Capítulo Único
Watch it all fall out
Pour it up, pour it up
That's how we ball out
A mão áspera e negra daquele senhor tocou o braço de , com força, fazendo-a olhar para os quatros dedos encardidos, que machucavam a sua pele. As garotas, não as com expressões indiferentes, mas as suas conhecidas, mostravam-lhe gestos obscenos às escondidas.
“Estão esperando-a no quarto.”
O hálito de cachaça lhe causou náuseas.
“Temos um acordo.”
“Você tem a minha assinatura? Não que valha muito, mas seria o começo.”
Ela recusou-se a negar, em silêncio.
“Então, o melhor a ser feito, neste caso, é por um sorriso nesta boquinha” triscou. “E subir, porque os clientes detestam atrasos.”
virou o rosto bruscamente, e o senhor a soltou.
“Vocês dois” Chamou os seguranças. “De olho nela.”
Na última vez em que deitou-se com um cliente, ele tentou induzi-la a atividades, a seu ver, absurdamente repugnantes. Em um desses encontros, inclusive, teve que fingir estar passando mal, no meio do ato, para que o indivíduo, caso tivesse o mínimo de compaixão, parasse de enfiar o seu pau e a socorresse. Neste último encontro com o mesmo cliente das últimas setenta e duas semanas, descobriu que ele era casado. Não era velho, mas fedia a álcool, antes mesmo de oferecer uma taça com vinho branco, e isso porque dinheiro não era problema. Tornou-se exatamente o motivo pelo qual, no fim da noite, sentia-se inundada de esperanças em quitar a sua dívida, pegar a trouxa e vazar.
As gorjetas dele eram as maiores.
“Você tá bem?” Andreia, uma das conhecidas, perguntou em voz baixa, vendo-a sentar-se no sofá velho.
“Enquanto abrir as pernas para qualquer homem, contra a minha vontade, for o método de ganhar dinheiro, não estarei.”
“Não sei se lhe interessa saber, mas Jessie disse que gostou de um.”
“Um o quê?” Os olhos se estreitaram. “Enlouqueceu?”
“Na verdade, o cliente gostou muito dela.”
“Onde está agora?”
“Atendendo-o.”
passou as mãos na cabeça, puxando o cabelo para trás.
“Não posso impedir Ronã de usá-la, assim como não posso impedir Jessie de se apaixonar por algum cliente. Ela já tem quase 21.”
Andreia suspirou.
“Não dá para lamentar mais nada. O que acontecer de bom aqui dentro será lucro.”
“Você não vai voltar para o salão?” Mudou de assunto, olhando-a.
“Fui dispensada por causa da contusão no joelho.”
“Vou me lavar... O cheiro de álcool daquele...” Levantou.
Após o inverno na Europa, quando os clientes apareciam mais noites, Ronã conversava pelo telefone com um de seus aliados nos negócios clandestinos. Seguiam um esquema para atrair, trazer e não ser deportados até o destino final com as mercadorias. O tráfico humano, principalmente o de mulheres, move mais de milhões de euros a cada ano. São vistas no mesmo local apenas uma vez, antes de seguirem para prostíbulos diferentes, em regiões distantes.
“Qué deseo saber si es toda la certeza.” Ronã perguntou, um tom mais baixo que o de costume.
“Sí” A voz respondeu prontamente.
A máfia do tráfico usava rotas com menos chances de deportação: de avião até à Suíça, Holanda ou França, e de carro ou ônibus até Milão e Madri, local este onde Ronã comandava como cafetão. Trariam mais mulheres para servi-los, quatro ou cinco, e cada uma seguiria para um país distinto, assim que chegassem à capital espanhola.
“Muy bien.” Desligou.
Jessie prestava atenção, tentando agir discretamente, enquanto varria o chão do salão, que agora estava vazio, e acabara não notado alguém atrás de si.
“O que tanto olha?”
“!” Reclamou, assustada.
“Não dê bandeira para bandido.”
° “Ele falava algo sobre trazer mais alguém para cá...” Cochichou.
Ronã saiu da sala espelhada, pigarreando.
“O que as duas estão hablando aí?”
“N-nada.” Jessie disse.
“Quem mandou sair do dormitório?” Perguntou à .
“É o meu dia de lavar os banheiros.”
“E o que está esperando? Vá!” Gritou. “E vocês, de olho em todas elas!” Reclamou aos seguranças.
Como Jessie havia dito: chegaram mais duas no fim do dia, sendo alojadas no canto de dormir vagabundo. Eram mulheres de aparências jovens, bem-cuidadas e que, no dia seguinte, obrigatoriamente, usaram drogas.
“Cheire.” Ronã ordenou, vendo a de cabelo escuro pegar o pó e analisa-lo, os olhos cheios d’água. “Achou que viria para mudar de vida...” Sorriu, sarcástico. “E mudou, sim... Para pior.” Puxou-a pelos fios na nuca. “Cheire agora!” Gritou, notando-a estremecer.
A garota levou o pó para perto do nariz.
As outras estavam sentadas ao redor; algumas, ousadamente, observavam extremamente quietas e cientes de que seriam drogadas em qualquer momento.
Com o uso de substâncias químicas, muitas não se dão conta da grave exploração que sofrem, admitindo apenas que foram enganadas.
“Continue sendo obediente e será recompensada.” Ronã avisou, antes de retirar-se com os seguranças.
Ela chorou no colo da que viera consigo.
(I still got my money)
Patron shots gonna get a in fill
(I still got my money)
Strippers go in up and down the pole
(And I still got my money)
4 o'clock and we ain't going home
(Cuz' I still got my money)
Money make the world go round'
(I still got my money)
Hands make your girl go down
(And I still got my money)
Lot more where that came from
(And I still got my money)
The look in your eyes and know you want some
(And I still got my money)
(Coloque para tocar)
“Suba no palco, .” Ronã mandou, na semana posterior, cruzando os braços.
Havia muitos clientes espalhados pelo salão, usando as mãos para apalpar as garotas, no meio tempo em que bebiam aos risos. A casa estava lotada, e a música soava pelas caixas de som, como se aquele local fosse realmente um strip club.
“O quê?”
“Você não veio para ser dançarina?” Arqueou a sobrancelha.
“Está me confundindo com outra garota, eu não sei...”
“Vai aprender na marra.” Pegou-a pelo braço, arrastando-a para o palco, onde já havia mulheres dançando pole dance.
Alguns homens, pertos o bastante, gritaram ao vê-la caminhar sob o mesmo e tocar a barra vertical.
observou, por um momento, as outras dançando sensualmente enquanto sorriam. As pernas eram apoiadas na barra, o corpo caia para trás e as mãos seguravam em cima, como apoio. Ela, então, limitou-se a olhar rapidamente para Ronã, que lhe mostrava um sorrisinho asqueroso, esperando, e posicionou-se ereta, as costas tocando o aço frio. Deslizou, agachando as pernas, e jogou o cabelo para o lado. O cliente, que desde o início da noite a analisava ao longe, estendeu o braço, tocando sua panturrilha. puxou a perna, virando-se. Com os olhos fechados, agachou-se novamente, enquanto seu traseiro era adorado por todos eles.
“Isso, puta!” Um deles gritou.
Ela respirou fundo, antes de apoiar-se na barra, tirando os pés do chão.
“Chica caliente... Mucho, mucho!”
Jogavam cédulas de dólares e euros, erguendo as taças com bebidas alcóolicas e vibrando.
Ronã tirou o charuto dos lábios.
“Quero que leve Maya para o meu aposento.” Avisou ao seu segurança particular, vendo a do meio dançar.
“Agora?”
“Quando o espetáculo acabar.”
“As mais velhas, levantem-se!” Ronã ordenou, duas semanas depois, aparecendo no porão.
Das dez garotas, seis levantaram, trocando olhares temidos entre si.
“Qual é o seu nome e por que está aqui?” Perguntou à Diane.
“Lisa de Carvalho, 25 anos, tenho cidadania espanhola e sou garota de programa nas horas vagas.”
“Adorável.” Triscou seu rosto, passando para a outra. “E você?”
Marie apertou as mãos.
“Paola Vaccio, 22 anos e moro na Espanha há cinco anos.”
“Sem joguinhos ou boicotes, caso contrário, sabem o que aguardar.” Maneou a cabeça para o corredor.
As garotas que estavam há mais tempo no prostíbulo iriam às ruas arranjar algum cliente para aproveitar a noite. Cobrariam preços exorbitantes, sendo que a metade, como estipulado por Ronã, era dele.
“Enquanto à vocês” Olhou para as que ficaram. “Silêncio.”
Andreia e Jessie sorriam, deitadas lado a lado no colchão, em meio a uma conversa sobre amenidades. A mais nova havia sido drogada pela manhã e sentia-se em paz, abobada. Enquanto isso, estava sentada no sofá velho, fitando o teto e pensando em como seria trabalhar lá fora. Em como seria apenas estar do lado de fora depois de tanto tempo em cárcere privado. Pensou na sua família, amigos e o emprego meio andado deixado no Brasil. Sentiu a lágrima escorrer pelo canto do olho e a enxugou rapidamente.
Ronã poderia arrumar qualquer jeito de fazê-la parar de chorar.
“Gostaria de conhecê-las.” Uma das mulheres que chegaram semanas atrás falou, de repente, encostada na almofada. “De onde vieram? Sabiam que era para isso?”
“Sou a Jessie...” Respondeu sonolenta. “Vim aos 16 anos e tenho quase 21.” Sorriu, como se virar maior de idade, naquela circunstância, mudasse algo. “Queria ser modelo... Uma futura angel da VS, mas” Perdeu-se em pensamentos. “Eles me enganaram, usaram e jogaram aqui. Sou do Texas, Estados Unidos.”
“Meu nome é Andreia, mais conhecida como Ana Violeta para este meio. Vim de Barcelona. Dói, não é? Estou no meu país, mas não posso voltar para casa.”
cruzou as pernas.
“Sou Maya. Eu era torcedora fanática de esportes. Acompanhava todas as lutas de MMA e, em um dia maldito, conheci Nana. Quem a vê, acha que é apenas uma senhora elegante, educada e rica. Ela alega ser compradora de sonhos. O que você precisa pagar em troca é a sua confiança, no entanto, pasmem, acabamos perdendo tudo e pagamos com a vida. Uma vez aqui dentro, só sairemos mortas. Meu corpo não é mais minha propriedade porque todos que o querem... O tem.” Umedeceu os lábios. “Nos conhecemos em Las Vegas, no dia 13 de Outubro de 2010. Não sei em que mês estamos, mas acho que faz uns cinco anos, mais ou menos. Era a última luta da temporada. Estava com o pai da minha filha, conversávamos sobre aquelas right girls. Ele havia dito que eu poderia tornar-me uma. Aquilo virou o meu objetivo. Nana me abordou, em algum momento daquela noite, informando que me observava a distância e não pôde deixar de escutar o que falávamos. Dialogamos bastante. Ela é inteligente, tem argumentos para derrubar um leão, e tudo pareceu ser mais simples. Eu teria patrocínio, seria uma right girl e, se me destacasse entre as demais, viraria modelo. Melhor que isso?” Riu, amargurada. “Só quebrando os meus sonhos e me jogando no porão de um prostíbulo clandestino, em outro país, longe da minha filha e do meu...” Suspirou, e notaram que chorava.
“Sinto muito.” A mulher disse. “Minha história é um tanto parecida. Todas nós fomos enganadas.”
“Eu, não.” Alguém respondeu calmamente.
“Você está aqui por que quer?”
“Não exatamente. Vim porque quis. Foi uma proposta boa para quem gostaria de morar no exterior e não tinha perspectiva de vida. Agora, não posso voltar.”
“Está arrependida?”
Ela desdenhou:
“Posso ser maluca, mas lavar privada, aguentar esporro, ser abusada e drogada não é divertido. O lado que me afeta é ter vocês, pois estamos no mesmo barco. Porém, se arrependimento matasse, já estaria enterrada.”
“É o que me mantém sã. Se eu estivesse sozinha...” Um calafrio percorreu o seu corpo. “Apesar de não existir lado bom nisso.”
“De onde você é?” Maya perguntou.
“Uruguai.”
“E eu, da Arábia Saudita, mas fui naturalizada na Europa, depois dos meus pais terem se separado.” A mulher respondeu. “Me chamo Walia.”
“Sem querer ofendê-la, não sinto prazer em conhecê-la.” A que viera por espontânea vontade disse. “E sou Beck, para todos os efeitos.”
havia aprendido como conquistar a confiança, que um dia tivera em Nana, a mesma ordinária que jogou, aparentemente, todas as garotas ali dentro, de Ronã. Sabia que, se quisesse ganhar quaisquer privilégios, teria que moldar-se a gosto do cafetão. Soube também, após todos os depoimentos na noite anterior, que deveria correr atrás da liberdade sendo colega, funcionária prestativa, ou, na realidade mais brutal, escrava sexual sem reclamações. Queria trabalhar no lado de fora e dar um jeito de fugir.
“Jessie?”
“Vai se encontrar com o mesmo cliente da semana passada?”
“Ele veio me ver.” Sorriu.
“Diga que não está gostando...”
“O sexo com ele é gostoso. Ele é gostoso. Não usa a violência e nem exige posições ou brincadeiras bizarras.” Deu de ombros. “Ele vai me tirar daqui, .” A olhou.
teve vontade de sacudi-la e fazê-la perceber que ninguém que não estivesse em apuros, como elas, eram confiáveis ou heróis.
“Não se apaixone, Jessie. Não seja burra! Vai destruir a sua vida!”
Jessie sorriu de novo, mas, desta vez, cheia de ironia.
“Estou destruída. Ele será a minha salvação. Tenho que agarrar algum fio de esperança, não é? E não estou apaixonada.” Suspirou. “Ainda amo o meu namorado, apesar de saber que já me esqueceu, achando que preferi ser uma angel, em Los Angeles, ao invés de termos nos casado.”
permaneceu calada, vendo-a deixar o frasco de perfume sob a mesa, tirar o roupão escuro e sair do porão, rebolando.
All I see is signs
All I see is dollar signs
Ooh, ooh
Money on my mind
Money, money on my mind
Throw it, throw it up
Watch it fall out from the sky
“O que tentava fazer?” Ronã perguntou, puxando o cabelo de Marie, uma francesa, ao entrar pela porta do prostíbulo, indo para uma sala nos fundos do salão, despercebido pelos clientes.
A garota havia saído com as outras para trabalhar no lado de fora. E, pelo visto, cometera algum delito grave.
“Nada.”
“Sabe que odeio boicotes, apesar de ganhar motivo o suficiente para pegá-la com raiva.” Rosnou próximo à sua orelha.
Marie fechou os olhos, a expressão repulsiva.
“Perguntarei pela última vez: o que fazia tão afastada das demais?”
“Estava trepando com aquele cara!” Respondeu em voz alta, finalmente. “Eles viram e adoraram.” Olhou para os seguranças.
“Pagou mais caro?”
“Sim.”
“Dê-me.” Abriu a mão. “Toda a grana.”
Marie puxou as cédulas de euro dentro do vestido preto colado.
“É muito esperta. Gosto assim.” Virou para os homens fortes e altos. “Levem-na para o meu aposento. Verei se vale tudo o que o cliente pagou.”
Os olhos dela arregalaram-se.
“Não boicotei a merda do seu plano! Ganhei dinheiro!”
“Cale a boca!” Apertou sua mandíbula. “Cale-se! Você não fez mais que o seu trabalho, puta descarada!”
Marie tremia.
“Andem, levem-na agora!”
Andreia, Walia e estavam ao redor de uma mesa, onde um dos clientes apalpava as nádegas da primeira, e o outro mantinha Walia em seu colo, sem importar-se ou notar o seu tamanho constrangimento. , por sua vez, fingia se divertir ali para que não precisasse recorrer à outra mesa. Avistou os seguranças carrancudos levarem Marie pelo corredor dos quartos e Ronã aparecer minutos depois, como se nada tivesse acontecido.
Desviou o olhar.
“O que acham de um ménage?” Perguntou-lhes.
Walia olhou para e Andreia.
“Adoraríamos, mas somos quatro.” Andreia disse.
“Não tem problema.”
“Aqui está tão bom, muy bueno. Ficamos, no?” tentou dizer em “portunhol”.
“Só...”
Andreia beijou-o, interrompendo.
O outro aproveitou para passar as mãos pelas pernas torneadas de Walia, subindo o vestido prata com lantejoulas. A garota suplicou, silenciosamente, para , pedindo qualquer ajuda, e o homem, com atrevimento, ergueu o tato sob o tecido, traçando as curvas, perto demais dos seios.
“Acho que está na hora de dançar, Walia.” Puxou-a.
Ela assentiu, levantando de súbito, e o cliente murmurou algo na língua nativa, frustrado.
“Adiós.”
As garotas entraram no porão, sendo enxotadas pelos seguranças, e a maioria correu para banhar-se nos dois chuveiros disponíveis. Andreia vomitava dentro de um saco, a cabeça doía. Se ficasse doente, seria mais despesa para Ronã, o que resultaria em prejuízos e consequências para si. Jessie, notou, parecia mais quieta e melancólica, principalmente nos dias seguintes, depois de trepar a noite inteira com o cliente da semana passada.
Walia segurava a sua mão, em um gesto de agradecimento.
“Você me salvou.”
“Não, nos salvamos. Nem sempre terá a sorte disso acontecer. Aqueles caras são muito bobões.”
“Eu sei.”
“E precisamos de grana para pagar Ronã.”
Ronã havia selecionado algumas garotas para subirem no palco, naquela tarde quente de Madri. Alguns leiloadores estavam sentados às mesas, aguardando extremamente curiosos as suas mercadorias - cada uma teria preço diferente.
“A primeira é Lisa de Carvalho, 25 anos.” Anunciou, e a garota subiu, desfilando desajeitadamente com roupas curtas e vulgares.
Eles discutiam em voz baixa entre si, analisando-a minunciosamente.
“Muy hermosa, no?”
“Sí, sí.” O velho concordou interessado.
“Quanto estão dispostos a pagar?”
“Mil euros.”
“Dois mil.”
“Dois mil e quinhetos.”
“Dois mil e quinhetos e vinte.”
“Outro lance?”
“Dois mil e seiscentos!”
“Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três... Vendida!” Vibrou.
O segurança puxou a garota para fora do palco.
“A segunda é Paola Vaccio, 22 anos... Cheirando a leite.” Tocou o brinco na sua orelha. “Seu preço está acima de dois mil euros. Primeiro lance?”
O velho ajeitou o óculos.
“Dois mil e quinhetos.”
“Dois mil e seiscentos.”
“Dois mil e setecentos e quarenta e quatro.” O comprador sorriu.
“Mais um lance lance?”
“Três mil euros.”
“Vendida!” Ronã a olhou, como se ela não valesse tudo isso. “Adiós, Marie.”
No porão, as garotas esperavam apreensivas a volta de algumas das que foram para o leilão. O silêncio reverberavam entre elas, os rostos inexpressivos, as mãos cruzadas, quietas.
A porta se abriu num baque.
Os dois seguranças entraram, aproximando-se e assustando-as, e pegaram Jessie, que sentara ao lado de Andreia.
levantou, sem entender.
“Para onde ela vai?”.
“Soltem-na!” Andreia pediu. “Soltem-na!” Puxou o braço forte de um deles.
“Calada!” O segurança a agrediu com um tapa no rosto.
Walia e pularam nas costas deles, tentando soltar Jessie. Ele a agarrou pelo cabelo, empurrando-a de volta para o sofá, enquanto arranhava o rosto do outro. O que havia se soltado segurou o corpo dela, por trás, tentando conter sua fúria.
“Desgraçado!” gritou, remexendo-se no seu aperto. “Jessie!”
Levavam-na para o corredor.
O rosto da garota estava vermelho, debulhado em lágrimas, as pernas frenéticas.
“Não!”
A porta foi fechada.
O segurança aplicou uma injeção com calmante em .
“Vejam só o que temos aqui.” Ronã falou, tocando Jessie, que chorava, em cima do palco. “É apenas uma chica. Nem tem 21.”
O velho se interessou prontamente.
“Nome dela?”
“Diga o seu nome do jeito que a ensinei.” Ronã ordenou, para que apenas ela escutasse.
“Flora.”
“Hermoso. Deve ser uma delicia de menina.”
“Oh, sí.” Ronã disse.
“Posso tocá-la?”
“À vontade.”
Ele levantou.
A mão esquerda dentro do bolso da calça, a outra foi para o ombro nu de Jessie. A garota permaneceu estática, o choro preso na garganta, os olhos, avermelhados. Queria vomitar durante horas sob aquele fóssil desuhumano.
“Diga para mim qual é o seu preço.” Pediu gentilmente.
Jessie engoliu ruidosamente.
“Ela vale muito dinheiro.” Ronã sorriu. “A partir de cinco mil euros. É menor idade, portanto, mais cara.”
“Compreendo.” O velho afastou-se. “Sei mil e não falamos mais nisso.” Não parou um minuto sequer de olhar para o rosto angelical e o corpo bem desenvolvido. “Cabelo dourado.” Inspirou o cheiro.
“Mais algum lance?”
Todos os compradores permaneceram calados, achando que seis mil para uma, praticamente adolescente, era muito alto.
“Vendida!”
Os dias se arrastaram após a venda de Jessie. sentia-se amargurada, culpada e raivosa. Jessie garantia que o seu cliente vip a tiraria dali. Agora, não só não a tiraria como não sabia o seu paradeiro. Talvez nunca soubessem, e isso era assustador. Evitou problemas com os seguranças e tentou ser o mais prestativa possível para Ronã, fazendo-o confiar cada vez mais em sua mudança gradativa de comportamento, pelos próximos meses.
Estava conseguido o que queria.
“Você está aí. Ronã mandou chama-la.”
“O que quer?” Ajeitava o sutiã vermelho.
“Não sei ao certo, mas acho que tem algo a ver com novos planos para você.” Andreia disse, contendo um sorriso.
“Não me diga que...”
“Acho que sim.” Cochichou. “Vá, depressa.”
caminhou pelo corredor, usando saltos, e, antes de entrar no salão, respirou fundo, bagunçou o cabelo e escondeu o sorriso.
Ronã a esperava dentro da sala espelhada.
“Veio mais rápido que o esperado.” A voz grave falou quando ela abriu a porta.
“É o seu chamado.”
“Está saindo melhor que o encomendado.”
“Isso é bom?”
“Maravilhoso.” Mostrou todos os dentes brancos ao sorrir. “Chamei-a porque você ficará melhor lá fora, trabalhando, que perdendo tempo com essas putas baratas...”
conteve a raiva.
“Mas, antes, todas que estão na rua prestaram um teste. Provaram que valem à pena ser provadas.”
“O que quer dizer?”
“Achei que fosse um pouco mais rápida nos trocadilhos, . Não é esse o seu nome?”
“Sim.”
“Todas as prostitutas passaram pelo meu aposento.” Levantou, aproximando-se.
Seus braços a prenderam, empurrando-a contra a porta. No lado de fora, os seguranças desviaram a atenção, virando-se de costas. Sem permitir que argumentasse, Ronã enfiou a língua dentro dos lábios dela, obrigando-a sentir o gosto, desta vez, leve, de álcool. Ergueu seus braços, colando o corpo másculo no dela, mais magro.
“Deliciosa, como imaginei.” Sussurrou, antes de voltar a beijá-la com avidez.
Levantou-a, abriu a porta da sala espelhada e caminhou até a porta dos fundos.
As ruas estavam praticamente vazias e escuras, quando finalmente conseguiu sair, atrás dos seguranças. Notou que havia mais daqueles homens carrancudos no lado de fora, vigiando as garotas que ali serviam - eram separadas em grupos, ficavam perto uma das outras, mas em pontos estratégicos. Alguns carros passeavam e paravam, procurando-as. Às vezes entravam duas no mesmo veículo.
colocou a mão sob a boca, soltando o ar, e sentiu o cheiro de pasta de dente misturada com algo podre. O mesmo podridão que sentia, psicologicamente, em sua pele, cabelo, e em cada pedaço tocado por Ronã, horas atrás.
Queria gritar e revelar que havia sido traficada, mas tinha a certeza que ninguém, em país estrangeiro, ajudaria uma “turista” ilegal. Conteve-se, atravessando a rua até o primeiro grupo de garotas, que viraram para vê-la, e decidiu conhecer o território antes.
Ao retornar para o porão, Andreia, a única ainda em pé, retirando os colares e pulseiras, olhou para ela, com aquele sorriso contido, esperando-a parar ao seu lado e tirar a roupa.
“Como foi lá?” Cochichou.
“Conheci o local. São três grupos de garotas e tem mais homens vigiando.”
“Ronã a liberou de graça?”
limpou a boca.
“É um filho da puta guloso.”
“Não brinca. Você foi pra cama dele?”
“Era isso ou permanecer de braços cruzados.” Riu, lembrando-se de algo, minutos depois. “Mas ele deve estar com compressas frias nas costas, porque, querida, deixei-o na carne viva.”
“Unhas e...”
“Chicote.”
Andreia comemorou após o choque.
“As mais velhas, levantem-se!” Ronã ordenou no porão.
Das dez garotas, quatro levantaram, se entreolhando.
“Duas de vocês foram despachadas. Infelizmente, não teve vaga para todas.”
Andreia revirou os olhos.
“Vão.” Apontou para o corredor e virou o olhar para no sofá, a expressão fingida. “Você também.”
levantou, e as garotas que ficaram não entenderam nada.
“Boa sorte.” Andreia moveu os lábios.
No salão, Ronã tocou uma mecha de , o rosto muito perto.
“Está gostando de trabalhar lá fora?”
“As gorjetas são maiores.”
“Ótimo. Não esqueça que metade da grana é minha.” Encostou os lábios grossos nos dela. “Estão de olho em todas vocês. Sem boicotes, , ou odiaria ter que machucar esse rostinho ou corpo hermoso. Vá.”
Assentiu e saiu.
Era agora.
Ou nas próximas duas horas, quando os clientes passavam com maior frequência. Os carros luxuosos seguiam numa rua deserta, mal iluminada por postes, o chão asfaltado, e as casas umas em cimas das outras com as janelas fechadas.
mascou um chiclete, abriu o decote e esperou junto do primeiro grupo.
“A regra aqui é a seguinte...” Uma garota de cabelos black power começou.
“Não tem regra.” A ruiva respondeu.
“...Você pode entrar em qualquer carro, exceto o primeiro, porque é meu.”
revirou os olhos.
“Os primeiros costumam pagar pouco, então, se eu fosse você, esperaria meia hora.”
“Ok.”
A garota sorriu.
“Pensei que Ronã mandasse as mais ambiciosas para trabalhar na rua.”
“Não me importo.”
“Eu também não, no início, mas percebi que eles” Maneou a cabeça para alguns seguranças. “Não estão de brincadeira. Ninguém aqui brinca em serviço, colega. Apenas faça o seu trabalho direito e pague Ronã. Talvez, um dia, possamos nos livrar de toda esta merda.”
“Entendi.”
“É a minha vez.” Amassou o cabelo, virando-se para o primeiro veículo, que parou.
via as garotas entrando nos carros.
Alguns buzinavam para ela, mas apenas aproximava-se, falava algo, despistando, e deixava-os seguirem. O medo começou a apossar o seu sistema, fazendo-a morder o lábio seguidas vezes com mais pressão, cruzar as mãos, os braços, estralar o pescoço.
“Droga.”
O fluxo de veículos diminuía gradativamente.
“Não vai entrar em nenhum, mesmo?” Uma garota mais afastada aproximou-se com a bolsa jogada no ombro.
“O próximo que passar...”
“Já passaram oito.”
“Eu sei. E você, por que não entrou?”
“Gosto de ser a última, assim voltarei apenas no dia seguinte, e Ronã não sentirá falta.”
“Hum”
“Olhe, está vindo um. Vá, ou teremos que retornar com os seguranças.”
gelou.
O carro parou no acostamento, os vidros fechados. Segurou firmemente a bolsa de mão e abriu a porta.
O homem deveria ter seus vinte e tantos anos, usava perfume forte e sorriu de maneira maliciosa, conferindo rapidamente seu decote.
Enquanto seguiam até o fim da rua, virando a esquina, ele limitou-se a perguntar o seu nome, o qual ela mentiu, e se tinha preferência de motel.
“Não.”
“Você é nova nisso?”
“Todas as noites são uma nova descoberta.”
O homem assentiu.
Pararam em um semáforo longe do prostíbulo.
, involuntariamente, puxou a trava da porta. Destravou. Não havia colocado o cinto de segurança.
“Põe o cinto, não quero receber multa.”
Ela concordou, puxando-o.
O sinal passou para o amarelo, e a garota não conseguia mexer-se até tirar os saltos.
“O que tá fazendo? Ei!”
abriu a porta rapidamente e andou pelo lado oposto às pressas, entre os carros. Quando já estava mais à frente, começou a correr sem parar, o cabelo ao vento, os saltos e bolsa nas mãos. Os donos dos veículos buzinavam, encarando-a como se fosse louca. A respiração ficou ofegante, o medo parecia se esvair, e tinha liberdade.
Liberta.
60 meses, 1825 dias, 43800 horas.
Liberta.
O sorriso mais franco que dera durante todos esses anos formou-se nos lábios, as lágrimas escorreram.
Finalmente.
Estava longe.
Parou de correr, levando as mechas molhadas para trás, e entrou numa rua - outra rua cheia de carros e aparentemente deserta. Caminhou muito, percorrendo bairros dos quais apenas um pedaço de papel movia-se, parando no meio da pista. Encontrou uns rapazes malfeitores chutando baldes de lixo e rindo alto. Escondeu-se na esquina, onde estava escuro, agachando-se contra a parede, esperando-os passarem.
Continuava em perigo.
Tinha que arranjar algum lugar para ficar, antes que sentissem a sua falta e rodassem pelas ruas à sua procura.
Enquanto caminhava sem rumo, avistou uma casa noturna - nada parecido com os “strip clubs” em que trabalhava. Havia jovens dançando música eletrônica. Quis entrar, até abriu a bolsa, mas lembrou-se que era uma jovem ilegal no país, sem passaporte. O segurança, de aparência tão diferente dos que se acostumara, olhou-a. sentou-se no banco ali perto e abaixou a cabeça.
Depois de muito tempo na mesma posição, o vento forte chicoteando contra o seu corpo, e quase dormindo, percebeu as primeiras pessoas saírem da boate, aos risos. Um ou dois avistaram-na, enrugando o nariz.
Estava exausta.
Um rapaz ao lado de dois homens saiu em meio a multidão. Viu a garota mexer os ombros freneticamente, como se estivesse chorando, e descalça. Acabou sentando ao seu lado para ver se o sinal do celular funcionava.
assustou-se.
“Você tá bem?”
Ela não respondeu, encarando o chão.
“Isso pode infeccionar.” Apontou para os cortes nos seus pés, que sangravam.
O rapaz achava que ela havia saído da boate.
“Eu sei.”
“Foi drogada?”
Os olhos, pesados, fecharam.
Durante mil oitocentos e vinte e cinco dias.
“Está esperando alguém?”
“Por que quer saber?”
Ele deu de ombros.
“Tá sangrando, chorando e parece que está drogada. Não é seguro ficar aqui. Daqui a pouco todo mundo vai embora.”
“Ficarei bem.” suspirou.
Ele teclou na tela do celular.
“Acho que você veio sozinha. Vou levar uma amiga até o centro. Se quiser carona...”
“Não aceito de estranhos.”
O rapaz arriscou um pequeno sorriso irônico.
“Paz, chica! Estou conversando com você, não estou? Você também é estranha.”
acabou cedendo por ver que realmente as pessoas estavam indo embora e a boate fecharia. Sentou-se no banco de trás do carro e, quando já haviam levado a amiga dele para perto do supermercado, pararam no semáforo.
“Qual é o seu endereço?”
Ela o viu observá-la pelo espelho frontal.
“Não tenho para onde ir.”
“Por quê?”
pôs as mãos no rosto.
“Não chore. No! Não sei lidar com garotas chorando.” Seguiu com o veículo, detendo-se numa cafeteria. Ao voltar para a direção, passaram cerca de vinte minutos na estrada até um prédio azul, em um bairro de classe média alta.
“Eu não...”
“...Entro em casas de estranhos? Acho que a minha casa é mais segura que a sua rua.”
olhou para o espelho, e ele observava-a com as sobrancelhas erguidas.
O rapaz destrancou o apartamento, lhe deu passagem para entrar e acendeu a luz. Era o lar de quem morava sozinho. Ofereceu um cobertor e avisou onde ficava o banheiro social.
“Não preciso ir ao banheiro.”
“Prefere dormir suja?” Abriu o armário da cozinha, pegando uma caixa de primeiro-socorros. “Sente-se aí.” Apontou para a cadeira e acomodou-se em sua frente, tentando levantar a perna dela.
esquivou-se.
“Deixe-me limpar as feridas.”
“Não precisa provar que é um homem bom.”
Ele suspirou.
“Ok. Só lave direito, então.”
“Você é médico ou o quê?”
“Minha irmã é enfermeira e me ensinou algumas técnicas.” Se manteve afastado. “Pode dormir no sofá.”
“Agradeço.”
Ao perceber que entrou por uma brecha, que deveria ser o seu quarto, apressou-se em abrir a maleta e limpar os pés machucados, tirando alguns cascos minúsculos de vidro, com o lábio preso nos dentes.
Levantou-se e foi ao banheiro.
No dia seguinte, quando o rapaz acordou, já estava desperta com os joelhos abraçados e a cabeça sob as pernas. Ele entrou na cozinha, preparou o café e avisou que a sua irmã chegaria a qualquer horário.
“Qual é o seu nome? Ou não pode dizer para estranhos?” Sorriu nasalado, de costas.
“Valerie.”
“É o nome verdadeiro?”
“Sim.” Sentou-se à mesa.
“De onde você é? Seu sotaque é engraçado.”
“Brasil.”
“Oh!”
“E o seu?”
“. O que veio fazer em Madri?”
sentiu os olhos arderem e fungou.
“No, no.” Disse ele, virando a cabeça. “Não comece a chorar. Está tudo bem. Venha comer. É o melhor cereal da Espanha.” Estendeu um prato fundo sob a mesa.
A campainha tocou.
tremeu involuntariamente.
“?”
“É a minha irmã.” Voltou à sala.
“O que é? Já trouxe uma perra para casa?”
Escutaram uma porta ser batida.
sabia muitas palavras em espanhol, principalmente aquelas ditas de maneira pejorativa e repletas de más intenções, e uma delas era o significado de perra. Já havia sido chamada de piores nomes, mas estava farta. Havia fugido para ouvir palavras nobres e não aguentar esporro.
Sentiu alguém atrás de si.
correu para alcança-la no fim do corredor.
“Para onde vai?”
“Embora.” Caminhava.
“Pensei que não tivesse para onde ir.”
“A rua é a minha casa.”
“A rua não deveria ser a casa de ninguém!”
“É só até eu voltar para o Brasil.”
“Sem dinheiro? E passaporte? Está ilegal aqui, não é?” Perguntou, abaixando a voz.
parou.
Portanto, você não é ninguém na Espanha.
“Droga.”
A irmã mais velha de Leornad, Sue, arqueou a sobrancelha ao ver o irmão entrar pela porta da frente com a garota estranha. Cruzou os braços, a expressão desconfiada, analisando-a de cima a baixo.
“É stripper?”
“Não, Sue. Ela é uma das clientes da boate. Seu nome é Valerie.”
“Ah!” Desdenhou. “Olha, sou muito franca e acho que você...”
“Suzenne!” a repreendeu.
“Onde mora?”
não respondeu.
“Ela fala?”
“Sue, por favor, pare de fazê-la tantas perguntas. Valerie, pode ir comer se quiser.”
assentiu.
Sue reclamou, por horas, o fato dele agir como um inconsequente e trazer uma estrangeira desconhecida e estranha para dentro de casa. Por fim, foi embora. , então, voltou à cozinha para conversar com , deparando-se, no meio do caminho, com a sua camisa no corpo dela, as pernas à mostra. Desviou o olhar para o rosto assustado da garota.
“Você me entregou ontem com o cobertor, eu...”
“Tudo bem.” Ficou sem graça. “Pode por a sua roupa na máquina.”
“Obrigada.”
“O que é isso?” Aproximou-se, tocando o brinco dela. “Piscou.”
Piscou.
estremeceu.
Rastreador.
“Não, não, não...” Pôs as mãos na cabeça, balançando-a. “Desgraçado”
Ronã havia posto o rastreador no par de brincos de quando estavam em seu aposento. Imaginava que pudesse aprontar alguma enquanto trabalhava no lado de fora. Por via das dúvidas, todas as outras também receberam sem ter noção.
“Tenho que ir.” Afastou-se, catando as vestes no chão e vestindo-as ali mesmo.
tentou concentrar-se nela e não em seu corpo seminu.
“Qual é o problema? Para onde vai?”
“Qualquer lugar que você não esteja...” Notou-o afetado. “Não me leve a mal, mas não gostaria de ser abordado com uma arma apontando para a sua cabeça. Você foi o espanhol mais gentil que conheci, e é exatamente por isso que preciso ir embora.”
“O que quer dizer?”
“Esqueça que me encontrou em uma boate.” Saiu do apartamento.
Ao pisar os pés na rua, jogou os brincos dentro do balde de lixo e andou pela calçada, atraindo alguns olhares maliciosos. Tinha trazido o dinheiro que recebera no prostíbulo, mas mal pagava uma diária em um hostel. Pelo menos, alimentou-se e tomara banho. Decidiu comprar uma camiseta e um óculos escuro numa das lojas mais baratas, trocando-se no vestiário. Amarrou o cabelo, pôs o óculos no rosto e seguiu adiante.
Ronã fitou o relógio de pulso pela terceira vez. Duas das garotas estavam demorando a voltar, e a sua raiva apenas aumentava. Os seguranças estiveram posicionados, esperando seu mandato de busca. Se não retornassem em dez minutos, iriam atrás, as arrastariam e dariam os restos para os cães.
Jasminée entrou, o batom borrado e a bolsa jogada no ombro.
“Ora, ora.’’ Ronã disse. “Por que a demora?”
“O gato quis repetir a noite inteira até estarmos zerados.” Sorriu de maneira sonolenta. “O que é? Nunca sentiu a minha falta.”
“Vá para o porão.”
Ela não questionou, rebolando até a entrada do corredor, e Ronã encarou novamente o relógio.
“, ...”
“Meu nome.”
O homem assustou-se a princípio, antes dos lábios curvarem, e chamou-a com os dedos.
“Mi chica estupenda não me decepcionou. Sabia que voltaria. Aqui é a sua casa.”
suspirou.
“Imagino que tenha faturado uma nota alta.”
“Setenta euros.” Pegou de dentro da bolsa, balançando-o.
Ronã ergueu a mão, puxando as cédulas.
“O seu.” Estendeu a metade. “Vá dormir, mais tarde tem mais.”
“Buenos dias.” Murmurou sem vontade e virou-se.
Andreia, ao ver entrando pela porta do porão, levantou-se num pulo, abraçando-a.
“O que deu errado?” Cochichou.
“Consegui fugir...” Sorriu, assumindo uma postura séria, em seguida.
“E por que voltou? A pegaram?”
“Não.” Conferiu se as escutavam. “Só temos que esperar mais um pouco. Os brincos que está usando são rastreados.”
Andreia tocou-os.
“Filho da puta!” E teve uma leve tontura.
“Você está bem?” A segurou, guiando-a para o sofá. “Venha.”
“Estou morrendo de fome.”
“Não comeu nada?”
“A miséria que deram...”
“Pedirei mais comida a Ronã.” Levantou-se. “Fique aí.”
pensou, nos próximos dias, nos sintomas que Andreia vinha tendo: enjoos; tontura; fome; inchaço. Tinha consciência do que significava e a certeza que estava em apuros. Ronã odiava crianças, e mulheres grávidas eram sinônimos de despesas. Os hormônios de Andreia a ajudavam a ter mais relações sexuais, o que gerava lucros para o prostíbulo. A barriga ainda era pequena e vivia escondida.
“Segure a minha mão.” disse, adentrando o salão.
“Por acaso viraram lésbicas?” Ronã perguntou, gesticulando. “Espantarão os clientes!”
Andreia inflou as narinas.
“Ela não está sentindo-se bem.”
“O que há de errado?”
“Náusea.” respondeu depressa. “E fraqueza.”
“Fraca?” Ronã riu. “Era só o que faltava. Se não trabalha, não come!” Afastou-se.
Andreia caiu na cadeira, respirando fundo.
“Devo ter uma gravidez de risco.”
“Não diga isso.”
“Meu filho não vai sobreviver, .”
“Todos nós sairemos vivos daqui, você vai ver.”
Ronã havia descoberto, com algum X9, que a fraqueza de Andreia era motivada pela falta de alimentos no organismo o qual, agora, carregava um bebê. Em uma tarde, por voltas das quatro e meia, abriu, de repente, a porta do porão, os seguranças atrás. Em suas mãos estava um teste e um frasco com comprimidos.
“Andreia.” Chamou.
Ela assustou-se.
“Vamos comprovar se realmente está grávida ou tudo isso é porque está gorda.”
As garotas a olharam.
“Caso negue-se a fazer, será à força.”
Andreia assentiu, levantando-se, e, em meio a passos lentos, pegou o teste.
O silêncio se apossou o porão, todas aflitas e curiosas, enquanto Ronã batia o pé, zangado pela avareza da garota.
Ela apareceu minutos depois com o resultado.
“E aí?” Ronã cruzou os braços.
“Positivo.” Abaixou a cabeça.
Ele bateu palmas.
“Queria dar o golpe do baú, não é? Esperta. Pena que o pai curte sexo com putas baratas.” Entregou-lhe o frasco. “Tome um. Se não fizer efeito, tome todos.”
A mão de Andreia tremeu ao segurar, os olhos cheios d’água.
“Por favor, senhor Ronã, meu filho...”
“Graças a Dio, não é meu. Tome de uma vez!”
Ela girou a tampa, tirando uma bolinha branca.
“Por favor.”
“Engula.”
“Meu filho...”
“Agora!”
“Não.”
Ele puxou bruscamente da sua mão, segurando-a pela nuca e enfiando o frasco contra a boca dela.
“Engula!” Forçou, vendo-a derramar lágrimas.
fechou os olhos.
“Pare!” Pediu. “Vai mata-la!”
“Calada!” O segurança rugiu.
Ronã soltou a garota, e ela caiu no chão.
“Não espere filho nenhum.” Raíka correu para ajuda-la, agachando-se ao seu lado.
“Vomite.”
Andreia levantou a cabeça.
“Não engoli nada. Ficou embaixo da língua.” Cuspiu as bolinhas. “Por via das dúvidas, vomitarei daqui a pouco. Não abortarei.”
a abraçou.
À noite, os grupos que trabalhavam nas ruas saíram por volta da meia-noite, permanecendo nos mesmos pontos estratégicos. A garota da bolsa jogada no ombro, a penúltima a arranjar um programa, acomodou-se ao lado de .
“É você quem Ronã esperava, não é?” Perguntou em voz baixa.
“Não sei do que está falando.”
“Aposto toda a minha economia que sim. Estive em um motel formidável. E você, para onde o cara a levou?”
não respondeu.
“Fugiu, não foi?”
“É uma acusação grave.”
“O que você fez também é.” Deu de ombros. “Tem algo que não se encaixa. Por que voltou? A sorte não bate no mesmo prostíbulo duas vezes.”
“Talvez a vida lá dentro seja mais...
“Fácil? Sempre achei que fosse a garota que morreria primeiro porque relutava em deitar com os clientes. Agora tá dizendo que é fácil. Acha mesmo fácil cruzar os braços e aceitar ser violada na porra de todos os sentidos?”
ergueu as sobrancelhas, incrédula.
“Eu diria que é mais fácil ter os seus inimigos ao seu lado ao invés de ficar contra eles, enquanto tenta salvar o que resta de todas nós! Não ponha palavras na minha boca!”
A garota a fitou.
“Quer ser a heroína da história? Parabéns! Lembre-me de agradecê-la no fim.” Ironizou.
O primeiro carro da noite parou no acostamento e buzinou.
Antes que a garota de black power chegasse perto de abrir a porta, foi mais ligeira e entrou no veículo, deixando-a boquiaberta.
Durante o percurso para sair daquela rua, olhou para trás, dando um sorrisinho, e virou-se para o cliente.
“Obrigada por ter vindo.”
respirou fundo.
“Não é porque você é bonita e corajosa, que eu não viria.”
sorriu.
“Aqueles homens não param de olhar para cá.”
“São vigias daquela boate.” Mentiu.
“Então você aceitou sair comigo se eu viesse busca-la...”
“É.”
“E acha que acreditei na desculpa esfarrapada dos brincos que piscam? Importado da China? Sério, chica?”
ruborizou.
“São presentes. Não pergunto de onde vieram.”
“Para onde vamos?”
“Seu apartamento.”
“Você é rápida.” Sorriu. “Pensei que quisesse ir a um restaurante ou algum ponto turístico.”
“Estou sem fome.”
a observou.
“Está doente?”
“Não.”
“E os seus pés?”
“Melhoraram.”
Ao chegarem ao prédio e entrarem no apartamento dele, respirou fundo, virando-se em sua direção, enquanto o rapaz fechava a porta, de costas.
“As mulheres que você avistou na rua comigo, elas... Nós... Somos prostitutas.” Revelou pesarosa, esperando sua reação.
parou de girar a tranca.
“Por isso quis vir direto para minha casa? Achei que prostitutas fizessem o seu trabalho em um motel.”
“Onde o cliente quiser, na verdade.” ofendeu-se.
“Eu não... Perdón. É que nunca imaginei que trabalhasse dessa maneira. Sair do seu país para ser uma... Dios!” Jogou a chave no aparador e coçou a nuca. “Quer que eu te leve para o meu quarto? Ficamos na sala?”
Ela cruzou os braços.
“Não vou transar com você.”
“Nunca a pagaria para isso.”
“Por quê?”
“Não sou a favor desse mercado. Prefiro arranjar uma novia, amiga, ou... Bién, menos procurar garotas na rua.”
“Você não entendeu.”
” “Que você se vende?”
“Que somos vendidas sob pressão.”
estreitou os olhos.
“Como?”
“Fomos traficadas.”
Andreia agonizou, agachada no sofá, enquanto as mulheres que ficaram no prostíbulo arrumavam-se para mais uma noite no salão. Deveria estar fazendo o mesmo, mas as dores na lombar e perto do ventre deixaram-na indisposta. Quando tentou levantar, caiu no colchão, a barriga virada para o lado.
Uma das mulheres, Maya, ajudou-a a sentar-se.
“Devem vir daqui a pouco para nos buscar.”
Andreia fechou os olhos.
“Não consigo ficar em pé.”
“Faça um esforço pelo seu filho. Pense nele. Ronã descobrirá mais cedo ou mais tarde que não estás tomando as bolinhas.”
“Querem me drogar, matar o meu filho e me matar.”
“Ninguém vai mata-la se fizer o que mandam. Pelo amor do seu bebê, tente levantar. Vou ajuda-la a vestir a roupa e passar um pouco de blush nas bochechas, está muito pálida.”
“Obrigada.”
“Penso em minha filha quando estou a ponto de quebrar tudo.”
“Quantos anos ela tem?”
“Estava com três há cinco anos.” Ergueu-a pelos ombros.
“Você realmente foi traficada.”
“Eu e mais dez.”
“As espancaram? Precisa apresentar provas ao Consulado.” Analisava-a.
“Não, porque obedeci ao cafetão.”
“Que tipo de obediência?”
“Tive que...”
“No, pare! Não precisa dizer. Deve ter sido horrendo.” A interrompeu. “Estava drogada quando a conheci...”
“Estava.”
“Foram eles?”
“O que você acha?”
“Como pretende provar?”
“Irei atrás da policia.”
cruzou os braços.
“Eles podem ter informantes lá dentro.”
“Estou me referindo a policia do Brasil.”
“Chica, tenha cuidado com esses mafiosos.”
“O que preciso agora é de menos cuidado e mais ação. Chegarei ao Itamaraty, nem que esteja morta.”
“No, se chegares morta, não terá a chance de aproveitar a sua verdadeira liberdade.”
“Salvarei todas aquelas garotas.”
“Salve a sua pele, primeiro.”
Ela olhou para o relógio no pulso dele.
“Tenho que retornar. O cafetão me tem como filhote.”
conteve uma série de palavrões e buscou algo para comer. Algo saudável.
“Tenho certeza que servem apenas sobras.”
“Gracias.” Segurou o prato. “A sua pena me comove.”
“Não é pena.” Sentou-se do outro lado da mesa, observando-a. “É cuidado.”
“Gracias por isso.” Ergueu o garfo.
“Há quanto tempo está lá?”
mexeu a comida.
“Cinco anos.”
Ele se manteve em silêncio, e a garota engoliu tudo, raspando o vidro.
“Estava muito bom.”
“Cozinho bem.” Os lábios se curvaram.
“Tenho que ir agora.”
“Gostaria de poder trancá-la aqui e impedi-la de voltar.”
“Matariam nós dois. Não posso por mais uma vida em risco.”
“Amanhã.”
“O quê?”
“Amanhã vai livrar-se de tudo isso.”
Quando deitou-se no colchão ao lado de Andreia, escutou um gemido baixo e tocou a testa dela, sentindo o quão quente estava. A mulher mantinha os olhos fechados, com frio, embaixo da coberta velha de lã.
“Acorde, Andreia.” Chamou em voz baixa. “Está morrendo de febre.”
Andreia tossiu.
“Tenho sono.”
“Precisa tomar um remédio.”
“Não, ficarei bem.” Tossiu de novo e fungou.
“Está grávida, precisa ser mais cuidadosa com doenças como a gripe.” Levantou sem fazer barulho. “Chamarei um dos seguranças.”
Levou tempo para que chegassem e buscassem um remédio para febre, junto com um copo com água da torneira, e apressou-se em entregar a Andreia, esperando-a beber.
Rezou para que protegessem a sua gravidez.
´ Mais tarde, naquele mesmo dia, saiu para as ruas, aguardou algum carro branco passar, mas era o dia dos vermelhos e pratas. Esperou que, por alguma sorte, ao descer o vidro da porta do passageiro, o espanhol que dissera com todas as letras: “amanhã vai livrar-se de tudo isso” aparecesse. Porém, vieram outros clientes com risos maliciosos e perfumes fedorentos, borrifados no veículo, de tão doces e abafados, que a fazia espirrar. Teve, no entanto, que entrar no penúltimo. Após algumas semanas sem ver o carro branco, perdendo a esperança, decidiu, com alguma explicação fajuta para Ronã, que não queria mais trabalhar no lado de fora. Contentou-se em apenas ficar com os clientes dentro do salão.
“Você está melhor.” Disse à Andreia, vendo-a com o ar saudável, no porão.
“Estou feliz.”
“Deus, feliz?” Espantou-se.
“É, pela primeira vez desde que me trancaram.” Sorriu. “Acho que são dois, .”
arregalou os olhos.
“Dois bebês?”
“Sim.” Uma lágrima escorreu, obrigando-a secá-la rapidamente. “Gêmeos. Sinto muitos chutes e como se tivessem duas criaturinhas dentro de mim.” Segurou a barriga já grande.
colocou as mãos em frente aos lábios, estupefata, depois levantou para abraça-la.
“Dois corpos podem habitar o mesmo lugar. Precisa esconder a barriga, você sabe.”
“Estou apertando-a com panos. Maya me ensinou um método.”
“Ótimo.”
“Não irei abortar.”
“Não vá.”
Ronã encontrou-se com uma velha senhora, cabelo, agora pintado de louro, e roupas caras e elegantes, na sala espelhada. Ela não virava o rosto nem por um instante e mantinha-se de costas para o salão, naquela manhã, enquanto as garotas varriam, limpavam as mesas e passavam pano no chão.
“Reconheci a peruca...” Beck disse.
“Ela não me é estranha.” concordou.
“Nana.” Maya estremeceu. “É ela.”
“A velha maldita!”
“A golpista! Tenho certeza!”
“Me segurem, porque senão, vou matar essa desgraçada!” Andreia avançou, sendo impedida por e Beck.
“Tá louca? Você espera um bebê!” disse.
“Mas eu, não. Ela merece cinco anos de tortura!” Maya se enraivou.
“Parem!” Beck pediu. “Ninguém vai meter a mão naquela cara enrugada, a não ser que estejam a fim de quaisquer outras consequências abusivas.”
Calaram-se.
“Sabia que não.”
Ronã levantou da poltrona, saiu da sala espelhada e foi até elas.
“Algum problema?”
” “Nenhum.”
“A senhora é a Nana, não é?” Maya perguntou subitamente.
“Nana? Nana... Não sei de quem está falando. Aquela senhora procura o aluguel deste salão. Talvez mudaremos em breve.”
“Mudar? Para onde?” Beck perguntou.
“Não interessa! Aonde quer que iremos, trabalharão da maneira de sempre, chicas. Não se preocupem. Todas sãos minhas, e eu sou todo de vocês.”
“Que profundo.” Maya ironizou.
Ronã sorriu.
“Sei que gosta quando digo a verdade. Da última vez, você até fez aquelas coisinhas a mais.” Triscou seu rosto. “E eu aprecio.”
Maya endureceu o corpo.
“Agora, voltem ao trabalho e não me façam vir outra vez.” Deu tapinhas no rosto dela e afastou-se.
Era noite quando dançava para um cliente, contra a vontade, e o mesmo gritava-lhe obscenidades, jogando cédulas no palco, como fizera meses antes.
Watch it all fall out
Pour it up, pour it up
That's how we ball out
Agachou o corpo, segurando a barra por trás, e curvou-se, o cabelo caindo nos ombros, enquanto o cliente aproveitou para por um dólar em sua boca e deslizar a mão cheia de anéis pelo pescoço até o colo. afastou-se bruscamente. Ele segurou a sua panturrilha, abocanhado o pedaço de pele. Não satisfeito, pegou impulso para cima do palco, segurando-a pelas pernas, e beijava-as, deixando rastros molhados.
tentou afastá-lo e olhou para Ronã, que estava sentado distante, fazendo-o mandar os seguranças acalma-lo. Ele se enraivou, dizendo palavras pejorativas, mas conteve-se pouco depois.
Ao acabar a primeira música, desceu do palco, caminhando para longe do seu olhar incisivo, e topou com um corpo vestido camiseta branca.
O homem a segurou pelos ombros.
“Então é aqui que você trabalha.” disse, analisando ao redor.
“O que tá fazendo? Faz tempo que entrou?”
“A tempo de vê-la descendo do palco. Se eu tivesse visto algum desses velhotes imbecis mexendo com você, eu seria enxotado.” olhou para trás.
“Disse que viria no dia seguinte.” Falou baixo.
“Estou aqui, no?”
Ela assentiu.
“Venho passando pelo ponto à noite, há semanas. Tive que sair com algumas garotas, mas apenas dei dinheiro e avisei que não estava afim. Devem pensar que sou um broxa.” Soltou-a. “Confesso que fiquei assustado depois que você foi embora... Sumiu das ruas.”
“Pensei que não o veria mais.”
“Sinto tanto.”
“Quer beber algo? Diga que sim, antes que nos interprete de outra maneira.”
“Achei que não fosse sugerir nunca.” Deixou ser guiado para o bar.
havia puxado a mão de para o seu rosto, e ele manteve o olhar atento, entendendo que era parte de uma encenação. A garota deslizou-a, mordiscando o seu dedo, e pôs o copo nos lábios dele.
“Não quer escolher um quarto?”
“Quer transar comigo?” Arqueou as sobrancelhas.
“Não precisamos nos tocar, mas teremos privacidade.”
“Sí, então.”
“Venha.”
Ao fechar a porta, correu para abraça-lo com força, assustando-o com o toque repentino.
“Obrigada.”
“Só não comece a chorar. Tudo vai ficar bem.” Segurava-a pela cabeça e o outro braço ao redor da cintura.
“Plantei a câmera como combinamos.”
afastou-se.
“Tem como pegá-la?”
“Não hoje.”
“Posso passar a noite aqui dentro?”
“Uhum.”
“E você?”
“Se pagar...”
“Não ficará incomodada?”
“Não é como se fossemos trepar.”
“Trepar?” Seu olhar alegre desapareceu. “No! Não pago para isso.”
“Eu sei, e é exatamente por esse motivo que estou me sentindo aliviada em dividir uma cama com você.”
Ele sentou-se encostado na cabeceira.
“Acha que estão desconfiados?”
“Não.”
“Está com fome?”
“Um pouco.”
“Podemos comer o que tem aqui, no?” Levantou-se, descalço, caminhando para o frigobar. “Espumante...” Tirou de dentro, avaliando. “Vinho, morangos, tacos.” Bateu a porta. “Adoro tacos. Venha, experimente. Não foi à toa que paguei por esta joça.”
saiu da cama, parando ao seu lado.
“São bons?”
“Está brincando? Dios! São muito bons!”
Ela mordeu como se tivesse passado vários dias sem comer.
“Matam a fome.”
sorriu.
“Conte-me tudo.”
“É melhor sentarmos.” Acomodaram-se. “Eu não havia visto Ronã quando cheguei...”
Os dois capangas dele estavam de olho nas garotas que ficaram no salão, antes de levarem-nas para o porão. Acho que o cafetão foi pra cama com alguma delas. Abri devagar a porta e, de esgueira, consegui atravessar o salão, em direção à sala espelhada. Engatinhei até à sua mesa, pondo a câmera na madeira, onde ele não se preocupava em ver. Tapei a boca ao escutar um barulho de vozes conhecidas e agachei-me, escondida.
“As que estavam lá fora, onde foram?” Ronã perguntou, pondo a fivela do cinto.
Uma das garotas saiu atrás dele, o lençol nos ombros e o cabelo bagunçado.
“Estão vindo, senhor.”
“E a brasileira?”
“Ainda não chegou.”
“Quero-a aqui em dez minutos.” Olhou para a garota, sorrindo de maneira maliciosa. “Você até que deu para o gasto, mas ainda me deve aquele gracejo...” Tocou sua orelha. “Temos o resto da madrugada, no?”
Ela assentiu com a cabeça, sem esboçar expressão, e Ronã a guiou para dentro da porta dupla.
Tudo ficou em silêncio.
Permaneci agachada embaixo da mesa, por mais alguns minutos, quando escutei, então, passos dirigindo-se à saída. Virei o corpo para ver se estava sozinha e rapidamente saí dali, indo para o porão.
“A câmera está lá.” murmurou, depois de dar um gole na bebida. “Posso pegá-la amanhã.”
“Não se arrisque.”
“Estou aqui. Isso já é muito perigoso.”
“Não era para você ter vindo.”
“Chica, você não dá o braço a torcer?”
“Não posso salvar todo mundo.”
“Não estou pedindo para ser salvo.” A olhou, franzindo a testa. “Acho que soy jo que estou prestes a salvá-la.”
“A minha pretensão não é ser a heroína da história ou ser a mocinha salva pelo herói, só quero sair viva no final.”
“Você vai.”
suspirou.
Os dois seguranças averiguavam as câmeras na sala de controle do salão, as imagens em diferentes ângulos e televisões mostravam-lhes os corredores, parte das mesas, bar e palco, além de alguns quartos - objetos usados sem o consentimento dos clientes, invadindo suas privacidades. Eles não viam todas as ações, mas, vez ou outra, discutiam sobre a garota que em cima do cara, por exemplo, fazendo strip-tease. Ou na maneira mais vergonhosa, masturbando-se ao vê-los.
“Será que não vão fazer nada?” Perguntou o mais alto enquanto assistia a cena de conversando, no chão, com .
“Ele deve ser gay ou ter pago para conversa fiada. Soube de alguns caras que faziam isso; alugavam os ouvidos alheios para despejar as suas mágoas, regado na bebida.”
“Parecem entrosados.”
“Quem não estaria com a putinha? Essa brasileira... Hum...”
“Ronã deveria deixar-nos comer algumas.”
“Sí! Estaríamos fartos!”
acabou adormecendo de um lado da cama, e dormiu do outro, afastados. Escutou quando o rapaz acordara, antes de sair do quarto, e tentou impedi-lo, mas ele pediu que continuasse dormindo porque pagara caro para aqueles mafiosos.
Combinaram de se encontrar em breve.
“Está dizendo que queres voltar a trabalhar na rua?” Ronã perguntou, sentado despojado na poltrona.
“Exatamente. Cansei de olhar para os mesmos rostos, e não pagam tão bem.”
“Por esse lado, tens razão.” Fumou o charuto, soltando a fumaça pelo nariz. “Você tem créditos por ter sido uma boa servente. Mas não saia da linha, . Sem boicotes. Lembre-se disso.”
“Estou presa há quase seis anos, não é? Se eu tivesse que ter feito algo, faria há muito tempo.”
“Sem boicotes.” Repetiu. “Levem-na para a rua.”.
Quando menos esperou, estava sentada, sorrindo, ao lado de . O homem segurava a mão dela, apertando cuidadosamente, e a observava às vezes, quando podia, devido ao trânsito.
No dia seguinte, desceu do prédio ao lado dele, as mãos dadas, como se fossem um casal. Olhava ao redor da garagem praticamente vazia e notou que os dois sujeitos próximos poderiam estar lhes seguindo; um deles, inclusive, havia entrado num veículo. Rapidamente encostou no capô e ergueu a perna, enconchando-o. O homem, atônito, demorou a tomar ação, limitando-se a segurá-la contra o peito.
“Não faça perguntas.” Sussurrou no seu ouvido e apoiou o rosto em seu pescoço. “Finja que está adorando.”
“Eu estou.”
Ela levantou a cabeça.
“Homens.” E afastou-se, puxando-o pela mão. “Diga-me onde fica o consulado. Darei o meu jeito de ir até lá.”
O edifício da embaixada do Brasil em Madri, o Itamaraty, foi construído em 1880 e vendido para o país em 1944. Pintado de marrom e turquesa, localizado em Calle Fernando El Santo, observava-o atentamente com um sorriso que representava tanto: alívio, felicidade, esperança. Respirou fundo uma, duas, três vezes e não chorou. Não tinha mais lágrimas acumuladas, só ânsia. As pernas chegavam a tremer. Não havia movimento ali, e não sabia isso se era bom ou ruim.
Caminhou até a porta, determinada.
Onde estão seus documentos? Traficada? Como conseguiu fugir? É alguma espécie de brincadeira?
Não era.
Nunca foi.
E não achava graça nenhuma, de qualquer forma.
Esperneou, gritou e mandou a secretária ir para o quinto dos infernos, até que um diplomata veio atendê-la. Conversaram por horas. Já era a terceira vez que aparecia e dormia no lado de fora.
Duas semanas depois, ao sair, alegando que precisava voltar para não erguer suspeitas, apertou o óculos contra o nariz e vacilou.
“Entra no carro.” Leu seus lábios. “Agora.”
Ronã fumava charuto, extremamente quieto. Não xingara e nem repreendera as garotas. Passara o início da manhã intocado em seu aposento, planejando como castigar . Deveria mata-la, esquarteja-la e jogar os restos para os cães, mas ainda seria pouco por tamanho desaforo. A jogaria do alto de um penhasco ou sob espinhos de um metro. Parafusos doíam mais? Após testar, tiraria suas próprias conclusões.
“A pegamos.” O segurança avisou.
“!” Walia correu para abraça-la ao vê-la entrar no salão, com a boca amordaçada e os braços amarrados.
Andreia olhava-a sem expressão, junto de poucas garotas que terminavam seus afazeres.
“Voltem para o porão.” Ronã avisou, a voz grave, e a fumaça saindo dos lábios.
O segurança puxou Walia, afastando-a.
O cafetão aproximou-se e estapeou o rosto de . Outra vez e mais uma. As marcas de seus dedos mancharam a pele.
“Idiota!” Gritou. “Brasileira estúpida!” Enforcou-a, e os olhos dela encheram d’água. “Demos outra aparência a ele.”
gemeu.
“Não o verá.”
Ela afastou o rosto, e Ronã a segurou.
“Acabarei com você de todas as formas e desejará a morte.”
conseguiu tossir, mas os fluídos saíram vermelhos. Seu sangue escorrendo, manchando o pedaço de camiseta que restava. Os braços haviam sido presos numa corrente no alto e as pernas embaixo. Não o permitia que sentasse, a menos tarde da noite. Dois cães rangiam para ele.
Fechou os olhos.
“O que ela te contou?” Um segurança tornou a perguntar, segurando uma garrafa.
Fazia duas semanas que perguntava.
“Prostitutas não querem saber de conversar.”
“Está cavando a sua cova.”
“Não me apagarão tão rápido...”
“Temos um cassetete. O enfiaremos no meio da sua bunda, seu desgraçado. O que ela contou a você?”
“Veio do Brasil para trabalhar como dançarina.”
O segurança balançou a garrafa.
“Continuará sem água.” E bateu a porta.
adentrou o porão, amarrada, e ajoelhou-se no meio da sala. Andreia a viu e caminhou para perto, agachando.
“O que fará agora?”
“Dormirei com Ronã todos os dias durante duas semanas até que eu peça para ser morta.”
Andreia mordeu o lábio.
“Perdi meu filho.”
“O quê?”
“Sofri aborto espontâneo. Não tomei as drogas, mas aconteceu... Não pude proteger a minha gravidez...”
deslocou os joelhos e encostou a cabeça em seu ombro, os braços atrás do corpo. Apertava os olhos com raiva.
“Sinto tanto por isso... Se eu estivesse aqui...”
“Não ouviu o que eu disse, ? Foi um aborto. A culpa não é minha ou sua. Se eles ou ele nascesse como poderia cria-los em cativeiro? Ronã seria capaz de mata-los à sangue frio em minha frente.”
“Shhh!”
“Vi aquele homem.”
afastou-se.
“Onde o puseram?”
“Em uma sala interditada no subterrâneo.”
Era três da manhã de três meses depois.
gemeu, dolorida, e abriu um olho. Só via escuridão. Ronã roncava ao seu lado. Escutou os cães latindo e barulhos de todos os lados. A porta do salão bateu várias vezes até o ensurdecedor de uma explosão. De repente, escutou gritarias e mais disparos. Haviam invadido.
“Policia Espanhola!”
Policia.
Seus olhos reviraram, a garganta fechou, os membros doeram. O que acontecia consigo?
Quis gritar, mas não conseguiu - algo áspero tapava sua boca.
“Não tente me passar para trás se quiser viver.” A voz falou em seu ouvido, erguendo-a para fora da cama. Ronã a empurrou por uma porta no canto, a qual não tinha visto, e fechou atrás de si.
Outra porta se abriu, e o vento gelado tocou seu corpo, arrepiando os pêlos. Desceram pela escada da rua e seguiram adiante às pressas.
suou frio, o aperto da mão dele não a soltava. Avistou-o sacar uma arma do bolso.
“Não escape ou furarei seus miolos. Entra no carro.”
Três viaturas cercaram a rua pela esquina, detendo a passagem.
“Preso em flagrante!”
Ele colocou o braço ao redor do pescoço da garota e gritou:
“Deixei-me ir ou ela morre!”
“Solte-a!”
Puxou o gatilho, disparando contra as janelas das casas acima deles.
“Recuem!”
Os policiais se espalharam, cercando-os.
Andreia abraçou Walia e encarou a velha, Nana, sendo algemada por um policial da segurança nacional. Caminhou até a mesma e lhe deu um tapa. Walia aproveitou para fazer o mesmo, antes que outros policiais as afastassem. Lá atrás, subindo a escada subterrânea, mancando, apareceu com ajuda. Seu rosto ficara um tanto desfigurado e havia faixas ao redor da omoplata e do estômago.
“Estamos localizando Jessie e outras garotas que foram leiloadas no início do ano.”
Andreia sorriu.
“Todos vocês estão livres a partir de hoje e voltarão para seus países após exames e checagem de documentos.”
“Livres.” Walia repetiu, sonhadora. “Quem diria?”
“Quem denunciou a máfia?” Andreia perguntou.
“Sempre procuramos mafiosos. Uma mulher fizera uma última denúncia.”
“Onde está?”
Ronã não teve tempo de mexer-se ao sentir algo perfurar suas costas. O braço ao redor do pescoço de afrouxou, e a garota conseguiu se afastar. Com a mão trêmula, ele puxou o gatilho novamente, e o tiro cortou seu ombro, antes de desabar no chão.
foi atendida pelos paramédicos e, com seu curativo, voltou, parando a passos distantes da porta de entrada do prostíbulo, avaliando as expressões de Andreia, Walia e Beck. Sorriam. Estendeu um braço, esperando-as virem. Logo após soltarem-nas andou devagar até a porta, notando a pericia trabalhar, e encontrou quem tanto procurava saindo.
“Foi a sua irmã quem nos salvou no final da história.”
suspirou, analisando ao redor, até seus olhos encontrarem os dela.
“Você está bem?”
“Ficarei, e você?” A voz embargou. “Nunca quis que se ferisse.”
“Experimentei algo que provavelmente não esquecerei. Tenho marcas em minhas costas.”
abaixou as pálpebras, exausta.
“Só não me pergunte o porquê fiz tudo isso. Talvez não exista resposta ou é tão óbvia que às vezes me leva a arrisca a minha vida. Literalmente.”
Ela assentiu.
“Seu nome não é Valerie.”
“Não.”
ajeitou a faixa.
“Apesar da dor no ombro, de ter quase morrido e meus pulsos estarem ardendo, acho que me saí bem.” Curvou o lábio e negou com a cabeça, soltando um gemido. “ .”
aproximou-se, hesitante.
“ , mais uma brasileira ilegal no país, e prazer em conhecê-lo. Você foi o meu herói.” Grudou os lábios sob os dele rapidamente, fazendo-o arregalar os olhos e depois fechá-los como se as dores estivessem adormecendo.
Epílogo
Ronã abriu os olhos, assustado, internado em um hospital, no meio da noite, e deparou-se com um cheiro forte no nariz. Então seu corpo foi amarrado. Quatro mãos realizavam os nós, enquanto uma sombra segurava um machado pequeno. Ela puxou a coberta, deixando-o com as pernas nuas, e com a mão dentro da luva clinica segurou o seu membro e o decepou.
O grito estrondoso dele foi contido pela mordaça. As lágrimas escorriam pelos cantos dos olhos, os batimentos pulsaram no aparelho.
A outra sombra jogou cédulas em cima dele, caíam como penas até tocar seu rosto.
“Não era isso que você queria? Dinheiro?” Tirou a mordaça, enfiando dólares em sua boca. “Morra engasgado e vá para o inferno!”
“Sem um pinto.”
“Adiós, Ronã.”
FIM
Nota da autora: A cena do Ronã pode ter sido um sonho.
Beijos pra RiRi e beijos pra vocês,
Ray.
Beijos pra RiRi e beijos pra vocês,
Ray.
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