Capítulo 1
Foi assim que aconteceu:
Um belo dia, eu e meu namorado tivemos uma briga estúpida, não me lembro nem por que razão, e cada um seguiu seu rumo para a própria casa, na esperança de colocar a cabeça no travesseiro e as ideias em ordem.
Acontece que, durante uma noite inteirinha em claro, percebi que estávamos tendo brigas estúpidas com uma frequência absurda, e que já não vivíamos momentos realmente bons, um ao lado do outro.
No dia seguinte, ele se tornou meu ex-namorado. Ponto final. Simples.
Contudo, o que foi simples para mim e um inconfundível ponto final, para ele foi complexo e de difícil aceitação. Ele não achava que eu seria capaz de por um fim à nossa história! Ligou tantas vezes, durantes as semanas seguintes, e mandou tantas mensagens, por todos os meios possíveis, que me vi forçada a parar de atender ou responder.
Meu ex, no entanto, não era meu único problema, naquele momento.
Eu estava extremamente insatisfeita com meu trabalho como analista de sistemas de uma grande empresa, e exausta, depois de anos sem férias. A gota d'água foi saber que, depois de vestir a camisa a ponto de abrir mão de merecidos dias de descanso, por tanto tempo, o mais importante projeto que a equipe tinha finalizado, coordenada por mim, tinha sido totalmente creditado a um de meus colegas menos graduados e mais preguiçosos. E é óbvio que não era coincidência o fato de ele ser homem e os donos da empresa também! Eles nem me escutaram, quando tentei explicar qual havia sido a efetiva participação de cada um de nós no trabalho!
Ao sair da reunião e voltar à minha mesa de trabalho, e encontrar mais dois emails, três ligações perdidas e quinze mensagens no whatsapp do falecido, enterrei o rosto nas mãos para não gritar. Tive certeza, naquele momento, de que precisava sumir.
É claro que eu não ia sumir de verdade! Mas eu tinha que dar um tempo da minha vida. E, para isso, decidi começar tirando as férias que dispensara por nada menos que três vezes.
- Eu vou tirar um mês, a princípio, mas talvez eu precise de mais – disse ao meu superior imediato, alguns minutos depois.
- Mas você nunca fez questão de férias! E, agora, talvez precise tirar mais de um mês, ? Assim, de uma hora pra outra? – Seu tom era reprovador e eu tive vontade de revirar os olhos, mas consegui me conter.
- Justamente por eu não ter feito nunca questão das minhas férias, eu agora já teria quatro pra tirar, pelos meus cálculos.
- Mas eu não posso ficar sem você aqui por quatro meses! O que deu em você? – Ele me encarava, como se eu tivesse de repente adquirido duas novas cabeças, e respirei fundo, controlando a vontade de dizer que precisava me afastar para não enforcar meu colega aproveitador e nossos chefes machistas. Eu não podia falar nada, a não ser que quisesse trocar as férias pela demissão.
- Não vou ficar quatro meses fora. Pode ficar tranquilo – afirmei, paciente. – Só preciso de um tempo, que apenas talvez ultrapasse um pouco um mês. Tem um amigo com problemas, precisando de mim. Vou ter que fazer uma viagem – inventei.
Todos os trabalhos que estavam sob minha responsabilidade foram passados, naquele mesmo dia, para alguns colegas, e algumas reuniões marcadas foram adiadas. Como criei a história de um amigo em apuros, trabalhei só mais dois dias, para fechar a semana, e pude dormir até tarde na segunda-feira seguinte, algo que não fazia havia muitos anos.
Foi uma sensação de liberdade não ter hora para sair da cama, mas eu ainda estava na mesma casa, com os mesmos números de telefone e as mesmas contas de email, que acabei abrindo, quase funcionando em modo automático. Meu ex continuava insistindo em ter uma conversa comigo, e eu não acreditava ter nada a dizer ou a ouvir, que já não tivesse falado ou escutado vezes suficientes.
Uma notificação no facebook, que abri com o laptop no colo, ainda vestindo pijama de flanela, enquanto bebia um copo de achocolatado, me fez sorrir, esperançosa.
Bom dia digitei em resposta à mensagem inbox que mandara, minutos antes.
Ele não respondeu de imediato e, subitamente, olhando para a foto de perfil dele, tirada no alto de uma montanha, cercado pelo verde vivo da natureza, em um dia de céu extremamente azul, eu tive a ideia.
- Você tá no Rio? – perguntei, ao telefone, referindo-me à cidade onde ele morava, o Rio de Janeiro, no Brasil. Não consegui esperar pela resposta dele na rede social e nem mesmo o cumprimentei, mas ele entenderia.
- To, sim, gata. Cheguei anteontem, lembra?
- E quando você viaja de novo?
- Vou ficar por aqui pelo menos uns três meses. A gente acha que já tem material suficiente pro documentário – explicou. Ele tinha passado boa parte do ano rodando o próprio país, e produzindo um filme sobre o lugar. – Você parece meio ansiosa. Tá tudo bem?
- Se eu for até aí, você me leva àquele lugar onde você tirou a foto que tá no seu face?
- Opa! – respondeu arrastado, bastante surpreso com minha indagação. – Vir até aqui? Pra eu te levar ao lugar onde tirei minha foto? – Riu. – Você tá bem, ?
- Eu to – respondi, suspirando. – Mas posso ficar melhor. Eu só preciso ir pra bem longe de Londres, por um tempo. Pra um lugar bem diferente daqui, de preferência. Você teria como me receber aí, por alguns dias?
- É claro que eu tenho! – Eu não podia ver o rosto dele, mas sabia que estava sorrindo. – E, se não tivesse, eu ia dar um jeito.
Foi assim que eu escapei da minha vida: indo para a Cidade Maravilhosa, encontrar o meu melhor amigo, que ninguém entendia como podia ser meu melhor amigo se, por mais de cinco anos, a gente só tinha se falado por telefone e Internet. Minhas amigas não compreendiam, e meu ex menos ainda, e eu nunca tentei argumentar e convencer ninguém. A conexão que havia entre nós, desde que ele vivera com minha família durante alguns meses de intercâmbio, era algo que não tinha mesmo explicação.
A primeira coisa que fiz em solo brasileiro foi adquirir uma nova linha telefônica, para usar apenas para falar com e com meus pais. Ao dar o número a eles, fiz com que prometessem não fornecê-lo a ninguém, e acho que eles honraram a promessa. Sabia que, quando voltasse, teria um número exaustivo de mensagens para ler, além de muitas ligações perdidas, mas decidi não pensar muito nisso.
Decidi apenas me divertir, por pelo menos um mês!
E, como não tinha um trabalho convencional, ele pôde me dar toda a atenção do mundo, ficando comigo quase vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, e me mostrando o lado incrível de sua cidade.
(Apesar de eu desconfiar que ele daria um jeito de estar ao meu lado, mesmo que fosse um médico, cheio de plantões, ou um advogado repleto de audiências. Finn era assim!)
Fizemos rapel, stand up paddle e trilhas (umas das quais nos levou ao alto daquela montanha, onde tirei uma foto quase idêntica a que ele tinha no face), voamos de asa delta, visitamos pontos turísticos, como o Corcovado e o Pão de Açúcar, fomos a várias praias lindas.
À noite, me espantei com os bares abertos até que o sol expulsasse as estrelas e a lua, tomando seu lugar no céu. A cidade parecia celebrar a diversidade, e no bairro da Lapa amigos de me fizeram experimentar alguns passos de samba. Acho que nunca havia rido tanto como naquela noite!
Apesar da decisão de só me divertir, eu também tinha os meus momentos sozinha, em silêncio, deitada em uma rede, na sala do apartamento de , pensando, lembrando, sonhando acordada... E esses momentos de calmaria fizeram tanto por mim quanto a diversão.
Fiquei mais quinze dias, além do mês programado e, quando a hora de partir chegou, meu melhor amigo ainda insistiu para que eu ficasse mais, mas eu já tinha adiado a hora de encarar meus problemas por muito tempo.
Voltei e encontrei tudo igual, mas o importante era que eu estava diferente! Estava preparada para não me deixar mais levar e ser soterrada.
Preparada, enfim, para começar a escrever a minha história do meu jeito. Isso não podia mais ser adiado!
Um belo dia, eu e meu namorado tivemos uma briga estúpida, não me lembro nem por que razão, e cada um seguiu seu rumo para a própria casa, na esperança de colocar a cabeça no travesseiro e as ideias em ordem.
Acontece que, durante uma noite inteirinha em claro, percebi que estávamos tendo brigas estúpidas com uma frequência absurda, e que já não vivíamos momentos realmente bons, um ao lado do outro.
No dia seguinte, ele se tornou meu ex-namorado. Ponto final. Simples.
Contudo, o que foi simples para mim e um inconfundível ponto final, para ele foi complexo e de difícil aceitação. Ele não achava que eu seria capaz de por um fim à nossa história! Ligou tantas vezes, durantes as semanas seguintes, e mandou tantas mensagens, por todos os meios possíveis, que me vi forçada a parar de atender ou responder.
Meu ex, no entanto, não era meu único problema, naquele momento.
Eu estava extremamente insatisfeita com meu trabalho como analista de sistemas de uma grande empresa, e exausta, depois de anos sem férias. A gota d'água foi saber que, depois de vestir a camisa a ponto de abrir mão de merecidos dias de descanso, por tanto tempo, o mais importante projeto que a equipe tinha finalizado, coordenada por mim, tinha sido totalmente creditado a um de meus colegas menos graduados e mais preguiçosos. E é óbvio que não era coincidência o fato de ele ser homem e os donos da empresa também! Eles nem me escutaram, quando tentei explicar qual havia sido a efetiva participação de cada um de nós no trabalho!
Ao sair da reunião e voltar à minha mesa de trabalho, e encontrar mais dois emails, três ligações perdidas e quinze mensagens no whatsapp do falecido, enterrei o rosto nas mãos para não gritar. Tive certeza, naquele momento, de que precisava sumir.
É claro que eu não ia sumir de verdade! Mas eu tinha que dar um tempo da minha vida. E, para isso, decidi começar tirando as férias que dispensara por nada menos que três vezes.
- Eu vou tirar um mês, a princípio, mas talvez eu precise de mais – disse ao meu superior imediato, alguns minutos depois.
- Mas você nunca fez questão de férias! E, agora, talvez precise tirar mais de um mês, ? Assim, de uma hora pra outra? – Seu tom era reprovador e eu tive vontade de revirar os olhos, mas consegui me conter.
- Justamente por eu não ter feito nunca questão das minhas férias, eu agora já teria quatro pra tirar, pelos meus cálculos.
- Mas eu não posso ficar sem você aqui por quatro meses! O que deu em você? – Ele me encarava, como se eu tivesse de repente adquirido duas novas cabeças, e respirei fundo, controlando a vontade de dizer que precisava me afastar para não enforcar meu colega aproveitador e nossos chefes machistas. Eu não podia falar nada, a não ser que quisesse trocar as férias pela demissão.
- Não vou ficar quatro meses fora. Pode ficar tranquilo – afirmei, paciente. – Só preciso de um tempo, que apenas talvez ultrapasse um pouco um mês. Tem um amigo com problemas, precisando de mim. Vou ter que fazer uma viagem – inventei.
Todos os trabalhos que estavam sob minha responsabilidade foram passados, naquele mesmo dia, para alguns colegas, e algumas reuniões marcadas foram adiadas. Como criei a história de um amigo em apuros, trabalhei só mais dois dias, para fechar a semana, e pude dormir até tarde na segunda-feira seguinte, algo que não fazia havia muitos anos.
Foi uma sensação de liberdade não ter hora para sair da cama, mas eu ainda estava na mesma casa, com os mesmos números de telefone e as mesmas contas de email, que acabei abrindo, quase funcionando em modo automático. Meu ex continuava insistindo em ter uma conversa comigo, e eu não acreditava ter nada a dizer ou a ouvir, que já não tivesse falado ou escutado vezes suficientes.
Uma notificação no facebook, que abri com o laptop no colo, ainda vestindo pijama de flanela, enquanto bebia um copo de achocolatado, me fez sorrir, esperançosa.
Bom dia digitei em resposta à mensagem inbox que mandara, minutos antes.
Ele não respondeu de imediato e, subitamente, olhando para a foto de perfil dele, tirada no alto de uma montanha, cercado pelo verde vivo da natureza, em um dia de céu extremamente azul, eu tive a ideia.
- Você tá no Rio? – perguntei, ao telefone, referindo-me à cidade onde ele morava, o Rio de Janeiro, no Brasil. Não consegui esperar pela resposta dele na rede social e nem mesmo o cumprimentei, mas ele entenderia.
- To, sim, gata. Cheguei anteontem, lembra?
- E quando você viaja de novo?
- Vou ficar por aqui pelo menos uns três meses. A gente acha que já tem material suficiente pro documentário – explicou. Ele tinha passado boa parte do ano rodando o próprio país, e produzindo um filme sobre o lugar. – Você parece meio ansiosa. Tá tudo bem?
- Se eu for até aí, você me leva àquele lugar onde você tirou a foto que tá no seu face?
- Opa! – respondeu arrastado, bastante surpreso com minha indagação. – Vir até aqui? Pra eu te levar ao lugar onde tirei minha foto? – Riu. – Você tá bem, ?
- Eu to – respondi, suspirando. – Mas posso ficar melhor. Eu só preciso ir pra bem longe de Londres, por um tempo. Pra um lugar bem diferente daqui, de preferência. Você teria como me receber aí, por alguns dias?
- É claro que eu tenho! – Eu não podia ver o rosto dele, mas sabia que estava sorrindo. – E, se não tivesse, eu ia dar um jeito.
Foi assim que eu escapei da minha vida: indo para a Cidade Maravilhosa, encontrar o meu melhor amigo, que ninguém entendia como podia ser meu melhor amigo se, por mais de cinco anos, a gente só tinha se falado por telefone e Internet. Minhas amigas não compreendiam, e meu ex menos ainda, e eu nunca tentei argumentar e convencer ninguém. A conexão que havia entre nós, desde que ele vivera com minha família durante alguns meses de intercâmbio, era algo que não tinha mesmo explicação.
A primeira coisa que fiz em solo brasileiro foi adquirir uma nova linha telefônica, para usar apenas para falar com e com meus pais. Ao dar o número a eles, fiz com que prometessem não fornecê-lo a ninguém, e acho que eles honraram a promessa. Sabia que, quando voltasse, teria um número exaustivo de mensagens para ler, além de muitas ligações perdidas, mas decidi não pensar muito nisso.
Decidi apenas me divertir, por pelo menos um mês!
E, como não tinha um trabalho convencional, ele pôde me dar toda a atenção do mundo, ficando comigo quase vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, e me mostrando o lado incrível de sua cidade.
(Apesar de eu desconfiar que ele daria um jeito de estar ao meu lado, mesmo que fosse um médico, cheio de plantões, ou um advogado repleto de audiências. Finn era assim!)
Fizemos rapel, stand up paddle e trilhas (umas das quais nos levou ao alto daquela montanha, onde tirei uma foto quase idêntica a que ele tinha no face), voamos de asa delta, visitamos pontos turísticos, como o Corcovado e o Pão de Açúcar, fomos a várias praias lindas.
À noite, me espantei com os bares abertos até que o sol expulsasse as estrelas e a lua, tomando seu lugar no céu. A cidade parecia celebrar a diversidade, e no bairro da Lapa amigos de me fizeram experimentar alguns passos de samba. Acho que nunca havia rido tanto como naquela noite!
Apesar da decisão de só me divertir, eu também tinha os meus momentos sozinha, em silêncio, deitada em uma rede, na sala do apartamento de , pensando, lembrando, sonhando acordada... E esses momentos de calmaria fizeram tanto por mim quanto a diversão.
Fiquei mais quinze dias, além do mês programado e, quando a hora de partir chegou, meu melhor amigo ainda insistiu para que eu ficasse mais, mas eu já tinha adiado a hora de encarar meus problemas por muito tempo.
Voltei e encontrei tudo igual, mas o importante era que eu estava diferente! Estava preparada para não me deixar mais levar e ser soterrada.
Preparada, enfim, para começar a escrever a minha história do meu jeito. Isso não podia mais ser adiado!