seria um problema. Eu teria que me concentrar seriamente em desarmar meus piores pesadelos antes que eles me engolissem.
Meu cérebro me alertou, então, que eu estava sendo seguida. Quanto mais eu me aproximava – diminuindo e aumentando a velocidade – do local desejado, mais a pessoa desconhecida atrás de mim seguia o mesmo padrão.
Respirei fundo e me senti estúpida por não ter chamado Gabe.
Agora, teria que ter uma ideia muito boa para me livrar dele.
A adrenalina que entrou no meu corpo me fez pensar nos olhos de , extremos e cheios de voracidade. Quando virei a esquina em que a loja estava, pude olhar secretamente para o meu perseguidor e congelei ao ver aqueles olhos azuis elétricos.
- ! – incriminei, chocada, parando no lugar. O velho sorriso preguiçoso e malicioso apareceu em seu rosto, como uma criança pega no flagra. Mais alguns passos e ele já estava próximo de mim. – Você quase me matou do coração.
Ele não parecia muito preocupado com a ética e moral do que estava fazendo. Ou o efeito que causou em mim. Um selinho roubado foi tudo que fez.
- ! – reclamei.
- Você não iria sozinha para uma área negra, não sabe? – Como quem não tem medo de nada, ele passou o braço em volta do meu ombro e puxou para si despreocupadamente. – E, aliás, fico sexy no modo psicopata.
Eu tive que rir.
- Me seguiu desde a minha casa?
- Não. Te encontrei no caminho e fui ver o que iria fazer. É o meu dever vigiar a concorrência, não é? – Sorriu sapeca. E eu entendi. A culpa não me corroía, mas eu entendia o que estava fazendo. Provavelmente seria errado.
Bom, é uma espécie de manipulação no jogo ficar com o adversário, não é? Mas eu praticamente não ligava. Apertei a mão dele ao entrar na loja e senti uma corrente elétrica seguindo do aperto ao meu peito. Era um estado crítico de paixão.
Ou, aliás, um vício na adrenalina que ele me fazia sentir quando estava comigo. Toda a energia que vinha dele me deixava com o gosto de quero mais.
- O que irá comprar? – Forcei a memória e me lembrei que ele era o auxiliar de Lise.
A loja tinha paredes roxas, com vários objetos pendurados, espalhados e embaixo da vitrine de vidro. Todos espirituais, o que me deu arrepios e sensação de perigo. Alguns panfletos de astrologia e banners de leitura de futuro.
Eu queria sair logo dali, mas eu tinha uma coisa a fazer.
- Para fora, . – Franzi a testa, mas logo me toquei que de qualquer modo ele iria me ver saindo com aquela tábua enorme nos braços. Ele também não parecia muito disposto a ceder e acendeu um cigarro.
Os olhos feios da dona para o rapaz – mesmo com o cheiro de senso no ar – fez que ele abandonasse o lugar. Mas nós dois saberíamos onde aquilo iria acabar.
Eu andei ainda pelo local, meio receosa do que estava fazendo e me perguntando se aquele era o meu maior medo. Não queria me afastar de – ou que ele sequer fosse para outro lugar que não fosse comigo enquanto eu estava enrolando aqui – mas eu tinha coisas a fazer.
As minhas bochechas foram em tons rubros assim que fui ao balcão.
A mulher branca me encarava muito séria, como se eu ousasse entrar em seu território. “Uma pobre criança”, deveria pensar. “Uma pobre criança mexendo com o que não deve.”
- Está aqui para saber do seu futuro? – questionou, com uma voz grave.
Mordi a ponta fraca das minhas unhas com um nervosismo forte. Olhei para fora através da vitrine e vi a silhueta de ainda lá fora. Isso me acalmou um pouco.
Mas a proposta de saber meu futuro colou na minha mente. Me mantive atenta que ali deveria ter muitas brincadeiras.
- Não. – A resposta foi seca. – Não tenho intenções quanto a isso ou então curiosidade. – Ela riu como se fosse uma piada muito boa. – Quero um tabuleiro ouija.
- Você quer... – A mulher branca se abaixou, pegando um embaixo do balcão. Colocou na superfície e Annelisou o material de madeira com cuidado. – Tome cuidado, garota.
- Não é para mim. E não tenho medo de fantasmas. – Peguei a bolsa para pagar e ela sorriu como se eu fosse tola.
- Tola. – Eu não disse? – Não estava falando do tabuleiro. E sim do teu futuro.
Mais uma vez isso martelou na minha cabeça e eu tive que me segurar com todas as forças para não ser devorada pela curiosidade.
- Você não sabe meu futuro.
- Eu sei o suficiente. Você não.
- E não quero saber. – Disse decidida. – Qual o preço?
- Nem o futuro de ? – Neste momento eu congelei, tendo uma batalha interna em mim mesma. – Cinquenta.
Tirei a nota da bolsa e entreguei. No ato, a mulher pálida segurou em minha mão e me fez olhar nos seus olhos gélidos. Eu senti um horror dentro de mim, como minha alma fosse invadida e meu coração fosse dilacerado.
Minha respiração se tornou complicada e minhas forças foram direcionadas em sobreviver e anular o toque.
Quando finalmente consegui, vociferei:
- O que raios foi isso? O que você fez comigo?
- Nada. Só lhe mostrei a sensação que você vai sentir em breve.
Eu a encarei, perdida e fora de mim.
- O que você quer dizer com isso? – A mulher simplesmente guardou o dinheiro e me deu um último olhar.
- Cuidado em quem você confia. – E saiu atrás das cortinas de pano, me deixando sozinha na porta da loja.
Peguei o tabuleiro e fui para fora, onde um entediado me aguardava. Seu olhar foi rápido para o tabuleiro e meu rosto; aquele olhar eletrizante que tanto me fazia sentir viva agora me assustava.
- Ouija – concluiu. Depois de um leve suspense, sorriu. – Genial.
- Você não deveria ter me seguido. Agora você está a ponto de estragar a brincadeira, já que pode contar para a Lise, se quiser.
Ele se aproximou e jogou a metade do segundo – ou terceiro – cigarro no chão, para pisar logo depois, apagando-o. Pegou de minhas mãos e Annelisou o objeto. Depois Annelisou meu rosto.
Eu ainda estava em choque, pálida, pelo que havia acontecido. Pelas sensações que haviam me invadido e se esvaíram na mesma força, me deixando oca e atordoada.
- Se vai ficar tão preocupada assim – começou -, é melhor eu te contar. Eu nunca vou estragar o seu jogo – mas sua voz foi fria. Ao mesmo tempo, reconfortante.
Meu olhar para ele foi o suficiente para provar que não fora o suficiente.
- Confia em mim, .
Eu concordei levemente com a cabeça.
- Confio. - Respondi e cumpri, entregando todas as minhas forças a ele e seus olhos penetrantes.
Mal sabia que cumprir tal promessa iria me destruir muito em breve.
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- Vamos eternizar suas promessas. – Me beijou com força, enfiando sua língua de maneira nada sutil na minha boca.
Minhas mão arranharam suas costas e ele me apertou contra a parede áspera do beco. Uma risada vinda dele ecoou e eu olhei desconcentrada.
- Hm? – fiz bico, que logo foi puxado pelos dentes alheio. – O que foi? Parou por quê?
- Há poucas quadras daqui tem um lugar bem peculiar...
- Por quê? O que isso tem a ver? – Pela pouca luz, meus olhos arregalados de curiosidade deveriam estar cômicos. O sorriso fraco de sempre se encontrava no rosto de , me observando de leve.
Feição de quem tem um plano.
- Um bar – foi explicando, mas eu acabei cortando-o.
- Onde isso é peculiar?
- Um bar, com música ao vivo, junto com uma loja de tatuagens.
E então tudo ficou bem claro na minha cabeça. Os planos e ideias todos vieram com força. Dias atrás, eu havia confessado minha vontade intensa de fazer uma tatuagem romântica – ideia na qual ele rira bastante, me fazendo sentir tola – e pintar meu cabelo.
Minhas atuais pontas roxas mereciam algo mais alegre, caloroso. A tinta rosa-shoking já havia sido comprada.
- Eu vou te mostrar. É um lugar bem interessante. De tirar o fôlego.
Sem muita opção e poder de opinião, ele me puxou pela mão e me guiou até o local. Quase corremos pela sua ansiedade, o que me fez soltar risadas realmente altas.
- Cuidado! – murmurava vez ou outra, repreendendo-o por quase me machucar. Com um pedido de desculpas rápidos, ele se afastava um pouco mas logo se aproximava e quase me machucava de novo.
Chegamos ao local e ele era realmente grande. Dois andares para um bar/loja de tatuagens era algo no mínimo impressionante. Com um sorriso sapeca, ele pegou a carteira e fuçou em alguns negócios, olhando para mim logo depois.
- O que está aprontando? – perguntei e sua feição estava calma, como sempre. Deu de ombros e entrou no local, me puxando pela mão.
De dentro era muito mais impressionante. A decoração rústica me encantou; ainda mais quando eu esperava um local todo punk. Não era uma espelunca, mas também não era rico e chique. Era...
- Perfeito. – Ele comentou e eu ri, concordando.
Situação estranha que se repetiu bastante nos últimos dias.
- Você vem sempre aqui? – Olhei para ele e lembrei automaticamente de suas tantas tatuagens que ontem eu tentei contar e perdi a conta.
Parecendo pensar nas mesmas coisas, ele me guiou até a parte de cima, onde ficava a loja de tatuagens. Na escada estreita, ele finalmente respondeu:
- Na verdade, maior parte no bar do que aqui. – Mais alguns passos e chegamos. Sua resposta foi muito estranha e me fez reconsiderar se eu namorava um bêbado.
Namorar. Que palavra cheia de promessas.
- O que vamos fazer? Vou assistir você fazer outra tatuagem? – Questionei ansiosa, sorrindo abertamente de expectativa.
- Na verdade, como eu disse... Vamos eternizar suas promessas.
Meu olhar confuso disse muitas coisas. Inclusive que eu suspeitava do que ele faria. se aproximou e me agarrou pela cintura, com uma garra que me fez ter arrepios longos. Segurei a respiração e ele mordeu minha orelha, murmurando;
- Doces ou travessuras, ? – Sua voz rouca foi algo tão excitante que eu tive que lhe lançar um olhar atordoado. Chocado.
- Não sabia que você tinha essa capacidade de ser sexy.
Com uma risadinha e sem sair da pose, ele respondeu:
- Você não sabe de muitas coisas sobre mim. Mas vou fazer questão de lhe mostrar todas elas.
Com uma promessa no ar, me animei e olhei em volta, procurando alguns desenhos para tomar como exemplo.
- Eu já volto. – Ele disse e antes mesmo de eu concordar foi falar com alguns tatuadores.
Suspirei apaixonada e sorri animada, procurando coisas delicadas e... Bom, de casal. Os meus desejos seriam realizados esta noite; e não escaparia disso.
Enquanto pensava entre uma borboleta e uma frase de amor, avistei algo bem delicado no meio de tantos dragões e monstros no papel. Era um adesivo pequeno de coração. Era apenas o contorno fino, com o coração vazio por dentro e por fora.
Caberia perfeitamente em um dos meus dedos. Enquanto ainda não voltava, recolhi o desenho e fui atrás de algo mais original. Evitei ao máximo não pensar na brincadeira que estava se aproximando, mas foi inevitável ao ver abóboras e todas essas coisas.
Pouco tempo depois, voltou e me abraçou por trás, grudando nossos corpos e me enchendo de mordidas no pescoço.
- O que escolheu? – Perguntou e eu mostrei o coração. Ele soltou uma risadinha que fez eu me arrepiar, mas logo pareceu aprovar. – Bem a sua cara.
- Quando será a minha vez? – A ansiedade estava crítica em minha voz.
- Agora. Só estava esperando você escolher. Geralmente você é indecisa.
Contragosto, concordei. Ele me guiou até a cadeira onde iríamos fazer tudo e o tatuador já preparou a máquina e as tintas.
- O que vai querer? – Sua voz grossa combinava com seu rosto carrancudo e sério. Parecia um pirada malvado.
Mostrei o coração e expliquei exatamente que queria em cima do mindinho, assim como também queria. Ele me olhou totalmente aleatório e riu, negando com a cabeça. Depois de muito batalhar, eu venci e um coração foi desenhado em seu dedo.
Após um curto tempo, o desenho foi bem feito e limpo. O homem me deu as instruções e colocou um plástico por cima para evitar, acredito eu, inflamações.
- Vai querer algo mais, querida? – começou a fumar um cigarro e me observou por cima.
- É. Uma surpresa para você. – Olhei para o tatuador e virei de costas, abaixando um pouco minha calça. A região da lombar ficou exposta e pude ouvir risadas maliciosas soarem. Não sabia de quem eram, mas fiquei satisfeita.
As abóboras voltaram para minha cabeça.
- Doces ou travessura. – disse, já imaginando.
Compartilhávamos a mesma linha de pensamento e eu não pude estar mais apaixonada do que agora. O seu sorriso de canto de eu-sei-tudo só comprovou isso.
xx Bilhetes xx
Dica: Sei do seu pior pesadelo.
Missão: Com o seu presente, deverá invocar algum fantasma e oferecer algo a ele, para que ele faça algo para mim. O que eu quero é que ele me dê notícias sobre Harry McKlein no mundo subterrâneo e que demonstre seus sentimentos. Então, é necessário que faça isso no cemitério onde ele está enterrado.
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Dica: Seu ponto fraco está em minhas mãos e todos sabem disso.
Missão: Com seu exemplo inspirador, resolvi usá-lo. Sua missão é, com a faca afiada, trazer um dos olhos azuis eletrizantes pelo qual se apaixonou. Não se preocupe, ele não verá o que faremos. (Se me permite o trocadilho)
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Rose e eu estávamos passeando no conversível dela, andando no centro e procurando uma boa sorveteria para saciar o desejo infinito que aquele frio exigia.
Finalmente, um solzinho havia aparecido e eu me lembro de estar me sentindo até mais alegre pelo fato. Pela dor da tatuagem anterior e a brincadeira de mau gosto que minha amiga secreta havia escolhido, eu tentava a todo jeito não pensar em nada. Só focar no agora e no sorvete.
Rose, é claro, reparou.
- Amiga? – chamou, organizando seus cabelos ruivos em um coque. – O que está acontecendo?
Franzi os olhos e não encontrei sequer uma lojinha de lanches.
- Não há nenhuma sorveteria por aqui, Rô.
- Podemos tentar em outro lugar – sugeriu e eu vi que estava se segurando para não olhar para a minha tatuagem de coração no dedo. Facilitei as coisas e escondi a mão. – O que você andou fazendo esses dias? Você nunca esteve tão afastada de nós.
A inocência em sua voz me fez acreditar que ela não seria a amiga secreta por um segundo. Mas logo lembrei que seria um truque argiloso e inteligente de sua parte e, como aquela cigAnne disse, não deveria confiar em ninguém.
- É. Estive ocupada com o trabalho.
- Você voltou para o seu emprego. Isso é ótimo – murmurou, sorrindo. – E quanto aos rapazes? Tudo vai bem com o Gabe?
- O quê? – Olhei assustada. Será que ela acha que estou... tendo relações com o Gabe?
- Vocês estão indo bem? Descobriram coisas relevantes? – Relaxei instantaneamente. Pela minha reação súbita, ela ficou bem desconfiada. Mas algo me incomodou na frase.
- Como assim?
- Espionando o outro grupo. O meu já me deu dicas que... – A partir daí eu simplesmente parei de ouvir e não consegui me concentrar em mais nada.
Espionagem? Isso não seria roubar?
Por outro lado...
.
O sentimento de traição foi grande demais que meu cérebro decidiu não aceitar e acreditar. Ele não poderia fazer isso comigo. Ele não havia feito. Não é?
Não é?
-... A proposito, adorei a cor nova do seu cabelo. Destacou o loiro natural! – Ela sorriu simpática, ainda no seu próprio assunto. No seu mundo onde era natural falar com uma amiga que sempre ouvia e comentava.
Continuei a dirigir e dei um sorriso sem graça, agradecendo baixo logo depois.
Ele disse que nunca iria estragar minha brincadeira. Bom, ele sabia que era a coisa mais importante do ano para mim e que eu me empenhava de verdade para aquilo. Com certeza não sabia do desafio cruel que me mandaram, então não deveria fazer parte do círculo de espionagem. Certo?
Certo?
Certo.
Mais calma e vendo com mais clareza, saí das ruas do centro e segui em direção a locais mais calmos. Rose tagarelava ao meu lado, mas eu simplesmente não estava com estômago para prestar atenção. Eu sabia que tinha algo a ver com o meu cabelo, o que eu também não estava com saco para ligar.
- Podemos comer um salgado? – perguntei, já desistindo de caçar alguma sorveteria.
- Claro. Apesar de que engorda bastante.
- Você sabe que não precisa se preocupar com isso.
Ela riu e concordou.
Saímos do carro e eu já era outra pessoa. Seguimos em direção à mesa e a conversa voltou a fluir naturalmente enquanto pedíamos os alimentos. Estava tudo bem agora, com os assuntos em ordem.
Falamos de tudo. Das férias futuras de Rose até à minha mudança repentina de personalidade.
- Estou falando. Você está mais confiante, mais forte. Mais... Como posso dizer? Com um brilho renovado.
Foi muito difícil não pensar no em um momento desses. Acredito que me apaixonei mais por quem ele é, pelo que ele faz que eu seja. A gravidade dele me puxava (e não sei como não puxava todas as outras garotas do mundo), fazendo que eu admirasse cada pedaço do ser.
Tudo nele era diferente. Com um cheiro de perigoso, delicioso. Era algo surpreendente que não iria nunca parar de me surpreender.
Como se lesse meus pensamentos, Rose disse:
- Aquele ali não é o ? – Franziu os olhos e eu olhei atordoada.
- O quê? Onde? – Aí eu me toquei que poderia ser uma brincadeira. As meninas já sabiam do meu caso – namoro – com ele, então coisa poderia ser uma dica do que estava acontecendo.
Eu não iria cair nessa.
- Ali, ó! – Ela disse, apontando concentrada para um ponto atrás de mim.
- Desista, Rô. – Sorri convencida, observando-a com o ar esperto.
- Desistir de quê? – Ela me olhou com a testa franzida. – Você acha que devemos chama-lo para comer conosco? Ele e aquela garota...
Garota?
Quando eu me virei para trás, meu coração e toda a minha essência foram transformados em um doloroso pó.
estava mesmo lá. De verdade.
Beijando uma garota.
Uma versão feminina dele.
Uma garota incrível e com aspecto ousado. Que pela garra do beijo e da mão dela guiando era visível. Uma garota que eu nunca seria.
havia me traído pela segunda vez – descoberta – no dia.
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- O que foi? – Ele me perguntou.
Eu me sentia muito machucada, mas tão insegura que não conseguia pensar em acusa-lo e colocar as coisas em dia. Não conseguia pensar em muita coisa que não fosse nós dois e percebi o quanto eu estava apegada.
Idiotamente apegada.
E percebi, também, que não era nada sem ele.
Eu lembrei da tatuagem que havíamos feito e continuei encarando a parede, tentando ter alguma reação fora a minha inexpressiva. “Doces ou travessura?” e um coração delicado no dedo. Coração que ele também tinha no mindinho, igual a mim.
- ? – Questionou, mais uma vez. Esperando uma resposta, ele se sentou ao meu lado e me Annelisou com aqueles olhos elétricos. Neste instante, achei o motivo perfeito para esconder a dor da traição.
- Minha missão – comecei e ele me questionou com os olhos. – Ela... – Não consegui continuar a frase, e ele concordou com a cabeça, indo em direção à escrivaninha procurar o papel.
Uma ou duas lágrimas caíam depois de tanta luta ao tentar impedi-las; mas ele fingia que não sabia que não era por ele. No dia da comida, ele provavelmente tinha me visto, já que desapareceu pouco tempo depois.
Ele sabia que eu sabia. E eu sabia que ele sabia. Mas nenhum dos dois iria abrir a boca.
Ao vasculhar, pareceu encontrar o papel e franziu a testa, indo em minha direção antes de ler.
- Quer que eu...? – começou, mas concordei. – Ok.
Observei o semblante maravilhoso dele enquanto lia concentrado o papel. Depois, ele respirou fundo e segurou a respiração, olhando para mim em seguida.
Parecia travar uma batalha mental do quanto ele e o jogo eram importantes para mim e qual seria escolhido. Depois, sua expressão suavizou e eu soube: ele sabia que seria escolhido.
- Quem você acha que escreveu? – Mais uma lágrima minha caiu e ele fez questão de ignorar. tinha uma pose de homem impenetrável; a que sempre usava e nunca parecia fraquejar. Aquilo, pela primeira vez, me intimidou de uma maneira dolorosa. – Porque, foi criativo – sorriu sapeca.
Eu sorri fraco e continuei encarando-o.
- Rose eu sei que não. Outro dia, perto do centro, quando falei sobre, ela pareceu confusa. Inocente o suficiente.
Perto do centro. Ele reconheceu, mas nenhuma sombra de que se sentia culpado apareceu.
A tensão, para mim, poderia ser cortada com uma faca. Para ele, o clima estava tranquilo como qualquer outro. Acho que ele tinha essa capacidade de estar tranquilo no caos.
Mesmo não demonstrando estar em um. Reconhecendo um.
- Tenho uma ideia. Podemos fingir que você arrancou meu olho.
- Trapacear?
Ele me deu um olhar óbvio, como se não entendesse minha confusão. Troublemaker.
- E onde vamos encontrar um olho de verdade, da mesma coloração do teu?
Ele pensou um pouco e sorriu para mim.
- Eu dou um jeito nisso.
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- Eu simplesmente não acredito que elas foram tão ingênuas – Nathe comentou enquanto mexia os papéis. – Acharam mesmo que não iríamos querer brincar também?
De longe, sorriu, soltando a fumaça do cigarro pelo sorriso. Sua expressão indicava divertimento.
- Elas colocaram muita confiança em nós para isso. E, provavelmente acreditaram que a culpa nos corroeria – disse e olhou para os papéis. Caminhou até onde Nathe estava e admirou com preciosidade os nomes, como quem admirasse obras antigas.
- Deveria – respondi, franzindo a testa. – Isso meio que não é justo com elas.
- Nada nesse mundo é justo, Gabe – um dos gêmeos, Sam, respondeu irritado. – Você não vai fraquejar logo agora, não é? A coisa já está feita. As nossas missões já foram enviadas para os nossos amigos secretos. Agora só falta escolher o nome das vítimas.
Mordi o lábio, hesitante. Mas meus olhos estavam firmes.
- Puta sacanagem.
- Não é a parte mais divertida? – Nathe gargalhou e foi acompanhado do riso dos outros. Eu olhei para eles, sorrindo amargo.
Era a hora de pegar os nomes e todos sabiam disso. Para tomar coragem, tomei um grande gole da minha vodca e respirei fundo. Peguei sem qualquer dó, apenas esperando que não tivesse escolhido . Aquela garota, apesar de tudo, não iria sofrer nas minhas mãos.
- Já está tudo organizado, cara? – Johan, o outro gêmeo, perguntou. Foi o último a pegar. – Todos já receberam as missões? – Concordamos. – Agora, aí estão as garotas-presente para completarem as missões. Podem usá-las como objeto ou como meta; não é da minha conta, mas usem.
Sua expressão era séria, fechada, dura. Como quem não estava nem aí. Mas seu olhar estava repleto de maldade, malícia.
Do outro lado, Nathe estava coçando a cabeça e olhando pensativo para o papel. Provavelmente meu amigo secreto não havia ideia de como fazer a missão com a garota, porque continuou assim durante um bom tempo; o que me divertiu. Uma pegadinha já estava concluída.
Ryan estava elétrico, encarando Johan bem animado como quem iria aprontar. Com o senso competitivo do cara, provavelmente que a missão dele seria a melhor; tanto no dar, quanto no receber.
Por fim, estava inexpressivo, fumando outro cigarro no canto. Sua calma era invejável por mim, como se ele já tivesse resolvido tudo e soubesse todos os segredos da vida.
- Ei, cara – me aproximei e ele me olhou diretamente. – Vem. – Saí, indicando para que me seguisse. Sem mais delongas, ele foi atrás de mim e as perguntas já estavam se formando na ponta da minha língua.
- Quem você pegou? A namoradinha? – questionei e tomei seu cigarro. Dei um trago profundo e ele sorriu.
- já está no papo. – Olhei, não acreditando que ele falava sério. Mas ele falava.
Isso seria incrível. Muito incrível.
- Qual é a sua missão? – murmurei, olhando em volta para manter o sigilo. Sabia que iria contar, então a segurança era necessária para Johan não nos quebrar no cacete.
Ele tirou o papel do bolso e me entregou, enigmático. Seus olhos estavam assustadores, abertos, sérios. Eu tive que cortar o contato visual antes de ler.
Quando abri, fiquei realmente surpreso com a criatividade.
“Como nos filmes de terror e fantasia, todo ritual só poderá ser realizado com o sangue de virgem sendo jorrado como oferenda. Me ofereça o sangue de uma; e o corpo para que eu faça o que eu bem entender.”
Assim que li, olhei em choque para ele, que parecia tranquilo.
- Como você vai fazer isso com ? – Ele soltou uma risadinha óbvia e tomou o papel de volta. A caneta vermelha dava uma impressão de sangue, reforçando as manchas de vinho sob o papel.
- Vai ser mais fácil ainda. Ela já está no papo.
- Você não acha que está levando esse jogo muito a...
- Gabe. – Me cortou. – Você tem algo contra e quer ser a oferenda? – questionou, muito sério. Mas logo um sorriso sapeca apareceu em seu rosto.
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Hoje era a noite da entrega dos presentes e meus hormônios estavam a mil. Eu estava completamente excitada como todo ano, e o nosso álibi da vez era uma festa muito agitada que estava tendo ao ar livre.
O álibi era nosso ponto de fuga. A surpresa teria que ser muito grande, por isso escolhíamos lugar onde sequer localizar o outro de longe fosse impossível. Assim, quando chegasse para nós o objetivo da missão, além de nos causar horror, assustaria os outros também – se tivéssemos sorte.
A festa estava acontecendo por base de uns garotos da faculdade, que já sem motivos para festejar, consideraram o Halloween como desculpa. Praticamente dois lotes de fraternidades de playboys era ocupado (lotado) por muita festança e pessoas bêbadas. Os carros enchiam a rua.
O mais incrível era a luz negra, que deixava o branco e outras cores em neon. Éramos proibidos de beber (exceto Jolie, que ficava ainda mais fogosa) para não atrapalhar a brincadeira. Mas não era exatamente isso que me deixava meio inquieta.
Era o fato de que não estava em lugar nenhum e até agora não havia voltado. Não sei como ele encontrou o olho que ele disse que iria encontrar, mas confiei nele e soube no momento que seria uma ótima escolha, apesar do passado. Ele conseguia ser muito criativo e ainda iria entregar no lugar de Gabe.
Até agora não havia voltado e eu dividia minha atenção entre ficar concentrada para receber a pegadinha e concentrada para encontra-lo.
- ... – choramingou em forma de gemido, não acreditando que ele estava ali em sua frente. Toda a postura, olhos, voz, coração imploravam por misericórdia, não entendendo o que estava acontecendo. Não querendo entender e acreditar.
- Olá, querida. – Sua voz estava estranhamente calma, o que a fez se arrepiar. Se arrepiar pela sensação de estar em casa depois de um dia longo que era a sensação que tinha ao ouvir sua voz; se arrepiar pelo medo que estava pela frieza de sua voz.
Tentou se erguer, mas ele lhe deu um golpe nos ombros que a fez cair no chão urrando de dor. Ainda extremamente calmo, ele a observou.
- O que está acontecendo? – Implorou para saber, chorando.
- Sabe, , eu te amei. – Ele sorriu de canto, bem humorado, e olhou para a tatuagem brega de coração no dedo. Riu e negou com a cabeça. – Mas você não é digna desse amor – murmurou sem dó.
Ela poderia jurar que nada físico estava doendo tanto quanto aquilo.
A agitação da festa estava me dando tanta animação que eu só reparei que estava no terceiro ponche quando estava gritando e dançando no meio da pista. Foi tudo muito rápido. O clima estava incrível, e provavelmente tinha algum alucinógeno no gelo seco.
Eu parei de ligar quando a música aumentou a altura e velocidade, fazendo meus ouvidos pulsarem juntos e o coração entrar na mesma sincronia. Eu gritava, pulava, dançava e bebia sem parar com as outras pessoas me encorajando no mesmo estados.
Em um segundo, eu jurava que havia visto me encarando sério de longe. Atordoada, eu parei e franzi a testa, forçando a vista para encontrar algo. No meu ato, um rapaz esbarrou em mim e me agarrarrou.
Tonta, retribuí.
O beijo era bom. A língua era gostosa, os lábios macios. E eu já não sabia se era uma mulher ou um homem me beijando. Mas não existia culpa.
me traiu.
Esse ser humano beija bem para cacete.
beijou aquela garota.
Eu também posso beijar este.
não queria saber o que iriam fazer com ela. Se iria morrer naquela noite. Ou então se não passava de uma pegadinha.
Ela havia perdido de verdade e os dois sabiam disso. Ele não a amava porque ela não era digna. Ela havia traído ele e agora merecia arcar com as consequências. E isso era tudo que passava em sua cabeça. Não se importava com mais nada.
- Eu sinto muito... – Soluçou, esquecendo as dores corporais. Nada doía tanto mais, era como se ela observasse seu corpo sangrento de longe. Indiferente de qualquer dor, se não da alma.
O pedido pareceu fazê-lo soltar uma risada fraca, incrédula.
- Isso é muito maior do que nós – contou, olhando atento para a porta, esperando o momento certo. – Muito maior.
O choro dolorido voltava aos poucos, deixando-o entediado. Desta vez, não havia cigarros ou sorriso de canto. Havia apenas olhos frios, sangue espirrado no rosto e expressão de irritação.
- Me desculpa, me ame novamente... – Ela repetia sem parar, chamando a atenção dele vez ou outra.
- Sua brincadeira, aliás. – Respondeu contragosto. – Ela não foi cumprida. E provável que ninguém dê falta de você até depois de amanhã ou mais, já que suas amigas também não estão... disponíveis.
Ouvi um grito feminino de pavor de longe e sorri satisfeita, já reconhecendo a voz de Jolie. Uma a menos. Sinal que a brincadeira havia começado.
Me soltei do ser e tentei passar da multidão, que vez ou outra me agarrava e oferecia coisas. Com muita dificuldade e procurando forças para me manter em pé, saí da pista indo em direção à saída da casa. Eu precisava de um ar.
Tropeçando, caí na grama bem aparada e fiquei lá mesmo, quente e morrendo de calor. Minha respiração não se normalizava durante um bom tempo e as estrelas eram o meu foco.
Eu pensei nesses cinco meses que haviam se sucedido desde o início da brincadeira. Desde que conheci os caras. Pensei nos anos atrás que conheci as garotas e pensei em quando me conheci. Quando tomei noção da minha existência, necessidade e pontos de vista.
Bêbada, eu pensei na minha vida toda. Eu pensei em tudo que eu era, tudo que fui e o que estou sendo. Um vi um futuro na minha frente ao fechar os olhos e sonhar longe.
A excitação havia tomado conta do meu corpo rápido demais, então não aguentei muito tempo ficar de olhos fechados. Porém, quando os abri, me deparei com alguém todo vestido de couro preto e um saco em mãos.
Apaguei no segundo seguinte.
A porta se abriu com voracidade, fazendo a mulher jogada ao chão dar um pulo involuntário de susto. Seu estado primitivo de sobrevivência estava gritando, mas suas forças estavam esvaídas.
- O que está acontecendo? – murmurou, quase desmaiando. A sombra que entrou era maior do que a de , que também se levantou e falou coisas incompreensíveis com o homem.
Ela não soube se temia mais ou menos com o novo personagem ali. Muito menos se iria sobreviver. Aos poucos, o sangue voltou para a cabeça e a consciência foi retomada.
- Como soube que era eu o seu amigo secreto? – O homem ruivo sorriu divertido, olhando audacioso sobre o corpo ensanguentado no chão.
- Você é bem clichê e previsível. – disse e riu, admirando também sua obra prima.
- Acha que deveríamos deixa-la ciente da situação? – Nathe franziu a testa, coçando sua barbicha. A resposta demorou, mas chegou. concordou sério com a cabeça.
O clima de terror e a noção de que iria morrer correram com força pelo corpo de , e sua cabeça ficou mais pesada do que nunca. Gemidos de dor ao respirar voltaram e ela pediu misericórdia com os olhos.
Misericórdia que não seria atendida.
- Você é o meu prêmio, . – A voz firme de Nathe a despertou, fazendo-a voltar a chorar. – Seu corpo agora é meu. Seu sangue agora é meu. Você é minha.
- Não... – Choramingou, pensando que a polícia lhe encontraria. Dariam falta dela e ela seria encontrada naquele inferno antes de ir para outro.
- Já cuidamos da polícia. Os gêmeos são bons, você mesma os escolheu. Lembra? – Ela se odiou por inteira ao ouvir as palavras.
A culpa lhe corrompia e aos poucos se achava digna daquela morte dolorosa que iria ter. Daquele cativeiro que iria viver.
Se achou digna de pagar por seus pecados nas mãos de quem amou.
, parecendo novamente compartilhar os mesmos pensamentos, abaixou na altura dela e beijou sua boca. O beijo tinha gosto de morango com cigarro.
- Doces ou travessuras – murmurou contra a boca dela. E ela soube que as duas coisas pertenciam a ele.
Inclusive ela mesma.
O céu não era visto no local, repleto de escuridão com faixas finas tentando ultrapassar as janelas fechadas. Fraca, olhou em volta e se apavorou ainda mais. Não enxergava muito bem ali por motivos óbvios, então tudo que teria que fazer era pensar racionalmente.
O que ficava mais difícil ao passar do tempo que ela entendia a situação e ponderava começar a chorar e se entregar. Os flashs da noite anterior faziam sua cabeça doer e o gosto amargo da traição dançar em sua boca. Ele estava em todas as memórias e cenas. Ele havia a dominado por completo.
Suas mãos, ainda tremendo, tatearam seu corpo em busca de algum ferimento, conferindo se ainda estava com roupa e se estava presa a algo que a impediam de se libertar.
Claro que não era o caso físico. Outra coisa muito maior a impedia de se libertar. E, por julgar pelo quase desconhecido aonde acordou, poderia jurar que não seria uma amarra ou algema que lhe impediria de sair. Algo muito maior estava acontecendo.
Quando desceu mais os dedos e curvou as pernas doloridas, encontrou ferimentos no joelho ralado. Devagar apertou para ver o tamanho e concluiu, gemendo de dor, que era maior do que esperava. O que diabos havia acontecido com seu corpo?
Descendo, sentiu arranhões gigantes nas pernas descobertas e tremeu um pouco de agonia, pensando se iria virar alguma infecção com sua mão suja lá ou algo do tipo.
Já sabia seu estado, certo? Agora era hora de agir e tentar entender o que estava acontecendo. Onde diabos havia se metido. Onde estava .
Não saber doía e a deixava tonta, desestruturada. O pânico corria em suas veias, molhando seu corpo de desespero e adrenalina. Entretanto, nada fazia a não ser tremer desesperada e tentar soltar algumas palavras – ainda sussurradas – de sua garganta seca e sua boca desaprendida.
Ela não queria pensar agora nos problemas sociais. Terminar com o namorado, briga com a mãe. Acreditava que essas pequenas coisas não os impediria de amá-la e ajuda-la, mesmo não sabendo se precisava de ajuda.
Não era hora de pensar nisso. Se encolheu ao ouvir passos e se perguntou se seria melhor para sua saúde se mostrar desacordada. Ou fingisse de morta. Ou gritasse por ajuda.
Decidiu abaixar a cabeça. Com um estrondo, a assustando, a porta pesada se abriu deixando entrar uma boa luz. Uma luz que desenhou a silhueta que ela tanto conhecia. Aos poucos, a claridade que adentrou ao local a fez reconhecer. Era um porão muito conhecido. Muito conhecido.
Tão conhecido quanto o homem da silhueta de cabelos arrepiados. Ela não via seu rosto, mas não era preciso para lembrar até os mínimos detalhes.
- ... – chamou com dificuldade, podendo observar depois que a bochecha do rapaz inflou, indicando um sorriso. Essa ação a deixou confusa, com medo do que poderia significar e com medo do que encontraria.
Foi inevitável se encolher quanto mais o rapaz se aproximava – em passos lentos – em sua direção. Não controlava seu corpo mais. Sua mente não era dona de seu corpo; tivera o controle tomado por uma primitiva e selvagem vontade de sobreviver.
Esperava que seu coração não a traísse, já que quanto mais ele se aproximava, mais sentimentos inexplicáveis vinham juntos com ele.
Ao chegar perto o suficiente para observá-la de perto, o suposto se abaixou, ajoelhando e admirando o rosto dela. Com o ato, a luz encontrou seu perfil e ela pôde assistir o sorriso sádico de mais cedo e a aparência que ele tinha. Tudo foi rápido demais que ela sequer conseguiu descrever.
Os olhos azuis elétricos estavam mais bonito do que nunca, mas quando ela olhou atentamente, ficou horrorizada.
No fundo, algo teve certeza que aquilo ia acontecer. Como se sua mente lhe zombasse, de tanto avisar, agora a assistindo pagar o preço. Desde quando havia conhecido ele, já deveria ter sabido no que aquilo iria dar, onde estaria se metendo, com o que estava mexendo. Ela sabia. Ela sabia, mas preferiu não acreditar.
As lembranças da noite anterior voltaram. As lembranças de sua relação toda com voltaram. Sua consciência despertou. Como um choque, tudo voltou rasgando e de uma vez.
Tudo, menos . O seu não estava ali, não mais. O pesadelo com olhos manchados de sangue era algo desconhecido por ela, algo temido.
E ela suspeitou que nunca mais iria ver seu novamente.
O sol estava meio frio naquela manhã, o que era algo suspeito e estranho para mim. As cores estavam pálidas e o tempo nublado, mas isso não impediu que o dia começasse bem e seguisse os planos que eu agendara para ele.
Assim que me levantei, chequei a data e o horário. Ao ler o “nove de junho”, senti um arrepio como se devesse me lembrar de algo. Um aniversário de alguém, talvez? Alguma data especial? Eu não sabia. Minha cabeça não conseguia encontrar a resposta para essa questão.
Tive que deixar de lado, mas estou retratando porque no final das coisas se tornou algo importante. Um dia que eu não queria ter levantado.
O Halloween estava chegando, e todo ano eu e minhas amigas fazíamos uma brincadeira de terror. Como uma lembrancinha, uma espécie de amigo secreto com caça ao tesouro. Começávamos sempre um mês antes, e hoje seria o dia marcado para a gente se organizar e resolver os pares.
Então, não tive escolha ao sair da cama daquele tempo nublado e ir até o local combinado. Não era mais necessário avisar para minha mãe, que já tinha se acostumado com os encontros anuais e, apesar de não aprovar as companhias ou as coisas que fazíamos, ela sempre deixava a chave do carro em cima do balcão logo cedo para mim.
Ainda era pouco menos de sete da manhã, mas as pessoas já estavam acordadas e o trânsito era existente. Infelizmente, a sede era quase fora da cidade e eu teria que demorar um longo tempo na estrada.
Enquanto minha concentração variava entre o que eu planejaria para o meu futuro amigo secreto e o trânsito, pude notar dois carros iguais em períodos de tempo diferentes indo para a mesma direção que eu. Normalmente, as pessoas sempre estavam indo contra a minha direção, já que moravam fora da cidade e iam lá para trabalhar. Não pude deixar de notar este detalhe.
Os carros eram caminhonetes pretas, com apenas jovem homens dentro e fora da cabine. Estavam sérios, com garrafas de bebidas nas mãos, com o vento batendo no rosto e murmurando coisas aleatórias que eu claramente não ouvia.
Eles passaram rápido por mim e eu tive a sensação de estar seguindo-os pelo resto do caminho.
Assim que cheguei até a fábrica abandonada onde costumávamos fazer tudo, percebi que as duas caminhonetes de hoje mais cedo estavam estacionadas por lá, junto com o carro das outras garotas.
O problema é que eu não sabia de nada daquilo, do motivo pelo qual eles estavam lá. Ou então por que garotos desconhecidos iriam fazer parte do jogo. Assim que Lise viu meu rosto questionando o óbvio, fez questão de explicar.
- Surpresa? – sorriu amarelo e eu a encarei, me perguntando que diabos de surpresa era aquela. – Eles vão ser auxiliares, . Irão nos ajudar a tornar a brincadeira ainda mais interessante.
Analisei ela por um tempo, percebendo que as outras meninas tinham me notado e viam em minha direção. Estava meio descontente ainda, meio incrédula. Mas o talvez do que poderíamos fazer com eles... De como esse dia das bruxas seria o melhor de todos me fez aceitar.
- Você deveria ter me avisado – alertei, fazendo uma careta e vendo-a sorri. As outras garotas chegaram e entenderam de cara o assunto.
- E estragar a surpresa? – Lise sorriu sapeca, com os fios loiros de cabelo entrando na frente do rosto. – Aliás, tem muito mais surpresas por aqui.
- O quê? – Arregalei os olhos, olhando para ela perdida. – Você fez algo?
Todas riram, olhando entre si e dando sorrisos maliciosos.
- Eles são uns gatos, . Sério – Savannah comentou, olhando por cima do ombro para a área onde os dois carrões estavam estacionados. Onde, por sua vez, os meninos estavam jogados fumando e conversando.
Eu não tinha reparado neles e me senti meio careta, ainda mais diante dos olhares delas.
- Vocês são pervertidas demais. – Voltei a andar para entrarmos no depósito abandonado. As outras garotas me seguiram, concordando como se não fosse nenhuma novidade. – Já se meteram com alguém?
- Me meti com o ruivinho – Jolie comentou como quem mostra um troféu, mas que não fez esforço para merecer ou sequer estava interessada. As vantagens de ser uma modelo não é ter qualquer um nas mãos?
- Como irá funcionar? Nos amigos secretos, eles vão escolher um papel também?
- Não e sim. Não da nossa forma, mas sim para qual de nós – Lise respondeu, chamando-os com as mãos com unhas vermelhas e afiadas.
- Nada de trapaça? – perguntei rindo baixinho, empurrando a porta grande e enferrujada que impedia nossa entrada parcial. O estrondo dela subindo de uma vez já tão acostumado me fez relaxar.
Era o meu território. Eram as minhas regras. Tudo iria ficar bem.
- Você sabe do que somos capazes.
A antiga fábrica têxtil tinha suas famosas lendas fantasmas, sobre a morte de vários operários em incêndios, amputações em máquinas, fantasmas perdidos e crianças que desapareciam enquanto a mãe ainda trabalhava, ocupada demais para prestar atenção na criança.
Outra das lendas era a que todos esses espíritos ruins fizeram a mesma falir ou demissões em massa. Administradores e historiadores discutirão sobre isso.
No entanto, pareceu ser um lugar ótimo para planejarmos nossas travessuras. Eu devo confessar que no início eu era muito medrosa. Antes mesmo de conhecer Lise, até em fantasmas eu tinha medo. Hoje é algo mais como consciência, desejo de adrenalina...
Assim que parei de observar o lugar, reparei que o grupo de rapazes – seis ao todo – já estavam parados atrás de mim, sem expressão, esperando que eu entrasse logo.
Eu corei. Acho que foi porque eu tinha estado parada tanto tempo olhando o local e pensando no significado. Ou então porque eles eram realmente muito bonitos, como as garotas haviam me avisado. Na hora eu não tinha reparado, mas agora...
Ainda sem fôlego e um pouco de amor próprio, entrei e dei espaço para entrarem. Lise, Jolie e Rose já foram para os seus lugares de costume, tirando os papéis da mala, escrevendo e conversando assuntos aleatórios, chamando os enjaquetados para mais perto.
Meu olhar se perdeu para o último da fila, que parecia estar no seu próprio mundo, ligando para absolutamente nada. Ele era extremamente atraente, com cabelos lisos, caídos, olhos verdes indiferentes e uma boca fina. Ao passar por mim, ele me deu um rápido e preciso olhar e voltou aos afazeres.
Eu não sei exatamente o que eu vi de tão incrível nele. Acho que o fato que ele não ligava me fascinava, de certo modo.
- Pronto, pessoal – chamei a atenção. – Não sei se as outras mostraram para vocês como funciona nossa brincadeira de Halloween, mas é o seguinte: cada uma de nós sorteia alguém como um amigo secreto. – Apontei para a cartola preta que usávamos como urna e os olhares masculinos se seguiram, voltando para mim logo depois, mostrando que estavam entendendo até ali. – E, no ato, meu amigo secreto deverá receber de mim uma dica de quem eu sou, uma missão para fazer com o presente e o presente.
“Na data certa, ele deverá entregar para mim o objetivo da missão, acertando quem é o amigo secreto – continuei. Antes de voltar a falar, o ruivo levantou a mão e sorriu sem graça. – Pode perguntar.
- Dê um exemplo para entender direito?
- Muito bem. A minha dica são olhos de fúria. – Lise riu, como se compartilhássemos uma piada interna. - O presente é uma faca afiada de caça. Sua missão é ir caçar na floresta um animal selvagem e me trazer. Mas você tem que mata-lo, não comprar; você traz ele da maneira que quiser, menos vivo; só poderá contar com a ajuda do presente e sua força corporal.
Os olhos dele viajaram mais um pouco para os amigos, como se processasse e tivesse ideias. Analisei os rapazes discretamente, como uma desculpa para olhar para o garoto de momentos atrás.
- Bem legal. E onde entramos aí? – enfim, um loiro perguntou no lugar do ruivo.
Eu olhei para as garotas, meio irritada por não saber exatamente onde e elas riram, dando de ombros. Um “improvisa” foi sussurrado e meu dedo mais indecente foi mandado.
- Vocês serão auxiliares. Não sei de quem foi a ideia – ri nervosa – mas vocês irão ser como nosso segundo presente. Irão espionar as outras para saber se está tudo na linha, irão nos ajudar com a missão e dica.
- E o que ganhamos com isso? – Foi o garoto indiferente quem disse. Sua voz, mesmo que bem calado como ele era, soava confiante e grossa, dominada. Naquele momento acreditei que não havia mais coisas para me atrair nele mais do que eu já estava.
E, olha, como eu estava errada.
- Bom, vocês fazem parte da brincadeira. No final das contas, pegamos os objetivos macabros da missão e fazemos algo com eles. No caso do exemplo, iríamos cozinhar o que o amigo secreto trouxesse.
- Queremos algo mais do que isso – concluiu.
- A brincadeira foi pensada inteiramente por mim do nada e praticamos há anos sem que ninguém saiba ou tenha a mesma ideia. Então, não repassem. Não façam. Nem tentem imitar.
- Ou o quê? Você chora? – ele disse e os outros começaram a rir. Repreendi Rose com o olhar ao vê-la dando risinhos também. Girei os olhos por pura impaciência e ouvi ele murmurar, zoando o ato de “Olhos de Fúria”.
- Eu os farei pagar.
- Uh, ok. Que comece o sorteio.
Os nomes femininos já estavam sendo colocados na cartola negra, esperando apenas a mistura e a hora da escolha. Assim que me aproximei, Jolie sorriu de leve e chacoalhou mais um pouco.
- Boa sorte – murmurou sapeca.
Eu coloquei a mão e escolhi o papel menor.
O nome que estava lá era o de Lise.
E assim acabou a nossa escolha. Em seguida, os garotos foram se nomeando para que a próxima rodada fosse feita. Como eram seis e nós quatro, foi necessário fazer uma intervenção.
- Dois de vocês estão fora – decidi e eles me olharam meio surpresos. Claro que já tinham feito as contas mentais, mas não acharam que eu seria tão audaciosa. – Um poderá lidar com a políci-
- Polícia – o ruivo me interrompeu. – Não sabia que o jogo de vocês era tão perigoso.
- Se fosse normal, não seria especial de Halloween – respondi ríspida e ele ergueu as sobrancelhas. – Um de vocês irá cuidar para que as outras pessoas que não sejam de dentro do grupo reparem em algo; o outro irá cuidar para que a polícia nem suspeite de algo.
Eles se olharam entre si como se pudessem ler mentes e eu achei isso meio estranho. Tamanha intimidade. Por um momento, desejei que o indiferente não fosse um dos escolhidos, mas sem total consciência do que eu realmente desejava.
Os outros dois garotos que não foram citados eram parecidos. Morenos, de olhos claros e sorriso sapeca. Eles se voluntariaram para serem os auxiliares.
- Então é isso! – Jolie disse assim que tudo foi definido. – Agora só pegarem os nomes.
Eu fui a última. As outras esperaram caladas até eu pegar o papel e foram revelando em seguida. Jolie havia pego o Nathan, o ruivo argumentador. Rose um garoto que descansava e mal prestava atenção no que falávamos, mais concentrado na garrafa em mãos. Nomeado de Ryan.
Por fim, Lise disse “”, e o rapaz bonito indiferente se levantou, dando um sorriso de canto e indo em direção a ela. Eu fiquei com o Gabe, o loirinho.
Não realmente frustrada, respirei fundo. O jogo estava para começar.
Nos separamos pela área desconhecida para planejar.
Tudo estava prestes a acontecer e eu apenas me concentrava em uma simples brincadeirinha que acabaria com minha vida.
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- Quem? – o loiro perguntou, me Annelisando de cima a baixo. Por um momento, me senti desengonçada e toda errada.
Caminhei em silêncio até a árvore seca onde eu geralmente ficava para pensar e escrever as pegadinhas.
- Lise – respondi depois de um tempo. Ele se sentou de frente a mim, com uma garrafa em mãos e olhos curiosos. Olhos que faiscavam ideias más e bem feitas. Eu soube, naquele momento, que ele seria o meu parceiro ideal. – Me conte sobre você.
- O que é do seu interesse? – Tomou um gole guloso e voltou a me encarar, limpando o canto da boca com a barra da camiseta preta.
- Quem são vocês e de onde as garotas encontraram?
- Isso não é exatamente sobre mim. – Sorriu sapeca e eu vi que a conversa seria complicada. – Elas nos encontraram numa festa. Nos atraiu e viramos a noite juntos. Uma delas, a morena que parece modelo – concordei com a cabeça – acabou soltando sobre o que aconteceria hoje.
- Vieram sem mais nem menos?
- Fizemos elas nos convidarem. Sabe como é. Acabaram ficando sem graça.
Concordei em compreensão, já pensando no que faria com Lise. O que eu precisava? O que seria realmente assustador?
Tomei a garrafa do tal Gabe e bebi um gole grande, respirando fundo e tentando pensar direito nos pontos fracos. Foi quando me lembrei da noite que a conheci que o plano foi claro e completo.
Gabe olhava em volta, desconfiado, como se pressentisse algo ruim. Quando reparou que eu o encarava, sorriu de canto.
- Já fez sua parte? – perguntou já sabendo a resposta e eu gamei no rapaz.
- Já. E você?
- Espera só para ver. – Piscou para mim e se levantou, caminhando pela área cheia de matos. Murmurou uma coisa ou outra, mas não estava prestando atenção. O dever dele estava sendo feito.
Apenas aguardei sem o mínimo interesse, concentrada no que eu faria e em tais olhos azuis que não saiam da minha cabeça.
O medo de fantasmas de Lise seria muito bem explorados; mas eu não sabia que os meus também.
Quando eu reparei conscientemente, eu estava seguindo o rapaz de olhos azuis. Ele também parecia saber disso, já que, por pura diversão, deu duas voltas aleatórias esperando que eu seguisse seu trajeto; o que eu fiz.
Ele parou de súbito e eu dei só mais uns passos, temendo me aproximar demais e ele me chamar de louca. No entanto;
- Venha aqui, na minha frente. – Sua voz foi firme e séria e eu temi por uns instante, me xingando sobre o que eu estava fazendo.
Só poderia ser louca. Ou tarada.
Mas eu fui. Eu fui decidida até ele e fiquei em sua frente, analisando-o. Ele era ainda mais bonito de perto. Cabelos batendo na nuca, chapéu preto retrô e uma barbinha rala por fazer. O foco eram os olhos azuis elétricos. Um azul claro, de tirar o fôlego.
E a concentração. Porque ele já estava sorrindo convencido, me analisando curioso. Mas a nossa curiosidade era bem diferente.
- O que está fazendo? – disse, me tirando dos devaneios. – Fora o óbvio.
Minhas bochechas queimaram e eu torci para não ficar muito vermelha. Pelo movimento dos seus olhos, vi que não havia funcionado.
- Eu só vim... – Procurei uma desculpa na velocidade da luz, mas nada.
-... explicar algo sobre a brincadeira? – tentou, sorrindo de canto. Sabia que não.
- Sim. – Concordei. – Você não pode trapacear, entendeu? Gabe estava correndo e...
- Não era eu.
- O quê?
- Na área onde vocês estavam. Não era eu espionando. Tenho métodos melhores que esses.
Ergui a sobrancelha, aceitando como um desafio à minha capacidade mental. Ele sorriu mais uma vez, cruzando os braços sob o peito e me admirou de cima até embaixo.
O ato me deixou constrangida, porque ele era realmente incrível e eu...
- Saia comigo que eu te conto quais.
Três semanas se passaram. Tudo foi anotado perfeitamente na parede antiga da fábrica. As datas em que as missões e dicas deveriam ser enviadas, a data em que os objetivos deveriam ser mandados e que os amigos secretos seriam revelados.
Então, faltava apenas uma semAnne para que eu enviasse o tabuleiro ouija para Lise e ainda nem sabia onde encontra-lo. Depois de uma longa pesquisa na internet, reconheci bairros obscuros que vendiam esse tipo de coisa, mas apesar de me considerar bem brava, eu estava receosa em ir até lá.
Gabe havia sumido há algum tempo e eu não me achava no direito de me intrometer na vida dele ou pedir para que viesse comigo. No entanto, eu não era a única sem o auxiliar. As garotas disseram que os meninos também haviam desaparecido no mesmo período de tempo.
Mas não decidimos causar alarme, porque poderia ser algo normal. Afinal, ninguém conhecia ninguém ali e isso era de se esperar. Esperávamos também que eles não revelassem nada para ninguém.
Depois do episódio com o , eu preferi não comentar nada.
Saí de casa e reparei que, estranhamente, estávamos em uma época onde o dia era sempre nublado e isso me deu um arrepio gostoso. A carta já estava feita – só faltava Gabe reescrever com a letra dele e evitar que descubram mais quem sou eu -, o presente iria ser comprado e atrás dele a missão seria escrita.
Ainda perdida em pensamentos, me mantive no caminho do GPS, apenas em calçadas. Temia fortemente o que iria receber. Com o passar do tempo, você conhece muito bem a pessoa e sabe dos seus maiores medos; nossa brincadeira era trazê-los a mostra. Então, se hoje eu sabia exatamente como apavorar Lise, com certeza quem eu fui sorteada saberia mexer profundamente comigo.
E isso seria um problema. Eu teria que me concentrar seriamente em desarmar meus piores pesadelos antes que eles me engolissem.
Meu cérebro me alertou, então, que eu estava sendo seguida. Quanto mais eu me aproximava – diminuindo e aumentando a velocidade – do local desejado, mais a pessoa desconhecida atrás de mim seguia o mesmo padrão.
Respirei fundo e me senti estúpida por não ter chamado Gabe.
Agora, teria que ter uma ideia muito boa para me livrar dele.
A adrenalina que entrou no meu corpo me fez pensar nos olhos de , extremos e cheios de voracidade. Quando virei a esquina em que a loja estava, pude olhar secretamente para o meu perseguidor e congelei ao ver aqueles olhos azuis elétricos.
- ! – incriminei, chocada, parando no lugar. O velho sorriso preguiçoso e malicioso apareceu em seu rosto, como uma criança pega no flagra. Mais alguns passos e ele já estava próximo de mim. – Você quase me matou do coração.
Ele não parecia muito preocupado com a ética e moral do que estava fazendo. Ou o efeito que causou em mim. Um selinho roubado foi tudo que fez.
- ! – reclamei.
- Você não iria sozinha para uma área negra, não sabe? – Como quem não tem medo de nada, ele passou o braço em volta do meu ombro e puxou para si despreocupadamente. – E, aliás, fico sexy no modo psicopata.
Eu tive que rir.
- Me seguiu desde a minha casa?
- Não. Te encontrei no caminho e fui ver o que iria fazer. É o meu dever vigiar a concorrência, não é? – Sorriu sapeca. E eu entendi. A culpa não me corroía, mas eu entendia o que estava fazendo. Provavelmente seria errado.
Bom, é uma espécie de manipulação no jogo ficar com o adversário, não é? Mas eu praticamente não ligava. Apertei a mão dele ao entrar na loja e senti uma corrente elétrica seguindo do aperto ao meu peito. Era um estado crítico de paixão.
Ou, aliás, um vício na adrenalina que ele me fazia sentir quando estava comigo. Toda a energia que vinha dele me deixava com o gosto de quero mais.
- O que irá comprar? – Forcei a memória e me lembrei que ele era o auxiliar de Lise.
A loja tinha paredes roxas, com vários objetos pendurados, espalhados e embaixo da vitrine de vidro. Todos espirituais, o que me deu arrepios e sensação de perigo. Alguns panfletos de astrologia e banners de leitura de futuro.
Eu queria sair logo dali, mas eu tinha uma coisa a fazer.
- Para fora, . – Franzi a testa, mas logo me toquei que de qualquer modo ele iria me ver saindo com aquela tábua enorme nos braços. Ele também não parecia muito disposto a ceder e acendeu um cigarro.
Os olhos feios da dona para o rapaz – mesmo com o cheiro de senso no ar – fez que ele abandonasse o lugar. Mas nós dois saberíamos onde aquilo iria acabar.
Eu andei ainda pelo local, meio receosa do que estava fazendo e me perguntando se aquele era o meu maior medo. Não queria me afastar de – ou que ele sequer fosse para outro lugar que não fosse comigo enquanto eu estava enrolando aqui – mas eu tinha coisas a fazer.
As minhas bochechas foram em tons rubros assim que fui ao balcão.
A mulher branca me encarava muito séria, como se eu ousasse entrar em seu território. “Uma pobre criança”, deveria pensar. “Uma pobre criança mexendo com o que não deve.”
- Está aqui para saber do seu futuro? – questionou, com uma voz grave.
Mordi a ponta fraca das minhas unhas com um nervosismo forte. Olhei para fora através da vitrine e vi a silhueta de ainda lá fora. Isso me acalmou um pouco.
Mas a proposta de saber meu futuro colou na minha mente. Me mantive atenta que ali deveria ter muitas brincadeiras.
- Não. – A resposta foi seca. – Não tenho intenções quanto a isso ou então curiosidade. – Ela riu como se fosse uma piada muito boa. – Quero um tabuleiro ouija.
- Você quer... – A mulher branca se abaixou, pegando um embaixo do balcão. Colocou na superfície e Annelisou o material de madeira com cuidado. – Tome cuidado, garota.
- Não é para mim. E não tenho medo de fantasmas. – Peguei a bolsa para pagar e ela sorriu como se eu fosse tola.
- Tola. – Eu não disse? – Não estava falando do tabuleiro. E sim do teu futuro.
Mais uma vez isso martelou na minha cabeça e eu tive que me segurar com todas as forças para não ser devorada pela curiosidade.
- Você não sabe meu futuro.
- Eu sei o suficiente. Você não.
- E não quero saber. – Disse decidida. – Qual o preço?
- Nem o futuro de ? – Neste momento eu congelei, tendo uma batalha interna em mim mesma. – Cinquenta.
Tirei a nota da bolsa e entreguei. No ato, a mulher pálida segurou em minha mão e me fez olhar nos seus olhos gélidos. Eu senti um horror dentro de mim, como minha alma fosse invadida e meu coração fosse dilacerado.
Minha respiração se tornou complicada e minhas forças foram direcionadas em sobreviver e anular o toque.
Quando finalmente consegui, vociferei:
- O que raios foi isso? O que você fez comigo?
- Nada. Só lhe mostrei a sensação que você vai sentir em breve.
Eu a encarei, perdida e fora de mim.
- O que você quer dizer com isso? – A mulher simplesmente guardou o dinheiro e me deu um último olhar.
- Cuidado em quem você confia. – E saiu atrás das cortinas de pano, me deixando sozinha na porta da loja.
Peguei o tabuleiro e fui para fora, onde um entediado me aguardava. Seu olhar foi rápido para o tabuleiro e meu rosto; aquele olhar eletrizante que tanto me fazia sentir viva agora me assustava.
- Ouija – concluiu. Depois de um leve suspense, sorriu. – Genial.
- Você não deveria ter me seguido. Agora você está a ponto de estragar a brincadeira, já que pode contar para a Lise, se quiser.
Ele se aproximou e jogou a metade do segundo – ou terceiro – cigarro no chão, para pisar logo depois, apagando-o. Pegou de minhas mãos e Annelisou o objeto. Depois Annelisou meu rosto.
Eu ainda estava em choque, pálida, pelo que havia acontecido. Pelas sensações que haviam me invadido e se esvaíram na mesma força, me deixando oca e atordoada.
- Se vai ficar tão preocupada assim – começou -, é melhor eu te contar. Eu nunca vou estragar o seu jogo – mas sua voz foi fria. Ao mesmo tempo, reconfortante.
Meu olhar para ele foi o suficiente para provar que não fora o suficiente.
- Confia em mim, .
Eu concordei levemente com a cabeça.
- Confio. - Respondi e cumpri, entregando todas as minhas forças a ele e seus olhos penetrantes.
Mal sabia que cumprir tal promessa iria me destruir muito em breve.
- Vamos eternizar suas promessas. – Me beijou com força, enfiando sua língua de maneira nada sutil na minha boca.
Minhas mão arranharam suas costas e ele me apertou contra a parede áspera do beco. Uma risada vinda dele ecoou e eu olhei desconcentrada.
- Hm? – fiz bico, que logo foi puxado pelos dentes alheio. – O que foi? Parou por quê?
- Há poucas quadras daqui tem um lugar bem peculiar...
- Por quê? O que isso tem a ver? – Pela pouca luz, meus olhos arregalados de curiosidade deveriam estar cômicos. O sorriso fraco de sempre se encontrava no rosto de , me observando de leve.
Feição de quem tem um plano.
- Um bar – foi explicando, mas eu acabei cortando-o.
- Onde isso é peculiar?
- Um bar, com música ao vivo, junto com uma loja de tatuagens.
E então tudo ficou bem claro na minha cabeça. Os planos e ideias todos vieram com força. Dias atrás, eu havia confessado minha vontade intensa de fazer uma tatuagem romântica – ideia na qual ele rira bastante, me fazendo sentir tola – e pintar meu cabelo.
Minhas atuais pontas roxas mereciam algo mais alegre, caloroso. A tinta rosa-shoking já havia sido comprada.
- Eu vou te mostrar. É um lugar bem interessante. De tirar o fôlego.
Sem muita opção e poder de opinião, ele me puxou pela mão e me guiou até o local. Quase corremos pela sua ansiedade, o que me fez soltar risadas realmente altas.
- Cuidado! – murmurava vez ou outra, repreendendo-o por quase me machucar. Com um pedido de desculpas rápidos, ele se afastava um pouco mas logo se aproximava e quase me machucava de novo.
Chegamos ao local e ele era realmente grande. Dois andares para um bar/loja de tatuagens era algo no mínimo impressionante. Com um sorriso sapeca, ele pegou a carteira e fuçou em alguns negócios, olhando para mim logo depois.
- O que está aprontando? – perguntei e sua feição estava calma, como sempre. Deu de ombros e entrou no local, me puxando pela mão.
De dentro era muito mais impressionante. A decoração rústica me encantou; ainda mais quando eu esperava um local todo punk. Não era uma espelunca, mas também não era rico e chique. Era...
- Perfeito. – Ele comentou e eu ri, concordando.
Situação estranha que se repetiu bastante nos últimos dias.
- Você vem sempre aqui? – Olhei para ele e lembrei automaticamente de suas tantas tatuagens que ontem eu tentei contar e perdi a conta.
Parecendo pensar nas mesmas coisas, ele me guiou até a parte de cima, onde ficava a loja de tatuagens. Na escada estreita, ele finalmente respondeu:
- Na verdade, maior parte no bar do que aqui. – Mais alguns passos e chegamos. Sua resposta foi muito estranha e me fez reconsiderar se eu namorava um bêbado.
Namorar. Que palavra cheia de promessas.
- O que vamos fazer? Vou assistir você fazer outra tatuagem? – Questionei ansiosa, sorrindo abertamente de expectativa.
- Na verdade, como eu disse... Vamos eternizar suas promessas.
Meu olhar confuso disse muitas coisas. Inclusive que eu suspeitava do que ele faria. se aproximou e me agarrou pela cintura, com uma garra que me fez ter arrepios longos. Segurei a respiração e ele mordeu minha orelha, murmurando;
- Doces ou travessuras, ? – Sua voz rouca foi algo tão excitante que eu tive que lhe lançar um olhar atordoado. Chocado.
- Não sabia que você tinha essa capacidade de ser sexy.
Com uma risadinha e sem sair da pose, ele respondeu:
- Você não sabe de muitas coisas sobre mim. Mas vou fazer questão de lhe mostrar todas elas.
Com uma promessa no ar, me animei e olhei em volta, procurando alguns desenhos para tomar como exemplo.
- Eu já volto. – Ele disse e antes mesmo de eu concordar foi falar com alguns tatuadores.
Suspirei apaixonada e sorri animada, procurando coisas delicadas e... Bom, de casal. Os meus desejos seriam realizados esta noite; e não escaparia disso.
Enquanto pensava entre uma borboleta e uma frase de amor, avistei algo bem delicado no meio de tantos dragões e monstros no papel. Era um adesivo pequeno de coração. Era apenas o contorno fino, com o coração vazio por dentro e por fora.
Caberia perfeitamente em um dos meus dedos. Enquanto ainda não voltava, recolhi o desenho e fui atrás de algo mais original. Evitei ao máximo não pensar na brincadeira que estava se aproximando, mas foi inevitável ao ver abóboras e todas essas coisas.
Pouco tempo depois, voltou e me abraçou por trás, grudando nossos corpos e me enchendo de mordidas no pescoço.
- O que escolheu? – Perguntou e eu mostrei o coração. Ele soltou uma risadinha que fez eu me arrepiar, mas logo pareceu aprovar. – Bem a sua cara.
- Quando será a minha vez? – A ansiedade estava crítica em minha voz.
- Agora. Só estava esperando você escolher. Geralmente você é indecisa.
Contragosto, concordei. Ele me guiou até a cadeira onde iríamos fazer tudo e o tatuador já preparou a máquina e as tintas.
- O que vai querer? – Sua voz grossa combinava com seu rosto carrancudo e sério. Parecia um pirada malvado.
Mostrei o coração e expliquei exatamente que queria em cima do mindinho, assim como também queria. Ele me olhou totalmente aleatório e riu, negando com a cabeça. Depois de muito batalhar, eu venci e um coração foi desenhado em seu dedo.
Após um curto tempo, o desenho foi bem feito e limpo. O homem me deu as instruções e colocou um plástico por cima para evitar, acredito eu, inflamações.
- Vai querer algo mais, querida? – começou a fumar um cigarro e me observou por cima.
- É. Uma surpresa para você. – Olhei para o tatuador e virei de costas, abaixando um pouco minha calça. A região da lombar ficou exposta e pude ouvir risadas maliciosas soarem. Não sabia de quem eram, mas fiquei satisfeita.
As abóboras voltaram para minha cabeça.
- Doces ou travessura. – disse, já imaginando.
Compartilhávamos a mesma linha de pensamento e eu não pude estar mais apaixonada do que agora. O seu sorriso de canto de eu-sei-tudo só comprovou isso.
Dica: Sei do seu pior pesadelo.
Missão: Com o seu presente, deverá invocar algum fantasma e oferecer algo a ele, para que ele faça algo para mim. O que eu quero é que ele me dê notícias sobre Harry McKlein no mundo subterrâneo e que demonstre seus sentimentos. Então, é necessário que faça isso no cemitério onde ele está enterrado.
Missão: Com seu exemplo inspirador, resolvi usá-lo. Sua missão é, com a faca afiada, trazer um dos olhos azuis eletrizantes pelo qual se apaixonou. Não se preocupe, ele não verá o que faremos. (Se me permite o trocadilho)
Rose e eu estávamos passeando no conversível dela, andando no centro e procurando uma boa sorveteria para saciar o desejo infinito que aquele frio exigia.
Finalmente, um solzinho havia aparecido e eu me lembro de estar me sentindo até mais alegre pelo fato. Pela dor da tatuagem anterior e a brincadeira de mau gosto que minha amiga secreta havia escolhido, eu tentava a todo jeito não pensar em nada. Só focar no agora e no sorvete.
Rose, é claro, reparou.
- Amiga? – chamou, organizando seus cabelos ruivos em um coque. – O que está acontecendo?
Franzi os olhos e não encontrei sequer uma lojinha de lanches.
- Não há nenhuma sorveteria por aqui, Rô.
- Podemos tentar em outro lugar – sugeriu e eu vi que estava se segurando para não olhar para a minha tatuagem de coração no dedo. Facilitei as coisas e escondi a mão. – O que você andou fazendo esses dias? Você nunca esteve tão afastada de nós.
A inocência em sua voz me fez acreditar que ela não seria a amiga secreta por um segundo. Mas logo lembrei que seria um truque argiloso e inteligente de sua parte e, como aquela cigAnne disse, não deveria confiar em ninguém.
- É. Estive ocupada com o trabalho.
- Você voltou para o seu emprego. Isso é ótimo – murmurou, sorrindo. – E quanto aos rapazes? Tudo vai bem com o Gabe?
- O quê? – Olhei assustada. Será que ela acha que estou... tendo relações com o Gabe?
- Vocês estão indo bem? Descobriram coisas relevantes? – Relaxei instantaneamente. Pela minha reação súbita, ela ficou bem desconfiada. Mas algo me incomodou na frase.
- Como assim?
- Espionando o outro grupo. O meu já me deu dicas que... – A partir daí eu simplesmente parei de ouvir e não consegui me concentrar em mais nada.
Espionagem? Isso não seria roubar?
Por outro lado...
.
O sentimento de traição foi grande demais que meu cérebro decidiu não aceitar e acreditar. Ele não poderia fazer isso comigo. Ele não havia feito. Não é?
Não é?
-... A proposito, adorei a cor nova do seu cabelo. Destacou o loiro natural! – Ela sorriu simpática, ainda no seu próprio assunto. No seu mundo onde era natural falar com uma amiga que sempre ouvia e comentava.
Continuei a dirigir e dei um sorriso sem graça, agradecendo baixo logo depois.
Ele disse que nunca iria estragar minha brincadeira. Bom, ele sabia que era a coisa mais importante do ano para mim e que eu me empenhava de verdade para aquilo. Com certeza não sabia do desafio cruel que me mandaram, então não deveria fazer parte do círculo de espionagem. Certo?
Certo?
Certo.
Mais calma e vendo com mais clareza, saí das ruas do centro e segui em direção a locais mais calmos. Rose tagarelava ao meu lado, mas eu simplesmente não estava com estômago para prestar atenção. Eu sabia que tinha algo a ver com o meu cabelo, o que eu também não estava com saco para ligar.
- Podemos comer um salgado? – perguntei, já desistindo de caçar alguma sorveteria.
- Claro. Apesar de que engorda bastante.
- Você sabe que não precisa se preocupar com isso.
Ela riu e concordou.
Saímos do carro e eu já era outra pessoa. Seguimos em direção à mesa e a conversa voltou a fluir naturalmente enquanto pedíamos os alimentos. Estava tudo bem agora, com os assuntos em ordem.
Falamos de tudo. Das férias futuras de Rose até à minha mudança repentina de personalidade.
- Estou falando. Você está mais confiante, mais forte. Mais... Como posso dizer? Com um brilho renovado.
Foi muito difícil não pensar no em um momento desses. Acredito que me apaixonei mais por quem ele é, pelo que ele faz que eu seja. A gravidade dele me puxava (e não sei como não puxava todas as outras garotas do mundo), fazendo que eu admirasse cada pedaço do ser.
Tudo nele era diferente. Com um cheiro de perigoso, delicioso. Era algo surpreendente que não iria nunca parar de me surpreender.
Como se lesse meus pensamentos, Rose disse:
- Aquele ali não é o ? – Franziu os olhos e eu olhei atordoada.
- O quê? Onde? – Aí eu me toquei que poderia ser uma brincadeira. As meninas já sabiam do meu caso – namoro – com ele, então coisa poderia ser uma dica do que estava acontecendo.
Eu não iria cair nessa.
- Ali, ó! – Ela disse, apontando concentrada para um ponto atrás de mim.
- Desista, Rô. – Sorri convencida, observando-a com o ar esperto.
- Desistir de quê? – Ela me olhou com a testa franzida. – Você acha que devemos chama-lo para comer conosco? Ele e aquela garota...
Garota?
Quando eu me virei para trás, meu coração e toda a minha essência foram transformados em um doloroso pó.
estava mesmo lá. De verdade.
Beijando uma garota.
Uma versão feminina dele.
Uma garota incrível e com aspecto ousado. Que pela garra do beijo e da mão dela guiando era visível. Uma garota que eu nunca seria.
havia me traído pela segunda vez – descoberta – no dia.
- O que foi? – Ele me perguntou.
Eu me sentia muito machucada, mas tão insegura que não conseguia pensar em acusa-lo e colocar as coisas em dia. Não conseguia pensar em muita coisa que não fosse nós dois e percebi o quanto eu estava apegada.
Idiotamente apegada.
E percebi, também, que não era nada sem ele.
Eu lembrei da tatuagem que havíamos feito e continuei encarando a parede, tentando ter alguma reação fora a minha inexpressiva. “Doces ou travessura?” e um coração delicado no dedo. Coração que ele também tinha no mindinho, igual a mim.
- ? – Questionou, mais uma vez. Esperando uma resposta, ele se sentou ao meu lado e me Annelisou com aqueles olhos elétricos. Neste instante, achei o motivo perfeito para esconder a dor da traição.
- Minha missão – comecei e ele me questionou com os olhos. – Ela... – Não consegui continuar a frase, e ele concordou com a cabeça, indo em direção à escrivaninha procurar o papel.
Uma ou duas lágrimas caíam depois de tanta luta ao tentar impedi-las; mas ele fingia que não sabia que não era por ele. No dia da comida, ele provavelmente tinha me visto, já que desapareceu pouco tempo depois.
Ele sabia que eu sabia. E eu sabia que ele sabia. Mas nenhum dos dois iria abrir a boca.
Ao vasculhar, pareceu encontrar o papel e franziu a testa, indo em minha direção antes de ler.
- Quer que eu...? – começou, mas concordei. – Ok.
Observei o semblante maravilhoso dele enquanto lia concentrado o papel. Depois, ele respirou fundo e segurou a respiração, olhando para mim em seguida.
Parecia travar uma batalha mental do quanto ele e o jogo eram importantes para mim e qual seria escolhido. Depois, sua expressão suavizou e eu soube: ele sabia que seria escolhido.
- Quem você acha que escreveu? – Mais uma lágrima minha caiu e ele fez questão de ignorar. tinha uma pose de homem impenetrável; a que sempre usava e nunca parecia fraquejar. Aquilo, pela primeira vez, me intimidou de uma maneira dolorosa. – Porque, foi criativo – sorriu sapeca.
Eu sorri fraco e continuei encarando-o.
- Rose eu sei que não. Outro dia, perto do centro, quando falei sobre, ela pareceu confusa. Inocente o suficiente.
Perto do centro. Ele reconheceu, mas nenhuma sombra de que se sentia culpado apareceu.
A tensão, para mim, poderia ser cortada com uma faca. Para ele, o clima estava tranquilo como qualquer outro. Acho que ele tinha essa capacidade de estar tranquilo no caos.
Mesmo não demonstrando estar em um. Reconhecendo um.
- Tenho uma ideia. Podemos fingir que você arrancou meu olho.
- Trapacear?
Ele me deu um olhar óbvio, como se não entendesse minha confusão. Troublemaker.
- E onde vamos encontrar um olho de verdade, da mesma coloração do teu?
Ele pensou um pouco e sorriu para mim.
- Eu dou um jeito nisso.
- Eu simplesmente não acredito que elas foram tão ingênuas – Nathe comentou enquanto mexia os papéis. – Acharam mesmo que não iríamos querer brincar também?
De longe, sorriu, soltando a fumaça do cigarro pelo sorriso. Sua expressão indicava divertimento.
- Elas colocaram muita confiança em nós para isso. E, provavelmente acreditaram que a culpa nos corroeria – disse e olhou para os papéis. Caminhou até onde Nathe estava e admirou com preciosidade os nomes, como quem admirasse obras antigas.
- Deveria – respondi, franzindo a testa. – Isso meio que não é justo com elas.
- Nada nesse mundo é justo, Gabe – um dos gêmeos, Sam, respondeu irritado. – Você não vai fraquejar logo agora, não é? A coisa já está feita. As nossas missões já foram enviadas para os nossos amigos secretos. Agora só falta escolher o nome das vítimas.
Mordi o lábio, hesitante. Mas meus olhos estavam firmes.
- Puta sacanagem.
- Não é a parte mais divertida? – Nathe gargalhou e foi acompanhado do riso dos outros. Eu olhei para eles, sorrindo amargo.
Era a hora de pegar os nomes e todos sabiam disso. Para tomar coragem, tomei um grande gole da minha vodca e respirei fundo. Peguei sem qualquer dó, apenas esperando que não tivesse escolhido . Aquela garota, apesar de tudo, não iria sofrer nas minhas mãos.
- Já está tudo organizado, cara? – Johan, o outro gêmeo, perguntou. Foi o último a pegar. – Todos já receberam as missões? – Concordamos. – Agora, aí estão as garotas-presente para completarem as missões. Podem usá-las como objeto ou como meta; não é da minha conta, mas usem.
Sua expressão era séria, fechada, dura. Como quem não estava nem aí. Mas seu olhar estava repleto de maldade, malícia.
Do outro lado, Nathe estava coçando a cabeça e olhando pensativo para o papel. Provavelmente meu amigo secreto não havia ideia de como fazer a missão com a garota, porque continuou assim durante um bom tempo; o que me divertiu. Uma pegadinha já estava concluída.
Ryan estava elétrico, encarando Johan bem animado como quem iria aprontar. Com o senso competitivo do cara, provavelmente que a missão dele seria a melhor; tanto no dar, quanto no receber.
Por fim, estava inexpressivo, fumando outro cigarro no canto. Sua calma era invejável por mim, como se ele já tivesse resolvido tudo e soubesse todos os segredos da vida.
- Ei, cara – me aproximei e ele me olhou diretamente. – Vem. – Saí, indicando para que me seguisse. Sem mais delongas, ele foi atrás de mim e as perguntas já estavam se formando na ponta da minha língua.
- Quem você pegou? A namoradinha? – questionei e tomei seu cigarro. Dei um trago profundo e ele sorriu.
- já está no papo. – Olhei, não acreditando que ele falava sério. Mas ele falava.
Isso seria incrível. Muito incrível.
- Qual é a sua missão? – murmurei, olhando em volta para manter o sigilo. Sabia que iria contar, então a segurança era necessária para Johan não nos quebrar no cacete.
Ele tirou o papel do bolso e me entregou, enigmático. Seus olhos estavam assustadores, abertos, sérios. Eu tive que cortar o contato visual antes de ler.
Quando abri, fiquei realmente surpreso com a criatividade.
“Como nos filmes de terror e fantasia, todo ritual só poderá ser realizado com o sangue de virgem sendo jorrado como oferenda. Me ofereça o sangue de uma; e o corpo para que eu faça o que eu bem entender.”
Assim que li, olhei em choque para ele, que parecia tranquilo.
- Como você vai fazer isso com ? – Ele soltou uma risadinha óbvia e tomou o papel de volta. A caneta vermelha dava uma impressão de sangue, reforçando as manchas de vinho sob o papel.
- Vai ser mais fácil ainda. Ela já está no papo.
- Você não acha que está levando esse jogo muito a...
- Gabe. – Me cortou. – Você tem algo contra e quer ser a oferenda? – questionou, muito sério. Mas logo um sorriso sapeca apareceu em seu rosto.
Hoje era a noite da entrega dos presentes e meus hormônios estavam a mil. Eu estava completamente excitada como todo ano, e o nosso álibi da vez era uma festa muito agitada que estava tendo ao ar livre.
O álibi era nosso ponto de fuga. A surpresa teria que ser muito grande, por isso escolhíamos lugar onde sequer localizar o outro de longe fosse impossível. Assim, quando chegasse para nós o objetivo da missão, além de nos causar horror, assustaria os outros também – se tivéssemos sorte.
A festa estava acontecendo por base de uns garotos da faculdade, que já sem motivos para festejar, consideraram o Halloween como desculpa. Praticamente dois lotes de fraternidades de playboys era ocupado (lotado) por muita festança e pessoas bêbadas. Os carros enchiam a rua.
O mais incrível era a luz negra, que deixava o branco e outras cores em neon. Éramos proibidos de beber (exceto Jolie, que ficava ainda mais fogosa) para não atrapalhar a brincadeira. Mas não era exatamente isso que me deixava meio inquieta.
Era o fato de que não estava em lugar nenhum e até agora não havia voltado. Não sei como ele encontrou o olho que ele disse que iria encontrar, mas confiei nele e soube no momento que seria uma ótima escolha, apesar do passado. Ele conseguia ser muito criativo e ainda iria entregar no lugar de Gabe.
Até agora não havia voltado e eu dividia minha atenção entre ficar concentrada para receber a pegadinha e concentrada para encontra-lo.
- ... – choramingou em forma de gemido, não acreditando que ele estava ali em sua frente. Toda a postura, olhos, voz, coração imploravam por misericórdia, não entendendo o que estava acontecendo. Não querendo entender e acreditar.
- Olá, querida. – Sua voz estava estranhamente calma, o que a fez se arrepiar. Se arrepiar pela sensação de estar em casa depois de um dia longo que era a sensação que tinha ao ouvir sua voz; se arrepiar pelo medo que estava pela frieza de sua voz.
Tentou se erguer, mas ele lhe deu um golpe nos ombros que a fez cair no chão urrando de dor. Ainda extremamente calmo, ele a observou.
- O que está acontecendo? – Implorou para saber, chorando.
- Sabe, , eu te amei. – Ele sorriu de canto, bem humorado, e olhou para a tatuagem brega de coração no dedo. Riu e negou com a cabeça. – Mas você não é digna desse amor – murmurou sem dó.
Ela poderia jurar que nada físico estava doendo tanto quanto aquilo.
A agitação da festa estava me dando tanta animação que eu só reparei que estava no terceiro ponche quando estava gritando e dançando no meio da pista. Foi tudo muito rápido. O clima estava incrível, e provavelmente tinha algum alucinógeno no gelo seco.
Eu parei de ligar quando a música aumentou a altura e velocidade, fazendo meus ouvidos pulsarem juntos e o coração entrar na mesma sincronia. Eu gritava, pulava, dançava e bebia sem parar com as outras pessoas me encorajando no mesmo estados.
Em um segundo, eu jurava que havia visto me encarando sério de longe. Atordoada, eu parei e franzi a testa, forçando a vista para encontrar algo. No meu ato, um rapaz esbarrou em mim e me agarrarrou.
Tonta, retribuí.
O beijo era bom. A língua era gostosa, os lábios macios. E eu já não sabia se era uma mulher ou um homem me beijando. Mas não existia culpa.
me traiu.
Esse ser humano beija bem para cacete.
beijou aquela garota.
Eu também posso beijar este.
não queria saber o que iriam fazer com ela. Se iria morrer naquela noite. Ou então se não passava de uma pegadinha.
Ela havia perdido de verdade e os dois sabiam disso. Ele não a amava porque ela não era digna. Ela havia traído ele e agora merecia arcar com as consequências. E isso era tudo que passava em sua cabeça. Não se importava com mais nada.
- Eu sinto muito... – Soluçou, esquecendo as dores corporais. Nada doía tanto mais, era como se ela observasse seu corpo sangrento de longe. Indiferente de qualquer dor, se não da alma.
O pedido pareceu fazê-lo soltar uma risada fraca, incrédula.
- Isso é muito maior do que nós – contou, olhando atento para a porta, esperando o momento certo. – Muito maior.
O choro dolorido voltava aos poucos, deixando-o entediado. Desta vez, não havia cigarros ou sorriso de canto. Havia apenas olhos frios, sangue espirrado no rosto e expressão de irritação.
- Me desculpa, me ame novamente... – Ela repetia sem parar, chamando a atenção dele vez ou outra.
- Sua brincadeira, aliás. – Respondeu contragosto. – Ela não foi cumprida. E provável que ninguém dê falta de você até depois de amanhã ou mais, já que suas amigas também não estão... disponíveis.
Ouvi um grito feminino de pavor de longe e sorri satisfeita, já reconhecendo a voz de Jolie. Uma a menos. Sinal que a brincadeira havia começado.
Me soltei do ser e tentei passar da multidão, que vez ou outra me agarrava e oferecia coisas. Com muita dificuldade e procurando forças para me manter em pé, saí da pista indo em direção à saída da casa. Eu precisava de um ar.
Tropeçando, caí na grama bem aparada e fiquei lá mesmo, quente e morrendo de calor. Minha respiração não se normalizava durante um bom tempo e as estrelas eram o meu foco.
Eu pensei nesses cinco meses que haviam se sucedido desde o início da brincadeira. Desde que conheci os caras. Pensei nos anos atrás que conheci as garotas e pensei em quando me conheci. Quando tomei noção da minha existência, necessidade e pontos de vista.
Bêbada, eu pensei na minha vida toda. Eu pensei em tudo que eu era, tudo que fui e o que estou sendo. Um vi um futuro na minha frente ao fechar os olhos e sonhar longe.
A excitação havia tomado conta do meu corpo rápido demais, então não aguentei muito tempo ficar de olhos fechados. Porém, quando os abri, me deparei com alguém todo vestido de couro preto e um saco em mãos.
Apaguei no segundo seguinte.
A porta se abriu com voracidade, fazendo a mulher jogada ao chão dar um pulo involuntário de susto. Seu estado primitivo de sobrevivência estava gritando, mas suas forças estavam esvaídas.
- O que está acontecendo? – murmurou, quase desmaiando. A sombra que entrou era maior do que a de , que também se levantou e falou coisas incompreensíveis com o homem.
Ela não soube se temia mais ou menos com o novo personagem ali. Muito menos se iria sobreviver. Aos poucos, o sangue voltou para a cabeça e a consciência foi retomada.
- Como soube que era eu o seu amigo secreto? – O homem ruivo sorriu divertido, olhando audacioso sobre o corpo ensanguentado no chão.
- Você é bem clichê e previsível. – disse e riu, admirando também sua obra prima.
- Acha que deveríamos deixa-la ciente da situação? – Nathe franziu a testa, coçando sua barbicha. A resposta demorou, mas chegou. concordou sério com a cabeça.
O clima de terror e a noção de que iria morrer correram com força pelo corpo de , e sua cabeça ficou mais pesada do que nunca. Gemidos de dor ao respirar voltaram e ela pediu misericórdia com os olhos.
Misericórdia que não seria atendida.
- Você é o meu prêmio, . – A voz firme de Nathe a despertou, fazendo-a voltar a chorar. – Seu corpo agora é meu. Seu sangue agora é meu. Você é minha.
- Não... – Choramingou, pensando que a polícia lhe encontraria. Dariam falta dela e ela seria encontrada naquele inferno antes de ir para outro.
- Já cuidamos da polícia. Os gêmeos são bons, você mesma os escolheu. Lembra? – Ela se odiou por inteira ao ouvir as palavras.
A culpa lhe corrompia e aos poucos se achava digna daquela morte dolorosa que iria ter. Daquele cativeiro que iria viver.
Se achou digna de pagar por seus pecados nas mãos de quem amou.
, parecendo novamente compartilhar os mesmos pensamentos, abaixou na altura dela e beijou sua boca. O beijo tinha gosto de morango com cigarro.
- Doces ou travessuras – murmurou contra a boca dela. E ela soube que as duas coisas pertenciam a ele.
Inclusive ela mesma.
FIM
Nota da autora: MEU DEUS DO CÉU, EU TERMINEI ESSA FANFIC! Espero, de coração, que vocês tenham entendido toda a lógica da coisa e tudo que o personagem principal. Eu escrevi essa fanfic correndo porque estava totalmente sem tempo e peguei de última hora.
Especial Halloween! Não foi exatamente terror, mas espero que tenham gostado do suspense. E, por favor, não xinguem muito a PP HAHAHAHA Tentem entender o lado apaixonado e iludido da coisa.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Especial Halloween! Não foi exatamente terror, mas espero que tenham gostado do suspense. E, por favor, não xinguem muito a PP HAHAHAHA Tentem entender o lado apaixonado e iludido da coisa.
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