Prólogo
O despertador havia tocado várias vezes naquela manhã, mas null estava tão cansada que mal tinha todos os seus sentidos aguçados para escutar o tom estridente do ringtone escolhido para acordá-la todos os dias. Vestiu a primeira roupa que encontrou, prendeu o cabelo de qualquer jeito e juntou o máximo de suas coisas que estavam jogadas em cima da escrivaninha de forma desleixada nos braços, depois de escovar os dentes com tanta pressa que acabou machucando a boca, para, então, descer os dois lances de escada de sua casa. Por sorte, seu pai já teria ido para a câmara e não a pegaria saindo atrasada para a faculdade. De novo.
Seria a terceira vez somente naquela semana que enfrentaria o sermão. Mas não tinha muito o que fazer, afinal, ou dormia ou estudava para suas provas. E aquela era a primeira de duas longas semanas de provas.
Porém, não era seu dia de sorte – outra vez, fora esquecida pelo universo. Ao parar entre um lance da escada e outro, viu, pela parede de vidro com vista para o jardim e entrada da casa, uma viatura policial estacionada. Em uma breve olhada em direção ao corredor que levava ao escritório de seu pai no térreo, viu a porta entreaberta. Não ficou muito tempo parada, terminando seu caminho sorrateiramente até se aproximar o suficiente para escutar a conversa.
null sempre havia sido curiosa demais para o seu próprio bem.
– Eu já pedi ao Fernandes para tirar todos os documentos de dentro do galpão da comunidade. – A voz grossa do homem que falava com seu pai soou baixa, mas o tom nervoso denunciava a seriedade do assunto.
– E eu avisei que era uma má ideia colocar aquelas merdas lá no Sol. – Seu pai respondeu, enfurecido. – Não deveríamos ter contado com a sorte, foi desleixo. Disse mil vezes sobre isso, se tivessem me escutado e feito como eu sempre mando, não teríamos problemas agora.
– Não seja idiota, Carlos, todos os seus escritórios já foram revistados pela polícia, mas nunca iriam desconfiar sobre a ONG. Quem iria imaginar que um lugar cheio de pirralhos iria guardar todos os seus podres? Logo o próprio lugar que está tentando te foder? Mas esses garotos novos… – O homem bufou, frustrado. – Temos que dar um jeito neles. São intrometidos demais.
– Você acha? – Carlos questionou, irônico. null pôde ouvir a risada nasalada de seu pai, o mesmo som que ele emitia quando estava nervoso e algo estava fora de seu controle. – Dê um jeito neles, faça o que for preciso. Faça qualquer coisa, não me importa o quão suja suas mãos fiquem. Esses ativistas de merda… tire todos do mapa.
– Mas deputado… nós já tentamos de tudo, de todas as formas, para evitar isso.
– Se tivessem tentado de tudo, não iríamos precisar queimar arquivos agora.
null respirou fundo, colocando a mão na boca para conter o ar que iria sair pesado e provavelmente a denunciaria com qualquer som sendo emitido. Não era leiga quanto ao termo usado por seu pai e aquela pouca conversa ouvida já dava muito sentido para alguns fatos recentes, como o processo pelo qual ele estava passando no Superior Tribunal Federal – do qual ela era completamente cética quanto a veracidade das denúncias feitas. Ou, pelo menos, era, até visitas como aquelas, de policiais militares, em sua casa, e até ouvir conversas como aquelas. Curiosa demais para o seu próprio bem, ela repetia para si mesma em sua mente, enquanto roía uma unha perfeitamente pintada de preto.
– Deputado… você tem certeza? – Ouviu o tom hesitante e baixo do policial e se recompôs.
– E você sabe alguma outra alternativa? – A voz de seu pai veio logo em seguida. – Queima de arquivo não deve ser difícil para você, sargento.
– Isso pode levantar suspeitas.
– São crianças dentro de uma favela, diariamente entram em situações para conseguir dinheiro. Você sabe, sargento, não estou falando nenhum enigma aqui.
– Não estou acompanhando.
– Certamente, se acompanhasse, não estaríamos nessa e eu não seria julgado daqui algumas semanas. – Seu pai soltou uma risada sarcástica. – Não preciso dizer exatamente o que fazer, preciso? É seu trabalho e recebe muito bem para isso.
Um breve silêncio, poucos segundos para que null tentasse se controlar e não entrar naquela sala. Sua cabeça girava e parecia que seus pés não recebiam o comando correto.
– Tudo bem. Pode ficar tranquilo, deputado, irei cuidar para que nada aconteça.
– Espero que dessa vez não falhe. Sabe que, se eu cair, não vou sozinho, sargento. – Na breve pausa de seu pai, ouviu uma sílaba de concordância e, então, ele continuou: – Está dispensado. Espero uma resposta até a próxima sexta-feira, esse é seu prazo. Irei pedir ao Ricardo que deixe o auxílio funeral para as famílias, tudo em nome da ONG. Pode ir… e não se esqueça: vivemos em um efeito dominó, os meus interesses são os seus também.
O barulho de uma cadeira se arrastando dentro do escritório tirou a garota de seu transe. null calculou rapidamente a distância até a porta da sala, percebendo que não conseguiria chegar até lá sem ser notada – e, por algum motivo, ela sentia com todo seu ser que aquela era uma conversa que ela não deveria ter ouvido e, acima de tudo, seu pai não poderia saber que ela tinha ouvido –, então decidiu que sua melhor opção era voltar até a escada e rezar para que, quem quer que estivesse saindo, acreditasse que ela estivesse descendo naquele momento.
Mas sua mente estava uma confusão. Ela toda estava uma confusão. Quando pisou no terceiro degrau, uma caneta escapou da bagunça de suas mãos trêmulas, caindo no chão com um baque que não seria tão alto assim se a casa não estivesse em completo silêncio e se a caneta não tivesse rolado até metade do corredor.
Ela congelou no lugar no mesmo instante em que a porta do escritório se abriu completamente.
Seu pai foi o primeiro a sair. Fitou primeiro a caneta no chão. Depois, a filha na escada.
Carlos arqueou as sobrancelhas.
– Você pretende chegar na universidade no horário algum dia essa semana?
null abriu e fechou a boca várias vezes, mas nenhum som saiu.
– E-eu… – A garota gaguejou, sentindo a temperatura de seu corpo abaixar. Ela limpou a garganta, respirando fundo. – Eu já e-expliquei… Semana de provas e…– Sua voz morreu, ela sendo incapaz de formular qualquer frase decente.
Seu pai bufou e o policial ao seu lado se manteve quieto, os olhos focados em outra direção.
– Eu espero que não tenha nenhuma na primeira aula. Quando eu tinha a sua idade, eu já trabalhava na empresa do seu avô e nunca me atrasei pra nenhuma aula, null. Isso não é desculpa.
null concordou com a cabeça, se apressando em passar pelos dois e sair logo dali, esquecendo-se completamente da caneta jogada no chão.
– Eu sei disso. Me desculpe, não vai mais acontecer! – A garota gritou, já abrindo a porta da casa e correndo pelo jardim em direção ao seu carro que estava estacionado do lado de fora na rua do condomínio fechado, se sentindo como uma fugitiva.
Com o coração disparado, null fechou os olhos por alguns segundos antes de dar partida, a respiração falha.
Curiosa demais para o seu próprio bem. E a curiosidade sempre matava o gato.
Seria a terceira vez somente naquela semana que enfrentaria o sermão. Mas não tinha muito o que fazer, afinal, ou dormia ou estudava para suas provas. E aquela era a primeira de duas longas semanas de provas.
Porém, não era seu dia de sorte – outra vez, fora esquecida pelo universo. Ao parar entre um lance da escada e outro, viu, pela parede de vidro com vista para o jardim e entrada da casa, uma viatura policial estacionada. Em uma breve olhada em direção ao corredor que levava ao escritório de seu pai no térreo, viu a porta entreaberta. Não ficou muito tempo parada, terminando seu caminho sorrateiramente até se aproximar o suficiente para escutar a conversa.
null sempre havia sido curiosa demais para o seu próprio bem.
– Eu já pedi ao Fernandes para tirar todos os documentos de dentro do galpão da comunidade. – A voz grossa do homem que falava com seu pai soou baixa, mas o tom nervoso denunciava a seriedade do assunto.
– E eu avisei que era uma má ideia colocar aquelas merdas lá no Sol. – Seu pai respondeu, enfurecido. – Não deveríamos ter contado com a sorte, foi desleixo. Disse mil vezes sobre isso, se tivessem me escutado e feito como eu sempre mando, não teríamos problemas agora.
– Não seja idiota, Carlos, todos os seus escritórios já foram revistados pela polícia, mas nunca iriam desconfiar sobre a ONG. Quem iria imaginar que um lugar cheio de pirralhos iria guardar todos os seus podres? Logo o próprio lugar que está tentando te foder? Mas esses garotos novos… – O homem bufou, frustrado. – Temos que dar um jeito neles. São intrometidos demais.
– Você acha? – Carlos questionou, irônico. null pôde ouvir a risada nasalada de seu pai, o mesmo som que ele emitia quando estava nervoso e algo estava fora de seu controle. – Dê um jeito neles, faça o que for preciso. Faça qualquer coisa, não me importa o quão suja suas mãos fiquem. Esses ativistas de merda… tire todos do mapa.
– Mas deputado… nós já tentamos de tudo, de todas as formas, para evitar isso.
– Se tivessem tentado de tudo, não iríamos precisar queimar arquivos agora.
null respirou fundo, colocando a mão na boca para conter o ar que iria sair pesado e provavelmente a denunciaria com qualquer som sendo emitido. Não era leiga quanto ao termo usado por seu pai e aquela pouca conversa ouvida já dava muito sentido para alguns fatos recentes, como o processo pelo qual ele estava passando no Superior Tribunal Federal – do qual ela era completamente cética quanto a veracidade das denúncias feitas. Ou, pelo menos, era, até visitas como aquelas, de policiais militares, em sua casa, e até ouvir conversas como aquelas. Curiosa demais para o seu próprio bem, ela repetia para si mesma em sua mente, enquanto roía uma unha perfeitamente pintada de preto.
– Deputado… você tem certeza? – Ouviu o tom hesitante e baixo do policial e se recompôs.
– E você sabe alguma outra alternativa? – A voz de seu pai veio logo em seguida. – Queima de arquivo não deve ser difícil para você, sargento.
– Isso pode levantar suspeitas.
– São crianças dentro de uma favela, diariamente entram em situações para conseguir dinheiro. Você sabe, sargento, não estou falando nenhum enigma aqui.
– Não estou acompanhando.
– Certamente, se acompanhasse, não estaríamos nessa e eu não seria julgado daqui algumas semanas. – Seu pai soltou uma risada sarcástica. – Não preciso dizer exatamente o que fazer, preciso? É seu trabalho e recebe muito bem para isso.
Um breve silêncio, poucos segundos para que null tentasse se controlar e não entrar naquela sala. Sua cabeça girava e parecia que seus pés não recebiam o comando correto.
– Tudo bem. Pode ficar tranquilo, deputado, irei cuidar para que nada aconteça.
– Espero que dessa vez não falhe. Sabe que, se eu cair, não vou sozinho, sargento. – Na breve pausa de seu pai, ouviu uma sílaba de concordância e, então, ele continuou: – Está dispensado. Espero uma resposta até a próxima sexta-feira, esse é seu prazo. Irei pedir ao Ricardo que deixe o auxílio funeral para as famílias, tudo em nome da ONG. Pode ir… e não se esqueça: vivemos em um efeito dominó, os meus interesses são os seus também.
O barulho de uma cadeira se arrastando dentro do escritório tirou a garota de seu transe. null calculou rapidamente a distância até a porta da sala, percebendo que não conseguiria chegar até lá sem ser notada – e, por algum motivo, ela sentia com todo seu ser que aquela era uma conversa que ela não deveria ter ouvido e, acima de tudo, seu pai não poderia saber que ela tinha ouvido –, então decidiu que sua melhor opção era voltar até a escada e rezar para que, quem quer que estivesse saindo, acreditasse que ela estivesse descendo naquele momento.
Mas sua mente estava uma confusão. Ela toda estava uma confusão. Quando pisou no terceiro degrau, uma caneta escapou da bagunça de suas mãos trêmulas, caindo no chão com um baque que não seria tão alto assim se a casa não estivesse em completo silêncio e se a caneta não tivesse rolado até metade do corredor.
Ela congelou no lugar no mesmo instante em que a porta do escritório se abriu completamente.
Seu pai foi o primeiro a sair. Fitou primeiro a caneta no chão. Depois, a filha na escada.
Carlos arqueou as sobrancelhas.
– Você pretende chegar na universidade no horário algum dia essa semana?
null abriu e fechou a boca várias vezes, mas nenhum som saiu.
– E-eu… – A garota gaguejou, sentindo a temperatura de seu corpo abaixar. Ela limpou a garganta, respirando fundo. – Eu já e-expliquei… Semana de provas e…– Sua voz morreu, ela sendo incapaz de formular qualquer frase decente.
Seu pai bufou e o policial ao seu lado se manteve quieto, os olhos focados em outra direção.
– Eu espero que não tenha nenhuma na primeira aula. Quando eu tinha a sua idade, eu já trabalhava na empresa do seu avô e nunca me atrasei pra nenhuma aula, null. Isso não é desculpa.
null concordou com a cabeça, se apressando em passar pelos dois e sair logo dali, esquecendo-se completamente da caneta jogada no chão.
– Eu sei disso. Me desculpe, não vai mais acontecer! – A garota gritou, já abrindo a porta da casa e correndo pelo jardim em direção ao seu carro que estava estacionado do lado de fora na rua do condomínio fechado, se sentindo como uma fugitiva.
Com o coração disparado, null fechou os olhos por alguns segundos antes de dar partida, a respiração falha.
Curiosa demais para o seu próprio bem. E a curiosidade sempre matava o gato.
Capítulo Único
– null, você precisa ir comigo. Eu não vou sozinha nessa festa.
null choramingou, puxando o braço da melhor amiga de forma manhosa enquanto as duas caminhavam pelo campus da universidade em direção ao estacionamento depois de terem saído da cafeteria, onde estavam comemorando o fim das semanas de provas, finalmente. null riu da pose da amiga, a maior personificação da clássica patricinha da zona sul que conhecera em toda sua vida. E ela sequer morava na zona sul.
– Você disse que não era uma festa.
null bateu os pés no chão como uma criança.
– E não é! É mais uma social, sei lá, não importa. O importante é que eu quero que você vá comigo. Quero, não, eu preciso que você vá comigo, null. Por favoooor! – A amiga tornou a choramingar.
– Ai, null, mas que coisa! Quem é esse cara que tá te deixando tão apaixonadinha assim? – null perguntou quando as duas pararam ao lado do carro de null, que fez um bico ao ouvir a pergunta da amiga.
– Quem disse que tem algum cara?
null arqueou as sobrancelhas, irônica.
– Semana passada você foi num pagode na Lapa. Anteontem você estava num samba lá em Santa Teresa. Hoje você quer ir numa social no Flamengo. No final de semana você vai parar onde?! null, você odeia pagode. Você não suporta samba. Você já se recusou a ir comigo em uma loja em Copacabana porque acha o bairro velho.
null deu de ombros.
– E daí? Eu decidi explorar melhor o Rio e expandir meu gosto musical. E eu moro em Botafogo, tudo isso o que você citou não se faz tão diferente. – Ela encarou a amiga por cima, tentando sair pela tangente.
null não alterou sua expressão em nenhum centímetro e a sua amiga revirou os olhos, bufando completamente frustrada por sua falha em todas as tentativas.
– Ok. O nome dele é null.
A gargalhada em resposta fez null soltar uma careta enquanto abria a porta do carro, entrando e se sentando, e a amiga fez o mesmo do lado do passageiro.
– E por que não me falou sobre ele antes? Onde se conheceram? – null perguntou, colocando o cinto.
null mordeu o lábio, nervosa, e girou a chave do carro para ligá-lo após colocar seu cinto também, depois das duas terem jogado suas bolsas e materiais nos bancos de trás.
– Ele é... meio diferente dos outros caras com quem eu já saí. – null respondeu, tirando o carro da vaga. null a fitou, curiosa. – Tipo, ele é meio agitado demais, animado demais. Não sei explicar. Mas eu meio que... gosto disso, sabe? Gosto demais. É diferente, sei lá. Ele tem uma energia maluca, mas é gostosa. Ele é bem engraçado. Acho que você vai gostar dele. Tenho certeza, na verdade.
null riu.
– Eu gostando de algum cara que você sai? Seria a primeira vez.
null a acompanhou, rindo.
– Eu sei, mas eu tava falando sério quando disse que ele era diferente. Ele é todo engajado com várias causas sociais, participa de um monte de projetos, dá aula de dança para crianças de algumas comunidades... A gente se conheceu em uma intervenção artística que ele estava fazendo, acredita? Eu estava saindo da faculdade e ele e o grupo de dança estavam parados aqui na frente, e aí ele me tirou para dançar.
null arregalou os olhos, surpresa.
– O que? E você foi?!
– Claro que não. Eu achei que ele fosse me assaltar, então eu bati nele com a minha bolsa e ameacei chamar a polícia se ele não me soltasse. Mas depois ele começou a rir e me explicou que era um projeto, uma dança, e aí ficou insistindo tanto que eu acabei cedendo.
– Tão fácil assim? – null perguntou, confusa.
A amiga suspirou, mantendo os olhos atentos na avenida que estava entrando.
– É que aí eu percebi que ele era gato pra caralho. – As duas riram. – No final, ele pediu meu número e eu, em um ato de loucura, dei. Estamos saindo há três semanas. Ontem ele me chamou pra conhecer os amigos dele nessa social e eu não queria ir sozinha. Os caras são todos desse jeitão engajado, sabe? Metidos com causas políticas, ativismo, participam das ONGs lá naquele Morro do Sol, essas questões aí, e eu não queria me sentir deslocada. O null meio que já me conhece, né, e eu sei lá como que a gente tá dando certo, mas... por favor, null... – null olhou rapidamente para a amiga com um bico pidão.
null estava pronta para retrucar quando algo passou por sua mente. Uma coisa em específico da fala de null tinha chamado sua atenção. Ela continuou olhando para frente quando perguntou:
– Você sabe o sobrenome desse null?
null franziu o cenho.
– null, mas ele não é de nenhuma família conhecida, amiga, ou do nosso meio, então eu não acho que você o conheça.
null assentiu.
– De qual faculdade você disse que ele e os amigos eram mesmo?
– Acho que eu não disse, mas eles são da UFRJ, mas só o null faz dança. Acho que os outros dois melhores amigos dele fazem outras coisas, um faz ciências sociais e o outro faz história, algo assim. Um chama null ou Gustavo e o outro null.
null ficou em silêncio e null riu, interpretando o ar pensativo da amiga.
– Eu sei que parece horrível, mas-
– Eu vou. – null declarou.
null abriu um sorriso gigante, parando em um farol vermelho.
– Jura?!
null se virou para ela, sorrindo.
– E perder a oportunidade de conhecer o primeiro cara que você sai e que não é um estudante de medicina chato e engomadinho? Nem pensar.
– Passo para te pegar às dez!
null riu baixinho, virando-se para fitar a cidade pela janela do carro enquanto tentava organizar seus pensamentos. Se ela estivesse certa... Bom, saberia dentro de algumas horas.
– Quantos anos você disse que o null tinha? – null perguntou parada na calçada ao lado de null após ela ter enviado uma mensagem para o garoto, tentando não rir ao observar a casa de paredes coloridas, cercada por um muro baixo e vazado, que permitia ver os enfeites de luzes de Natal coloridas no jardim, uma piscina de plástico e um escorregador de brinquedo, todos tomados por algumas pessoas, que brincavam e riam, bêbadas. – Ou você esqueceu de dizer que ele tem um filho?
null deu de ombros.
– Eu avisei que ele era diferente. Mas, em minha defesa, ele mora com os amigos.
null riu, balançando a cabeça, e ia fazer mais um comentário quando um rapaz alto e esguio, com um sorriso maior do que seu rosto, saiu pelo portão aberto.
– Oi, null! – Ele exclamou, alegre, e puxou a garota para um abraço. – Porra, eu tô tão feliz que você veio! – E deu um selinho em null, que ficou vermelha na hora, mas sorriu de volta. null sorriu, gostando da energia e da espontaneidade dele logo de primeira e, principalmente, da forma como null ficou com uma cara de boba ao seu lado.
– Oi, null. – Ela deu uma risadinha constrangida, ainda sem saber lidar totalmente com o jeito do rapaz. – Eu disse que viria, e eu avisei que iria trazer a minha amiga. null, esse é o null. null, essa é a null.
null deu um passo para o lado, para que null entrasse no campo de visão de null, e assim que null colocou os olhos na garota, ele arregalou os olhos e soltou um gritinho.
– Caralho, mané!
null o encarou, confusa, e null continuou fitando o garoto, sorrindo fechado.
– Algum problema, null? – null perguntou.
null balançou a cabeça rapidamente, se recuperando.
– Não, pô, claro que não. Viajei total aqui, morena, foi mal. – Ele riu, esganiçado, e se aproximou de null, estendendo a mão. – E aí, null, beleza? Prazer.
null sorriu e apertou a mão dele.
– O prazer é meu, null. Espero não estar incomodando. Ah, a gente trouxe algumas bebidas. – Ela estendeu uma sacola com algumas garrafas, sorrindo.
null riu alto e estridente mais uma vez. Ele passou uma mão pela testa, limpando o suor gelado que não tinha percebido que estava acumulado na área, e pegou a sacola com a mão livre.
– Que isso, tá maluca? Seja bem-vinda, e não precisavam se incomodar. Vem, vamos entrar. Os meninos estão lá dentro. – Ele deu espaço para as duas entrarem e ele as acompanhou até a entrada da casa, passando pelo jardim. – Nossa, que loucura...
– O que? – null perguntou, se virando para ele.
– Hã? Não, nada, tipo, nossa, que loucura, porra, você aqui em casa, morena, porra, sabe, eu tava querendo tanto te trazer aqui e... – suspirou, antes de voltar a falar sem vírgulas: – Não reparem na bagunça, tá? Eu moro com os meninos e a gente até que é bem limpinho e organizado, eu juro, mas quando rola festinha a gente perde o controle total da situação, é foda, amanhã eu passo o dia inteiro chorando. – Eles entraram na sala, sendo recebidos por uma música alta e mais algumas pessoas conversando, e outras poucas dançando. – Vamos colocar isso na cozinha! – pegou null pela mão e null seguiu os dois por um corredor, reparando que a casa até era grande e bonita.
Quando eles chegaram na cozinha, onde algumas pessoas estavam, null deixou a sacola com as bebidas que elas trouxeram em cima do balcão e coçou a nuca.
– Hm... – limpou a garganta, chamando a atenção de dois rapazes que estavam encostados na pia, bebendo cerveja e conversando. – null, null, essa daqui é a null, que eu queria apresentar pra vocês – abriu um sorriso, abraçando null por trás e dando um beijo na bochecha dela, a deixando novamente constrangida.
– Oi, gente... – Ela respondeu, um pouco tímida.
– Nossa, finalmente, eu tava achando que o null tinha inventado você. – O rapaz que tinha sido apontado como null brincou, sorrindo.
– O que não seria uma surpresa, mas é muito bom saber que você existe de verdade. – O outro, null, completou, rindo. – Era um tal de morena pra lá, morena pra cá...
null revirou os olhos e null riu, um pouquinho mais relaxada.
– Calem a boca.
– Aceita uma bebida, null? – null perguntou, sorrindo fofo com seus óculos de grau.
– Ah, eu aceito sim, muito obrigada. – null sorriu, agradecida. – Você também quer, null? – null se virou para a amiga, que até o momento estava quieta e calada atrás dela.
– Eu aceito, obrigada. – Ela respondeu, se movendo um pouco para o lado e sorrindo, fitando, pela primeira vez, os outros dois rapazes na cozinha.
null e null pararam de sorrir.
null suspirou e coçou a nuca mais uma vez.
– Essa é a null, amiga da null.
null soltou uma risada seca, sem humor algum.
– null? – Ele repetiu, irônico.
– Desculpa, nós já nos conhecemos? – null questionou, suave.
– null... – null começou, pesaroso.
– Porra, null, fala sério! – null ignorou null e jogou as mãos para o alto, exasperado, e null arregalou os olhos, assustada com a reação. null fitou o garoto com a boca fechada em uma linha, sem demonstrar qualquer coisa, enquanto null continuava perturbado e null tentava acalmar o amigo. – Isso é uma brincadeira?
– Calma, cara, não é hora pra isso, depois a gente conversa e...
– Esquece. – Ele largou a garrafa de cerveja na pia. – Tô fora. Foi mal, null, outro dia a gente conversa melhor, quando o ambiente estiver mais bem frequentado, mas fica à vontade, qualquer coisa pode pedir pro null. – null passou pelo grupo para sair da cozinha, esbarrando o ombro com certa força contra null, a fazendo cambalear um pouco para trás, mas null a segurou rapidamente.
– O que foi isso?! – null perguntou, assustada, encarando null.
– Você está bem? – null perguntou para null, ainda a segurando pelo braço com cuidado.
– Estou, obrigada. – Ela respondeu com um sorriso mínimo. – Só um pouco confusa.
– Você é null null, filha do deputado Carlos null. – null começou, suspirando, e se encostou no balcão. null o encarou, confusa, e null continuava inexpressiva. – Nós fazemos parte de uma ONG lá no Morro do Sol e... bom, o null é um dos principais ativistas de algumas causas... – Ele fez uma careta. Não adiantava esconder aquilo. – Ele não é lá muito fã do seu pai, sabe.
– Isso não é justo, a null não é ele para ele reagir dessa forma e-
– Tá tudo bem, null. – null cortou a amiga, suave. – Eu entendo.
null fez uma expressão confusa.
– Entende?
null deu de ombros.
– Ninguém é obrigado a gostar dele. Eu só acho que ele poderia ter sido um pouco mais educado, mas eu ainda entendo.
– É claro que ele poderia ter sido mais educado, até porque as acusações contra seu pai nem foram provadas nem nada... – null começou, baixinho, e null abaixou a cabeça, incomodada, mas percebeu a troca de olhares entre null e null.
– A gente trabalha no Morro do Sol há alguns anos e... – null começou, mas desistiu depois que null lançou outro olhar para ele. – Bom, não importa. – Ele sorriu mais uma vez de forma agradável. – null, eu espero que você fique e se sinta à vontade. Peço desculpas pelo null, ele é um pouco mais... intenso, e não sabe se controlar algumas vezes. Toma, aqui. – Ele abriu a geladeira e pegou uma cerveja para ela, a entregando com um sorriso fofo.
– Muito obrigada, null. E não se preocupe, eu não ligo. – Ela aceitou a cerveja, sorrindo, e ele ajeitou os óculos no rosto. – A casa de vocês é muito bonita. Adorei as luzes lá fora.
null abriu um sorriso, parecendo aliviado, e voltou a abraçar null, que também parecia um pouco mais calma agora.
– Porra, maneirão, né? Eu mesmo coloquei. Tem lá fora também! Quer ver? Vem, vou te mostrar! – Ele não esperou pela resposta dela e puxou null pela mão, fazendo com que null os seguisse e null fosse atrás, rindo.
O quintal era uma área verde não muito grande, mas muito bonita e também cheia de luzes de Natal. Tinha uma churrasqueira e mais algumas pessoas sentadas em algumas cadeiras de praia e null os levou até algumas que estavam vazias, onde eles se sentaram em uma rodinha. Ao lado deles, um grupinho dançava funk enquanto comia coxinha, animados, e null sorriu, gostando do clima.
– O null comentou comigo que vocês se conheceram dançando na rua. Você também dança, null? – null perguntou, sorrindo, e null ficou vermelha.
– Hm, não. – Ela riu. – Na verdade ele estava dançando e eu tava passando na hora mesmo... Ele meio que apareceu do nada e me puxou pra dançar. – Todos riram e null se inclinou para dar um beijo na bochecha dela, sorrindo. – Eu faço medicina.
– Isso é muito a cara dele. – null comentou, rindo.
– Como é que eu ia ver a morena dos meus sonhos dando sopa na minha frente e não fazer nada?! Eu pensei “nem fodendo, irmão, vô lá jogar meu charme pra ela agora”, e aí pimba, conquistei a morena. – Ele falou, marrento.
null revirou os olhos, mas riu, abobalhada, e null não pôde deixar de se impressionar. Meu Deus. Aquilo era realmente inacreditável.
Até o momento, null só tinha se envolvido com playboys bastante insuportáveis para o gosto de null, que só sabiam falar sobre dinheiro, viagens e carros. Mas null era o completo oposto disso. Ele era engraçado, espontâneo e aberto. E era óbvio que gostava de null e que aquilo era recíproco. null esperava, de verdade, que aquilo entre os dois evoluísse. Ele parecia ser uma boa pessoa.
– E você, null, faz o que?
null saiu de seus pensamentos e se virou para null.
– Eu faço direito.
– Já sei quem vai tirar a gente da cadeia na primeira merda. – null brincou e todos riram.
– Podem me ligar, mas não garanto nada. Eu tinha começado ciências sociais, mas parei no segundo semestre, então também tenho uma veia meio rebelde. Talvez eu esteja na cadeia junto com vocês. – Ela brincou de volta.
– Não brinca?! O null faz ciências sociais! Ei, null, você sabia que-
null gritou, empolgado, vendo null pela janela da cozinha, mas parou assim que percebeu o que estava fazendo. O olhar do grupo pesou sobre ele e suas bochechas ficaram vermelhas. null o encarou emburrado pela janela, esperando.
– E-eu... – null gaguejou, entrando em pânico interno, e null bufou, se levantando de supetão e indo até a cozinha.
– Você vai ser minimamente educado pelo meu bem, cara. – Ele falou para null, a expressão séria.
null revirou os olhos.
– Não acredito que você convidou essa mina.
– Eu convidei a minha morena, a outra pode ficar pra você se você quiser. – null zombou.
null o fuzilou com o olhar.
– Não tem graça, caralho.
– Não tem, mas também não tem graça nenhuma você destratar a mina desse jeito de graça, porra. E ainda na frente da minha morena?! Tu quer me ver sem pau, maluco?!
– Quem sabe assim você aprende.
– Aprende o que, porra? Tu acha que eu sabia que a amiga dela era a filha do deputado? Cê acha que eu sou doidão assim irmão?! Eu também me caguei todinho nas calças quando vi a mina lá fora. Mas já foi. E, porra, na verdade ela tá sendo até que bem legal. Não parece ser nada escrota até agora.
– Foda-se.
– Qual é, null. Ela até falou que fez ciências sociais por um tempinho, olha só que legal.
– Deve ter desistido depois que percebeu que teria que encostar em pobre.
– null.
– A mina tem mó cara de quem bota o yorkshire pra morder canela de pobre, null.
– Caralho irmão, você também é foda heim. Não dá uma chance!
– Pra filha do deputado? null, o que você fumou hoje? – null perguntou, indignado.
– Ela não é o pai dela, porra. Faz isso por mim, por favor. – Ele insistiu, suspirando. – Sério. Eu... realmente gosto da null, de verdade. Eu quero muito que ela goste de vocês também. Você é meu melhor amigo, null, e desse jeito não vai dar certo. Eu preciso que dê certo... Por favor.
null fitou os olhos de null por alguns segundos, percebendo que o amigo falava sério. Merda. Ele respirou fundo.
– Se ela abrir a boca pra-
– Eu te amo! – null estalou um beijo na bochecha dele e abriu um sorrisão, o arrastando pela mão logo em seguida em direção ao local onde o grupinho ainda estava sentado no quintal.
– E aí galera, trouxe um presente! – null jogou null em uma das cadeiras, ao lado de null, e se sentou ao lado de null novamente.
null fitou null e, se um olhar pudesse matar, a missa de sétimo dia da garota já estaria marcada.
Presente... Uhum, um cavalo de Tróia, pensou null, respirando fundo enquanto encarava null de volta.
– Então... – null recomeçou, os olhos arregalados, tentando retomar o assunto. – Er... null, a null também fez ciências sociais.
– Legal. – Ele respondeu, dando um gole em sua bebida.
null o fuzilou com o olhar. null revirou os olhos.
– E por que decidiu sair? – null perguntou com zero interesse e null só percebeu que a pergunta era para ela porque sentiu os olhares surpresos sobre si.
– Porque achei que eu poderia fazer mais se eu estivesse do outro lado, então fui pro direito. – null respondeu, dando de ombros.
– Hm. – Ele murmurou, desinteressado.
– E o que você quer fazer, null? – null perguntou, parecendo verdadeiramente curioso.
null abriu um sorrisinho para o garoto, se ajeitando na cadeira.
– Eu quero continuar o projeto da minha mãe, ela-
– Torrar o dinheiro público que o seu pai ganha com roupas e sapatos?
null se virou para null, sentindo o sangue ferver pela primeira vez na noite, o encontrando fitando-a com as sobrancelhas erguidas ironicamente.
– Minha mãe era juíza e criou um projeto que cuida de casos de mulheres em situação de vulnerabilidade e que não podem bancar pelos seus processos. São algumas advogadas que se voluntariam para pro bono para cuidar dos casos de mulheres que acabam caindo em diversas situações, desde violência doméstica até envolvimento com tráfico de drogas. Elas evitam que os processos caiam nas mãos da defensoria pública. Elas também revisam os casos de algumas detentas e buscam melhorias nas condições de vida dentro das penitenciárias. Esse é o projeto dela.
null sustentou o olhar dele, olhando-o friamente, e ele não se abalou.
– Isso é... Uau. – null falou, impressionado.
– Eu não esperava por isso. – null, um poço de sinceridade, disse, rindo. – Mas achei lindo. Eu tenho uma amiga que-
– Desde quando Michelle null é juíza e uma alma tão benevolente assim? Que eu saiba, a única coisa que ela faz é aparecer nos noticiários usando aviões oficiais para viagens particulares e no dia seguinte subindo alguma favela para limpar a barra. – null desdenhou, rindo seco.
– Michelle não é minha mãe, é minha madrasta. – null cortou, fria, e sentiu o último pingo de sua paciência ir pelo ralo. – Você age como se me conhecesse, mas não sabe nada sobre mim. Pare de me julgar.
null estreitou o olhar.
– Como se tivesse muita coisa debaixo dessas roupas de grife.
null arqueou as sobrancelhas.
– Já está me imaginando sem roupas?
null piscou sobressaltado, pego desprevenido. null, null e null, que estavam acompanhando o embate tensos em seus lugares, explodiram em gargalhadas. null os acompanhou, mais especificamente rindo da cara perdida de null.
– Irmão, deixa de ser mané, vai lá buscar mais bebida pra gente. – null falou, dando um tapa na nuca de null, ainda rindo.
null se levantou em silêncio, ainda meio perdido, e seguiu para a cozinha.
null riu das piadas que os garotos começaram a fazer, o clima voltando a ficar instantaneamente mais leve, mas se deixou perder em seus pensamentos por alguns segundos.
Então... aquele era null. null null. O nome que ela vira tantas vezes nas suas pesquisas depois daquele dia em que escutou a conversa de seu pai com o policial em sua casa. null null, 23 anos, estudante de ciências sociais, ativista e um dos principais membros da ONG do Morro do Sol que seu pai ajudava – ou, pelo menos, ela sempre acreditou ajudar. A ONG que o havia denunciado. A ONG que, segundo a conversa que ela tinha escutado, havia abrigado, sem saber, provas contra seu pai durante anos. E ela sabia que null estava diretamente envolvido na denúncia.
E foi por isso que ela aceitou o convite de null para essa social.
Depois de ouvir a conversa de seu pai, null se pegou pensando “e se” tudo aquilo fosse verdade? E se seu pai realmente estivesse envolvido em alguma coisa ilegal? Ela acreditou cegamente na inocência de seu pai durante todo esse tempo, mas agora aquela pulga atrás de sua orelha não permitiria que ela não fizesse nada.
Então, resolveu procurar por alguma coisa. Qualquer coisa. E decidiu começar pela ONG. A ONG Morro do Sol ajudava as crianças da comunidade em questões culturais e sociais, disso ela já sabia, mesmo não conhecendo diretamente o local, mas ela queria saber quem eram as pessoas que haviam denunciado seu pai – e ela também só obteve conhecimento da origem da denúncia aquele dia, o que foi uma surpresa, já que seu pai ajudava o local há anos.
Revirando os arquivos recentes do pai sobre a ONG, ela chegou até os principais membros. Alguns mais velhos, outros mais novos. Mas alguns nomes se destacaram. Entre eles, null null. Ela não sabia o que ele representava exatamente, mas o nome dele estava sempre entre os mais citados. Ela também viu os nomes de null null e null null, assim como as fichas completas dos dois.
Quando null citou o trabalho de null em uma ONG no local e seu sobrenome, null teve um estalo. Era muita coincidência. Mas... curiosa demais para seu próprio bem.
Então, lá estava ela. Querendo conhecer as pessoas que denunciaram seu pai. Sentindo-se bem na presença de – quase – todos eles. Querendo entender o máximo que podia sobre aquelas pessoas.
Mas, principalmente, sobre aquele que tanto a desprezava e que tinha seu nome em destaque em todos os arquivos: null null.
E ele estava voltando para o quintal, tentando equilibrar nos braços garrafas de cerveja e um prato cheio de salgadinhos.
null se levantou para ajudá-lo, pegando o prato e duas garrafas.
– Trouxe comida. – Ele murmurou, enfezado, se jogando na cadeira e colocando as garrafas em cima da mesinha no meio deles.
– Ótimo, assim evita que você vomite em cima de mim e depois dê a desculpa de que deu PT. – null alfinetou.
– Não sabia que você podia dizer PT sem falar que o comunismo vai acabar com o país. – null devolveu.
null gargalhou, muito surpresa com a piada.
– Meu Deus, não acredito que você tem senso de humor.
Todos riram e null não evitou uma risadinha baixa, mas logo voltou a fechar a cara, enfiando uma coxinha na boca.
Sem olhar para null, ele estendeu uma cerveja para a garota, que o olhou, curiosa. Ele não a fitou de volta, mas continuou com o braço erguido até que ela aceitasse a bebida, rindo baixo.
Duas horas depois, null já estava no colo de null, os dois rindo tanto de uma história que null contava, que null se perguntava como que a cadeira de praia não tinha fechado com os dois. O clima na roda tinha mudado consideravelmente. Era como se um acordo de paz silencioso tivesse sido instaurado. O assunto proibido não havia sido tocado mais; em compensação, todos estavam com dor de barriga de tanto rir das histórias que cada um deles contava.
– Juro por Deus, quando eu cheguei no poste, só tinha o guidom da bicicleta preso no cadeado, tinham levado todo o resto. – null falou e todos eles voltaram a rir.
– Puta que pariu. – null se curvou pra frente, meio tonta, fazendo a cadeira tremer e null precisar segurá-la mais firmemente pela cintura.
– Tu tinha que ver, morena, o coitado chegou aqui só com a buzininha, triste pra caralho.
– Ei, null! – Um cara chamou, se aproximando do grupo. – A gente tá indo, o pessoal lá do Pedrinho também já foi e acho que a Fabi e as meninas também tão indo. Valeu aí pela festa, qualquer coisa é só chamar.
– Valeu por ter colado, Caio. Vai na paz, só encosta o portão fazendo o favor. – Ele fez um toque de mãos com o rapaz e o mesmo deu tchau para o resto do grupo com um aceno, depois sumiu pela porta da cozinha. Dentro da casa, alguém diminuiu o volume da música, e agora ela estava muito mais agradável e suave.
– E aí null, bola aquele bom pra família. – null falou sorrindo, e null riu, buscando algo nos bolsos de sua bermuda. Ele deu um beijo na bochecha de null. – Você fuma, morena?
null sorriu, enquanto null puxava uma seda.
– Eu sabia que você era minha alma gêmea, moreno. – Ela o puxou para um beijo.
null riu, balançando a cabeça em negação.
– E você, senhorita não-me-julgue?
Ela virou a cabeça para null.
– Eu o que? – Ela brincou e ele revirou os olhos. – Não. Quer dizer, nunca fumei. – Ela deu de ombros.
– Claro, meio difícil encontrar um beck dentro de algum dos livros que você passa horas trancada no quarto estudando. – null falou, desagarrando da boca de null. – A null tá aqui por um milagre divino.
null revirou os olhos, sentindo as bochechas esquentarem um pouco.
– Você não pode me culpar por estudar, null. – Ela murmurou, fitando o céu estrelado.
– É só fazer igual ao nosso gênio aqui. – null estendeu um braço para bater nas costas de null, que quase derrubou sua obra cair e o fitou meio bravo. – Ele dá uma puxadinha para estudar. Aquece os neurônios.
null riu.
– Vou me lembrar dessa dica na próxima vez, obrigada. – Ela sorriu, divertida, observando com curiosidade null finalizar seu trabalho.
Pegando um isqueiro, ele acendeu a ponta do cigarro e tragou profundamente, fechando os olhos por alguns segundos, e depois soltou a fumaça. Ele passou o cigarro para null, que repetiu o processo, e depois para null, que também o fez e depois o entregou para null.
null os observou em silêncio, sem se sentir incomodada, mas também não se sentindo totalmente confortável. Ela não se sentia pressionada a experimentar nada, nem influenciada, mas algo nas expressões deles a estava deixando curiosa.
Parecia bom. Parecia que eles estavam mais leves. E null estava tão tensa nos últimos dias... Ela agitou as pernas, a ansiedade tomando conta de si.
Quando null soltou a fumaça, ele fitou null com curiosidade, estendendo o cigarro em sua direção.
– Caso você queira chegar em casa hoje e ler o Vade Mecum.
null riu, mordendo o lábio e encarando o cigarro na mão dele. Respirando fundo, ela o pegou de sua mão.
– Como...? – Ela começou, um pouco confusa.
null riu.
– É o famoso acende, puxa, prende, passa. Não tem erro. É só não puxar muito logo de cara. – Ele explicou, sorrindo.
Ela assentiu, um pouco confusa, e levou o cigarro até os lábios, puxando um pouco receosa. null sentiu a fumaça invadir seus pulmões e a segurou ali por alguns instantes, a soltando quando null assentiu com a cabeça, fazendo um biquinho para deixar a fumaça escapar.
– E ela nem tossiu! – null comemorou, rindo, e null passou o cigarro para null.
– Da primeira vez que eu fumei, achei que fosse tossir meus pulmões para fora. – Ele comentou, sorrindo. – Eu lembro que... Espera. – Ele puxou seu celular do bolso e o desbloqueou. – Porra. Alguém levou a minha bicicleta pra casa. De novo! Eu não acredito nisso... Eu vou resolver isso, com licença. – Ele se levantou, apressado, e entregou o cigarro para null.
null riu e assentiu, sem saber muito bem o que dizer, mas começando a sentir sua cabeça um pouquinho mais aérea. Ela franziu um pouco o cenho, absorvendo a sensação, e então sorriu mais um pouco, percebendo que gostava dela e de como seu corpo parecia mais relaxado. Ao seu lado, null riu.
– É bom, não é? – Ele comentou, a observando.
– Uhum. – Ela murmurou, fechando um pouco os olhos, e ele riu novamente.
– Eu sabia que você ia gostar, sua sonsa. – null brincou e ela abriu os olhos para rir.
– Ei, vem aqui. – null puxou o rosto de null delicadamente e, com a outra mão, deu uma tragada no cigarro. Ele segurou a fumaça em sua boca e se aproximou da garota, colando sua boca na dela e passando a fumaça para ela. null riu baixinho contra ele e o agarrou pelo pescoço, se soltando brevemente para eles se livrarem da fumaça, e então eles voltaram a se beijar com fervor, como se estivessem sozinhos. Definitivamente, aquela era a cadeira mais resistente do mundo.
null arqueou as sobrancelhas no mesmo instante em que null virou o rosto para sussurrar alguma coisa no ouvido de null que riu, concordando, e os dois se levantaram e simplesmente saíram para dentro da casa, apenas deixando o beck com null antes.
null e null se olharam em silêncio.
– Eles foram... – null começou.
– Foram. – null completou.
– Ok.
Ele riu e tragou mais uma vez.
– Eu nunca vi o null tão bocó desse jeito.
– Digo mesmo pela null. Ainda mais por um cara como ele.
null revirou os olhos.
– Você quer dizer pobre.
Ela bufou.
– Eu quero dizer legal, seu idiota. Pela primeira vez, ela tá saindo com alguém que sabe conversar, que é engraçado de verdade, que não tá interessado em dinheiro, em status, em nada disso. E ele ainda tem personalidade. Gostei dele.
null riu nasalado, irônico.
– Você fala como se não tivesse acostumada com tudo isso. Com o lance do dinheiro, status, essas merdas.
– Não quer dizer que eu goste. – Ela pegou o beck da mão dele, tragando mais uma vez sem olhá-lo, mas pôde sentir que ele a encarava.
– E do que você gosta?
null virou o rosto para encará-lo, prendendo o olhar dele enquanto mordia o lábio, pensando.
– Não sei ainda. – Ela respondeu, honestamente. – Mas sei do que eu não gosto. E eu não gosto disso. Não gosto de todo esse mundo que gira em torno de dinheiro, de posição social, de mentiras, de corrupção... Eu odeio isso. – Ela desviou o olhar, fitando o nada em sua frente. – Por isso que eu quero fazer algo diferente. Quero ser diferente. Mas parece que é muito difícil ser assim ou ao menos fazer as pessoas acreditarem que eu possa ser assim.
null ficou em silêncio, refletindo. Seria possível que ele tivesse mesmo julgado mal aquela garota? A fruta poderia cair longe da árvore? Porra, o pai dela... Ele respirou fundo, passando as mãos pelos cabelos.
– Acho que nós somos quem nós escolhemos ser. – Ele disse, por fim. Era o que ele acreditava, afinal.
null virou o rosto para ele mais uma vez, tentando encontrar alguma ironia em seu olhar, mas percebeu que ele falava sério. Ela sorriu. Ele sorriu de volta.
– Então... Ciências sociais, hm? Acho que temos algumas coisas em comum. – Ela brincou, o fazendo dar uma risadinha baixa. – Por que escolheu esse curso? – Ela perguntou, genuinamente interessada, e ele riu antes de responder.
Ela queria saber quem era null null. Não somente o cara que tentava colocar seu pai na cadeia, mas também o cara que estava ali com ela naquela noite.
Mais uma hora havia se passado e null já estava um pouco aflita.
– Eu vou matar a null.
null riu.
– Eu não acho que ela vá descer tão cedo, pra ser sincero. O null tem fama de ser bem criativo e... – Ele riu com a careta que ela fez.
– Sem detalhes, por favor. – null respirou fundo, olhando a hora em seu celular e vendo que aquele era seu limite. – Eu vou pedir um carro. Eu tenho curso amanhã cedo e se eu chegar muito tarde eu não vou conseguir dormir. Você avisa a null, por favor?
null franziu o cenho.
– Não acho uma boa ideia pedir um carro nessa hora sozinha. Não é seguro.
null quase chorou.
– Eu sei disso! – Ela fez um bico. – Mas não tem outro jeito, vai dar tudo certo. Eu vou compartilhar minha localização com outra amiga e-
– Eu te levo.
null levantou o olhar pra ele, surpresa.
– O que?
null deu de ombros.
– Eu te levo. É mais seguro do que pegar um carro com algum desconhecido agora.
null riu, desacreditada.
– null, eu moro na Barra. – Ela frisou.
Ele arqueou as sobrancelhas.
– Eu já entendi que você é rica.
Ela revirou os olhos.
– Eu quis dizer que é do outro lado da cidade, babaca. Olha a hora. Não precisa se dar o trabalho, realmente não tem necessidade.
– Eu não vou deixar você pegar um carro sozinha agora.
null sorriu.
– Pensei que não gostasse de mim.
– Não quer dizer que eu queira te ver morta.
Ela riu, balançando a cabeça e pronta para retrucar, mas ele a puxou pela mão.
– Vamos, eu tô falando sério. – Ele a arrastou até a cozinha sem delicadeza alguma, enquanto ela protestava. – Eu tô aqui tentando fazer algo legal.
– Arrancar o meu braço?! – Ela esganiçou, rindo, e ele a soltou, rindo junto com ela. Ele parou no rack da sala para pegar as chaves do carro e seguiu para fora, com ela atrás de si.
Os dois saíram para a rua, onde o carro estava estacionado por coincidência logo atrás do de null. Ele entrou no banco do motorista e ela no do passageiro. null sorriu com o perfume cítrico do automóvel, pensando brevemente que combinava com a personalidade do garoto.
– Você está sóbrio o suficiente para dirigir? – Ela perguntou, colocando o cinto.
– Eu jamais teria sugerido isso se não estivesse. – Ele respondeu, sério, e ela assentiu. Assim que ele ligou o carro, o rádio também ligou, e o CD que estava tocando da última vez começou a tocar de onde havia parado.
null sorriu, reconhecendo a música.
– Coldplay é uma das minhas bandas favoritas. – Ela comentou.
null a fitou de soslaio, dirigindo pela rua calma.
– Minha também. Eu fui no último show que teve.
– Sério? Eu também fui! Eu fui sozinha, não conhecia ninguém que gostasse, mas não queria deixar de ir. Foi meio deprimente, mas valeu a pena.
null riu.
– Se a gente se conhecesse, você pod-
Ele cortou a frase no meio, franzindo o cenho, e null riu.
– Ia me chamar para ir no show com você? – Ela provocou, o encarando, e ele revirou os olhos sem desviar a atenção da rua.
– Não, aí o meu show é que seria deprimente.
– Ouch. Você machuca meus sentimentos.
Ele riu, balançando a cabeça em negação, e null mordeu o lábio mais uma vez, virando seu olhar para a rua através da janela. Durante o caminho nenhum dos dois pronunciou mais nada, além do momento em que null a pediu que colocasse no GPS o endereço de sua casa. Ela o fez com certo receio, ainda pensando sobre todo o cenário e, se ele não era bem um grande fã do seu pai, na falta de sentido de ser ele levando-a embora.
Torceu, de cruzar os dedos em seu colo, para que seu pai não estivesse em casa. Mas, não confiando muito na sorte, notou o lugar em que estavam, então, pediu:
– Pode me deixar aqui.
– An? O que? – null a encarou, perdido. – É melhor. – null virou o rosto para ele, tentando fazer com que entendesse apenas com seu olhar.
E ele entendeu, para o alívio dela. Parou o carro devagar, encontrando o melhor ponto para a parada rápida, não querendo problemas com nenhum guarda de trânsito.
– Chegamos, então.
null virou o rosto para ele outra vez, sorrindo fraco. Tirou o cinto de segurança e torceu os lábios, sem saber muito bem como se despedir.
– Obrigada. – Por fim, escolheu a forma mais simples. – Vou ficar te devendo essa.
– Era isso que você diria ao taxista que ia te trazer? “Vou ficar te devendo essa”? – Ele riu.
Ela o encarou tentando entender o tom, completamente confusa.
– Você… Eu não sei se tenho dinheiro trocado. Qual seu pix? – Pegou o celular, desbloqueando-o.
– Ei… Eu estava brincando. – null a repreendeu. – Onde foi parar seu senso de humor?
– Ah… – null raciocinou. – Desculpa – Riu nasalado. – Então, é isso. Obrigada. – Repetiu, já abrindo a porta e pronta para sair.
– Espera… – Ele colocou a mão em cima do joelho dela, em um ato rápido. – Qual seu telefone? É pra ter certeza de que você vai chegar bem em casa.
– null, estamos praticamente dentro do meu condomínio.
– Mas ainda vai andar dois quarteirões sozinha, à noite. – Ele disse como se fosse óbvio. Vendo a feição de nada dela, suspirou. – Me dá o seu celular. Eu anoto o meu e você me avisa quando chegar.
null não retrucou, vendo que ele não iria sossegar.
Não demorou muito, a partir do momento em que desceu do carro de null e caminhou, para chegar em sua casa. Se sentiu mais aliviada por ver que tudo estava apagado, seu pai não era muito fã de que chegasse tão tarde em casa e ele tinha sido um pouco específico sobre a importância dela estar no café da manhã que, pelo relógio, seria dali a pouco mais de três horas – o deputado e a esposa iriam para uma reunião importante em Brasília e, a muito custo, ela tinha se esquivado, tendo como punição posar para uma foto familiar no café da manhã; coisas para manter a imagem que, desde que muitos pontos começaram a serem visto por outro ângulo por ela, passaram a não ter mais o mesmo sentido.
Era como se seu castelo de areia estivesse se desfazendo a cada onda que surgia.
E as ondas eram as peças daquele quebra-cabeça que começavam a se juntar como uma somatória de um mais um.
Ao alcançar o primeiro degrau da escada, null foi surpreendida pela luz da sala de estar sendo acesa. Seu coração palpitou e levou um tempo para que conseguisse girar sob os próprios calcanhares, ainda no primeiro degrau e segurando no corrimão, virar-se e encarar a figura do próprio pai. Quando o viu parado, manteve a postura, tentando não parecer amedrontada – e não era sobre ele a pegar chegando tarde; sua mudança de jeito com ele havia se dado pelas coisas que estavam começando a passar por seu conhecimento, as suspeitas a deixavam cada vez mais distante da figura que tinha do homem em sua frente na posição paterna e, também, de um servidor do público.
– O que combinamos sobre o horário, null? – O tom dele foi severo.
– D-desculpe. – Ela gaguejou, mesmo contra sua vontade. – Eu acabei perdendo null de vista e fiquei esperando ela voltar para não vir de táxi.
– Espero que a corrida tenha sido agradável. Embora você tenha descido a dois quarteirões daqui.
null engoliu a seco.
– E-eu-
– Eu não preciso dizer para você que desaprovo o que aconteceu hoje, preciso? – Ele deu alguns passos, chegando mais perto. – Não quero você chegando perto desse garoto outra vez, estou sendo claro?
Demorou um certo tempo para ela entender que, para seu pai estar falando assim, era porque havia sido seguida. null tinha um raciocínio lógico bem rápido, muito disso por conta do que estudava, mas naquele momento estava presa demais na própria confusão mental e no sentimento perante o seu teto de vidro que a cada dia estava se estilhaçando mais.
– Você sempre foi curiosa demais para seu próprio bem, então tenha cuidado. Sabe o que dizem sobre o gato morrer de curiosidade. – O tom de seu pai soou mais ameaçador do que autoritário, algo que ela nunca tinha vivido em seus mais de vinte anos.
Então null apenas assentiu.
– Tudo bem.
– Não precisa estar no café da manhã. Dessa vez a gente passa isso. – Ele sorriu simples, não dizendo mais nada, e então ela soube que poderia subir.
No fim, null acabou vendo o amanhecer enquanto encarava o contado de null salvo em seu celular.
“null 13”, era como ele tinha colocado.
null nunca foi de ter muitos amigos, ser cercada por pessoas e estar sempre indo para todos os cantos, assim como deve ser comum para universitários da sua idade. A única amiga que conseguiu ter e manter foi null, isso se dando pelo fato dela ser o tipo de pessoa que não se importa muito em ser seletiva – talvez fosse por isso que nunca tinha tido alguém à sua altura antes, pelo julgamento de null. Era como uma via de regra as pessoas entrarem e saírem da sua vida tão rápido quanto a luz devido ao meio em que estava inserida por conta de seu pai. E ela, na sua mais pura inocência, não conseguia entender por que eram sempre tão maldosos ao se tratar dele, do seu herói, seu porto seguro. Seu pai. Porém, a pulga crescente em sua orelha, a dizendo muitas coisas e nada ao mesmo tempo, não a deixava mais se blindar com aquela cegueira toda pela película da ignorância em que estava envolta desde que se entendia por gente.
Poderia simplesmente perguntar para alguém da sua família materna, mas não queria envolvê-los; há muito tempo aquele cordão havia sido cortado entre os dois lados e desde que sua mãe faleceu, seus avós mal sabiam dela. Poderia questionar Heleninha, mas a governanta não iria dizer nada que pudesse prejudicar seu trabalho. Poderia recorrer a tanta gente... Só que isso implicava em envolvimentos mais profundos em toda a situação e aquela situação estava soando como algo muito pessoal e individual: null tinha que descobrir por si só.
Um jogo de xadrez em que ela teria de descobrir o que estava vendo e o que estava escondendo de si sobre tudo o que alcançava a luxúria.
Se sentiu muito mal por usar dos convites de null como brecha para sua investigação pessoal, porém não tinha muito o que fazer e conforme a amiga foi lhe chamando para os encontros, se viu tentada a aceitar um em específico: conhecer a ONG, que foi um assunto pertinente nos últimos dias desde a noite que foram na casa de null. Por ser null sua única amiga, não seria estranho para o olhar alheio seu aceite repentino, afinal era apenas ela quem poderia a chamar para qualquer coisa e somente null conseguia a convencer de qualquer coisa; tanto que, ao chegarem e encontrarem o sorridente null na entrada da ONG, null conseguiu sair pela tangente.
– Eu devo confessar que não esperava ver você por aqui. – null, ao lado de null, disse. – Seja bem-vinda.
– Não tem o que a null não me convença a fazer. – Ela respondeu, sorrindo amarelo.
– Na verdade não tem o que a morena não convença qualquer um a fazer. – null deixou um beijo na testa de null, a abraçando de lado, com um dos braços em volta do ombro dela.
– Acho que é cedo demais para detalhes sórdidos, não acham?
– Qualé, null? Que ideia torta é essa, irmão? – null deu um peteleco no amigo, fazendo com que os óculos de null quase caíssem. – Mó mente maliciosa… que tristeza. – Chacoalhou a cabeça negativamente, enquanto null e null se encaravam, rindo fraco dos dois. – Vamo entrar logo.
Os quatro entraram, null indo na frente com null e logo atrás null acompanhando null. O primeiro ambiente era uma sala enorme, um pouco dentro da arquitetura tradicional das residências brasileiras: sala, cozinha, corredor para levar aos quartos e banheiros; null julgou que ali deveria ter sido a casa de alguém, fornecida com muito carinho para servir como matriz para a ONG.
E tinha muito resquício de que ali viviam crianças.
null explicou brevemente, pelo caminho até a enorme porta que dava para a zona externa dos fundos, sobre o funcionamento do local. Os quartos eram divididos entre salas de aula, atividades manuais e até mesmo um ou outro ficava disponível para abrigar as crianças que precisassem passar a noite.
– E aqui do lado de fora ficam as atividades físicas e também as festinhas, como no caso de hoje. Sábado é dia da criança. – null sorria, explicando. Eles estavam na varanda, parados. – null se empenhou hoje para fazermos um inimigo secreto. Já brincou disso no Natal?
null nunca tinha feito, sequer, um amigo secreto.
– A família dela segue a cartela de final de ano com ceia meia noite e presentes na manhã seguinte. – null se virou para eles, tendo o olhar de null sobre si. – É bem entediante.
Ela encarou a amiga, cética dela estar lançando aquela informação.
– Bom, pra tudo tem uma primeira vez! – null cortou o clima. – Você pode participar com a gente.
– Mas eu não trouxe nada. – null olhou para ele, decepcionada.
– Não precisa. Aqui são presentes feitos a mão. – null explicou, virando-se de lado.
null acompanhou o movimento dele, tendo em seu campo de vista o perfil de null, ao fundo, envolto por algumas crianças. Eram duas meninas e um menino, brigando pela atenção dele com folhas sulfite nas mãos.
– Ideia do null. Nós fazemos o presente, pode ser uma carta, um desenho, um origami… que seja. Depois, colocamos dentro da caixa ali na mesa e fazemos a dinâmica. Cada um tira um número e aí seguimos a ordem. Por exemplo: eu sou o número um, começo indo na caixa e pego um presente de lá, é aquele que vai ser o meu. Mas aí, você, que é o dois, pode tirar o presente de mim ou pegar da caixa… e assim sucessivamente. – Ela ia compreendendo a explicação, se sentindo entretida também com a imagem que tinha de null ao fundo. – O número um é o mais sortudo porque, quando acabam todos, ele é o último a escolher e pode pegar o presente de qualquer um.
– Mas eu não conheço ninguém aqui-
– É isso é o que vai deixar a brincadeira legal. – null reforçou seu tom convincente.
– Espera, mas o inimigo secreto é diferente esse é o-
– Sim, null. – Ele sorriu fraco para a observação da outra. – Mas a gente não quer colocar o amigo ladrão em pauta aqui, estamos tentando ensinar as crianças que roubar não é legal. Tem todo esse lance educativo.
– Ah…
– Então, o que me dizem? – null sorriu.
– Eu topo! – null abriu um sorriso maior.
null bateu palmas, saindo com null apressada e tagarelando o que gostaria de fazer. Mas null não saiu do lugar, continuou a observar tudo, todas as crianças e como estava nítido a forma que os responsáveis dali se esforçavam para manter o lugar o mais agradável possível.
Era um lugar simples, porém, que estava lhe trazendo muito conforto.
– E aí, já pensou o que quer fazer? Temos sulfite, temos papel machê e caixinhas para decorar, guaxe… – null a trouxe de volta para a realidade e ela o encarou.
– Faz tanto tempo que não faço nada além de trabalhos em ABNT e leituras de livros e mais livros, que tenho medo de te perguntar o que é papel machê e você me zoar.
null riu de uma forma que ela nunca esperava ver dele, por seu jeito aparentemente mais “intelectual”.
– Qual a graça aqui?
Sua espinha gelou ao ouvir a voz rouca atrás de si. null se virou alarmada, quase tropeçando nos próprios pés.
– Relaxa, não vou falar sobre seu segredo. – null sussurrou, ainda rindo. – E aí, null. – Cumprimentou o amigo, arrumando os óculos. – Eu vou levar a null para enfeitar pote de margarina com papel machê, quer vir junto?
null e null se encaravam em silêncio, uma troca de olhares mais expressiva do que uma conversa.
– Que bom que está bem. – Ele disse, finalmente. – Devo perguntar se o seu celular acabou a bateria durante uma semana?
null mordeu o lábio, nervosa. Ele estava a cobrando de avisar que havia chegado em casa.
null olhava os dois em completa confusão.
– Desculpa, eu perdi seu número. Acho que você não salvou direito. – Ela respondeu, por fim.
– Ah… – O terceiro ali disse. – Você tem iPhone, não é? O null não sabe lidar muito bem com o sistema operacional, com certeza deve ter feito errado. – Ele explicou, em tom divertido.
null assentiu devagar, repetidas vezes.
– É, deve ter sido isso. – Disse, simples. – Podem ir, eu vou ajudar Aparecida a rechear os pães.
Ele não esperou por respostas e passou pelo meio dos dois, indo em direção a parte interna da casa. null acompanhou null para as mesas em que estavam lidando com o tal papel machê e, depois de uma boa explicação do pequeno Bruno de nove anos, ela entendeu do que se tratava a mistura e o que fazia – não deixando de se sentir um peixe fora d’água por nunca ter tido contato com algo tão simples e comum.
– Tio null, eu tô com sede. – Bruno, na companhia dos dois naquela empreitada de enfeitar os potes de margarina, disse, manhoso.
– Acho que Aparecida já deve ter liberado o Guaraná. Você quer um, null? – null se levantou, batendo na própria roupa para limpar.
Ela ergueu o rosto para ele, assentindo, concentrada em terminar de secar seu papel machê para pintar. Quando null se afastou, novamente ela ouviu a voz de Bruno.
– Espero que a vovó Aparecida já tenha liberado o Guaraná. – Ele parecia esperançoso.
– Você é neto dela? – null deu continuidade a conversa, olhando para ele.
– Sim. Todos nós somos. – Bruno sorriu. – Menos o tio null, null e null, eles são filhos dela.
null ficou confusa.
– Ué, são meus tios. Para ser tio, tem que ser filho da vovó Cida. – Ele deu de ombros, pincelando o pincel em sua caixinha seca. – Você é namorada do tio null?
null o encarou sem saber responder.
– Não. Não. Somos apenas amigos. – Ela conseguiu proferir, colocando sua caixinha em cima da mesa e encarando os potes de tinta; precisava escolher um para quando estivesse todo seco.
– Do tio null, então? Ele falou que era para não sermos educados com você. – Bruno riu. – Normalmente ele pede o contrário. – O garoto confessou, sapeca.
– Não. Definitivamente não.
Os dois se olharam. null parecia desesperada para sair da conversa e, depois de alguns segundos se encarando, Bruno riu e ela o acompanhou.
– Você é legal, null.
– Você também, Bruno. – Ela sorriu genuína para ele.
Ele voltou a se concentrar na própria pintura até serem interrompidos por null. null não o encarou ou sequer disse algo, apenas o ouviu dizer para o menino que estava na hora do lanche e que deveria acompanhar os outros. E Bruno foi, rápido como a luz, apostando corrida com Angélica, a garotinha que não saía do lado de null.
– Você não quer comer também? Vai demorar mais um pouco para secar isso aí. – Ele tomou a atenção dela.
– Estou sem fome. – null sorriu simples, olhando para ele. – E ainda não decidi a cor que vou usar.
Em silêncio, null a observou por algum tempo até estender sua mão para ela, a vendo se virar, confusa.
– Vem, você vai gostar. – Pela primeira vez ela viu um sorriso sincero nos lábios dele. E demorou para que ela saísse da forma petrificada que estava.
– null! Vem comer! – null, gritando da varanda, foi a responsável por trazê-la de volta a realidade.
null aceitou a mão de null, levantando-se e limpando a própria roupa com batidinhas. Caminharam em silêncio até a varanda e, quando ela pisou no primeiro degrau, virou o rosto para o seu lado direito, vendo do outro lado do mundo o mesmo policial que nunca saía de sua casa. Ele estava falando com outro grupo, misturado entre policiais e homens que pareciam ser da comunidade. Seus pés travaram no degrau e seus olhos não miraram outra direção, nem mesmo quando o sargento a encarou de volta.
– Ei. – null tocou na mão dela, mirando a direção que ela estava encarando. – Você-
– O que eles estão fazendo? – null o questionou.
– Entra. – Ele a puxou para dentro da varanda. – Você não pode ficar encarando ninguém assim aqui, ok? Principalmente quando se trata de milicianos.
– Milicianos? – Ela repetiu, parecendo ter um bolo na garganta. – Eu conheço o sargento, ele-
null pausou a informação.
– Ele é um grande aliado do partido do seu pai, não é? – Ela não o respondeu. Certamente era uma retórica. – null, tem coisas que não saber acabam por fazer da nossa vida mais segura. – null deu um passo à frente, ficando mais próximo, ainda sem soltar sua mão. – Não conte a ninguém que esteve aqui, pelo seu bem e, principalmente, por eles. Aparecida e Márcio fizeram das tripas coração para erguer esse lugar aqui no meio da comunidade… É um castelo de vidro e essas crianças precisam desse mínimo que conseguimos fazer. Porque se o sistema não faz por eles, nós temos que ao menos tentar o que podemos.
Aí é que está o problema, null. Ela não teria como esconder de seu pai que esteve ali, mesmo ele estando em Brasília, distante. A essa altura do campeonato, null sabia que seus passos eram mais vigiados do que qualquer outra coisa e que, em menos de cinco minutos, seu pai, provavelmente, já estaria ciente sobre sua situação. E ela não poderia fazer nada.
– null, você vai querer jant-
null não terminou de ouvir o que Heleninha iria perguntar, subiu os degraus da escada com muita pressa.
Sua cabeça estava girando e ela só pensava fazer alguma coisa, qualquer coisa. Essa poderia ser a sua chance certeira de descobrir os segredos de seu pai, definindo, de uma vez por todas todo aquele mar de informações. Era a noite para brincar de quebra-cabeças.
A tarde na comunidade foi algo muito esclarecedor para null e ela só conseguia pensar em como tudo estava tão nítido em sua frente, enquanto seus olhos se mantiveram fechados, fazendo seu estômago revirar. Quanto dinheiro público seu pai tinha usado para financiar toda a milícia? E o quanto disso ela mesmo chegou a usar?
Ela pensava que estava tudo certo, numa vida pavimentada, mas, afinal, que diabos ela sabia de fato?
Seu conforto e o cartão com a conta do banco sempre cheia eram frutos de uma sujeira podre varrida embaixo de um extenso tapete.
Revirou o quarto que seu pai dividia com a madrasta até ter certeza de que não tinha nada ali. Então, obviamente, pensou sobre o cofre na sala dele. Se trancou lá, revirando gaveta por gaveta, livro por livro, até se lembrar do conjunto de números que compunham a senha. A data do casamento dele e de sua mãe. Respirando fundo, null abriu e encontrou um revólver, alguns dólares, a caixinha com o seu anel de formatura – coisa de família, que lhe seria entregue dali a pouco tempo – e um envelope com um pen drive.
Foi ligeira em sentar-se diante do laptop na mesa do escritório e conectá-lo ali para abrir o que quer que fosse o conteúdo. Para sua não surpresa, era protegido com uma senha. Pensou em todo o conjunto que seria possível, digitando até mesmo a senha usada no cofre, mas não teve sucesso. Ficou um tempo remoendo em sua mente o que poderia ser usado por seu pai como senha para algo que ele quisesse tanto esconder e se viu sem resposta; null notou, então, que não conhecia o homem que a colocou no mundo, porque eram tantos segredos camuflados que ela sequer estava conseguindo juntar um mais um com racionalidade. E desesperada por ter alguma coisa ali que pudesse lhe clarear 100% as ideias, revirou as gavetas da mesa.
Surpreendentemente, encontrou uma pasta com seu nome.
O aperto em seu peito foi esmagador quando a abriu e começou a folhear. Eram fotos suas em muitos lugares, incluindo na casa de null, na ONG e em diversos encontros com a melhor amiga. A foto que tinha ela saindo do carro de null alguns dias atrás era rasurada por um círculo em cima do rosto dele, borrado por estar escuro e dentro do veículo. Tinha em suas mãos um dossiê completo sobre seus passos dados, sendo a maioria quando estava com null – a contar também das imagens da melhor amiga com null. Em sua cabeça, só conseguia ouvir a voz de seu pai falando “queima de arquivo” repetidas vezes. Isso ela sabia bem o que era, não precisava ser expert. ou assistir muito filme.
Embaixo dessa pasta tinha um envelope pardo, cheio e pesado. Ela o puxou para fora da gaveta, abrindo-o rapidamente e encontrando inúmeros documentos com sua assinatura. Uma assinatura falsificada, porque ela não se lembrava de nenhum daqueles papéis de compra e venda, e muito menos de possuir todas aquelas contas no exterior.
No fim, as acusações contra ele eram reais, ela não precisava mais de tanto. Seu pai lavava dinheiro público e financiava milícias.
Sacou o celular do bolso de seu jeans, com as mãos trêmulas, e enviou uma mensagem SMS para a primeira pessoa que veio em sua cabeça: “Me encontre no Fasano, quarto 213. Agora!”. Juntou todos os materiais e os devolveu às gavetas; pela razão lógica, o que tivesse de errado e acusatório estaria ali, naquele pen drive protegido por senha. Pegou o objeto e seguiu para a garagem, indo até seu carro e arrancando com pressa. As ruas pareciam extensas, mas nada que superasse o trânsito da Avenida das Américas. Quando finalmente chegou ao hotel, teve sua chave liberada, sem muita demora como sempre – já era um tanto comum aquele mesmo quarto ser alugado para seus momentos de paz.
E também não esqueceu de deixar a entrada de seu convidado liberada.
Tanto que não se surpreendeu ao ouvir as duas batidas na porta enquanto andava de um lado para o outro dentro do quarto.
– Você demorou! – Disse exasperada, parando com as mãos na cintura.
– Eu estava em Mesquita. – null justificou, fechando a porta atrás de si. – Por que você me chamou? Isso foi… inusitado.
– Não sei, acho que você é a única pessoa que pode me ajudar. – Ela soltou o ar, demonstrando todo seu nervosismo. – Meu pai mente, null. Eu… Eu me sinto patética por não ter enxergado isso nunca. – null passou as mãos no rosto, nervosa. – As acusações contra ele nunca passaram a ter tanto sentido quanto agora.
– Certo, você precisa se acalmar e vamos conversar sobre isso desde o início, ok? – Ele se aproximou, a guiando para a cama.
null assentiu, aceitando o amparo dele. Se sentou na ponta da cama, respirando fundo.
– Há alguns dias eu ouvi meu pai conversar com aquele mesmo sargento que vi hoje na ONG... – Iniciou, olhando para ele e recebendo um aceno positivo para prosseguir. – Eles estavam falando algo sobre documentos escondidos no galpã-
– Da ONG. Sim. – Ele a cortou, vendo que ela estava um pouco confusa com a informação. – Já faz alguns meses que a mesma sala é fechada e somente o sargento e Fernandes entram lá. Você sabe que Fernandes é o diretor do Sol, não sabe?
null não sabia. Ela não fazia ideia de nada daquele núcleo, passou tantos anos submersa em seus estudos, acreditando em sua falsa realidade, que nem mesmo as inúmeras caras de seu pai ela conhecia.
– Bem... – null suspirou, tentando ser compreensivo, e se sentou ao lado dela. – Fernandes é o diretor da ONG, ele é como um santo para alguns lá dentro, mas faz um bom tempo que Aparecida e eu duvidamos de muitas coisas, principalmente depois do envolvimento do seu pai. De repente o Sol começou a ter mais itens, mais coisas. Então, a comunidade também começou a ter mais, mas não itens, e sim homens armados nas ruas. Tudo saiu de controle.
– O que...?
– E depois disso, Fernandes ficou mais diferente do que nunca. – Ele continuou. – A sala dele está sempre trancada, tem lugares na casa que não podemos entrar e sempre estamos rodeados de homens armados, as crianças têm outra visão de onde estão. Quando saiu o processo do seu pai por quebra de decoro e veio todo o restante junto, eu e os meninos passamos a entrar mais nas investigações individuais das milícias de outras comunidades até descobrir que tinha uma bem embaixo do nosso nariz.
– E quais são os nomes?
– Nós não temos provas concretas ou nomes certos. Até agora são suposições por tanta coincidência. E envolve o do seu pai. – O tom de null era diferente para null, sem todo o clima arisco entre os dois.
Em um silêncio esmagador, null sentiu seu corpo tremer. Tirou do bolso de sua calça o pen drive.
– Eu acho que aqui dentro tem todas as informações necessárias. – O encarou séria. – Meu pai tem um dossiê completo não só meu, mas de null e de vocês três também. É por isso que as dúvidas que eu já tinha, quando ouvi a conversa dele com o sargento, se intensificaram. Então eu encontrei no cofre dele, além de um revólver e dinheiro, esse pen drive. Está protegido com senha. Quem colocaria senha em um arquivo que já está dentro de um cofre seguro?
– Se você sabe a senha, não é seguro.
– Ele não sabe que eu sei. Se soubesse, já teria trocado. – null suspirou, colocando o objeto na mão de null. O calor do toque físico entre os dois a desconcertou. – E tem mais. Junto do dossiê, tinha um envelope com documentos assinados por mim. Mas eu não assinei nenhum deles, são assinaturas falsificadas. Se a casa cair para meu pai, ele vai me levar junto, null. – Ele pôde sentir o amargo da fala dela e o tom de decepção. – E eu não sabia de absolutamente nada.
null estava tentando convencer não só a si mesma de que tudo bem dentre toda aquela situação, já que não sabia de nada, mas também a ele. De alguma forma, ela queria que null acreditasse em sua palavra, acreditasse que ela não seria capaz de consentir com toda aquela malícia e fazer mal a qualquer um.
Olhando nos olhos dela, ele fechou a mão no pen drive, segurando a dela.
– Eu acredito. – Disse baixo. – O importante é que agora você sabe. O que fará com isso é o que vale a partir de agora.
– Eu quero descobrir toda a verdade e fazer com que a justiça seja feita. Ordem e progresso, não é o que está escrito?
– Mas é seu pai, seria compreensível-
– Esse homem não é o meu pai. – null o cortou, dizendo firme, embora estivesse com os olhos marejados. – Minha vida foi uma mentira, eu não tenho pai. Não tenho ninguém, a não ser a null.
– Você tem a mim, null e null, também. Serve? – Ele levou a mão vazia até o rosto dela, limpando com o polegar a lágrima solitária que rolou. Só ela então percebeu como estavam próximos.
– S-sim.
A mão de null foi para a nuca de null, puxando-a lentamente para frente, quebrando a distância mínima que os separava. Os lábios dos dois se encontraram em um perfeito encaixe, causando arrepios para ambos. De uma forma estranha, null se sentiu calma, tranquila, como se o mundo exterior não estivesse em completo caos e muito menos o seu pessoal estivesse se desmoronando. Era estranhamente bom. Tão bom que não notou o momento exato em que aquele beijo tomou uma proporção mais quente, menos lenta. As duas mãos dele estavam em sua cintura enquanto ela se posicionava em seu colo, com uma perna em cada lado.
Quando o fôlego faltou, null o afastou com as duas mãos posicionadas uma em cada lado da mandíbula de null, encarando-o com o rosto inclinado para baixo devido a diferença de alturas.
– Como você sabia que era meu convite? – Perguntou com a voz rouca, dando espaço para a dúvida pertinente.
– Eu enviei para meu celular uma mensagem quando salvei meu número para ter o seu.
null mordeu o lábio inferior.
– Me desculpa, mas foi por puro interesse investigativo. – null completou.
– Tudo bem. Fico feliz que tenha o feito. – Ela respondeu, por fim, antes de beijá-lo novamente.
Sentiu as mãos dele passearem delicadamente por seus ombros, uma de cada lado, fazendo um caminho de descida até sua cintura, enquanto as suas mãos continuavam na mandíbula dele. Toda sua extensão se eriçou pelo toque, sentindo o formigamento estranho lhe dominar por inteira, como se fosse uma afirmativa de que queria ser entregue ao homem embaixo de seu corpo. Como se ela tivesse encontrado alguém para confiar aquela intimidade que poucos tiveram a chance.
Seu mundo desmoronava, mas enquanto estava ali com ele, parecia seguro demais para se preocupar com isso.
Por isso, não hesitou nem por um segundo sequer quando ele a deitou suavemente na cama, suas mãos subindo por dentro da camiseta dele, explorando a pele macia das costas de null com os dedos, enquanto ele descia os beijos pelo seu pescoço e colo, arrepiando cada centímetro do corpo de null, e desabotoava sua calça com um pouco mais de ansiedade.
– Você tem mesmo que ir? – null se levantou da cama. – Justo agora que eu queria saber mais sobre o adorável null.
– Vamos ter muito tempo pra isso, ok? – Ele terminou de vestir o jeans, voltando para a direção dela e selando sua testa. – Não foi só uma noite.
– Mesmo? Porque eu bem achei que isso aqui foi um pagamento pelo grande troféu que estou te entregando. – Ela disse, sarcástica.
– Não. Eu não sou de ter esses lances tão… individuais. Faz mais o estilo do null e do null, mas não comigo. – null voltou para as suas roupas, pegando a camiseta do chão.
null começou a se vestir também.
– null? – Perguntou, surpresa. – Ele me parece ser tão introvertido. – Comentou enquanto abotoava o sutiã.
– Não, dentre nós três só o null é bem soltinho mesmo. – null riu.
– Entendi.
null estava sentado na poltrona, calçando o tênis. A conversa se encerrou e, quando os dois estavam vestidos, perto da porta, ele a puxou para perto, com o braço em volta na cintura de null.
– Eu acredito que o envolvimento físico entre duas pessoas precisa de um certo sentido e confio muito em todos os meus sentidos, null. – Seus rostos estavam bem próximos. – E não estou fazendo isso aqui porque você me deu algo que possa entregar seu pai e de alguma forma prejudicar você enquanto me beneficia. Foi porque eu senti aqui dentro que era o certo e fazia sentido pra mim. Faz sentido para você? – Ela assentiu. – Então é isso, não importa o que já foi, mas sim o que vai ser. Eu vou dar o meu melhor para te ajudar e a gente vai encontrar uma forma de você não ser prejudicada nisso tudo. Pode confiar em mim?
Jogando fora todo o conselho sobre não confiar em estranhos, ela assentiu freneticamente, o beijando em seguida.
– Agora precisamos ir. – null a afastou lentamente, encerrando o beijo com carinhosos selares no rosto dela.
null não disse nada, apenas assentiu mais uma vez e o deixou ir na frente. Fechou a porta atrás de si e saiu pelo corredor, pegando na mão dele quando o alcançou em frente ao elevador. Em meio a carícias e troca de olhares confidentes, chegaram no saguão e se despediram com mais uma sequência de beijos até o carro de cada um chegar.
De uma maneira boba, null não queria se separar dele naquele início de madrugada. Não queria ir para casa e ficar sozinha. Mas entrou no carro e seguiu o caminho, olhando vez ou outra pelo retrovisor para ver o carro de null logo atrás do seu. O sorriso em seu rosto acompanhava o conforto em seu coração, como uma novidade que ela nunca tinha experienciado. Em determinada altura da Vieira Souto, ele tomou um cruzamento contrário e deixou de segui-la – null se viu quase sozinha na enorme avenida, já que dos outros dois carros que estavam no tráfego, um continuou atrás de si e outro também pegou o mesmo caminho dele.
Não demorou muito para parar o carro dentro de sua garagem, mas levou certo tempo para decidir sair do veículo. Ainda parecia ter tomado um banho de água fria com direito a pedras de gelo. Por sorte seu pai estava viajando e ela não teria que encará-lo naquele momento, poderia ir para sua cama e pensar como seguiria a partir do dia seguinte. Tudo o que precisava naquele momento era manter a paz que estava sentindo para racionalizar e poder agir.
Mas infelizmente o universo não queria o mesmo.
Assim que pisou no primeiro degrau da escada, a luz se acendeu e seu pai saiu da sala dele, a chamando.
– Temos um acordo sobre horários, não temos? – A voz dele era fria e a deu um arrepio estranho. null se virou, ainda na escada, segurando o corrimão. – E também sobre avisar.
– O-oi, pai. – Ela gaguejou, engolindo a seco.
– Onde você esteve? – Ele questionou ainda frio, dando mais passos à frente.
– Estava com a null.
O pai a encarou de cima abaixo, subindo o degrau e ficando a centímetros dela. null estava tão presa no olhar do pai que mal viu o momento exato que a mão dele se ergueu, acertando forte seu rosto.
– Eu não criei você para ser uma vagabunda mentirosa, null! – Gritou, furioso. Ao erguer novamente o rosto, em choque com a mão na bochecha ardente, pôde encarar os olhos em chamas dele. – Sei cada passo que você dá nessa cidade e cada moleque pra quem você se abre! – Riu nasalado. – E dentre todos os mais interessantes e de bem, você resolveu dar para um favelado maconheiro. Andar com a null não te faz bem e eu sempre avisei sobre isso.
De uma forma que ela não conhecia, null sentiu o corpo todo arder em raiva e desgosto, não só pelo tapa, mas também pelas palavras nojentas que ele usou para a atingir. Era a face real do homem que, por muito tempo, ela admirou e amou incondicionalmente.
Entretanto, não se deixou ser consumida pela emoção. Ainda estava no começo de uma longa briga pela verdade e sabia que, a depender de como iria agir ali naquela situação, as consequências seriam geradas. Então, só fez assumir sua postura sempre dócil e obediente.
– Eu não vou mais vê-lo, mas não faça nada, por favor! Eu juro que nunca mais irei pisar na comunidade ou chegar perto de qualquer um deles, pai. – Mesmo sendo difícil dizer a palavra, ela o fez. Estava desesperada.
– Mas você não vai mais ver ele mesmo. Nenhum deles, na verdade. – Carlos disse friamente. – Irá para os Estados Unidos. Não me importa se terá de começar todo o curso outra vez, mas vai terminar lá. – Ditou, não a deixando falar nada. – E nunca mais vai ver nenhum deles, não só pela distância, null…
– Pai… – Ela resmungou, já chorando.
– Você já sabe, não preciso mais esconder. Mas ainda assim é minha filha, então não torne isso difícil e me obedeça. Arrume suas malas, irá no primeiro voo que for possível e, até isso acontecer, não irá sair do seu quarto.
null encarou Heleninha parada próximo a entrada da sala de jantar e, logo atrás dela, mais dois seguranças. Estava estática com a informação, pensando em sua melhor amiga e nos outros três. Pensando em null. E quando começou a ser arrastada por um dos homens de terno preto para seu próprio quarto, pensava: o que ela tinha perdido em nome da sua curiosidade?
null choramingou, puxando o braço da melhor amiga de forma manhosa enquanto as duas caminhavam pelo campus da universidade em direção ao estacionamento depois de terem saído da cafeteria, onde estavam comemorando o fim das semanas de provas, finalmente. null riu da pose da amiga, a maior personificação da clássica patricinha da zona sul que conhecera em toda sua vida. E ela sequer morava na zona sul.
– Você disse que não era uma festa.
null bateu os pés no chão como uma criança.
– E não é! É mais uma social, sei lá, não importa. O importante é que eu quero que você vá comigo. Quero, não, eu preciso que você vá comigo, null. Por favoooor! – A amiga tornou a choramingar.
– Ai, null, mas que coisa! Quem é esse cara que tá te deixando tão apaixonadinha assim? – null perguntou quando as duas pararam ao lado do carro de null, que fez um bico ao ouvir a pergunta da amiga.
– Quem disse que tem algum cara?
null arqueou as sobrancelhas, irônica.
– Semana passada você foi num pagode na Lapa. Anteontem você estava num samba lá em Santa Teresa. Hoje você quer ir numa social no Flamengo. No final de semana você vai parar onde?! null, você odeia pagode. Você não suporta samba. Você já se recusou a ir comigo em uma loja em Copacabana porque acha o bairro velho.
null deu de ombros.
– E daí? Eu decidi explorar melhor o Rio e expandir meu gosto musical. E eu moro em Botafogo, tudo isso o que você citou não se faz tão diferente. – Ela encarou a amiga por cima, tentando sair pela tangente.
null não alterou sua expressão em nenhum centímetro e a sua amiga revirou os olhos, bufando completamente frustrada por sua falha em todas as tentativas.
– Ok. O nome dele é null.
A gargalhada em resposta fez null soltar uma careta enquanto abria a porta do carro, entrando e se sentando, e a amiga fez o mesmo do lado do passageiro.
– E por que não me falou sobre ele antes? Onde se conheceram? – null perguntou, colocando o cinto.
null mordeu o lábio, nervosa, e girou a chave do carro para ligá-lo após colocar seu cinto também, depois das duas terem jogado suas bolsas e materiais nos bancos de trás.
– Ele é... meio diferente dos outros caras com quem eu já saí. – null respondeu, tirando o carro da vaga. null a fitou, curiosa. – Tipo, ele é meio agitado demais, animado demais. Não sei explicar. Mas eu meio que... gosto disso, sabe? Gosto demais. É diferente, sei lá. Ele tem uma energia maluca, mas é gostosa. Ele é bem engraçado. Acho que você vai gostar dele. Tenho certeza, na verdade.
null riu.
– Eu gostando de algum cara que você sai? Seria a primeira vez.
null a acompanhou, rindo.
– Eu sei, mas eu tava falando sério quando disse que ele era diferente. Ele é todo engajado com várias causas sociais, participa de um monte de projetos, dá aula de dança para crianças de algumas comunidades... A gente se conheceu em uma intervenção artística que ele estava fazendo, acredita? Eu estava saindo da faculdade e ele e o grupo de dança estavam parados aqui na frente, e aí ele me tirou para dançar.
null arregalou os olhos, surpresa.
– O que? E você foi?!
– Claro que não. Eu achei que ele fosse me assaltar, então eu bati nele com a minha bolsa e ameacei chamar a polícia se ele não me soltasse. Mas depois ele começou a rir e me explicou que era um projeto, uma dança, e aí ficou insistindo tanto que eu acabei cedendo.
– Tão fácil assim? – null perguntou, confusa.
A amiga suspirou, mantendo os olhos atentos na avenida que estava entrando.
– É que aí eu percebi que ele era gato pra caralho. – As duas riram. – No final, ele pediu meu número e eu, em um ato de loucura, dei. Estamos saindo há três semanas. Ontem ele me chamou pra conhecer os amigos dele nessa social e eu não queria ir sozinha. Os caras são todos desse jeitão engajado, sabe? Metidos com causas políticas, ativismo, participam das ONGs lá naquele Morro do Sol, essas questões aí, e eu não queria me sentir deslocada. O null meio que já me conhece, né, e eu sei lá como que a gente tá dando certo, mas... por favor, null... – null olhou rapidamente para a amiga com um bico pidão.
null estava pronta para retrucar quando algo passou por sua mente. Uma coisa em específico da fala de null tinha chamado sua atenção. Ela continuou olhando para frente quando perguntou:
– Você sabe o sobrenome desse null?
null franziu o cenho.
– null, mas ele não é de nenhuma família conhecida, amiga, ou do nosso meio, então eu não acho que você o conheça.
null assentiu.
– De qual faculdade você disse que ele e os amigos eram mesmo?
– Acho que eu não disse, mas eles são da UFRJ, mas só o null faz dança. Acho que os outros dois melhores amigos dele fazem outras coisas, um faz ciências sociais e o outro faz história, algo assim. Um chama null ou Gustavo e o outro null.
null ficou em silêncio e null riu, interpretando o ar pensativo da amiga.
– Eu sei que parece horrível, mas-
– Eu vou. – null declarou.
null abriu um sorriso gigante, parando em um farol vermelho.
– Jura?!
null se virou para ela, sorrindo.
– E perder a oportunidade de conhecer o primeiro cara que você sai e que não é um estudante de medicina chato e engomadinho? Nem pensar.
– Passo para te pegar às dez!
null riu baixinho, virando-se para fitar a cidade pela janela do carro enquanto tentava organizar seus pensamentos. Se ela estivesse certa... Bom, saberia dentro de algumas horas.
– Quantos anos você disse que o null tinha? – null perguntou parada na calçada ao lado de null após ela ter enviado uma mensagem para o garoto, tentando não rir ao observar a casa de paredes coloridas, cercada por um muro baixo e vazado, que permitia ver os enfeites de luzes de Natal coloridas no jardim, uma piscina de plástico e um escorregador de brinquedo, todos tomados por algumas pessoas, que brincavam e riam, bêbadas. – Ou você esqueceu de dizer que ele tem um filho?
null deu de ombros.
– Eu avisei que ele era diferente. Mas, em minha defesa, ele mora com os amigos.
null riu, balançando a cabeça, e ia fazer mais um comentário quando um rapaz alto e esguio, com um sorriso maior do que seu rosto, saiu pelo portão aberto.
– Oi, null! – Ele exclamou, alegre, e puxou a garota para um abraço. – Porra, eu tô tão feliz que você veio! – E deu um selinho em null, que ficou vermelha na hora, mas sorriu de volta. null sorriu, gostando da energia e da espontaneidade dele logo de primeira e, principalmente, da forma como null ficou com uma cara de boba ao seu lado.
– Oi, null. – Ela deu uma risadinha constrangida, ainda sem saber lidar totalmente com o jeito do rapaz. – Eu disse que viria, e eu avisei que iria trazer a minha amiga. null, esse é o null. null, essa é a null.
null deu um passo para o lado, para que null entrasse no campo de visão de null, e assim que null colocou os olhos na garota, ele arregalou os olhos e soltou um gritinho.
– Caralho, mané!
null o encarou, confusa, e null continuou fitando o garoto, sorrindo fechado.
– Algum problema, null? – null perguntou.
null balançou a cabeça rapidamente, se recuperando.
– Não, pô, claro que não. Viajei total aqui, morena, foi mal. – Ele riu, esganiçado, e se aproximou de null, estendendo a mão. – E aí, null, beleza? Prazer.
null sorriu e apertou a mão dele.
– O prazer é meu, null. Espero não estar incomodando. Ah, a gente trouxe algumas bebidas. – Ela estendeu uma sacola com algumas garrafas, sorrindo.
null riu alto e estridente mais uma vez. Ele passou uma mão pela testa, limpando o suor gelado que não tinha percebido que estava acumulado na área, e pegou a sacola com a mão livre.
– Que isso, tá maluca? Seja bem-vinda, e não precisavam se incomodar. Vem, vamos entrar. Os meninos estão lá dentro. – Ele deu espaço para as duas entrarem e ele as acompanhou até a entrada da casa, passando pelo jardim. – Nossa, que loucura...
– O que? – null perguntou, se virando para ele.
– Hã? Não, nada, tipo, nossa, que loucura, porra, você aqui em casa, morena, porra, sabe, eu tava querendo tanto te trazer aqui e... – suspirou, antes de voltar a falar sem vírgulas: – Não reparem na bagunça, tá? Eu moro com os meninos e a gente até que é bem limpinho e organizado, eu juro, mas quando rola festinha a gente perde o controle total da situação, é foda, amanhã eu passo o dia inteiro chorando. – Eles entraram na sala, sendo recebidos por uma música alta e mais algumas pessoas conversando, e outras poucas dançando. – Vamos colocar isso na cozinha! – pegou null pela mão e null seguiu os dois por um corredor, reparando que a casa até era grande e bonita.
Quando eles chegaram na cozinha, onde algumas pessoas estavam, null deixou a sacola com as bebidas que elas trouxeram em cima do balcão e coçou a nuca.
– Hm... – limpou a garganta, chamando a atenção de dois rapazes que estavam encostados na pia, bebendo cerveja e conversando. – null, null, essa daqui é a null, que eu queria apresentar pra vocês – abriu um sorriso, abraçando null por trás e dando um beijo na bochecha dela, a deixando novamente constrangida.
– Oi, gente... – Ela respondeu, um pouco tímida.
– Nossa, finalmente, eu tava achando que o null tinha inventado você. – O rapaz que tinha sido apontado como null brincou, sorrindo.
– O que não seria uma surpresa, mas é muito bom saber que você existe de verdade. – O outro, null, completou, rindo. – Era um tal de morena pra lá, morena pra cá...
null revirou os olhos e null riu, um pouquinho mais relaxada.
– Calem a boca.
– Aceita uma bebida, null? – null perguntou, sorrindo fofo com seus óculos de grau.
– Ah, eu aceito sim, muito obrigada. – null sorriu, agradecida. – Você também quer, null? – null se virou para a amiga, que até o momento estava quieta e calada atrás dela.
– Eu aceito, obrigada. – Ela respondeu, se movendo um pouco para o lado e sorrindo, fitando, pela primeira vez, os outros dois rapazes na cozinha.
null e null pararam de sorrir.
null suspirou e coçou a nuca mais uma vez.
– Essa é a null, amiga da null.
null soltou uma risada seca, sem humor algum.
– null? – Ele repetiu, irônico.
– Desculpa, nós já nos conhecemos? – null questionou, suave.
– null... – null começou, pesaroso.
– Porra, null, fala sério! – null ignorou null e jogou as mãos para o alto, exasperado, e null arregalou os olhos, assustada com a reação. null fitou o garoto com a boca fechada em uma linha, sem demonstrar qualquer coisa, enquanto null continuava perturbado e null tentava acalmar o amigo. – Isso é uma brincadeira?
– Calma, cara, não é hora pra isso, depois a gente conversa e...
– Esquece. – Ele largou a garrafa de cerveja na pia. – Tô fora. Foi mal, null, outro dia a gente conversa melhor, quando o ambiente estiver mais bem frequentado, mas fica à vontade, qualquer coisa pode pedir pro null. – null passou pelo grupo para sair da cozinha, esbarrando o ombro com certa força contra null, a fazendo cambalear um pouco para trás, mas null a segurou rapidamente.
– O que foi isso?! – null perguntou, assustada, encarando null.
– Você está bem? – null perguntou para null, ainda a segurando pelo braço com cuidado.
– Estou, obrigada. – Ela respondeu com um sorriso mínimo. – Só um pouco confusa.
– Você é null null, filha do deputado Carlos null. – null começou, suspirando, e se encostou no balcão. null o encarou, confusa, e null continuava inexpressiva. – Nós fazemos parte de uma ONG lá no Morro do Sol e... bom, o null é um dos principais ativistas de algumas causas... – Ele fez uma careta. Não adiantava esconder aquilo. – Ele não é lá muito fã do seu pai, sabe.
– Isso não é justo, a null não é ele para ele reagir dessa forma e-
– Tá tudo bem, null. – null cortou a amiga, suave. – Eu entendo.
null fez uma expressão confusa.
– Entende?
null deu de ombros.
– Ninguém é obrigado a gostar dele. Eu só acho que ele poderia ter sido um pouco mais educado, mas eu ainda entendo.
– É claro que ele poderia ter sido mais educado, até porque as acusações contra seu pai nem foram provadas nem nada... – null começou, baixinho, e null abaixou a cabeça, incomodada, mas percebeu a troca de olhares entre null e null.
– A gente trabalha no Morro do Sol há alguns anos e... – null começou, mas desistiu depois que null lançou outro olhar para ele. – Bom, não importa. – Ele sorriu mais uma vez de forma agradável. – null, eu espero que você fique e se sinta à vontade. Peço desculpas pelo null, ele é um pouco mais... intenso, e não sabe se controlar algumas vezes. Toma, aqui. – Ele abriu a geladeira e pegou uma cerveja para ela, a entregando com um sorriso fofo.
– Muito obrigada, null. E não se preocupe, eu não ligo. – Ela aceitou a cerveja, sorrindo, e ele ajeitou os óculos no rosto. – A casa de vocês é muito bonita. Adorei as luzes lá fora.
null abriu um sorriso, parecendo aliviado, e voltou a abraçar null, que também parecia um pouco mais calma agora.
– Porra, maneirão, né? Eu mesmo coloquei. Tem lá fora também! Quer ver? Vem, vou te mostrar! – Ele não esperou pela resposta dela e puxou null pela mão, fazendo com que null os seguisse e null fosse atrás, rindo.
O quintal era uma área verde não muito grande, mas muito bonita e também cheia de luzes de Natal. Tinha uma churrasqueira e mais algumas pessoas sentadas em algumas cadeiras de praia e null os levou até algumas que estavam vazias, onde eles se sentaram em uma rodinha. Ao lado deles, um grupinho dançava funk enquanto comia coxinha, animados, e null sorriu, gostando do clima.
– O null comentou comigo que vocês se conheceram dançando na rua. Você também dança, null? – null perguntou, sorrindo, e null ficou vermelha.
– Hm, não. – Ela riu. – Na verdade ele estava dançando e eu tava passando na hora mesmo... Ele meio que apareceu do nada e me puxou pra dançar. – Todos riram e null se inclinou para dar um beijo na bochecha dela, sorrindo. – Eu faço medicina.
– Isso é muito a cara dele. – null comentou, rindo.
– Como é que eu ia ver a morena dos meus sonhos dando sopa na minha frente e não fazer nada?! Eu pensei “nem fodendo, irmão, vô lá jogar meu charme pra ela agora”, e aí pimba, conquistei a morena. – Ele falou, marrento.
null revirou os olhos, mas riu, abobalhada, e null não pôde deixar de se impressionar. Meu Deus. Aquilo era realmente inacreditável.
Até o momento, null só tinha se envolvido com playboys bastante insuportáveis para o gosto de null, que só sabiam falar sobre dinheiro, viagens e carros. Mas null era o completo oposto disso. Ele era engraçado, espontâneo e aberto. E era óbvio que gostava de null e que aquilo era recíproco. null esperava, de verdade, que aquilo entre os dois evoluísse. Ele parecia ser uma boa pessoa.
– E você, null, faz o que?
null saiu de seus pensamentos e se virou para null.
– Eu faço direito.
– Já sei quem vai tirar a gente da cadeia na primeira merda. – null brincou e todos riram.
– Podem me ligar, mas não garanto nada. Eu tinha começado ciências sociais, mas parei no segundo semestre, então também tenho uma veia meio rebelde. Talvez eu esteja na cadeia junto com vocês. – Ela brincou de volta.
– Não brinca?! O null faz ciências sociais! Ei, null, você sabia que-
null gritou, empolgado, vendo null pela janela da cozinha, mas parou assim que percebeu o que estava fazendo. O olhar do grupo pesou sobre ele e suas bochechas ficaram vermelhas. null o encarou emburrado pela janela, esperando.
– E-eu... – null gaguejou, entrando em pânico interno, e null bufou, se levantando de supetão e indo até a cozinha.
– Você vai ser minimamente educado pelo meu bem, cara. – Ele falou para null, a expressão séria.
null revirou os olhos.
– Não acredito que você convidou essa mina.
– Eu convidei a minha morena, a outra pode ficar pra você se você quiser. – null zombou.
null o fuzilou com o olhar.
– Não tem graça, caralho.
– Não tem, mas também não tem graça nenhuma você destratar a mina desse jeito de graça, porra. E ainda na frente da minha morena?! Tu quer me ver sem pau, maluco?!
– Quem sabe assim você aprende.
– Aprende o que, porra? Tu acha que eu sabia que a amiga dela era a filha do deputado? Cê acha que eu sou doidão assim irmão?! Eu também me caguei todinho nas calças quando vi a mina lá fora. Mas já foi. E, porra, na verdade ela tá sendo até que bem legal. Não parece ser nada escrota até agora.
– Foda-se.
– Qual é, null. Ela até falou que fez ciências sociais por um tempinho, olha só que legal.
– Deve ter desistido depois que percebeu que teria que encostar em pobre.
– null.
– A mina tem mó cara de quem bota o yorkshire pra morder canela de pobre, null.
– Caralho irmão, você também é foda heim. Não dá uma chance!
– Pra filha do deputado? null, o que você fumou hoje? – null perguntou, indignado.
– Ela não é o pai dela, porra. Faz isso por mim, por favor. – Ele insistiu, suspirando. – Sério. Eu... realmente gosto da null, de verdade. Eu quero muito que ela goste de vocês também. Você é meu melhor amigo, null, e desse jeito não vai dar certo. Eu preciso que dê certo... Por favor.
null fitou os olhos de null por alguns segundos, percebendo que o amigo falava sério. Merda. Ele respirou fundo.
– Se ela abrir a boca pra-
– Eu te amo! – null estalou um beijo na bochecha dele e abriu um sorrisão, o arrastando pela mão logo em seguida em direção ao local onde o grupinho ainda estava sentado no quintal.
– E aí galera, trouxe um presente! – null jogou null em uma das cadeiras, ao lado de null, e se sentou ao lado de null novamente.
null fitou null e, se um olhar pudesse matar, a missa de sétimo dia da garota já estaria marcada.
Presente... Uhum, um cavalo de Tróia, pensou null, respirando fundo enquanto encarava null de volta.
– Então... – null recomeçou, os olhos arregalados, tentando retomar o assunto. – Er... null, a null também fez ciências sociais.
– Legal. – Ele respondeu, dando um gole em sua bebida.
null o fuzilou com o olhar. null revirou os olhos.
– E por que decidiu sair? – null perguntou com zero interesse e null só percebeu que a pergunta era para ela porque sentiu os olhares surpresos sobre si.
– Porque achei que eu poderia fazer mais se eu estivesse do outro lado, então fui pro direito. – null respondeu, dando de ombros.
– Hm. – Ele murmurou, desinteressado.
– E o que você quer fazer, null? – null perguntou, parecendo verdadeiramente curioso.
null abriu um sorrisinho para o garoto, se ajeitando na cadeira.
– Eu quero continuar o projeto da minha mãe, ela-
– Torrar o dinheiro público que o seu pai ganha com roupas e sapatos?
null se virou para null, sentindo o sangue ferver pela primeira vez na noite, o encontrando fitando-a com as sobrancelhas erguidas ironicamente.
– Minha mãe era juíza e criou um projeto que cuida de casos de mulheres em situação de vulnerabilidade e que não podem bancar pelos seus processos. São algumas advogadas que se voluntariam para pro bono para cuidar dos casos de mulheres que acabam caindo em diversas situações, desde violência doméstica até envolvimento com tráfico de drogas. Elas evitam que os processos caiam nas mãos da defensoria pública. Elas também revisam os casos de algumas detentas e buscam melhorias nas condições de vida dentro das penitenciárias. Esse é o projeto dela.
null sustentou o olhar dele, olhando-o friamente, e ele não se abalou.
– Isso é... Uau. – null falou, impressionado.
– Eu não esperava por isso. – null, um poço de sinceridade, disse, rindo. – Mas achei lindo. Eu tenho uma amiga que-
– Desde quando Michelle null é juíza e uma alma tão benevolente assim? Que eu saiba, a única coisa que ela faz é aparecer nos noticiários usando aviões oficiais para viagens particulares e no dia seguinte subindo alguma favela para limpar a barra. – null desdenhou, rindo seco.
– Michelle não é minha mãe, é minha madrasta. – null cortou, fria, e sentiu o último pingo de sua paciência ir pelo ralo. – Você age como se me conhecesse, mas não sabe nada sobre mim. Pare de me julgar.
null estreitou o olhar.
– Como se tivesse muita coisa debaixo dessas roupas de grife.
null arqueou as sobrancelhas.
– Já está me imaginando sem roupas?
null piscou sobressaltado, pego desprevenido. null, null e null, que estavam acompanhando o embate tensos em seus lugares, explodiram em gargalhadas. null os acompanhou, mais especificamente rindo da cara perdida de null.
– Irmão, deixa de ser mané, vai lá buscar mais bebida pra gente. – null falou, dando um tapa na nuca de null, ainda rindo.
null se levantou em silêncio, ainda meio perdido, e seguiu para a cozinha.
null riu das piadas que os garotos começaram a fazer, o clima voltando a ficar instantaneamente mais leve, mas se deixou perder em seus pensamentos por alguns segundos.
Então... aquele era null. null null. O nome que ela vira tantas vezes nas suas pesquisas depois daquele dia em que escutou a conversa de seu pai com o policial em sua casa. null null, 23 anos, estudante de ciências sociais, ativista e um dos principais membros da ONG do Morro do Sol que seu pai ajudava – ou, pelo menos, ela sempre acreditou ajudar. A ONG que o havia denunciado. A ONG que, segundo a conversa que ela tinha escutado, havia abrigado, sem saber, provas contra seu pai durante anos. E ela sabia que null estava diretamente envolvido na denúncia.
E foi por isso que ela aceitou o convite de null para essa social.
Depois de ouvir a conversa de seu pai, null se pegou pensando “e se” tudo aquilo fosse verdade? E se seu pai realmente estivesse envolvido em alguma coisa ilegal? Ela acreditou cegamente na inocência de seu pai durante todo esse tempo, mas agora aquela pulga atrás de sua orelha não permitiria que ela não fizesse nada.
Então, resolveu procurar por alguma coisa. Qualquer coisa. E decidiu começar pela ONG. A ONG Morro do Sol ajudava as crianças da comunidade em questões culturais e sociais, disso ela já sabia, mesmo não conhecendo diretamente o local, mas ela queria saber quem eram as pessoas que haviam denunciado seu pai – e ela também só obteve conhecimento da origem da denúncia aquele dia, o que foi uma surpresa, já que seu pai ajudava o local há anos.
Revirando os arquivos recentes do pai sobre a ONG, ela chegou até os principais membros. Alguns mais velhos, outros mais novos. Mas alguns nomes se destacaram. Entre eles, null null. Ela não sabia o que ele representava exatamente, mas o nome dele estava sempre entre os mais citados. Ela também viu os nomes de null null e null null, assim como as fichas completas dos dois.
Quando null citou o trabalho de null em uma ONG no local e seu sobrenome, null teve um estalo. Era muita coincidência. Mas... curiosa demais para seu próprio bem.
Então, lá estava ela. Querendo conhecer as pessoas que denunciaram seu pai. Sentindo-se bem na presença de – quase – todos eles. Querendo entender o máximo que podia sobre aquelas pessoas.
Mas, principalmente, sobre aquele que tanto a desprezava e que tinha seu nome em destaque em todos os arquivos: null null.
E ele estava voltando para o quintal, tentando equilibrar nos braços garrafas de cerveja e um prato cheio de salgadinhos.
null se levantou para ajudá-lo, pegando o prato e duas garrafas.
– Trouxe comida. – Ele murmurou, enfezado, se jogando na cadeira e colocando as garrafas em cima da mesinha no meio deles.
– Ótimo, assim evita que você vomite em cima de mim e depois dê a desculpa de que deu PT. – null alfinetou.
– Não sabia que você podia dizer PT sem falar que o comunismo vai acabar com o país. – null devolveu.
null gargalhou, muito surpresa com a piada.
– Meu Deus, não acredito que você tem senso de humor.
Todos riram e null não evitou uma risadinha baixa, mas logo voltou a fechar a cara, enfiando uma coxinha na boca.
Sem olhar para null, ele estendeu uma cerveja para a garota, que o olhou, curiosa. Ele não a fitou de volta, mas continuou com o braço erguido até que ela aceitasse a bebida, rindo baixo.
Duas horas depois, null já estava no colo de null, os dois rindo tanto de uma história que null contava, que null se perguntava como que a cadeira de praia não tinha fechado com os dois. O clima na roda tinha mudado consideravelmente. Era como se um acordo de paz silencioso tivesse sido instaurado. O assunto proibido não havia sido tocado mais; em compensação, todos estavam com dor de barriga de tanto rir das histórias que cada um deles contava.
– Juro por Deus, quando eu cheguei no poste, só tinha o guidom da bicicleta preso no cadeado, tinham levado todo o resto. – null falou e todos eles voltaram a rir.
– Puta que pariu. – null se curvou pra frente, meio tonta, fazendo a cadeira tremer e null precisar segurá-la mais firmemente pela cintura.
– Tu tinha que ver, morena, o coitado chegou aqui só com a buzininha, triste pra caralho.
– Ei, null! – Um cara chamou, se aproximando do grupo. – A gente tá indo, o pessoal lá do Pedrinho também já foi e acho que a Fabi e as meninas também tão indo. Valeu aí pela festa, qualquer coisa é só chamar.
– Valeu por ter colado, Caio. Vai na paz, só encosta o portão fazendo o favor. – Ele fez um toque de mãos com o rapaz e o mesmo deu tchau para o resto do grupo com um aceno, depois sumiu pela porta da cozinha. Dentro da casa, alguém diminuiu o volume da música, e agora ela estava muito mais agradável e suave.
– E aí null, bola aquele bom pra família. – null falou sorrindo, e null riu, buscando algo nos bolsos de sua bermuda. Ele deu um beijo na bochecha de null. – Você fuma, morena?
null sorriu, enquanto null puxava uma seda.
– Eu sabia que você era minha alma gêmea, moreno. – Ela o puxou para um beijo.
null riu, balançando a cabeça em negação.
– E você, senhorita não-me-julgue?
Ela virou a cabeça para null.
– Eu o que? – Ela brincou e ele revirou os olhos. – Não. Quer dizer, nunca fumei. – Ela deu de ombros.
– Claro, meio difícil encontrar um beck dentro de algum dos livros que você passa horas trancada no quarto estudando. – null falou, desagarrando da boca de null. – A null tá aqui por um milagre divino.
null revirou os olhos, sentindo as bochechas esquentarem um pouco.
– Você não pode me culpar por estudar, null. – Ela murmurou, fitando o céu estrelado.
– É só fazer igual ao nosso gênio aqui. – null estendeu um braço para bater nas costas de null, que quase derrubou sua obra cair e o fitou meio bravo. – Ele dá uma puxadinha para estudar. Aquece os neurônios.
null riu.
– Vou me lembrar dessa dica na próxima vez, obrigada. – Ela sorriu, divertida, observando com curiosidade null finalizar seu trabalho.
Pegando um isqueiro, ele acendeu a ponta do cigarro e tragou profundamente, fechando os olhos por alguns segundos, e depois soltou a fumaça. Ele passou o cigarro para null, que repetiu o processo, e depois para null, que também o fez e depois o entregou para null.
null os observou em silêncio, sem se sentir incomodada, mas também não se sentindo totalmente confortável. Ela não se sentia pressionada a experimentar nada, nem influenciada, mas algo nas expressões deles a estava deixando curiosa.
Parecia bom. Parecia que eles estavam mais leves. E null estava tão tensa nos últimos dias... Ela agitou as pernas, a ansiedade tomando conta de si.
Quando null soltou a fumaça, ele fitou null com curiosidade, estendendo o cigarro em sua direção.
– Caso você queira chegar em casa hoje e ler o Vade Mecum.
null riu, mordendo o lábio e encarando o cigarro na mão dele. Respirando fundo, ela o pegou de sua mão.
– Como...? – Ela começou, um pouco confusa.
null riu.
– É o famoso acende, puxa, prende, passa. Não tem erro. É só não puxar muito logo de cara. – Ele explicou, sorrindo.
Ela assentiu, um pouco confusa, e levou o cigarro até os lábios, puxando um pouco receosa. null sentiu a fumaça invadir seus pulmões e a segurou ali por alguns instantes, a soltando quando null assentiu com a cabeça, fazendo um biquinho para deixar a fumaça escapar.
– E ela nem tossiu! – null comemorou, rindo, e null passou o cigarro para null.
– Da primeira vez que eu fumei, achei que fosse tossir meus pulmões para fora. – Ele comentou, sorrindo. – Eu lembro que... Espera. – Ele puxou seu celular do bolso e o desbloqueou. – Porra. Alguém levou a minha bicicleta pra casa. De novo! Eu não acredito nisso... Eu vou resolver isso, com licença. – Ele se levantou, apressado, e entregou o cigarro para null.
null riu e assentiu, sem saber muito bem o que dizer, mas começando a sentir sua cabeça um pouquinho mais aérea. Ela franziu um pouco o cenho, absorvendo a sensação, e então sorriu mais um pouco, percebendo que gostava dela e de como seu corpo parecia mais relaxado. Ao seu lado, null riu.
– É bom, não é? – Ele comentou, a observando.
– Uhum. – Ela murmurou, fechando um pouco os olhos, e ele riu novamente.
– Eu sabia que você ia gostar, sua sonsa. – null brincou e ela abriu os olhos para rir.
– Ei, vem aqui. – null puxou o rosto de null delicadamente e, com a outra mão, deu uma tragada no cigarro. Ele segurou a fumaça em sua boca e se aproximou da garota, colando sua boca na dela e passando a fumaça para ela. null riu baixinho contra ele e o agarrou pelo pescoço, se soltando brevemente para eles se livrarem da fumaça, e então eles voltaram a se beijar com fervor, como se estivessem sozinhos. Definitivamente, aquela era a cadeira mais resistente do mundo.
null arqueou as sobrancelhas no mesmo instante em que null virou o rosto para sussurrar alguma coisa no ouvido de null que riu, concordando, e os dois se levantaram e simplesmente saíram para dentro da casa, apenas deixando o beck com null antes.
null e null se olharam em silêncio.
– Eles foram... – null começou.
– Foram. – null completou.
– Ok.
Ele riu e tragou mais uma vez.
– Eu nunca vi o null tão bocó desse jeito.
– Digo mesmo pela null. Ainda mais por um cara como ele.
null revirou os olhos.
– Você quer dizer pobre.
Ela bufou.
– Eu quero dizer legal, seu idiota. Pela primeira vez, ela tá saindo com alguém que sabe conversar, que é engraçado de verdade, que não tá interessado em dinheiro, em status, em nada disso. E ele ainda tem personalidade. Gostei dele.
null riu nasalado, irônico.
– Você fala como se não tivesse acostumada com tudo isso. Com o lance do dinheiro, status, essas merdas.
– Não quer dizer que eu goste. – Ela pegou o beck da mão dele, tragando mais uma vez sem olhá-lo, mas pôde sentir que ele a encarava.
– E do que você gosta?
null virou o rosto para encará-lo, prendendo o olhar dele enquanto mordia o lábio, pensando.
– Não sei ainda. – Ela respondeu, honestamente. – Mas sei do que eu não gosto. E eu não gosto disso. Não gosto de todo esse mundo que gira em torno de dinheiro, de posição social, de mentiras, de corrupção... Eu odeio isso. – Ela desviou o olhar, fitando o nada em sua frente. – Por isso que eu quero fazer algo diferente. Quero ser diferente. Mas parece que é muito difícil ser assim ou ao menos fazer as pessoas acreditarem que eu possa ser assim.
null ficou em silêncio, refletindo. Seria possível que ele tivesse mesmo julgado mal aquela garota? A fruta poderia cair longe da árvore? Porra, o pai dela... Ele respirou fundo, passando as mãos pelos cabelos.
– Acho que nós somos quem nós escolhemos ser. – Ele disse, por fim. Era o que ele acreditava, afinal.
null virou o rosto para ele mais uma vez, tentando encontrar alguma ironia em seu olhar, mas percebeu que ele falava sério. Ela sorriu. Ele sorriu de volta.
– Então... Ciências sociais, hm? Acho que temos algumas coisas em comum. – Ela brincou, o fazendo dar uma risadinha baixa. – Por que escolheu esse curso? – Ela perguntou, genuinamente interessada, e ele riu antes de responder.
Ela queria saber quem era null null. Não somente o cara que tentava colocar seu pai na cadeia, mas também o cara que estava ali com ela naquela noite.
Mais uma hora havia se passado e null já estava um pouco aflita.
– Eu vou matar a null.
null riu.
– Eu não acho que ela vá descer tão cedo, pra ser sincero. O null tem fama de ser bem criativo e... – Ele riu com a careta que ela fez.
– Sem detalhes, por favor. – null respirou fundo, olhando a hora em seu celular e vendo que aquele era seu limite. – Eu vou pedir um carro. Eu tenho curso amanhã cedo e se eu chegar muito tarde eu não vou conseguir dormir. Você avisa a null, por favor?
null franziu o cenho.
– Não acho uma boa ideia pedir um carro nessa hora sozinha. Não é seguro.
null quase chorou.
– Eu sei disso! – Ela fez um bico. – Mas não tem outro jeito, vai dar tudo certo. Eu vou compartilhar minha localização com outra amiga e-
– Eu te levo.
null levantou o olhar pra ele, surpresa.
– O que?
null deu de ombros.
– Eu te levo. É mais seguro do que pegar um carro com algum desconhecido agora.
null riu, desacreditada.
– null, eu moro na Barra. – Ela frisou.
Ele arqueou as sobrancelhas.
– Eu já entendi que você é rica.
Ela revirou os olhos.
– Eu quis dizer que é do outro lado da cidade, babaca. Olha a hora. Não precisa se dar o trabalho, realmente não tem necessidade.
– Eu não vou deixar você pegar um carro sozinha agora.
null sorriu.
– Pensei que não gostasse de mim.
– Não quer dizer que eu queira te ver morta.
Ela riu, balançando a cabeça e pronta para retrucar, mas ele a puxou pela mão.
– Vamos, eu tô falando sério. – Ele a arrastou até a cozinha sem delicadeza alguma, enquanto ela protestava. – Eu tô aqui tentando fazer algo legal.
– Arrancar o meu braço?! – Ela esganiçou, rindo, e ele a soltou, rindo junto com ela. Ele parou no rack da sala para pegar as chaves do carro e seguiu para fora, com ela atrás de si.
Os dois saíram para a rua, onde o carro estava estacionado por coincidência logo atrás do de null. Ele entrou no banco do motorista e ela no do passageiro. null sorriu com o perfume cítrico do automóvel, pensando brevemente que combinava com a personalidade do garoto.
– Você está sóbrio o suficiente para dirigir? – Ela perguntou, colocando o cinto.
– Eu jamais teria sugerido isso se não estivesse. – Ele respondeu, sério, e ela assentiu. Assim que ele ligou o carro, o rádio também ligou, e o CD que estava tocando da última vez começou a tocar de onde havia parado.
null sorriu, reconhecendo a música.
– Coldplay é uma das minhas bandas favoritas. – Ela comentou.
null a fitou de soslaio, dirigindo pela rua calma.
– Minha também. Eu fui no último show que teve.
– Sério? Eu também fui! Eu fui sozinha, não conhecia ninguém que gostasse, mas não queria deixar de ir. Foi meio deprimente, mas valeu a pena.
null riu.
– Se a gente se conhecesse, você pod-
Ele cortou a frase no meio, franzindo o cenho, e null riu.
– Ia me chamar para ir no show com você? – Ela provocou, o encarando, e ele revirou os olhos sem desviar a atenção da rua.
– Não, aí o meu show é que seria deprimente.
– Ouch. Você machuca meus sentimentos.
Ele riu, balançando a cabeça em negação, e null mordeu o lábio mais uma vez, virando seu olhar para a rua através da janela. Durante o caminho nenhum dos dois pronunciou mais nada, além do momento em que null a pediu que colocasse no GPS o endereço de sua casa. Ela o fez com certo receio, ainda pensando sobre todo o cenário e, se ele não era bem um grande fã do seu pai, na falta de sentido de ser ele levando-a embora.
Torceu, de cruzar os dedos em seu colo, para que seu pai não estivesse em casa. Mas, não confiando muito na sorte, notou o lugar em que estavam, então, pediu:
– Pode me deixar aqui.
– An? O que? – null a encarou, perdido. – É melhor. – null virou o rosto para ele, tentando fazer com que entendesse apenas com seu olhar.
E ele entendeu, para o alívio dela. Parou o carro devagar, encontrando o melhor ponto para a parada rápida, não querendo problemas com nenhum guarda de trânsito.
– Chegamos, então.
null virou o rosto para ele outra vez, sorrindo fraco. Tirou o cinto de segurança e torceu os lábios, sem saber muito bem como se despedir.
– Obrigada. – Por fim, escolheu a forma mais simples. – Vou ficar te devendo essa.
– Era isso que você diria ao taxista que ia te trazer? “Vou ficar te devendo essa”? – Ele riu.
Ela o encarou tentando entender o tom, completamente confusa.
– Você… Eu não sei se tenho dinheiro trocado. Qual seu pix? – Pegou o celular, desbloqueando-o.
– Ei… Eu estava brincando. – null a repreendeu. – Onde foi parar seu senso de humor?
– Ah… – null raciocinou. – Desculpa – Riu nasalado. – Então, é isso. Obrigada. – Repetiu, já abrindo a porta e pronta para sair.
– Espera… – Ele colocou a mão em cima do joelho dela, em um ato rápido. – Qual seu telefone? É pra ter certeza de que você vai chegar bem em casa.
– null, estamos praticamente dentro do meu condomínio.
– Mas ainda vai andar dois quarteirões sozinha, à noite. – Ele disse como se fosse óbvio. Vendo a feição de nada dela, suspirou. – Me dá o seu celular. Eu anoto o meu e você me avisa quando chegar.
null não retrucou, vendo que ele não iria sossegar.
Não demorou muito, a partir do momento em que desceu do carro de null e caminhou, para chegar em sua casa. Se sentiu mais aliviada por ver que tudo estava apagado, seu pai não era muito fã de que chegasse tão tarde em casa e ele tinha sido um pouco específico sobre a importância dela estar no café da manhã que, pelo relógio, seria dali a pouco mais de três horas – o deputado e a esposa iriam para uma reunião importante em Brasília e, a muito custo, ela tinha se esquivado, tendo como punição posar para uma foto familiar no café da manhã; coisas para manter a imagem que, desde que muitos pontos começaram a serem visto por outro ângulo por ela, passaram a não ter mais o mesmo sentido.
Era como se seu castelo de areia estivesse se desfazendo a cada onda que surgia.
E as ondas eram as peças daquele quebra-cabeça que começavam a se juntar como uma somatória de um mais um.
Ao alcançar o primeiro degrau da escada, null foi surpreendida pela luz da sala de estar sendo acesa. Seu coração palpitou e levou um tempo para que conseguisse girar sob os próprios calcanhares, ainda no primeiro degrau e segurando no corrimão, virar-se e encarar a figura do próprio pai. Quando o viu parado, manteve a postura, tentando não parecer amedrontada – e não era sobre ele a pegar chegando tarde; sua mudança de jeito com ele havia se dado pelas coisas que estavam começando a passar por seu conhecimento, as suspeitas a deixavam cada vez mais distante da figura que tinha do homem em sua frente na posição paterna e, também, de um servidor do público.
– O que combinamos sobre o horário, null? – O tom dele foi severo.
– D-desculpe. – Ela gaguejou, mesmo contra sua vontade. – Eu acabei perdendo null de vista e fiquei esperando ela voltar para não vir de táxi.
– Espero que a corrida tenha sido agradável. Embora você tenha descido a dois quarteirões daqui.
null engoliu a seco.
– E-eu-
– Eu não preciso dizer para você que desaprovo o que aconteceu hoje, preciso? – Ele deu alguns passos, chegando mais perto. – Não quero você chegando perto desse garoto outra vez, estou sendo claro?
Demorou um certo tempo para ela entender que, para seu pai estar falando assim, era porque havia sido seguida. null tinha um raciocínio lógico bem rápido, muito disso por conta do que estudava, mas naquele momento estava presa demais na própria confusão mental e no sentimento perante o seu teto de vidro que a cada dia estava se estilhaçando mais.
– Você sempre foi curiosa demais para seu próprio bem, então tenha cuidado. Sabe o que dizem sobre o gato morrer de curiosidade. – O tom de seu pai soou mais ameaçador do que autoritário, algo que ela nunca tinha vivido em seus mais de vinte anos.
Então null apenas assentiu.
– Tudo bem.
– Não precisa estar no café da manhã. Dessa vez a gente passa isso. – Ele sorriu simples, não dizendo mais nada, e então ela soube que poderia subir.
No fim, null acabou vendo o amanhecer enquanto encarava o contado de null salvo em seu celular.
“null 13”, era como ele tinha colocado.
null nunca foi de ter muitos amigos, ser cercada por pessoas e estar sempre indo para todos os cantos, assim como deve ser comum para universitários da sua idade. A única amiga que conseguiu ter e manter foi null, isso se dando pelo fato dela ser o tipo de pessoa que não se importa muito em ser seletiva – talvez fosse por isso que nunca tinha tido alguém à sua altura antes, pelo julgamento de null. Era como uma via de regra as pessoas entrarem e saírem da sua vida tão rápido quanto a luz devido ao meio em que estava inserida por conta de seu pai. E ela, na sua mais pura inocência, não conseguia entender por que eram sempre tão maldosos ao se tratar dele, do seu herói, seu porto seguro. Seu pai. Porém, a pulga crescente em sua orelha, a dizendo muitas coisas e nada ao mesmo tempo, não a deixava mais se blindar com aquela cegueira toda pela película da ignorância em que estava envolta desde que se entendia por gente.
Poderia simplesmente perguntar para alguém da sua família materna, mas não queria envolvê-los; há muito tempo aquele cordão havia sido cortado entre os dois lados e desde que sua mãe faleceu, seus avós mal sabiam dela. Poderia questionar Heleninha, mas a governanta não iria dizer nada que pudesse prejudicar seu trabalho. Poderia recorrer a tanta gente... Só que isso implicava em envolvimentos mais profundos em toda a situação e aquela situação estava soando como algo muito pessoal e individual: null tinha que descobrir por si só.
Um jogo de xadrez em que ela teria de descobrir o que estava vendo e o que estava escondendo de si sobre tudo o que alcançava a luxúria.
Se sentiu muito mal por usar dos convites de null como brecha para sua investigação pessoal, porém não tinha muito o que fazer e conforme a amiga foi lhe chamando para os encontros, se viu tentada a aceitar um em específico: conhecer a ONG, que foi um assunto pertinente nos últimos dias desde a noite que foram na casa de null. Por ser null sua única amiga, não seria estranho para o olhar alheio seu aceite repentino, afinal era apenas ela quem poderia a chamar para qualquer coisa e somente null conseguia a convencer de qualquer coisa; tanto que, ao chegarem e encontrarem o sorridente null na entrada da ONG, null conseguiu sair pela tangente.
– Eu devo confessar que não esperava ver você por aqui. – null, ao lado de null, disse. – Seja bem-vinda.
– Não tem o que a null não me convença a fazer. – Ela respondeu, sorrindo amarelo.
– Na verdade não tem o que a morena não convença qualquer um a fazer. – null deixou um beijo na testa de null, a abraçando de lado, com um dos braços em volta do ombro dela.
– Acho que é cedo demais para detalhes sórdidos, não acham?
– Qualé, null? Que ideia torta é essa, irmão? – null deu um peteleco no amigo, fazendo com que os óculos de null quase caíssem. – Mó mente maliciosa… que tristeza. – Chacoalhou a cabeça negativamente, enquanto null e null se encaravam, rindo fraco dos dois. – Vamo entrar logo.
Os quatro entraram, null indo na frente com null e logo atrás null acompanhando null. O primeiro ambiente era uma sala enorme, um pouco dentro da arquitetura tradicional das residências brasileiras: sala, cozinha, corredor para levar aos quartos e banheiros; null julgou que ali deveria ter sido a casa de alguém, fornecida com muito carinho para servir como matriz para a ONG.
E tinha muito resquício de que ali viviam crianças.
null explicou brevemente, pelo caminho até a enorme porta que dava para a zona externa dos fundos, sobre o funcionamento do local. Os quartos eram divididos entre salas de aula, atividades manuais e até mesmo um ou outro ficava disponível para abrigar as crianças que precisassem passar a noite.
– E aqui do lado de fora ficam as atividades físicas e também as festinhas, como no caso de hoje. Sábado é dia da criança. – null sorria, explicando. Eles estavam na varanda, parados. – null se empenhou hoje para fazermos um inimigo secreto. Já brincou disso no Natal?
null nunca tinha feito, sequer, um amigo secreto.
– A família dela segue a cartela de final de ano com ceia meia noite e presentes na manhã seguinte. – null se virou para eles, tendo o olhar de null sobre si. – É bem entediante.
Ela encarou a amiga, cética dela estar lançando aquela informação.
– Bom, pra tudo tem uma primeira vez! – null cortou o clima. – Você pode participar com a gente.
– Mas eu não trouxe nada. – null olhou para ele, decepcionada.
– Não precisa. Aqui são presentes feitos a mão. – null explicou, virando-se de lado.
null acompanhou o movimento dele, tendo em seu campo de vista o perfil de null, ao fundo, envolto por algumas crianças. Eram duas meninas e um menino, brigando pela atenção dele com folhas sulfite nas mãos.
– Ideia do null. Nós fazemos o presente, pode ser uma carta, um desenho, um origami… que seja. Depois, colocamos dentro da caixa ali na mesa e fazemos a dinâmica. Cada um tira um número e aí seguimos a ordem. Por exemplo: eu sou o número um, começo indo na caixa e pego um presente de lá, é aquele que vai ser o meu. Mas aí, você, que é o dois, pode tirar o presente de mim ou pegar da caixa… e assim sucessivamente. – Ela ia compreendendo a explicação, se sentindo entretida também com a imagem que tinha de null ao fundo. – O número um é o mais sortudo porque, quando acabam todos, ele é o último a escolher e pode pegar o presente de qualquer um.
– Mas eu não conheço ninguém aqui-
– É isso é o que vai deixar a brincadeira legal. – null reforçou seu tom convincente.
– Espera, mas o inimigo secreto é diferente esse é o-
– Sim, null. – Ele sorriu fraco para a observação da outra. – Mas a gente não quer colocar o amigo ladrão em pauta aqui, estamos tentando ensinar as crianças que roubar não é legal. Tem todo esse lance educativo.
– Ah…
– Então, o que me dizem? – null sorriu.
– Eu topo! – null abriu um sorriso maior.
null bateu palmas, saindo com null apressada e tagarelando o que gostaria de fazer. Mas null não saiu do lugar, continuou a observar tudo, todas as crianças e como estava nítido a forma que os responsáveis dali se esforçavam para manter o lugar o mais agradável possível.
Era um lugar simples, porém, que estava lhe trazendo muito conforto.
– E aí, já pensou o que quer fazer? Temos sulfite, temos papel machê e caixinhas para decorar, guaxe… – null a trouxe de volta para a realidade e ela o encarou.
– Faz tanto tempo que não faço nada além de trabalhos em ABNT e leituras de livros e mais livros, que tenho medo de te perguntar o que é papel machê e você me zoar.
null riu de uma forma que ela nunca esperava ver dele, por seu jeito aparentemente mais “intelectual”.
– Qual a graça aqui?
Sua espinha gelou ao ouvir a voz rouca atrás de si. null se virou alarmada, quase tropeçando nos próprios pés.
– Relaxa, não vou falar sobre seu segredo. – null sussurrou, ainda rindo. – E aí, null. – Cumprimentou o amigo, arrumando os óculos. – Eu vou levar a null para enfeitar pote de margarina com papel machê, quer vir junto?
null e null se encaravam em silêncio, uma troca de olhares mais expressiva do que uma conversa.
– Que bom que está bem. – Ele disse, finalmente. – Devo perguntar se o seu celular acabou a bateria durante uma semana?
null mordeu o lábio, nervosa. Ele estava a cobrando de avisar que havia chegado em casa.
null olhava os dois em completa confusão.
– Desculpa, eu perdi seu número. Acho que você não salvou direito. – Ela respondeu, por fim.
– Ah… – O terceiro ali disse. – Você tem iPhone, não é? O null não sabe lidar muito bem com o sistema operacional, com certeza deve ter feito errado. – Ele explicou, em tom divertido.
null assentiu devagar, repetidas vezes.
– É, deve ter sido isso. – Disse, simples. – Podem ir, eu vou ajudar Aparecida a rechear os pães.
Ele não esperou por respostas e passou pelo meio dos dois, indo em direção a parte interna da casa. null acompanhou null para as mesas em que estavam lidando com o tal papel machê e, depois de uma boa explicação do pequeno Bruno de nove anos, ela entendeu do que se tratava a mistura e o que fazia – não deixando de se sentir um peixe fora d’água por nunca ter tido contato com algo tão simples e comum.
– Tio null, eu tô com sede. – Bruno, na companhia dos dois naquela empreitada de enfeitar os potes de margarina, disse, manhoso.
– Acho que Aparecida já deve ter liberado o Guaraná. Você quer um, null? – null se levantou, batendo na própria roupa para limpar.
Ela ergueu o rosto para ele, assentindo, concentrada em terminar de secar seu papel machê para pintar. Quando null se afastou, novamente ela ouviu a voz de Bruno.
– Espero que a vovó Aparecida já tenha liberado o Guaraná. – Ele parecia esperançoso.
– Você é neto dela? – null deu continuidade a conversa, olhando para ele.
– Sim. Todos nós somos. – Bruno sorriu. – Menos o tio null, null e null, eles são filhos dela.
null ficou confusa.
– Ué, são meus tios. Para ser tio, tem que ser filho da vovó Cida. – Ele deu de ombros, pincelando o pincel em sua caixinha seca. – Você é namorada do tio null?
null o encarou sem saber responder.
– Não. Não. Somos apenas amigos. – Ela conseguiu proferir, colocando sua caixinha em cima da mesa e encarando os potes de tinta; precisava escolher um para quando estivesse todo seco.
– Do tio null, então? Ele falou que era para não sermos educados com você. – Bruno riu. – Normalmente ele pede o contrário. – O garoto confessou, sapeca.
– Não. Definitivamente não.
Os dois se olharam. null parecia desesperada para sair da conversa e, depois de alguns segundos se encarando, Bruno riu e ela o acompanhou.
– Você é legal, null.
– Você também, Bruno. – Ela sorriu genuína para ele.
Ele voltou a se concentrar na própria pintura até serem interrompidos por null. null não o encarou ou sequer disse algo, apenas o ouviu dizer para o menino que estava na hora do lanche e que deveria acompanhar os outros. E Bruno foi, rápido como a luz, apostando corrida com Angélica, a garotinha que não saía do lado de null.
– Você não quer comer também? Vai demorar mais um pouco para secar isso aí. – Ele tomou a atenção dela.
– Estou sem fome. – null sorriu simples, olhando para ele. – E ainda não decidi a cor que vou usar.
Em silêncio, null a observou por algum tempo até estender sua mão para ela, a vendo se virar, confusa.
– Vem, você vai gostar. – Pela primeira vez ela viu um sorriso sincero nos lábios dele. E demorou para que ela saísse da forma petrificada que estava.
– null! Vem comer! – null, gritando da varanda, foi a responsável por trazê-la de volta a realidade.
null aceitou a mão de null, levantando-se e limpando a própria roupa com batidinhas. Caminharam em silêncio até a varanda e, quando ela pisou no primeiro degrau, virou o rosto para o seu lado direito, vendo do outro lado do mundo o mesmo policial que nunca saía de sua casa. Ele estava falando com outro grupo, misturado entre policiais e homens que pareciam ser da comunidade. Seus pés travaram no degrau e seus olhos não miraram outra direção, nem mesmo quando o sargento a encarou de volta.
– Ei. – null tocou na mão dela, mirando a direção que ela estava encarando. – Você-
– O que eles estão fazendo? – null o questionou.
– Entra. – Ele a puxou para dentro da varanda. – Você não pode ficar encarando ninguém assim aqui, ok? Principalmente quando se trata de milicianos.
– Milicianos? – Ela repetiu, parecendo ter um bolo na garganta. – Eu conheço o sargento, ele-
null pausou a informação.
– Ele é um grande aliado do partido do seu pai, não é? – Ela não o respondeu. Certamente era uma retórica. – null, tem coisas que não saber acabam por fazer da nossa vida mais segura. – null deu um passo à frente, ficando mais próximo, ainda sem soltar sua mão. – Não conte a ninguém que esteve aqui, pelo seu bem e, principalmente, por eles. Aparecida e Márcio fizeram das tripas coração para erguer esse lugar aqui no meio da comunidade… É um castelo de vidro e essas crianças precisam desse mínimo que conseguimos fazer. Porque se o sistema não faz por eles, nós temos que ao menos tentar o que podemos.
Aí é que está o problema, null. Ela não teria como esconder de seu pai que esteve ali, mesmo ele estando em Brasília, distante. A essa altura do campeonato, null sabia que seus passos eram mais vigiados do que qualquer outra coisa e que, em menos de cinco minutos, seu pai, provavelmente, já estaria ciente sobre sua situação. E ela não poderia fazer nada.
– null, você vai querer jant-
null não terminou de ouvir o que Heleninha iria perguntar, subiu os degraus da escada com muita pressa.
Sua cabeça estava girando e ela só pensava fazer alguma coisa, qualquer coisa. Essa poderia ser a sua chance certeira de descobrir os segredos de seu pai, definindo, de uma vez por todas todo aquele mar de informações. Era a noite para brincar de quebra-cabeças.
A tarde na comunidade foi algo muito esclarecedor para null e ela só conseguia pensar em como tudo estava tão nítido em sua frente, enquanto seus olhos se mantiveram fechados, fazendo seu estômago revirar. Quanto dinheiro público seu pai tinha usado para financiar toda a milícia? E o quanto disso ela mesmo chegou a usar?
Ela pensava que estava tudo certo, numa vida pavimentada, mas, afinal, que diabos ela sabia de fato?
Seu conforto e o cartão com a conta do banco sempre cheia eram frutos de uma sujeira podre varrida embaixo de um extenso tapete.
Revirou o quarto que seu pai dividia com a madrasta até ter certeza de que não tinha nada ali. Então, obviamente, pensou sobre o cofre na sala dele. Se trancou lá, revirando gaveta por gaveta, livro por livro, até se lembrar do conjunto de números que compunham a senha. A data do casamento dele e de sua mãe. Respirando fundo, null abriu e encontrou um revólver, alguns dólares, a caixinha com o seu anel de formatura – coisa de família, que lhe seria entregue dali a pouco tempo – e um envelope com um pen drive.
Foi ligeira em sentar-se diante do laptop na mesa do escritório e conectá-lo ali para abrir o que quer que fosse o conteúdo. Para sua não surpresa, era protegido com uma senha. Pensou em todo o conjunto que seria possível, digitando até mesmo a senha usada no cofre, mas não teve sucesso. Ficou um tempo remoendo em sua mente o que poderia ser usado por seu pai como senha para algo que ele quisesse tanto esconder e se viu sem resposta; null notou, então, que não conhecia o homem que a colocou no mundo, porque eram tantos segredos camuflados que ela sequer estava conseguindo juntar um mais um com racionalidade. E desesperada por ter alguma coisa ali que pudesse lhe clarear 100% as ideias, revirou as gavetas da mesa.
Surpreendentemente, encontrou uma pasta com seu nome.
O aperto em seu peito foi esmagador quando a abriu e começou a folhear. Eram fotos suas em muitos lugares, incluindo na casa de null, na ONG e em diversos encontros com a melhor amiga. A foto que tinha ela saindo do carro de null alguns dias atrás era rasurada por um círculo em cima do rosto dele, borrado por estar escuro e dentro do veículo. Tinha em suas mãos um dossiê completo sobre seus passos dados, sendo a maioria quando estava com null – a contar também das imagens da melhor amiga com null. Em sua cabeça, só conseguia ouvir a voz de seu pai falando “queima de arquivo” repetidas vezes. Isso ela sabia bem o que era, não precisava ser expert. ou assistir muito filme.
Embaixo dessa pasta tinha um envelope pardo, cheio e pesado. Ela o puxou para fora da gaveta, abrindo-o rapidamente e encontrando inúmeros documentos com sua assinatura. Uma assinatura falsificada, porque ela não se lembrava de nenhum daqueles papéis de compra e venda, e muito menos de possuir todas aquelas contas no exterior.
No fim, as acusações contra ele eram reais, ela não precisava mais de tanto. Seu pai lavava dinheiro público e financiava milícias.
Sacou o celular do bolso de seu jeans, com as mãos trêmulas, e enviou uma mensagem SMS para a primeira pessoa que veio em sua cabeça: “Me encontre no Fasano, quarto 213. Agora!”. Juntou todos os materiais e os devolveu às gavetas; pela razão lógica, o que tivesse de errado e acusatório estaria ali, naquele pen drive protegido por senha. Pegou o objeto e seguiu para a garagem, indo até seu carro e arrancando com pressa. As ruas pareciam extensas, mas nada que superasse o trânsito da Avenida das Américas. Quando finalmente chegou ao hotel, teve sua chave liberada, sem muita demora como sempre – já era um tanto comum aquele mesmo quarto ser alugado para seus momentos de paz.
E também não esqueceu de deixar a entrada de seu convidado liberada.
Tanto que não se surpreendeu ao ouvir as duas batidas na porta enquanto andava de um lado para o outro dentro do quarto.
– Você demorou! – Disse exasperada, parando com as mãos na cintura.
– Eu estava em Mesquita. – null justificou, fechando a porta atrás de si. – Por que você me chamou? Isso foi… inusitado.
– Não sei, acho que você é a única pessoa que pode me ajudar. – Ela soltou o ar, demonstrando todo seu nervosismo. – Meu pai mente, null. Eu… Eu me sinto patética por não ter enxergado isso nunca. – null passou as mãos no rosto, nervosa. – As acusações contra ele nunca passaram a ter tanto sentido quanto agora.
– Certo, você precisa se acalmar e vamos conversar sobre isso desde o início, ok? – Ele se aproximou, a guiando para a cama.
null assentiu, aceitando o amparo dele. Se sentou na ponta da cama, respirando fundo.
– Há alguns dias eu ouvi meu pai conversar com aquele mesmo sargento que vi hoje na ONG... – Iniciou, olhando para ele e recebendo um aceno positivo para prosseguir. – Eles estavam falando algo sobre documentos escondidos no galpã-
– Da ONG. Sim. – Ele a cortou, vendo que ela estava um pouco confusa com a informação. – Já faz alguns meses que a mesma sala é fechada e somente o sargento e Fernandes entram lá. Você sabe que Fernandes é o diretor do Sol, não sabe?
null não sabia. Ela não fazia ideia de nada daquele núcleo, passou tantos anos submersa em seus estudos, acreditando em sua falsa realidade, que nem mesmo as inúmeras caras de seu pai ela conhecia.
– Bem... – null suspirou, tentando ser compreensivo, e se sentou ao lado dela. – Fernandes é o diretor da ONG, ele é como um santo para alguns lá dentro, mas faz um bom tempo que Aparecida e eu duvidamos de muitas coisas, principalmente depois do envolvimento do seu pai. De repente o Sol começou a ter mais itens, mais coisas. Então, a comunidade também começou a ter mais, mas não itens, e sim homens armados nas ruas. Tudo saiu de controle.
– O que...?
– E depois disso, Fernandes ficou mais diferente do que nunca. – Ele continuou. – A sala dele está sempre trancada, tem lugares na casa que não podemos entrar e sempre estamos rodeados de homens armados, as crianças têm outra visão de onde estão. Quando saiu o processo do seu pai por quebra de decoro e veio todo o restante junto, eu e os meninos passamos a entrar mais nas investigações individuais das milícias de outras comunidades até descobrir que tinha uma bem embaixo do nosso nariz.
– E quais são os nomes?
– Nós não temos provas concretas ou nomes certos. Até agora são suposições por tanta coincidência. E envolve o do seu pai. – O tom de null era diferente para null, sem todo o clima arisco entre os dois.
Em um silêncio esmagador, null sentiu seu corpo tremer. Tirou do bolso de sua calça o pen drive.
– Eu acho que aqui dentro tem todas as informações necessárias. – O encarou séria. – Meu pai tem um dossiê completo não só meu, mas de null e de vocês três também. É por isso que as dúvidas que eu já tinha, quando ouvi a conversa dele com o sargento, se intensificaram. Então eu encontrei no cofre dele, além de um revólver e dinheiro, esse pen drive. Está protegido com senha. Quem colocaria senha em um arquivo que já está dentro de um cofre seguro?
– Se você sabe a senha, não é seguro.
– Ele não sabe que eu sei. Se soubesse, já teria trocado. – null suspirou, colocando o objeto na mão de null. O calor do toque físico entre os dois a desconcertou. – E tem mais. Junto do dossiê, tinha um envelope com documentos assinados por mim. Mas eu não assinei nenhum deles, são assinaturas falsificadas. Se a casa cair para meu pai, ele vai me levar junto, null. – Ele pôde sentir o amargo da fala dela e o tom de decepção. – E eu não sabia de absolutamente nada.
null estava tentando convencer não só a si mesma de que tudo bem dentre toda aquela situação, já que não sabia de nada, mas também a ele. De alguma forma, ela queria que null acreditasse em sua palavra, acreditasse que ela não seria capaz de consentir com toda aquela malícia e fazer mal a qualquer um.
Olhando nos olhos dela, ele fechou a mão no pen drive, segurando a dela.
– Eu acredito. – Disse baixo. – O importante é que agora você sabe. O que fará com isso é o que vale a partir de agora.
– Eu quero descobrir toda a verdade e fazer com que a justiça seja feita. Ordem e progresso, não é o que está escrito?
– Mas é seu pai, seria compreensível-
– Esse homem não é o meu pai. – null o cortou, dizendo firme, embora estivesse com os olhos marejados. – Minha vida foi uma mentira, eu não tenho pai. Não tenho ninguém, a não ser a null.
– Você tem a mim, null e null, também. Serve? – Ele levou a mão vazia até o rosto dela, limpando com o polegar a lágrima solitária que rolou. Só ela então percebeu como estavam próximos.
– S-sim.
A mão de null foi para a nuca de null, puxando-a lentamente para frente, quebrando a distância mínima que os separava. Os lábios dos dois se encontraram em um perfeito encaixe, causando arrepios para ambos. De uma forma estranha, null se sentiu calma, tranquila, como se o mundo exterior não estivesse em completo caos e muito menos o seu pessoal estivesse se desmoronando. Era estranhamente bom. Tão bom que não notou o momento exato em que aquele beijo tomou uma proporção mais quente, menos lenta. As duas mãos dele estavam em sua cintura enquanto ela se posicionava em seu colo, com uma perna em cada lado.
Quando o fôlego faltou, null o afastou com as duas mãos posicionadas uma em cada lado da mandíbula de null, encarando-o com o rosto inclinado para baixo devido a diferença de alturas.
– Como você sabia que era meu convite? – Perguntou com a voz rouca, dando espaço para a dúvida pertinente.
– Eu enviei para meu celular uma mensagem quando salvei meu número para ter o seu.
null mordeu o lábio inferior.
– Me desculpa, mas foi por puro interesse investigativo. – null completou.
– Tudo bem. Fico feliz que tenha o feito. – Ela respondeu, por fim, antes de beijá-lo novamente.
Sentiu as mãos dele passearem delicadamente por seus ombros, uma de cada lado, fazendo um caminho de descida até sua cintura, enquanto as suas mãos continuavam na mandíbula dele. Toda sua extensão se eriçou pelo toque, sentindo o formigamento estranho lhe dominar por inteira, como se fosse uma afirmativa de que queria ser entregue ao homem embaixo de seu corpo. Como se ela tivesse encontrado alguém para confiar aquela intimidade que poucos tiveram a chance.
Seu mundo desmoronava, mas enquanto estava ali com ele, parecia seguro demais para se preocupar com isso.
Por isso, não hesitou nem por um segundo sequer quando ele a deitou suavemente na cama, suas mãos subindo por dentro da camiseta dele, explorando a pele macia das costas de null com os dedos, enquanto ele descia os beijos pelo seu pescoço e colo, arrepiando cada centímetro do corpo de null, e desabotoava sua calça com um pouco mais de ansiedade.
– Você tem mesmo que ir? – null se levantou da cama. – Justo agora que eu queria saber mais sobre o adorável null.
– Vamos ter muito tempo pra isso, ok? – Ele terminou de vestir o jeans, voltando para a direção dela e selando sua testa. – Não foi só uma noite.
– Mesmo? Porque eu bem achei que isso aqui foi um pagamento pelo grande troféu que estou te entregando. – Ela disse, sarcástica.
– Não. Eu não sou de ter esses lances tão… individuais. Faz mais o estilo do null e do null, mas não comigo. – null voltou para as suas roupas, pegando a camiseta do chão.
null começou a se vestir também.
– null? – Perguntou, surpresa. – Ele me parece ser tão introvertido. – Comentou enquanto abotoava o sutiã.
– Não, dentre nós três só o null é bem soltinho mesmo. – null riu.
– Entendi.
null estava sentado na poltrona, calçando o tênis. A conversa se encerrou e, quando os dois estavam vestidos, perto da porta, ele a puxou para perto, com o braço em volta na cintura de null.
– Eu acredito que o envolvimento físico entre duas pessoas precisa de um certo sentido e confio muito em todos os meus sentidos, null. – Seus rostos estavam bem próximos. – E não estou fazendo isso aqui porque você me deu algo que possa entregar seu pai e de alguma forma prejudicar você enquanto me beneficia. Foi porque eu senti aqui dentro que era o certo e fazia sentido pra mim. Faz sentido para você? – Ela assentiu. – Então é isso, não importa o que já foi, mas sim o que vai ser. Eu vou dar o meu melhor para te ajudar e a gente vai encontrar uma forma de você não ser prejudicada nisso tudo. Pode confiar em mim?
Jogando fora todo o conselho sobre não confiar em estranhos, ela assentiu freneticamente, o beijando em seguida.
– Agora precisamos ir. – null a afastou lentamente, encerrando o beijo com carinhosos selares no rosto dela.
null não disse nada, apenas assentiu mais uma vez e o deixou ir na frente. Fechou a porta atrás de si e saiu pelo corredor, pegando na mão dele quando o alcançou em frente ao elevador. Em meio a carícias e troca de olhares confidentes, chegaram no saguão e se despediram com mais uma sequência de beijos até o carro de cada um chegar.
De uma maneira boba, null não queria se separar dele naquele início de madrugada. Não queria ir para casa e ficar sozinha. Mas entrou no carro e seguiu o caminho, olhando vez ou outra pelo retrovisor para ver o carro de null logo atrás do seu. O sorriso em seu rosto acompanhava o conforto em seu coração, como uma novidade que ela nunca tinha experienciado. Em determinada altura da Vieira Souto, ele tomou um cruzamento contrário e deixou de segui-la – null se viu quase sozinha na enorme avenida, já que dos outros dois carros que estavam no tráfego, um continuou atrás de si e outro também pegou o mesmo caminho dele.
Não demorou muito para parar o carro dentro de sua garagem, mas levou certo tempo para decidir sair do veículo. Ainda parecia ter tomado um banho de água fria com direito a pedras de gelo. Por sorte seu pai estava viajando e ela não teria que encará-lo naquele momento, poderia ir para sua cama e pensar como seguiria a partir do dia seguinte. Tudo o que precisava naquele momento era manter a paz que estava sentindo para racionalizar e poder agir.
Mas infelizmente o universo não queria o mesmo.
Assim que pisou no primeiro degrau da escada, a luz se acendeu e seu pai saiu da sala dele, a chamando.
– Temos um acordo sobre horários, não temos? – A voz dele era fria e a deu um arrepio estranho. null se virou, ainda na escada, segurando o corrimão. – E também sobre avisar.
– O-oi, pai. – Ela gaguejou, engolindo a seco.
– Onde você esteve? – Ele questionou ainda frio, dando mais passos à frente.
– Estava com a null.
O pai a encarou de cima abaixo, subindo o degrau e ficando a centímetros dela. null estava tão presa no olhar do pai que mal viu o momento exato que a mão dele se ergueu, acertando forte seu rosto.
– Eu não criei você para ser uma vagabunda mentirosa, null! – Gritou, furioso. Ao erguer novamente o rosto, em choque com a mão na bochecha ardente, pôde encarar os olhos em chamas dele. – Sei cada passo que você dá nessa cidade e cada moleque pra quem você se abre! – Riu nasalado. – E dentre todos os mais interessantes e de bem, você resolveu dar para um favelado maconheiro. Andar com a null não te faz bem e eu sempre avisei sobre isso.
De uma forma que ela não conhecia, null sentiu o corpo todo arder em raiva e desgosto, não só pelo tapa, mas também pelas palavras nojentas que ele usou para a atingir. Era a face real do homem que, por muito tempo, ela admirou e amou incondicionalmente.
Entretanto, não se deixou ser consumida pela emoção. Ainda estava no começo de uma longa briga pela verdade e sabia que, a depender de como iria agir ali naquela situação, as consequências seriam geradas. Então, só fez assumir sua postura sempre dócil e obediente.
– Eu não vou mais vê-lo, mas não faça nada, por favor! Eu juro que nunca mais irei pisar na comunidade ou chegar perto de qualquer um deles, pai. – Mesmo sendo difícil dizer a palavra, ela o fez. Estava desesperada.
– Mas você não vai mais ver ele mesmo. Nenhum deles, na verdade. – Carlos disse friamente. – Irá para os Estados Unidos. Não me importa se terá de começar todo o curso outra vez, mas vai terminar lá. – Ditou, não a deixando falar nada. – E nunca mais vai ver nenhum deles, não só pela distância, null…
– Pai… – Ela resmungou, já chorando.
– Você já sabe, não preciso mais esconder. Mas ainda assim é minha filha, então não torne isso difícil e me obedeça. Arrume suas malas, irá no primeiro voo que for possível e, até isso acontecer, não irá sair do seu quarto.
null encarou Heleninha parada próximo a entrada da sala de jantar e, logo atrás dela, mais dois seguranças. Estava estática com a informação, pensando em sua melhor amiga e nos outros três. Pensando em null. E quando começou a ser arrastada por um dos homens de terno preto para seu próprio quarto, pensava: o que ela tinha perdido em nome da sua curiosidade?
Epílogo
Curiosidade. O desejo intenso de ver, ouvir, conhecer, experimentar algo novo, original, desconhecido. O desejo de descobrir, revelar.
Enquanto fugia pelo aeroporto, se desvencilhando dos dois seguranças que a acompanhavam até o embarque, os pés tão desesperados quanto o coração ao receber a notícia sobre o que havia acontecido naquela madrugada, null afirmava a mesma coisa repetida vezes em sua mente: sua curiosidade havia tirado tudo de si.
Ela não havia presenciado a cena, mas sua mente era fértil o suficiente para imaginar o carro que estava atrás de null no cruzamento o seguindo quando se separaram e, então, atirando contra o veículo até que ele capotasse. Também conseguia ver a casa onde tudo aquilo havia começado, com suas luzinhas de Natal penduradas do lado de fora, como no dia da festa, pegando fogo, enquanto null, null e null dormiam lá dentro.
null deixou tudo para trás quando entrou no primeiro táxi que encontrou, não somente suas malas com seus pertences.
Mas, dois meses depois, null não culpava mais sua curiosidade por tudo o que havia acontecido. E era hora de fazer o verdadeiro culpado pagar.
No tribunal.
– A senhorita está ciente de que está testemunhando contra seu próprio pai?
O questionamento a trouxe de volta à realidade e null assentiu, firme. Seu pai, ainda em choque com a sua presença repentina, apertou as mãos contra o banco onde estava sentado e um burburinho tomou conta do local.
– Muito bem. E por que você tomou essa decisão? – O juiz questionou mais uma vez.
– Porque isso precisa acabar. Porque o que esse homem fez em nome do dinheiro, da ganância, da luxúria, de um sistema corrupto e mentiroso, é vergonhoso e inaceitável. – null começou, sentindo-se muito menos nervosa do que pensou que estaria, finalmente tendo a oportunidade de dizer o que estava guardado por tanto tempo. – Porque é, no mínimo, estranho que eu, uma estudante de direito, que escolheu esse curso, essa profissão, por amor, pela vontade de fazer o que é certo, de provar que, em um mundo de pessoas de olhos fechados, uma pessoa de olhos abertos pode mudar o rumo das coisas, veja a podridão debaixo do próprio teto e não faça nada a respeito. Todas as acusações contra o meu pai são verdadeiras.
Mais uma vez, as vozes surpresas foram ouvidas e foi necessário pedir silêncio.
– A senhorita esteve desaparecida por dois meses, quando foi vista pela última vez por um taxista que a deixou em um shopping. O que tem a dizer sobre isso?
– Meu pai me obrigou a ir para os Estados Unidos quando descobri tudo, todos os esquemas, toda a sujeira, todos os documentos e provas escondidas em casa. Quando eu estava no aeroporto, prestes a embarcar, consegui fugir e me esconder por um tempo, com a ajuda de algumas pessoas e de algumas advogadas que fazem parte da associação que a minha mãe fundou anos atrás, e assim me mantive segura para poder testemunhar aqui hoje. A intenção do meu pai era não somente impedir que eu interferisse nas investigações e no processo, com as provas que encontrei contra ele, mas também me afastar das pessoas pelas quais ele se sentia ameaçado.
– Que provas são essas?
– Dossiês completos sobre as transações que foram feitas em nome da ONG, esquemas envolvendo caixa dois e lavagem de dinheiro, suborno, falsificações ideológicas em meu nome e em nome da minha mãe enquanto ela ainda estava viva, algumas em nome da atual esposa e extratos bancários de pagamentos feitos para policiais militares e civis.
– Ela está mentindo! – Carlos gritou do banco, se levantando exasperado, o rosto vermelho, e seu advogado o puxou de volta para o lugar.
O juiz se ajeitou em sua cadeira, lançando apenas um olhar frio ao réu.
– Onde estão essas provas, senhorita null?
null retirou um pen drive prateado do bolso e ergueu em sua mão. O olhar de seu pai congelou.
– Aqui, senhor.
Com um aceno de cabeça do juiz, um policial pegou o objeto da mão de null e entregou a ele.
– Seu pai disse que a senhorita estava se envolvendo com os ativistas que levantaram as primeiras acusações contra ele, inclusive romanticamente com um deles. null null, morto em um acidente de carro no dia três de setembro. Ele alega que null a usou manipulou para conseguir informações e implantar provas contra ele em sua própria casa, inclusive que você se encontrou com ele horas antes do acidente.
null respirou fundo, olhando para o pai enquanto falava.
– No dia em que null sofreu o acidente, eu estava com ele. Quarto 213, Fasano. Sobre isso, ele não mentiu. Conheci null em uma festa na casa dele, por coincidência, amigos em comum, e no começo não tivemos um bom relacionamento por motivos óbvios, mas conforme fomos nos conhecendo melhor... O que importa é que a decisão de ir atrás de qualquer coisa contra meu pai partiu de mim, e não dele, após passar o dia na ONG e ver o estrago que a podridão do meu pai e seus cúmplices causavam no local, nas crianças. Nesse mesmo dia eu encontrei o pen drive e nos encontramos no hotel. Mas meu pai sabe de tudo isso porque ele mandava que me seguissem, não somente nesse dia, mas em todos os outros. Mas nesse, especificamente, algo muito interessante chamou a minha atenção. Enquanto um carro me seguia, outro seguia null.
– E o que a senhorita quer dizer com isso?
– Quero dizer, com todas as letras, que null não sofreu acidente nenhum. null null sofreu um atentado a mando de meu pai, Carlos null, e meus outros amigos, null null, null null e null null, também.
O barulho das vozes estava muito mais alto do que das vezes anteriores e, agora, foi necessário que o juiz se levantasse e gritasse por ordem. Surpreso com a revelação, ele ajeitou os óculos, fitando a garota seriamente, e null não vacilou um centímetro sequer.
– Essa é uma acusação gravíssima, senhorita.
– Eu tenho total consciência disso, senhor.
– A senhorita possui alguma prova?
null suspirou, entrelaçando os dedos em um primeiro sinal de nervosismo.
– Tenho testemunhas, senhor. Se me permite, gostaria de chamá-las.
– Permitido, senhorita.
Com um aceno de cabeça de null, a porta do tribunal foi aberta e cinco pessoas entraram por ela. E quando reconheceram as pessoas que passavam pelo corredor, o caos se instaurou no local. Carlos perdeu a cor. null sorriu.
– Senhor, estes são Helena Santos, governanta da minha casa, null null, null null, null null e null null.
– Senhorita null... – O juiz murmurou, confuso e muito surpreso. – Mais da metade dessas pessoas deveriam estar mortas... Por favor, nos explique o que está acontecendo aqui.
null manteve o sorriso, agora compartilhando-o com os amigos. Trocando um olhar um pouco mais longo com null, ainda com uma tipoia no braço, ela começou:
– Com prazer, senhor. Tudo começou quando eu acordei atrasada para a faculdade e ouvi sem querer uma conversa do meu pai com um policial. Veja bem, senhor, eu sou uma pessoa curiosa demais para o meu próprio bem...
– Ainda tá doendo?
null riu baixinho e se inclinou para dar um selinho em null, negando com a cabeça.
– Não, amor, eu já disse cinco vezes. – Ele respondeu, brincalhão, e ela fez um biquinho emburrado, que ele precisou beijar mais uma vez.
Era assim desde que null havia conseguido escapar do acidente, quando acordou minutos depois, capotado no carro, com um tiro no ombro e outro no antebraço. Ele acreditava que havia capotado com os braços em cima da cabeça e, por isso, quem quer que havia atirado nele havia acreditado que o sangue todo era por um ferimento fatal, pois ele se lembrava dos passos se aproximando de seu carro para checá-lo e depois saindo apressados.
Com muita dificuldade, ele conseguiu ligar para null e pedir por socorro. E foi nesse momento que null ouviu quando invadiram sua casa. Ele quase não teve tempo de avisar null e null, no outro quarto, mas eles conseguiram sair pela janela do segundo andar sem serem vistos antes da casa ser consumida pelo fogo.
Foi null quem deu a ideia de procurarem pelas advogadas da associação que a mãe de null fundou. Em um momento de total pânico, onde não conseguia falar com a amiga de jeito nenhum e tentando achar qualquer pessoa de confiança, ela se lembrou das conversas mais sérias que tiveram durante seus anos de amizade.
– Em quem você confiaria sua vida, amiga? – null perguntou enquanto null passava bronzeador em suas costas, as duas nas espreguiçadeiras na beira da piscina da casa de null.
– Que tipo de pergunta é essa? – null riu.
– É sério! Em uma emergência total, pra quem você ligaria?
– Além de você? – null questionou, franzindo o cenho e dando um tapinha no ombro da amiga, indicando que havia terminado, e null se virou para ela, revirando os olhos.
– Jura que você ligaria pra mim em um caso de vida ou morte? A sua primeira opção de sobrevivência? Nem eu seria a minha primeira opção se pudesse.
null riu e refletiu por alguns segundos.
– Hm... Acho que as amigas da minha mãe, as advogadas da associação que ela fundou, sabe? Mamãe sempre dizia que elas são as mulheres mais confiáveis do mundo todo e que sempre vão me ajudar se eu precisar de alguma coisa, então... é, com certeza seria pra elas
. – Acha que elas seriam capazes de te tirar da cadeia ou algo assim?
– Não só isso como também botar outras pessoas na cadeia e chutar umas bundas pelo caminho.
Então, no meio da madrugada, com null desmaiado devido à perda de sangue, null bateu na porta de uma delas, a única que ela se lembrava do endereço e que, por muita sorte, era casada com um médico, que conseguiu cuidar dos ferimentos de null em seu consultório particular. No dia seguinte, para a surpresa de todos, a campainha tocou novamente e null entrou na casa desesperada, pedindo a ajuda da mulher que chamava de tia e encontrando os amigos na sala. Ali, eles ficaram pelos próximos dois meses.
Com a ajuda do bom e velho dinheiro, pessoas foram subornadas, documentos foram alterados e caixões vazios foram enterrados. Para todos os efeitos, null, null, null e null estavam mortos e null estava desaparecida.
E todos se uniram em uma mesma missão: colocar um ponto final nessa história que quase os havia levado ao pó.
E esse dia finalmente havia chegado.
– ... condenado a quarenta e cinco anos de prisão, o ex-deputado Carlos null...
– Ih, quem foi que tirou meu pagodinho para botar no jornal? – null berrou, pegando o controle da TV e conectando o aparelho no YouTube novamente, onde sua playlist que começava com Zeca Pagodinho e terminava com Linkin Park foi recolocada. – Agora sim, papai! Vem cá, morena! – E puxou null de sua cadeira para dançar, arrancando uma risada de todos ao seu redor.
Estavam reunidos na ONG, todos comendo e bebendo em mesas e cadeiras de plástico na grande varanda interna do local, comemorando o resultado do julgamento.
Tina, a advogada que havia abrigado o grupo durante todo esse tempo, sorriu para a cena, abraçando seu marido, e chutou a canela de null por baixo da mesa.
– E agora, meu bebê? – Ela perguntou, mais do que feliz com o resultado do dia. Como melhor amiga da mãe de null, era um prazer ver Carlos atrás das grades depois de testemunhar todo o mal que aquele homem havia feito.
– Agora o que, Tininha?
– O que pretende fazer, bebê. Se pretende voltar para sua casa, vendê-la, se mudar... Ela não foi confiscada, você sabe. Não era um bem do seu pai ou da sua madrasta, era da sua mãe, e seu por direito. Tudo o que sua mãe deixou para você e seu pai estava tentando te deixar no escuro finalmente é seu, null. Você pode fazer o que quiser agora.
null mordeu o lábio, dando de ombros e se aconchegando um pouco mais perto de null.
– Eu ainda não sei muito bem, na verdade. Acho que vou pensar melhor, mas... Por enquanto, não sei se gostaria de vender a casa. Ela era da minha mãe, no fim das contas, mas talvez eu precise, já que é impossível morar naquele lugar sozinha. E sobre o dinheiro... vou terminar de pagar meus estudos, mas uma parte vai para a ONG... – Ela sentiu o aperto da mão de null em sua cintura e se virou para sorrir para ele. – Nada mais justo do que devolver o que foi tirado daqui.
null balançou a cabeça.
– Você não precisa, null, não foi você.
– Eu sei, mas eu quero. Eu gosto daqui, quero ajudar.
Ele abriu um sorriso derretido, prendendo o olhar no dela por alguns segundos. Tina sorriu e limpou a garganta de forma engraçada, chamando a atenção dos dois novamente.
– Bom, com o dinheiro que sua mãe deixou, vai poder fazer muita coisa, bebê, não se preocupe. E sobre a casa, acho que você pode chamar alguns desabrigados para dividir o teto com você por enquanto. Eu tenho que desocupar a minha sala, sabe.
Os dois riram e null se virou para null, sorrindo.
– É uma ótima ideia, na verdade. O que você acha, hm? Soube que está sem endereço, que tal um CEP da Barra?
null gargalhou.
– Acho que posso pensar sobre o assunto. Qual o número dessa casa? 13? null vai querer pintar algumas paredes de vermelho e null deve fazer amizade rápido com os vizinhos tocando suas músicas no último volume de manhã.
null deu uma cotovelada fraca nele, rindo, e o deu mais um beijo, desta vez um pouco mais demorado.
– Mal posso esperar. – Ela murmurou contra a boca dele, sorrindo.
– Vocês colaram a bunda nessas cadeiras?! – A voz de null, alta e caótica, chamou a atenção de todos para onde ele estava parado, segurando null pela cintura. null vinha logo atrás deles, segurando algumas cervejas com outros voluntários da ONG, e eles depositaram tudo sobre as mesas. – Qualé, mané, isso é uma comemoração! Eu quero ver essas bundinhas todas no chão!
null deu um pisão no pé dele.
– O pai dela foi preso, seu idiota. – Ela murmurou para null, revirando os olhos, e o namorado deu de ombros.
– Graças a Deus, aquele pau no cu.
null gargalhou, balançando a cabeça em negação. Seu coração estava um pouco apertado, seu lado sentimental ainda doía ao pensar em tudo o que havia acontecido com sua família, mas a paz por ter feito a coisa certa era absurdamente maior. E nada se comparava com a felicidade que estava sentindo neste momento.
Ela se levantou, estendendo a mão para null.
– Aceita arrastar essa bunda no chão comigo, mané?
Ele se levantou, segurando sua mão livre da tipoia a mão dela.
– Sempre, mané.
Enquanto a noite caia, o céu do Rio de Janeiro escurecendo enquanto a animação do grupo só parecia aumentar e algumas famílias apareceram com as crianças no local, null abraçou o pescoço de null mais uma vez, sentindo suas mãos em sua cintura, os dois em meio ao turbilhão de gritos e risadas que eram os amigos ao redor.
– Obrigada. – null murmurou no ouvido de null e ele tirou o rosto da curva do pescoço dela para fitá-la nos olhos com curiosidade. – Obrigada por bagunçar a minha vida. Por estar ao meu lado enquanto eu descobria que a vida não era preto e branco, por ter ficado enquanto eu ia até o final de tudo isso, por me ajudar a ver que valeria a pena. E valeu, valeu muito.
null levou a mão até o rosto dela, fazendo um carinho no local.
– Você é a pessoa mais corajosa que eu já conheci, null. Obrigado por me mostrar que eu estava errado sobre você. – Ele passou o polegar sobre os lábios dela, a fazendo suspirar. – Agora que eu estou aqui, não vou mais embora. Porque tudo vale a pena do seu lado.
Ela sorriu contra o dedo de null, sentindo seu interior se revirar de uma forma quente e gostosa segundos antes dele descer a mão novamente para sua cintura e a puxar firmemente contra ele, colando seus lábios com vontade.
E null soube que sua curiosidade havia valido, e muito, a pena.
Enquanto fugia pelo aeroporto, se desvencilhando dos dois seguranças que a acompanhavam até o embarque, os pés tão desesperados quanto o coração ao receber a notícia sobre o que havia acontecido naquela madrugada, null afirmava a mesma coisa repetida vezes em sua mente: sua curiosidade havia tirado tudo de si.
Ela não havia presenciado a cena, mas sua mente era fértil o suficiente para imaginar o carro que estava atrás de null no cruzamento o seguindo quando se separaram e, então, atirando contra o veículo até que ele capotasse. Também conseguia ver a casa onde tudo aquilo havia começado, com suas luzinhas de Natal penduradas do lado de fora, como no dia da festa, pegando fogo, enquanto null, null e null dormiam lá dentro.
null deixou tudo para trás quando entrou no primeiro táxi que encontrou, não somente suas malas com seus pertences.
Mas, dois meses depois, null não culpava mais sua curiosidade por tudo o que havia acontecido. E era hora de fazer o verdadeiro culpado pagar.
No tribunal.
– A senhorita está ciente de que está testemunhando contra seu próprio pai?
O questionamento a trouxe de volta à realidade e null assentiu, firme. Seu pai, ainda em choque com a sua presença repentina, apertou as mãos contra o banco onde estava sentado e um burburinho tomou conta do local.
– Muito bem. E por que você tomou essa decisão? – O juiz questionou mais uma vez.
– Porque isso precisa acabar. Porque o que esse homem fez em nome do dinheiro, da ganância, da luxúria, de um sistema corrupto e mentiroso, é vergonhoso e inaceitável. – null começou, sentindo-se muito menos nervosa do que pensou que estaria, finalmente tendo a oportunidade de dizer o que estava guardado por tanto tempo. – Porque é, no mínimo, estranho que eu, uma estudante de direito, que escolheu esse curso, essa profissão, por amor, pela vontade de fazer o que é certo, de provar que, em um mundo de pessoas de olhos fechados, uma pessoa de olhos abertos pode mudar o rumo das coisas, veja a podridão debaixo do próprio teto e não faça nada a respeito. Todas as acusações contra o meu pai são verdadeiras.
Mais uma vez, as vozes surpresas foram ouvidas e foi necessário pedir silêncio.
– A senhorita esteve desaparecida por dois meses, quando foi vista pela última vez por um taxista que a deixou em um shopping. O que tem a dizer sobre isso?
– Meu pai me obrigou a ir para os Estados Unidos quando descobri tudo, todos os esquemas, toda a sujeira, todos os documentos e provas escondidas em casa. Quando eu estava no aeroporto, prestes a embarcar, consegui fugir e me esconder por um tempo, com a ajuda de algumas pessoas e de algumas advogadas que fazem parte da associação que a minha mãe fundou anos atrás, e assim me mantive segura para poder testemunhar aqui hoje. A intenção do meu pai era não somente impedir que eu interferisse nas investigações e no processo, com as provas que encontrei contra ele, mas também me afastar das pessoas pelas quais ele se sentia ameaçado.
– Que provas são essas?
– Dossiês completos sobre as transações que foram feitas em nome da ONG, esquemas envolvendo caixa dois e lavagem de dinheiro, suborno, falsificações ideológicas em meu nome e em nome da minha mãe enquanto ela ainda estava viva, algumas em nome da atual esposa e extratos bancários de pagamentos feitos para policiais militares e civis.
– Ela está mentindo! – Carlos gritou do banco, se levantando exasperado, o rosto vermelho, e seu advogado o puxou de volta para o lugar.
O juiz se ajeitou em sua cadeira, lançando apenas um olhar frio ao réu.
– Onde estão essas provas, senhorita null?
null retirou um pen drive prateado do bolso e ergueu em sua mão. O olhar de seu pai congelou.
– Aqui, senhor.
Com um aceno de cabeça do juiz, um policial pegou o objeto da mão de null e entregou a ele.
– Seu pai disse que a senhorita estava se envolvendo com os ativistas que levantaram as primeiras acusações contra ele, inclusive romanticamente com um deles. null null, morto em um acidente de carro no dia três de setembro. Ele alega que null a usou manipulou para conseguir informações e implantar provas contra ele em sua própria casa, inclusive que você se encontrou com ele horas antes do acidente.
null respirou fundo, olhando para o pai enquanto falava.
– No dia em que null sofreu o acidente, eu estava com ele. Quarto 213, Fasano. Sobre isso, ele não mentiu. Conheci null em uma festa na casa dele, por coincidência, amigos em comum, e no começo não tivemos um bom relacionamento por motivos óbvios, mas conforme fomos nos conhecendo melhor... O que importa é que a decisão de ir atrás de qualquer coisa contra meu pai partiu de mim, e não dele, após passar o dia na ONG e ver o estrago que a podridão do meu pai e seus cúmplices causavam no local, nas crianças. Nesse mesmo dia eu encontrei o pen drive e nos encontramos no hotel. Mas meu pai sabe de tudo isso porque ele mandava que me seguissem, não somente nesse dia, mas em todos os outros. Mas nesse, especificamente, algo muito interessante chamou a minha atenção. Enquanto um carro me seguia, outro seguia null.
– E o que a senhorita quer dizer com isso?
– Quero dizer, com todas as letras, que null não sofreu acidente nenhum. null null sofreu um atentado a mando de meu pai, Carlos null, e meus outros amigos, null null, null null e null null, também.
O barulho das vozes estava muito mais alto do que das vezes anteriores e, agora, foi necessário que o juiz se levantasse e gritasse por ordem. Surpreso com a revelação, ele ajeitou os óculos, fitando a garota seriamente, e null não vacilou um centímetro sequer.
– Essa é uma acusação gravíssima, senhorita.
– Eu tenho total consciência disso, senhor.
– A senhorita possui alguma prova?
null suspirou, entrelaçando os dedos em um primeiro sinal de nervosismo.
– Tenho testemunhas, senhor. Se me permite, gostaria de chamá-las.
– Permitido, senhorita.
Com um aceno de cabeça de null, a porta do tribunal foi aberta e cinco pessoas entraram por ela. E quando reconheceram as pessoas que passavam pelo corredor, o caos se instaurou no local. Carlos perdeu a cor. null sorriu.
– Senhor, estes são Helena Santos, governanta da minha casa, null null, null null, null null e null null.
– Senhorita null... – O juiz murmurou, confuso e muito surpreso. – Mais da metade dessas pessoas deveriam estar mortas... Por favor, nos explique o que está acontecendo aqui.
null manteve o sorriso, agora compartilhando-o com os amigos. Trocando um olhar um pouco mais longo com null, ainda com uma tipoia no braço, ela começou:
– Com prazer, senhor. Tudo começou quando eu acordei atrasada para a faculdade e ouvi sem querer uma conversa do meu pai com um policial. Veja bem, senhor, eu sou uma pessoa curiosa demais para o meu próprio bem...
– Ainda tá doendo?
null riu baixinho e se inclinou para dar um selinho em null, negando com a cabeça.
– Não, amor, eu já disse cinco vezes. – Ele respondeu, brincalhão, e ela fez um biquinho emburrado, que ele precisou beijar mais uma vez.
Era assim desde que null havia conseguido escapar do acidente, quando acordou minutos depois, capotado no carro, com um tiro no ombro e outro no antebraço. Ele acreditava que havia capotado com os braços em cima da cabeça e, por isso, quem quer que havia atirado nele havia acreditado que o sangue todo era por um ferimento fatal, pois ele se lembrava dos passos se aproximando de seu carro para checá-lo e depois saindo apressados.
Com muita dificuldade, ele conseguiu ligar para null e pedir por socorro. E foi nesse momento que null ouviu quando invadiram sua casa. Ele quase não teve tempo de avisar null e null, no outro quarto, mas eles conseguiram sair pela janela do segundo andar sem serem vistos antes da casa ser consumida pelo fogo.
Foi null quem deu a ideia de procurarem pelas advogadas da associação que a mãe de null fundou. Em um momento de total pânico, onde não conseguia falar com a amiga de jeito nenhum e tentando achar qualquer pessoa de confiança, ela se lembrou das conversas mais sérias que tiveram durante seus anos de amizade.
– Em quem você confiaria sua vida, amiga? – null perguntou enquanto null passava bronzeador em suas costas, as duas nas espreguiçadeiras na beira da piscina da casa de null.
– Que tipo de pergunta é essa? – null riu.
– É sério! Em uma emergência total, pra quem você ligaria?
– Além de você? – null questionou, franzindo o cenho e dando um tapinha no ombro da amiga, indicando que havia terminado, e null se virou para ela, revirando os olhos.
– Jura que você ligaria pra mim em um caso de vida ou morte? A sua primeira opção de sobrevivência? Nem eu seria a minha primeira opção se pudesse.
null riu e refletiu por alguns segundos.
– Hm... Acho que as amigas da minha mãe, as advogadas da associação que ela fundou, sabe? Mamãe sempre dizia que elas são as mulheres mais confiáveis do mundo todo e que sempre vão me ajudar se eu precisar de alguma coisa, então... é, com certeza seria pra elas
. – Acha que elas seriam capazes de te tirar da cadeia ou algo assim?
– Não só isso como também botar outras pessoas na cadeia e chutar umas bundas pelo caminho.
Então, no meio da madrugada, com null desmaiado devido à perda de sangue, null bateu na porta de uma delas, a única que ela se lembrava do endereço e que, por muita sorte, era casada com um médico, que conseguiu cuidar dos ferimentos de null em seu consultório particular. No dia seguinte, para a surpresa de todos, a campainha tocou novamente e null entrou na casa desesperada, pedindo a ajuda da mulher que chamava de tia e encontrando os amigos na sala. Ali, eles ficaram pelos próximos dois meses.
Com a ajuda do bom e velho dinheiro, pessoas foram subornadas, documentos foram alterados e caixões vazios foram enterrados. Para todos os efeitos, null, null, null e null estavam mortos e null estava desaparecida.
E todos se uniram em uma mesma missão: colocar um ponto final nessa história que quase os havia levado ao pó.
E esse dia finalmente havia chegado.
– ... condenado a quarenta e cinco anos de prisão, o ex-deputado Carlos null...
– Ih, quem foi que tirou meu pagodinho para botar no jornal? – null berrou, pegando o controle da TV e conectando o aparelho no YouTube novamente, onde sua playlist que começava com Zeca Pagodinho e terminava com Linkin Park foi recolocada. – Agora sim, papai! Vem cá, morena! – E puxou null de sua cadeira para dançar, arrancando uma risada de todos ao seu redor.
Estavam reunidos na ONG, todos comendo e bebendo em mesas e cadeiras de plástico na grande varanda interna do local, comemorando o resultado do julgamento.
Tina, a advogada que havia abrigado o grupo durante todo esse tempo, sorriu para a cena, abraçando seu marido, e chutou a canela de null por baixo da mesa.
– E agora, meu bebê? – Ela perguntou, mais do que feliz com o resultado do dia. Como melhor amiga da mãe de null, era um prazer ver Carlos atrás das grades depois de testemunhar todo o mal que aquele homem havia feito.
– Agora o que, Tininha?
– O que pretende fazer, bebê. Se pretende voltar para sua casa, vendê-la, se mudar... Ela não foi confiscada, você sabe. Não era um bem do seu pai ou da sua madrasta, era da sua mãe, e seu por direito. Tudo o que sua mãe deixou para você e seu pai estava tentando te deixar no escuro finalmente é seu, null. Você pode fazer o que quiser agora.
null mordeu o lábio, dando de ombros e se aconchegando um pouco mais perto de null.
– Eu ainda não sei muito bem, na verdade. Acho que vou pensar melhor, mas... Por enquanto, não sei se gostaria de vender a casa. Ela era da minha mãe, no fim das contas, mas talvez eu precise, já que é impossível morar naquele lugar sozinha. E sobre o dinheiro... vou terminar de pagar meus estudos, mas uma parte vai para a ONG... – Ela sentiu o aperto da mão de null em sua cintura e se virou para sorrir para ele. – Nada mais justo do que devolver o que foi tirado daqui.
null balançou a cabeça.
– Você não precisa, null, não foi você.
– Eu sei, mas eu quero. Eu gosto daqui, quero ajudar.
Ele abriu um sorriso derretido, prendendo o olhar no dela por alguns segundos. Tina sorriu e limpou a garganta de forma engraçada, chamando a atenção dos dois novamente.
– Bom, com o dinheiro que sua mãe deixou, vai poder fazer muita coisa, bebê, não se preocupe. E sobre a casa, acho que você pode chamar alguns desabrigados para dividir o teto com você por enquanto. Eu tenho que desocupar a minha sala, sabe.
Os dois riram e null se virou para null, sorrindo.
– É uma ótima ideia, na verdade. O que você acha, hm? Soube que está sem endereço, que tal um CEP da Barra?
null gargalhou.
– Acho que posso pensar sobre o assunto. Qual o número dessa casa? 13? null vai querer pintar algumas paredes de vermelho e null deve fazer amizade rápido com os vizinhos tocando suas músicas no último volume de manhã.
null deu uma cotovelada fraca nele, rindo, e o deu mais um beijo, desta vez um pouco mais demorado.
– Mal posso esperar. – Ela murmurou contra a boca dele, sorrindo.
– Vocês colaram a bunda nessas cadeiras?! – A voz de null, alta e caótica, chamou a atenção de todos para onde ele estava parado, segurando null pela cintura. null vinha logo atrás deles, segurando algumas cervejas com outros voluntários da ONG, e eles depositaram tudo sobre as mesas. – Qualé, mané, isso é uma comemoração! Eu quero ver essas bundinhas todas no chão!
null deu um pisão no pé dele.
– O pai dela foi preso, seu idiota. – Ela murmurou para null, revirando os olhos, e o namorado deu de ombros.
– Graças a Deus, aquele pau no cu.
null gargalhou, balançando a cabeça em negação. Seu coração estava um pouco apertado, seu lado sentimental ainda doía ao pensar em tudo o que havia acontecido com sua família, mas a paz por ter feito a coisa certa era absurdamente maior. E nada se comparava com a felicidade que estava sentindo neste momento.
Ela se levantou, estendendo a mão para null.
– Aceita arrastar essa bunda no chão comigo, mané?
Ele se levantou, segurando sua mão livre da tipoia a mão dela.
– Sempre, mané.
Enquanto a noite caia, o céu do Rio de Janeiro escurecendo enquanto a animação do grupo só parecia aumentar e algumas famílias apareceram com as crianças no local, null abraçou o pescoço de null mais uma vez, sentindo suas mãos em sua cintura, os dois em meio ao turbilhão de gritos e risadas que eram os amigos ao redor.
– Obrigada. – null murmurou no ouvido de null e ele tirou o rosto da curva do pescoço dela para fitá-la nos olhos com curiosidade. – Obrigada por bagunçar a minha vida. Por estar ao meu lado enquanto eu descobria que a vida não era preto e branco, por ter ficado enquanto eu ia até o final de tudo isso, por me ajudar a ver que valeria a pena. E valeu, valeu muito.
null levou a mão até o rosto dela, fazendo um carinho no local.
– Você é a pessoa mais corajosa que eu já conheci, null. Obrigado por me mostrar que eu estava errado sobre você. – Ele passou o polegar sobre os lábios dela, a fazendo suspirar. – Agora que eu estou aqui, não vou mais embora. Porque tudo vale a pena do seu lado.
Ela sorriu contra o dedo de null, sentindo seu interior se revirar de uma forma quente e gostosa segundos antes dele descer a mão novamente para sua cintura e a puxar firmemente contra ele, colando seus lábios com vontade.
E null soube que sua curiosidade havia valido, e muito, a pena.
Fim
Nota da autora: Olá!! Primeiramente: muito obrigada por ler. É maravilhoso ver que saiu depois de todo o trabalho para isso aqui criar linhas (lê-le uma call de mais de 5 horas só para estruturar um plot em que Hoseok, nosso Rafael, sair um carioca estudante de humanos perfeito), então não esquece o comentário, por favor.
É possível acompanhar a M-Hobi pelo instagram: @mhobiautora
Nota da Scripter: Haaaai! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
