Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único

é o ser mais irritante que eu já conheci. Irritante é elogio, se quer saber. De qualquer forma, eu estava borbulhando de ódio enquanto a encarava naquele vestiário. Havíamos voltado do treino das líderes de torcida e eu ainda não consegui superar aqueles movimentos, totalmente fora da coreografia, que ela fez apenas para impressionar a professora. Eu sei que preciso me esforçar se quero me tornar a capitã da equipe, mas joga sujo e sempre consegue trazer todos os olhares para si. E de verdade, ela não é nada demais. Cabelos castanhos e encaracolados até a cintura, a pele em um tom marrom dourado e um corpo até que... agradável aos olhos de quem não a odiasse. O que não era o meu caso. Mas não foi sempre assim, ela era um bebê bem feio e, ainda assim, conseguiu ganhar de mim no concurso em que sua mãe e a minha nos inscreveu com apenas sete meses de idade. Sim, a rivalidade vem de gerações, mas...

! — Sofia sacudiu meus ombros, me arrancando dos meus pensamentos. — Você está olhando para a já faz um tempão. Se vocês não se odiassem, eu até poderia pensar que você é... lésbica. — ela disse em um sussurro.

Reviro os olhos ao notar a expressão de nojo, por mais que ela tentasse disfarçar.

— E qual seria o problema se eu fosse? — ergo as sobrancelhas, tirando minha mochila do armário — O gênero de quem eu gosto só diz respeito a mim, né? Mas não se preocupe, a com certeza não faz o meu estilo. — coloquei a língua para fora, em uma careta, fazendo minha amiga rir.
— Se algum dia isso acontecesse seria o maior surto da história! — concordei sem prestar muita atenção enquanto trocava de roupa ali mesmo — Nossa, a sua bunda cresceu! Mas enfim, eu estava perguntando se você vai na festa dos Jackson.

Os Jackson eram os gêmeos mais ricos daquele internato. E a dupla mais sem noção também. Ou melhor, Alex Jackson era sem noção e Nick Jackson era um grande fofoqueiro, mas isso eu poderia relevar, afinal, eu também gostava de manter informada. Mas além de ricos, eles também faziam as melhores festas clandestinas de todo o internato, o que era o bastante para alguns ignorarem os seus defeitos.

— Hoje é terça, Sofia. — respondi e segui para a parte central do vestiário, cruzando os olhos rapidamente com , que vestia apenas um short de academia e um sutiã vermelho rendado. De repente senti o ambiente ficar mais quente. Não era ridículo o fato de pais investirem tanto em um internato e os diretores não colocarem nem mesmo um ar condicionado no vestiário feminino? Céus!
— E daí? Por isso que é bom, não tem nada pra fazer porque a semana acabou de começar!
— Fale por você. Eu tenho uma audição amanhã, esqueceu? Quero ser capitã da equipe e pra isso eu preciso treinar o máximo que conseguir.

Cantarolei uma música qualquer enquanto Sofia continuava a ressaltar a minha chatice e dizer não saber como eu era uma das pessoas mais populares desse internato. Bom, eu sei. Sou bonita, inteligente, danço muito bem e acredito no meu potencial, o que me torna incrivelmente competitiva. Ou seja, eu não aceito estar por baixo. E com isso, eu assumo que já disputei concursos de beleza, show de talentos, a presidência do grêmio e, o mais recente, a liderança da turma do terceiro ano. Mas apesar do meu esforço, ela sempre estava no meu caminho. . As pessoas costumavam desistir quando sabiam que nós duas estaríamos dentro de uma competição porque, no fim das contas, sempre sobrava apenas eu e ela.

— Pra quem vai perder, você até que está se esforçando bastante.

Céus, como eu a odiava... Ergo os olhos e cravo-os na expressão dissimulada de .

— Disse algo, ? — perguntei calmamente.
— Ué, pensei que depois de ouvir todos os elogios que a professora lançou pra mim, você já tivesse percebido... — ela se aproximou, sustentando um sorriso — Mas você não precisa ser tão careta, . Por exemplo, eu sei que eu vou ganhar e por isso vou marcar presença na festa, afinal, quero todos me parabenizando amanhã quando eu assumir o cargo de chefe das líderes de torcida.

Nossos olhos não se desviaram nem por isso um segundo e estava cada vez mais cansativo manter a cabeça erguida, já que ela era alguns centímetros mais alta que eu. Soltei um suspiro e voltei minha atenção para as minhas unhas, como se fossem extremamente interessantes.

— Eu sabia que você arregar. — aumentando ainda mais a minha vontade de cometer um homicídio, o sorriso de se alargou. — Boa sorte amanhã, você vai precisar. — ela piscou e deu meia volta, caminhando tranquilamente para fora do vestiário.

Aquela v...

, vamos? Não param de te olhar. — Sofia sussurrou em meu ouvido e assim me dei conta de que ainda estava no meio do vestiário, sendo alvo de todos os olhares, e com as mãos já machucadas de tanto apertar as unhas nas palmas.
— Tirem uma foto, dura mais tempo. — sorri, irônica, e observei todos voltarem às suas ocupações. — Vamos sair daqui. — puxei Sofia pelo braço.

Sendo sincera, eu não me importava com reputação ou hierarquia, é a minha mãe que sempre fez questão de me manter no topo em absolutamente tudo, principalmente quando era que estava lutando por esse lugar comigo. Minha mãe e a mãe dela possuem uma rixa desde o fundamental e como não souberam resolver seus próprios problemas, resolveram passá-los para as filhas também. E sinceramente, eu até tentei ser amiga da e deixar essa rivalidade besta para trás, mas acho que não foi muito legal da minha parte roubar o namoradinho dela no 9º ano. Mas o que estou tentando dizer é: não me importo se sou chamada de vadia ou se todos querem sentar na minha mesa no refeitório, eu apenas não aceito que tentem tirar o que é meu. Não importa se é o primeiro lugar na Olimpíada de Química ou um concurso de beleza qualquer. não podia dizer qualquer merda na frente de todos e achar que as coisas ficariam por isso mesmo.

— Não me espere para essa festa, ok? Preciso ensaiar a coreografia e dormir mais cedo. — não esperei a resposta de Sofia e segui para o corredor que levava até o meu dormitório.

Com a ajuda da minha colega de quarto, repassei a coreografia três vezes. Tentei colocar um pouco mais de personalidade, como ela havia pedido, mas por algum motivo, aquilo realmente era muito difícil pra mim.

— Ok, vamos tentar de novo. — pedi, soltando meus cabelos e voltando a prendê-los em seguida.
— Ah, não! — balançou a cabeça várias vezes — Eu tenho uma festa pra ir, querida.

Observei-a pegar uma toalha e seguir para o banheiro.

— Eu não acredito que você vai na festa dos dois patetas. O que aconteceu com a garota que vira a noite estudando e diz que o jovem está perdido?
— Ela está morta! — Clara exclamou com um grande sorriso, me fazendo rir, descrente. O que deu nessa garota? — Brincadeira, eu só queria dar uma de Taylor Swift na era Reputation.
— Meu Deus, Clara, vai tomar logo esse banho. — reviro os olhos e a empurro para o pequeno banheiro que ficava em nosso dormitório.

Volto para a minha cama assim que Clara entra no banheiro, ainda rindo. Ela é uma boa amiga. Mas fora do nosso dormitório não somos tão próximas assim. Ela anda com o seu próprio grupo e eu ando com a Sofia, que por sinal é bem chata com a minha colega de quarto e sempre implica com ela quando tem a oportunidade. Eu não preciso a defender, porque Clara é o tipo de garota que pode ser quieta, mas não deixa ninguém pisar no seu calo. De qualquer forma, Sofia e eu apenas andamos juntas por conveniência, nos conhecemos desde o fundamental, mas já faz um bom tempo que não temos mais nada em comum. Pego meu celular para dar uma olhada nas mensagens que recebi quando escuto um pigarro bem próximo a mim.

— Uau! — olho para Clara com os olhos arregalados. Eu sempre soube que ela era linda, mas onde aquilo tudo estava escondido? — Nossa, Clara, você tá sensacional, eu juro!

Me levantei e a fiz girar, entre risadas.

— Sério? Você acha que alguém se interessaria por mim? — ela pergunta com aqueles olhinhos brilhando em expectativa e eu quis dar um tapa na cabeça dela.
— Você tá doida? É obvio! Eu estou interessada em você! Quer ficar comigo? — sorri quando seus olhos diminuíram com a risada alta que ela soltou.

Outra coisa sobre Clara era que ela era a única que sabia que eu era bissexual. Bom, não teria como eu dizer que era hetero depois de tê-la beijado. Longa história, mas estávamos bêbadas no quarto e aconteceu. Hoje somos apenas amigas e eu não sinto nenhuma atração por ela, mas fico feliz por ela ter sido a primeira garota que eu beijei e por guardar meu segredo tão bem.

— Que bom, então. Planejo flechar um carinha aí... — ela sorriu travessa e sentou em sua cama para colocar os saltos.
— Você tem certeza de que vai de salto? Esqueceu que você tá indo pra uma festa clandestina em uma casa no meio do mato? — não esperei sua resposta e fui procurar algum sapato que combinaria com sua roupa. — Aqui, você vai ficar linda e sem chances de cair. — joguei o par de All Star vermelho perto dos seus pés e voltei o olhar para o seu rosto, ela me encarava com um sorriso. — O que foi?
— Não é nada... — ergui a sobrancelha, fazendo-a bufar. — É que, você sabe, às vezes eu escuto alguém dizendo que você é insensível, os meninos idiotas que você beija te chamam de grossa... Mas na verdade, você é totalmente o oposto. — ela se levanta e eu estou pronta para me esquivar de qualquer toque ou demonstração de carinho exagerada, mas ela faz a única coisa que eu não consigo aguentar: cosquinha.
— CLA... RA! — digo com dificuldade, entre risos e tapas no ar — Para... com... ISSO! — seguro suas mãos, mas ela rapidamente consegue se soltar, porém não volta aos ataques. — Não faz, sério. Eu vou te machucar. — ameaço e ela apenas ri, se afastando, para logo em seguida me abraçar.
— Você é demais, . — bagunça meus cabelos. Por que ela sempre faz isso? Eu pareço um cachorro? — Você não deveria ficar sozinha aqui. Uma festinha não vai te matar, vai até te deixar mais relaxada para o teste.
— Nossa, quem é você? — puxei seu rosto para perto e fingi estar analisando-o.
— Deixa de ser idiota. — ela dá um tapa em minha mão, rindo. — Só estou tentando criar algumas lembranças desse último ano. Enfim, eu já estou indo, preciso ir logo. Me disseram que o zelador não vai ficar naquele portão por mais de 2 horas. — É claro. Os Jackson davam um bom dinheiro para que o zelador deixasse os alunos entrarem e saírem quando tinham festas, de modo que ninguém era pego pela Direção. Eles estipulavam horário e tudo. — Se você mudar de ideia, é só me ligar, tá?

Mexi a cabeça para concordar e me joguei na cama assim que Clara saiu do quarto para encontrar seus amigos. Eu não conseguiria dormir, sabia disso. As palavras de continuavam rondando pela minha cabeça e me irritava o fato de eu não ter dito nada. Eu nunca dizia, na verdade. Preferia mostrar. Porém, dessa vez, eu não estava me sentindo tão segura assim. Odiava admitir, mas tinha alguma coisa em que me deixava desconcertada em todo santo ensaio. Talvez fossem os movimentos. Sim, ela sempre estava inovando e eu sempre na mesmice.

— Ah, que se dane. — soltei, pegando meu celular e resolvendo dar uma olhada no meu Instagram.

As fotos e stories da festa já começavam a surgir, a maioria de alunos do segundo e do terceiro ano. Resolvi ignorar, mesmo que o ícone do perfil da minha rival estivesse brilhando em minha tela, indicando que ela havia postado alguns stories. Após um tempo abrindo e fechando todos os aplicativos possíveis, volto para um em específico e mato a minha curiosidade. Vejo os vídeos de bebidas e pessoas dançando, as fotos com roupas de marca, e pulo todo o resto até chegar em um vídeo que me chama a atenção. Duas garotas dançavam e faziam caras e bocas para a câmera, mas o que me deixa curiosa são as vozes no fundo do vídeo. Aumento o volume no máximo e tento sobrepor aquelas vozes a música estrondosa. “Eu soube do que houve no banheiro”, a primeira pessoa diz. “Pois é, e ela realmente não veio, que medrosa”, debocha a outra voz e o vídeo acaba logo em seguida.
Não paro para pensar, meu primeiro instinto é levantar da cama e ir direto para o banheiro. Após tomar um banho rápido, envio uma mensagem para Clara e sigo para o meu guarda-roupa. Escolho um dos meus melhores vestidos, um vermelho de alcinhas com um pouco de glitter, que torneava bem o meu corpo. Estava terminando de passar o gloss quando o toque insistente do meu celular alcança meus ouvidos.

— Fala.
— O que houve? — Clara grita do outro lado da linha.
— Nada, só mudei de ideia. Você vai me encontrar? — reviro os olhos quando escuto o “HÃ?” de Clara, me fazendo gritar da mesma forma que ela.
— Claro que vou! Mas como você vai sair sem ninguém perceber? O horário que os gêmeos combinaram com o zelador já acabou!
— Eu dou um jeito. — digo, convicta — Já estou terminando, te encontro lá.

Desligo o celular logo depois e procuro algum sapato. Pelo visto colocar um dos vestidos mais caros do meu guarda-roupa apenas para falarem de mim não foi uma boa ideia. Eu odiava usar saltos, ainda mais para caminhar no escuro e no meio de uma floresta, mas os tênis simplesmente tiravam todo o poder que o meu vestido exalava. Acabei escolhendo uma bota com um salto médio e grosso que era confortável e eu sempre usava quando queria fazer alguma besteira. Coloquei a bota nas mãos e saí do quarto após pegar o meu celular.
Caminhei descalça por todo o corredor do segundo andar do prédio dos dormitórios, atenta aos barulhos e às câmeras. O silêncio e vento frio que rodeavam o local me fez cruzar os braços e me arrepender de ser tão impulsiva. Parte de mim queria voltar para o meu dormitório e assistir qualquer besteira até adormecer e outra parte, a mais orgulhosa, se negava a fazer isso e estava ansiosa para ver a expressão que surgiria no rostinho de quando ela me visse. E eu não preciso dizer qual das duas venceu.
Como um gato atrás de sua presa, avanço sorrateiramente até o senhor rechonchudo que espremia um pano de chão. Ainda silenciosa, me encosto na parede às suas costas e o observo assoviar enquanto coloca o pano no rodo. Ele se vira e meus olhos cruzam com os verdes e arregalados dele, o homem estava prestes a soltar um berro ou um palavrão, mas sou mais rápida e tampo sua boca com a mão livre.

— Calma. — sussurro e ele tira minha mão de sua boca com uma certa falta de gentileza.
— Você é louca? Quase me matou, não percebe que eu já tenho idade para subir a qualquer momento? — ele diz extremamente sério e eu tento reprimir a risada.
— Subir? O senhor acha que vai pro céu pegando dinheiro de adolescentes e omitindo festinhas clandestinas? — o encaro com os olhos semicerrados e mexo as sobrancelhas, fazendo graça e como resultado, ele me dá um leve empurrão. Rimos.
— Você sabe porque eu faço isso. — ele diz em um tom baixo, enquanto passa o pano no chão daquela parte vazia do corredor.
— Sei e não estou no direito de julgar ninguém. — meu celular vibra em minha mão, o nome de Clara reluzindo na tela. — Preciso que o senhor me deixe sair.
— Negativo.
— O quê? É sério! — sua feição continuou impassível sob a luz amarelada do corredor — O senhor sabe que eu nunca saio, mas dessa vez eu realmente preciso. Juro que não vou fazer nenhuma besteira. — junto as mãos em uma prece e faço a melhor expressão de menina inocente que posso.
— Sei... Só falta uma auréola. — ele balança a cabeça para os lados, me ignorando completamente.

Eu e o seu Luís temos uma relação quase de avô e neta. Isso porque ele trabalhou, durante muito tempo — desde antes mesmo do meu nascimento —, na casa da minha família e me acompanhou durante todo o meu crescimento. Eu sei tudo sobre ele, sei que ele tem uma esposa escritora, sei que seu filho sofreu um acidente e agora usa cadeira de rodas — o que gera muitos gastos e é por isso que ele aceita o dinheiro para encobrir as festas clandestinas do internato —, e costumo ir à sua casa quando não aguento mais a minha. E é por termos essa relação de avô e neta que eu já deveria ter imaginado que seria difícil convencê-lo a me deixar ficar algumas horinhas fora do internato.
Olho nervosamente para o meu celular, já encontrando várias mensagens de Clara.

— Por favor, seu Luís, a Clara já está me esperando lá fora. Eu prometo que vão ser só umas horinhas, só pra esfriar a cabeça. — ele não me olha, apenas joga o pano de chão de volta para o balde.
— Quer esfriar a cabeça então tome um banho!
— Ha-ha! Que engraçado. — reviro os olhos ao escutá-lo rir da própria piada.

Envio uma mensagem rápida para Clara e encaro o senhor em minha frente antes de soltar um longo suspiro.

— Tudo bem, então. — abaixo a cabeça — Enfim... Eu vou para o meu quarto, acho que vou ensaiar até dormir ou sei lá... Eu só tô muito cansada de fazer as mesmas coisas... — caminho lentamente em direção ao próximo corredor — Mas tudo bem, não tem problema. Só queria me divertir um pouco... — como se não fosse o bastante, finjo fungar e esfrego uma mão no rosto. — Boa noite, seu Luís, mande lembranças pra sua esposa e seu filho.

Caminho — ou rastejo — ainda cabisbaixa, esperando alguma reação, mas estava demorando demais. Estou prestes a virar e insistir mais uma vez quando escuto o suspirar do mais velho.

— Até hoje você faz isso achando que eu não te conheço e até hoje eu caio nos seus dramas.

Viro-me com um sorriso gigante e corro em sua direção para abraçá-lo.

— O chão tá molhado, menina! — ele tenta soar autoritário, mas ri assim que eu o aperto com meus braços.
— Eu prometo que a única coisa que eu vou beber é água! No máximo um refrigerante! E eu volto cedo. E...
— Tá bom, agora vamos logo antes que alguém te veja ou eu mude de ideia. — apenas balancei a cabeça para cima e para baixo, permanecendo quieta durante todo o trajeto.

Descemos por uma escada de serviço antiga e que por isso, não possuía câmeras. Caminhamos por salas abandonadas, algumas ainda em reforma, e então, Luís sacou sua chave e abriu a porta de uma saleta escura e suja, que aparentemente não servia para nada além de guardar entulho. Assim que ele me deu espaço para sair, pude jurar que um grande ponto de interrogação se formava sobre a minha cabeça. A porta simplesmente dava espaço para a mata que cercava uma parte do nosso internato. Antes que eu pudesse refletir sobre como dezenas de pessoas conseguiam sair por essa sala minúscula sem serem descobertas, avistei duas silhuetas sob uma árvore a alguns metros de onde eu estava. A luz do poste era fraca, mas eu pude reconhecer Clara pela sua forma de andar em círculos quando estava ansiosa.

— O senhor é demais, eu já disse isso, né? — virei-me para seu Luís antes de sair.
— Não sei, não, . É melhor você voltar pro seu dormitório e...
— Eu não demoro, beijo! — saí correndo em direção a Clara antes que ele dissesse mais alguma coisa.

Tomei cuidado para não tropeçar em alguma pedra no caminho e assim que alcancei uma distância mínima de Clara, reconheci a pessoa que estava ao lado dela, era um de seus amigos e um dos meus adversários na Olimpíada de Química do ano passado.

— E aí, Martin? — cumprimento-o com um sorriso.
— Oi.

Ele dá as costas e segue em direção à casa em que a festa estaria acontecendo. Troco olhares com Clara, que solta uma risada despretensiosa antes que eu pudesse exprimir alguma reação.

— Acho que alguém não superou a derrota... — cochicho no ouvido de Clara após calçar minhas botas, enquanto caminhamos atrás de Martin.

Clara solta uma risadinha.

— Posso saber o que te fez mudar de ideia? — ela pergunta.
— Achei que seria bom para dar uma desestressada. Por causa de amanhã e tudo mais. — respondo como se não fosse nada demais e pelo canto do olho, vejo Clara me observar.
— Ok, vou fingir que acredito.

Não demoramos para chegar à casa de madeira de dois andares, avistando sua varanda que a fazia parecer abandonada, apesar de seu interior ser completamente diferente. Bem, a casa costumava ser abandonada, mas então, os irmãos Jackson a descobriram e a mobiliaram com tudo que fosse necessário para que pudessem ocorrer “festas” naquele lugar. Eu devo ter ido em duas reuniões, no máximo, quando eu ainda achava que tudo se baseava em ser popular. A porta da frente estava fechada — provavelmente para não levantar suspeitas —, então precisamos dar a volta na casa e assim que chegamos aos fundos, pude encontrar alguns rostos conhecidos. Não dei muita importância e entrei pela porta que levava ao restante da casa.
Não vou mentir, amo quando todos os olhares caem sobre mim. Durante muito tempo isso foi um problema, eu me costumava me importar bastante com o que poderiam pensar de mim, mas saber que daqui a um ano eu não verei nem metade dessas pessoas me faz pensar que essas opiniões não são grandes coisas. Talvez porque não sejam mesmo.
Sorri para todos que passavam pelo meu caminho ou que paravam para me observar enquanto eu ia em direção à única pessoa naquele lugar que ainda não havia me notado. Não me surpreendi ao ver Sofia conversando animada com , mas ela, sim, se surpreendeu ao me ver, assim como as outras pessoas que participavam da conversa. foi a última a me notar, mas eu pude captar seu leve arregalar de olhos.

! O que está fazendo aqui? Você disse que não vinha. — Sofia deu um sorriso sem graça. Ignoro sua pergunta.
— Por que estão todos parados? — pergunto com um falso tom de inocência, dando uma olhada ao redor da sala, vendo um amontoado de pessoas me encarar — Isso não é uma festa?
— Ora, ora, quem é vivo sempre aparece! — Nick Jackson se aproximou com um copo azul na mão e um grande sorriso no rosto. Ele era o gêmeo mais simpático e o menos galinha. Eu até que gostava dele. — E uau! — ele parou para me observar de cima a baixo.
— Achei que a minha presença fosse melhorar a sua festa. — sorrio, olhando discretamente para , que vira sua bebida com uma carranca.
— E se melhora. — ouço a voz idêntica à de Nick, porém um pouco mais arrastada e com alguns indícios de malícia. Esse era Alex Jackson, metido à garanhão, mas que finge desmaio se escuta um “não”.
— Alex. — viro-me para o moreno, que continua com os olhos vidrados em meu decote. — Perdeu alguma coisa? — cruzo os braços, ele apenas balança a cabeça e dá um de seus sorrisos galanteadores.
— Só estou feliz em te ver. — ele se aproxima e coloca um braço ao redor dos meus ombros — Me chame se precisar de alguma coisa. As bebidas acabaram na geladeira, mas eu posso conseguir algo pra você. — sussurra com a boca grudada em minha orelha, o que me deixa um pouco agoniada.
— Eu sei como funciona, Alex. Vá se divertir. — sorrio para ele, me afastando em seguida.

Volto-me para Sofia, que estava sentada ao lado de e sento em seu colo. Antes que eu pudesse dizer algo, se levanta e caminha para longe do meu campo de visão.

— Está se divertindo? — pergunto à Sofia após sentar no lugar em que minha rival estava a alguns segundos.
— Antes não, na verdade. Estava me sentindo muito deslocada, mas ainda bem que você chegou. — Sofia soa como um robô.

Apenas concordo, mesmo sabendo que não era verdade.

— O que te fez mudar de ideia?
— Estava entediada e resolvi dar uma passada. Apenas para desestressar. — respondi, apesar de que, no fundo, eu não sabia exatamente o que iria fazer ali.

Festas nunca fizeram o meu estilo, eu não costumava dar certo com bebidas. Sempre quebrava algo, discutia ou acabava chorando. Sei que hoje esperam que eu faça isso, principalmente por ter falado comigo daquele jeito e saído como vitoriosa. Mas não vou dar esse gostinho a eles.

— Posso falar com o Alex para pegar uma bebida pra você. — Sofia me cutucou, sorrindo. Quis revirar os olhos.
— Não, tô bem assim.

Após alguns minutos em silêncio, Sofia cansa de ficar ao meu lado e se levanta, alegando ir procurar alguém que eu não fiz questão de lembrar o nome. Conversei com algumas pessoas que paravam para sentar ao meu lado, a maioria curiosa para saber por que eu resolvi ir à festa justo naquele dia. Quando me dei conta, já estava rodeada de alunos naquela sala, conversando sobre os mais variados assuntos, desde as meninas do primeiro ano que engravidaram até o vestibular que prestaríamos no final do ano. Por instinto, olhei para o outro lado da sala, vendo caminhar em direção à cozinha. Não demoro para levantar também, avisando que iria pegar uma bebida. Encaro seus longos cabelos encaracolados enquanto a sigo calmamente. Espero que ela abra a geladeira e então, permaneço logo atrás, bem próxima ao seu corpo. Posso sentir o cheiro do condicionador e isso me irrita, mas continuo. pega uma lata de refrigerante e fecha a geladeira, virando-se em seguida.

— Cacete! — ela solta após dar um pequeno pulo. — Você não poderia ter feito algum barulho pra avisar que estava aqui? — levou sua mão até o peito, massageando-o.
— Não tá escutando a música? — indiquei para o meu próprio ouvido, em um gesto irônico.
— Engraçada.
— Obrigada. — sorrio — Está feliz em me ver?
— Por quê? — ela sorri, se aproximando — Veio só por minha causa?

Engulo em seco. E me odeio por isso.

— Você bem que queria, né. — tento me recompor, mas percebo que aquilo soou estranho.
— Quê? — junta as sobrancelhas em confusão. Sinto meu rosto esquentar. — Enfim, que bom que veio. — ela passa a língua sobre os lábios. O que é isso? — Assim você não vai se sentir tão mal quando perder pra mim amanhã.
— O que você prefere, ? — ignoro seu comentário — Eu tiro essas coisas horríveis que você usa na orelha ou te coloco para me erguer na coreografia?
— Eu provavelmente me atrapalharia e te deixaria cair. Me sentiria muito mal por isso. — diz sem um pingo de emoção — O que acha de vermelho? Estou pensando na sua nova cor de cabelo, esse amarelo é horrível. — acompanho com o olhar pegar uma mecha dos meus cabelos e enrolá-la com o próprio dedo.
— O que você pensa de ir tomar...
— Olha se não só as mais lindas do Internato! A festa tá acontecendo na sala, vocês se perderam? — um garoto qualquer do time de futebol coloca os braços em volta dos nossos ombros e nos puxa para o outro cômodo.
— Estávamos apenas conversando. — forço um sorriso, tomando um gole da minha Sprite em seguida.

Observo caminhar até um dos sofás e se sentar ao lado de suas amigas, que começam a tagarelar logo que imediatamente. O único problema era que a minha queridíssima rival não deixava de me encarar nem por um só segundo e mesmo quando eu me sentei do lado oposto do cômodo, pude sentir aqueles olhos me queimando. Eu nunca fui de escolher a violência, mas aquilo já estava me deixando agoniada. Antes que eu pudesse fazer algo, Alex Jackson se joga ao meu lado.

— O que tá achando festa? — sua boca está tão próxima do meu rosto que posso sentir o cheiro da bebida, e isso me enjoa.
— Legal, eu acho. Quando vocês planejam terminar? — observo-o checar as horas no relógio. Eu nem sabia que ele conseguia entender um relógio de ponteiro.
— É... Você pode ver no seu celular aí? — ele sorri e me lança uma piscadela. Céus...
— 20:24.
— Hum... Daqui a 3 horas, mais ou menos, aquele senhor da limpeza vai abrir o portão.
— O nome dele é Luís. E vocês não tem medo de alguém dedurar? Ou outro funcionário ficar sabendo... — Alex me olha como se eu fosse ingênua.
— Não contamos só com a ajuda do Luís, minha doce . E sobre algum aluno nos dedurar, temos uma lista com os nomes de quem vem à festa. Agora... — ele coloca sua mão sobre a minha coxa. — O que acha de irmos lá pra cima pra conversamos melhor? — reviro os olhos.
— Cala a boca.

Levanto do sofá escutando os protestos de Alex, mas não ligo.

— Nick! — chamo o outro gêmeo, que passava pelo centro da sala segurando um prato de petiscos.
— Sim, minha rainha? — o loiro se vira rapidamente, me oferecendo alguns petiscos, que eu aceito de bom grado.
— Isso tá bom... Ei, o que você acha de fazermos alguns jogos?
— Sério? A tinha acabado de comentar isso comigo. — ele ri, ao passo que eu faço uma careta — Tem pouca gente aqui, dá pra fazer algo maneiro. Vou falar com algumas pessoas e então nos juntamos, ok? — apenas assinto e assim que ele sai do meu campo de visão, vejo a garota de cabelos cacheados me encarar, parecendo curiosa. Ergo uma das sobrancelhas, esperando que ela simplesmente desviasse, mas para a minha surpresa, sorri. As coisas por aqui estão tão estranhas...

Poucos minutos depois, Alex e Nick entram na sala carregando uma mesa de pingue-pongue e a colocam no centro da sala.

— Vamos jogar Beer Pong! — Alex grita sobre a música, fazendo as pessoas que observavam com curiosidade soltarem gritos de animação. — Organizem as equipes, vou pegar os copos.
— Que tal e como as líderes dos times? — Nick abriu um sorriso largo — Já que foram vocês que deram a ideia, nada mais justo.

É claro, todos aqui estavam ansiosos para me ver competindo — ou discutindo, se tivessem sorte — com . Mesmo que eu não quisesse beber de jeito nenhum, eu não poderia arregar. Seria humilhação demais para um dia só.

— Ótimo. Vamos, ? — sorrio quando vejo seu revirar de olhos com o apelido.

Rapidamente montamos o time, cada um com quatro participantes — contando com as líderes. Alex já havia colocado os copos na mesa, todos contendo vodca pura, o que fez meu estômago embrulhar antes mesmo de provar, de fato.

— Só vai ter álcool nessa primeira rodada, especialmente para nossas queridas líderes. — Alex sorri maliciosamente — Não me olhe com essa cara, , nós sabemos que você não é nenhuma santa. — ele me joga uma piscadela, causando risadas com seu comentário. Quis voar em seu pescoço.
— Vamos jogar ou não? — a voz irritadiça de corta as risadas. Ela não deveria estar rindo assim como os outros?
— Vou começar. — aviso, passando a bolinha de uma mão para a outra, mantendo os olhos firmes nos copos do time oponente.

Jogo a bola, que após uma parábola perfeita, cai em um dos copos do time de . Sorrio, ganhando força com as palmas e os elogios. Volto meus olhos para , que tira a bolinha do copo e bebe todo o conteúdo em seguida, parecendo se segurar para não demonstrar a careta.

— Sorte de principiante. — diz, me encarando.
— É o que vamos ver.

pega outra bolinha e a joga sem tirar os olhos dos meus. Droga. A bola cai no copo mais próximo, fazendo as pessoas em volta da mesa gritarem de empolgação. Respiro fundo, pegando o copo para tirar a bola.

— Eu posso tomar por você, . — Clara, que estava em meu time, sussurra em meu ouvido. Balanço a cabeça em negação.
— Não vão parar de me encher o saco. — sussurro de volta.

E então viro o copo na boca, sentindo o líquido rasgar a minha garganta e queimar meu estômago enquanto os berros se tornam cada vez mais altos. Não evito a careta.

— Está se sentindo mal, ? Podemos parar aqui, se você quiser. — diz com uma preocupação forçada.
— Não se preocupe. — sorrio — Você sabe que eu não sou de desistir fácil.

E então o jogo seguiu. O time de era bom e o meu errava a bola por besteira, o que me fazia querer gritar. A garota dos cabelos cacheados ria do outro lado da mesa, dizendo que eu já estava vermelha. também errou algumas bolas, duas vezes seguidas, na verdade. Mas nem parecia se importava, ela estava mais ocupada rindo dos meus ataques de raiva e dos palavrões que eu soltava uma vez ou outra.

— Ok, os últimos copos para as duas equipes. — Nick observou, me dando a bolinha.

Forcei-me a focar meus olhos que já piscavam de modo sonolento por causa da quantidade de álcool que eu não estava acostumada a tomar. Se eu perdesse, provavelmente acertaria o meu copo e eu não poderia lhe dar o troco pelo o que houve no banheiro. Mas se eu acertasse, ganharia mais confiança para o teste de amanhã. Passei a bolinha de uma mão para a outra, observando fingir um bocejo. Respirei fundo e joguei, fechando os olhos e só abrindo-os novamente após escutar a explosão de gritos.
Sorrio ao ser abraçada por algumas pessoas do meu time, vendo o revirar de olhos de . Após conseguir me livrar dos abraços, caminho até a minha rival sem tirar o sorriso satisfeito do rosto.

Swish, swish, bish. — sussurro, quase colando meus lábios em sua orelha.

não expressa nenhuma reação, tampouco diz algo, mas consigo ver suas mãos se mexendo nervosamente e aquilo é o suficiente para mim. Afasto-me com um sorriso vitorioso e vou atrás de um refrigerante.
Após aquele jogo, senti como se eu pudesse fazer qualquer coisa, então, joguei algumas outras vezes e ri nas vezes que perdi, dancei com Clara e até sorri para . Ela retribuiu com um dedo do meio.
Mas tudo começou a mudar quando tivemos que ser uma dupla em um jogo de baralho. No começo não foi tão pacífico assim. Discutimos sobre as escolhas uma da outra, sobre ela estar muito colada em mim, sobre eu ser teimosa... Até que percebemos que isso estava no fazendo perder e as pessoas em nossa volta estavam colocando cada vez mais lenha na fogueira para brigarmos.

— Vamos perder se você continuar colocando outras cartas pra me contrariar. — disse séria, enquanto aproveitávamos o intervalo entre uma partida e outra.
— Tudo que eu faço você acha errado! — juntei as sobrancelhas — Se você tivesse pelo menos me escutado, antes de agir com impulsividade, não teríamos perdido aquela droga por besteira.
, iríamos perder de qualquer forma, você já estragou tudo quando jogou a carta errada.
— Cala a boca! — a empurro, só percebendo o que fiz quando ela arregalou os olhos.

e eu nunca encostamos o dedo uma na outra, não importava quantas merdas saíssem da boca de alguma de nós duas. Acho que sempre foi algo consensual que nunca precisamos dizer, de fato. E agora seus olhos transbordavam raiva ou talvez... decepção? Por algum motivo, eu me senti mal.

... — ela me dá as costas — Espera... — seguro seu braço — Por favor.

Solto seu braço assim que ela para e cruza os braços, sem me encarar.

— De-desculpa. — digo baixinho e ela tomba a cabeça para o lado, confusa — Desculpa, ok? Não deveria ter feito isso. Não gostaria que você fizesse comigo.
— Tudo bem, vou me lembrar de apenas te humilhar na frente de algumas pessoas. — ela sorri irônica, me fazendo revirar os olhos.
— Que se dane. Vamos parar de discutir e focar nesse jogo, ok? — mantenho meus olhos presos nos seus — Estão tentando nos desestabilizar falando do teste de amanhã, então não dê ouvidos a eles.

me analisa por um longo tempo, até que balança a cabeça em concordância e me puxa pelo braço para a sala, onde todos esperavam.
Deu tudo certo. Certo até demais, devo dizer. Nós conseguimos criar uma estratégia e virar o jogo, e quando perceberam que não estavam conseguindo nos atingir, Alex — que fazia dupla com Sofia — disse que não estava mais achando graça no jogo. Eu e ganhamos. Eu e sorrimos uma para a outra. Eu e quase nos abraçamos. Eu e . Isso é tão... esquisito? disse que eu jogo bem, eu não soube o que dizer, então apenas avisei que iria pegar um refrigerante para ela.
Não nos tornamos melhores amigas depois disso, na verdade ficamos em lados opostos trocando olhares estranhos.

— Galera, que tal um jogo da garrafa? — Sofia perguntou com um grande sorriso após algum tempo.
— Tá aí! — Nick bateu uma palma, animado, já começando a chamar algumas pessoas — Vamos lá, , por que tanto medo? Por acaso você tem algum segredinho? — ele cutucou sua cintura, rindo. Mas apenas se remexeu no sofá, parecendo desconfortável, não que eu a conhecesse tanto assim.
— Você vai jogar, ? — Sofia me pergunta, em pé no centro da sala enquanto segura uma garrafa vazia.

Todo o resto esperava minha resposta, pelo visto apenas eu e minha mais nova amiga ainda não tínhamos decidido.

— É, pode ser... — murmurei, direcionando meu olhar para , que também concordou com uma certa relutância.

Após isso, seguimos para o centro, sentando em formato de círculo.

— Vamos jogar no sentido horário, eu começo. — Sofia afirma, girando a garrafa em seguida. — Clara. Verdade ou desafio?

Rapidamente procuro Clara na roda. Em um só dia Clara resolveu ir à uma festa clandestina e participar de um jogo cheio de adolescentes chatos, o que estava havendo? Quis arrastar minha amiga dali quando a vi encolher os ombros levemente.

— Verdade.
— Ok, é verdade que você é lésbica?

Ouço pessoas soltarem risadinhas e começarem os cochichos.

— Não. — Clara responde tranquilamente.
— Então bi? — Sofia continua, fazendo as risadas aumentarem.
— Você já fez a sua pergunta, Sofia. — me intrometo, fazendo a garota me encarar.
— É só uma pergunta boba, . — ela revira os olhos, o que me deixa um pouquinho irritada — Eu nunca te vi com nenhum garoto, Clara, se você confessar não vai surpresa nenhuma.
— Eu... — os olhos de Clara transbordam desespero.
— A Clara não tem que confessar nada pra ninguém. — digo, chamando a atenção de todos — Desde quando a sexualidade dela é da conta de vocês? A de ninguém é. Agora dá pra passar a droga da garrafa?

Vejo uma faísca de raiva saltar nos olhos de Sofia, mas ela apenas passa a garrafa para a próxima pessoa sem dizer nada. E assim o jogo segue, com algumas perguntas idiotas e desafios como “beije a pessoa a sua esquerda” ou “poste uma foto estranha no seu perfil do Instagram”. Eu participei dos dois casos, mas quando não queria responder ou fazer algo, simplesmente não fazia e pronto. Até que Nick girou a garrafa mais uma vez, parando em .

— Desafio. — ela respondeu.
— Ok, eu te desafio a ficar trancada naquele depósito. — ele aponta para uma pequena porta embaixo da escada. — Por quinze minutos.
— Beleza. — se levanta.
— Mas não é só isso. — Nick passou a língua sobre o lábio inferior, sorrindo em seguida. — Eu te desafio a ficar trancada por quinze minutos com a .

E então, uma explosão de palmas e risadas. Quando eu vi, já estava sendo erguida e levada para o tal depósito junto da minha, até então, inimiga. Só me dei conta do que estava acontecendo quando escutei a porta ser trancada por fora e dei um passo para frente, batendo com o corpo de , que me encarava intensamente. Rapidamente me afastei, chocando-me com um armário.

— Droga. — murmurei, passando a mão no quadril. riu, então direcionei meus olhos para ela. — Por que você tá me olhando assim? — ela tombou a cabeça para o lado, sorrindo.
— Pode ficar tranquila, eu não mordo.

Senti como se minha cabeça estivesse girando. Era impressão minha ou estava me olhando de cima à baixo? Espera. Por que estava se aproximando?

— O que você... — interrompo minha própria fala no mesmo instante em que a única luz que iluminava o depósito se apaga, nos deixando em um completo breu. Ficamos em silêncio por alguns segundos.
— Acho que eles acharam legal nos deixar no escuro. Devem pensar que assim vamos arrancar o cabelo uma da outra ou algo assim. — diz, soltando um longo suspiro em seguida.
— É. Aposto que foi ideia do idiota do Alex.

Tateio o chão com cuidado, sentando logo em seguida. Percebo que faz o mesmo, pois sinto seu braço se esbarrar levemente com o meu.

— Hum... Pensei que vocês estivessem juntos. — aquilo me faz virar rapidamente para onde ela devia estar, apesar de não conseguir vê-la.
— O quê? Claro que não! — solto uma risada — Ele até tentou, mas nunca daria certo.
— Hum...
— “Hum” o que?
— Ué, “hum” nada. — sua voz soa engraçada para mim, mas não rio.
— Você é estranha.
— Você vem aqui só pra me provar algo e eu sou a estranha? — sinto o sarcasmo em seu tom.
— Pra te provar algo? — rio, balançando a cabeça para os lados — Sua autoestima é algo invejável, sabia? Mas não sei se você gosta de se iludir ou realmente acredita no que diz...
— Para, . — ela parece sorrir — Eu e você sabemos que você só está aqui por minha causa.
— Sim, e você vai ganhar o cargo amanhã. — reviro os olhos.
— Exatamente. Viu como tudo fica mais fácil quando apenas aceitamos as coisas do jeito que elas são? — eu queria pular no pescoço dela, só Deus sabe o quanto eu queria.
— Eu realmente te odeio.
— Nem você acredita nisso, . — sussurra e eu sei que ela está perto.
— Você também me odeia. — mantenho-me em sua direção, sentindo sua respiração bater em meu rosto.
— Muito pelo contrário...

Aquilo me desconcerta. Seu tom de voz era sério, não havia resquício algum de ironia, nem mesmo uma risada em seguida. Mas não digo nada, não havia o que dizer mesmo.

— Hum... Aquilo que você fez foi legal. — ela diz um tempo depois, me deixando confusa.
— Aquilo o quê?
— Com a garota que Sofia estava implicando. — diz com um certo desgosto. Automaticamente a entendo.
— Ah. O nome dela é Clara. E ela é minha amiga, eu não podia só ficar assistindo. — dou de ombros.
— Sério? — ela realmente parece surpresa — Pensei que sua única amiga fosse a Sofia.

Rio antes de negar.

— Nós duas sabemos que Sofia não é amiga de ninguém.

Ela permanece em silêncio, talvez lembrando o mesmo que eu. Quando eu e tentamos ser amigas, Sofia era nossa ponte, ou era o que parecia. Costumávamos ser um trio, ainda em ascensão e tentando alcançar o topo da hierarquia do Internato. Até que eu beijei o namorado de e tudo mudou. Todos passaram a falar de nós duas, mas principalmente de mim, então nosso trio acabou e Sofia ficou do meu lado sem hesitar. Na época, achei que aquilo havia sido um grande ato de amizade, mas hoje sei que Sofia só queria ter um pouquinho dos holofotes também. E também sei que eu não poderia ter sido mais vadia. Fiquei com o namorado de após nós duas brigarmos sobre como ela se negava a enfrentar sua mãe e parar de deixá-la interferir em sua vida, principalmente na nossa amizade. Ao invés de ser uma boa amiga e respeitar o tempo da única que pessoa ainda se importava comigo, resolvi ficar com alguém que eu nem mesmo gostava, apenas para deixá-la tão machucada quanto eu estava. Foi assim que eu aprendi com os meus pais.

— Me desculpa, . — murmurei, notando apenas depois que aquilo realmente havia saído da minha boca.
— O quê?
— Esquece. — encolho os ombros, sentindo seu olhar sobre mim. — Pensei alto.
— Agora você vai ter que dizer. — fico em silêncio — Vamos, ! Podem abrir a porta a qualquer momento. Diz logo...

Sua voz soava um pouco ansiosa, então mesmo que eu quisesse continuar em silêncio, acabei despejando tudo.

— Fiquei com seu namorado, . Te deixei sozinha, deixei que pessoas fizessem piadinhas e rissem de você, competi com você em coisas que você gostava apenas para implicar porque você não queria me deixar explicar o que houve. Nem havia o que explicar mesmo. Mas então você entrou na equipe e você nem queria virar líder de torcida! Você fez aquilo tudo pra implicar comigo também, então eu parei de me sentir mal pelas merdas que eu fiz porque você pagou na mesma moeda. Porque eu e você somos idênticas. E eu te odeio. — paro para respirar, sentindo até mesmo um certo alívio, o que não dura muito tempo, pois ainda está ao meu lado e não diz uma só palavra.

Sinto um entalo em minha garganta.

— Então... você se odeia? — pergunta baixinho, me deixando confusa.
— O quê?
— Você disse que somos idênticas. — ela responde com um tom divertido. Do que ela estava achando graça?
— Ah...
— Bom, eu sinto muito ter que dizer, , mas você não me odeia. — reviro os olhos, pronta para rebater, mas ela continua — Você se importa demais com coisas que aconteceram há três anos atrás com uma pessoa que você diz odiar.

Não respondo. Quero dar um chute nela. Não, eu quero me chutar. Queria dizer que não me importava, queria dizer que não foi a minha dor na consciência me atormentando por anos que me fez dizer aquelas coisas.

— Sabe, , eu realmente quis devolver na mesma moeda. Mas eu não fiz o que fiz só por causa disso. — meus olhos se estreitam rapidamente.
— E por que foi, então?
— Eu não vou te dizer. — ela solta uma risada, seguida de um suspiro, o que me faz sorrir involuntariamente. — Mas você me fez um favor, de certa forma. Eu meio que não gostava dele... Do garoto que eu namorava.

Arregalo os olhos e não hesito ao perguntar o porquê.

— Hum... Ele era filho dos amigos dos meus pais. Eles acharam que seria uma boa nos juntar, por causa das empresas que herdamos. Você entende o que eu quero dizer? — assinto, mas mesmo sem conseguir ver o gesto, ela continua — Certo. O assunto de que ele havia me traído se espalhou rapidamente e, de alguma forma, meus pais ficaram sabendo. Então cortamos relações com a família dele e foi isso.
— Uau... Então você não estava sofrendo da forma que diziam?
— Mais ou menos. — posso imagina-la sorrindo. — Digamos que eu tenha fingido um pouquinho o motivo do meu sofrimento. Mas como você disse, somos bem parecidas. Eu também sou ambiciosa, também quero um pouco de atenção. Talvez isso me faça alguém ruim, mas é apenas o ensino médio. Daqui a alguns meses, tudo isso irá acabar e eu me tornarei uma ninguém.

Penso sobre isso. Talvez eu fosse apenas carente e quisesse chamar atenção de qualquer forma, apenas para esquecer o fato de que, quando eu finalmente sair dessa escola, ninguém se importará com o que eu faço ou deixo de fazer. Talvez isso até seja uma coisa boa.

— Não precisa pensar tanto sobre isso, . — sinto seu braço esbarrar no meu, a pele macia e quente. — Eu gostava de outra pessoa naquela época.

Aquilo era novo, não me contou nem mesmo quando ainda éramos amigas.

— Sério? — minha voz não esconde a surpresa.
— Uhum. — ela murmura.
— E quem era? — pergunto sem rodeios, ao passo que ri baixinho e eu consigo sentir um sopro em meu rosto. Estamos próximas. — Me conta...
— É... É um segredo. — ela diz com a voz baixa e suave. Sua respiração bate mais uma vez em meu rosto e eu tento ignorar o arrepio.
— Eu sou ótima guardando segredos. — abaixo a voz, escutando a risada da garota que tem seu rosto muito próximo ao meu.
— É mesmo? — fecho os olhos, meu coração bate forte.
— Sim.
— Tem certeza? — ela assopra em meus lábios, me deixando completamente mole. E entregue. Me arrepio ao sentir nossas bocas se tocarem suavemente, até que nos afastamos tão rápido que minha cabeça bate no armário às minhas costas.
— Vocês estavam brigando? — Alex pergunta, sorrindo abertamente. Não respondo, aturdida demais para isso e com uma cabeça que não parava de latejar.
— Quase. — responde, me fazendo encará-la. — Mas você acabou com os nossos planos.

Ela o dá um sorriso irônico, se levantando logo em seguida e nos deixando sozinhos naquele cubículo. Não demoro para sair também, ignorando as perguntas de Alex e seguindo com o meu plano de achar um pouco de gelo. Não consegui evitar procurar com os olhos, mas ela não estava em lugar nenhum, nem mesmo com suas amigas. Caso fosse verdade, seria estranho querer beijar sua arqui-inimiga? Não é como se eu quisesse, mas ela estava tão próxima e o seu cheiro era tão bom que eu poderia facilmente me esquecer de que a odiava por alguns minutos. Ou um pouco mais se me esforçasse... Acho que estou doente.

! — levantei o olhar, encontrando Clara — O que houve com você?
— Por que? Dá pra ver o galo? — me desespero, colocando o saco de gelo sobre a pia. Não podia estar tão grande assim, não é?
— Não... Mas você estava com um saco de gelo encima da cabeça e olhando para o chão como se alguém tivesse morrido...
— Ah — rio — Não era nada. Você saiu do jogo? — olho para a sala e percebi que algumas pessoas ainda estavam na roda.
— Desde que você entrou no depósito. Eles são insuportáveis. — disse sem muita emoção e eu concordei, rindo. — Vou ficar lá fora, tenho que falar com uma pessoa... Se você quiser ir embora, me manda mensagem, ok?
— Entendido. — apenas balanço a cabeça, a observando sair pela porta dos fundos.

Após algum tempo apenas ouvindo a mistura de risadas e vozes que vinham da sala, meu celular vibra, anunciando uma nova mensagem.

“Se você quiser conversar, me encontre no meu dormitório. Minha colega de quarto precisou ir para a cidade resolver uns problemas e não vai dormir aqui hoje.”

Olhei ao redor, nenhuma pessoa sequer parecia perceber que eu ainda estava ali, todos muito entretidos nos jogos que os gêmeos continuavam a propor. Encarei mais uma vez a tela do meu celular. O que eu tinha para conversar com ? Há algumas horas atrás ela fez parecer para todos que eu era uma covarde. Há minutos atrás quase nos beijamos. Eu ainda estava com raiva. Digitei um apenas um “ok” e enviei, tendo minha mensagem visualizada no mesmo instante. Respirei fundo e sai pelos fundos, aproveitando que ninguém parecia me notar. Mandei uma rápida mensagem para seu Luís, pedindo para que ele abrisse o portão para mim, e passei rapidamente por trás de Clara, que conversava animada com um garoto que eu nunca vi.
Meu coração batia forte e eu não entendia o porquê. Eu e não conversávamos já fazia três anos, nossa interação se resumia a ameaças e provocações, mas em apenas uma noite, avançamos tanto que eu não conseguia mais acompanhar. De qualquer forma, entrei na escola com a ajuda do homem e após me esgueirar pelos corredores, encontrei o dormitório de . Mal dei duas batidas e a porta já estava aberta. Não tive muito tempo para observar sua expressão surpresa, já que ela logo me puxou para dentro do quarto e trancou a porta.

— Hum... Pode sentar ali, eu só vou terminar de tirar a maquiagem. — ela apontou para a cama, sem me olhar.

Ela ainda usava a mesma roupa da festa: uma saia xadrez verde e justa e uma camiseta branca por dentro. Seus cabelos cacheados estavam um pouco bagunçados, mas continuavam bonitos.

— Você pode parar de me encarar? — ela passava um algodão pelo rosto.
— Não.
— Você me acha atraente? — se eu não estivesse tão surpresa com a pergunta, poderia ter notado o tom atrevido.
— O-o quê? — pisquei, desviando quando ela se virou para mim.
— Você tá vermelha! — ela riu, se aproximando.
— Cala a boca. — murmurei com uma carranca, mas acabei sorrindo quando ela se aproximou com um grande sorriso no rosto.

Tinha uma coisa sobre que me desconcertava. Ela possuía uma aura forte, que na maioria das vezes me fazia perder a lucidez e me deixava vidrada. Por isso que, assim que ela se sentou ao meu lado, eu não consegui parar de olhar para todos os cantos do seu rosto. Era irritante, mas eu não pude evitar.

— Sobre o que você queria conversar? — perguntei, notando uma pinta em sua bochecha.
— Você não queria saber de quem eu gostava? — balancei a cabeça em afirmação — Hum... , você já me viu com algum garoto depois dele?

Cravei meus olhos nos seus, como se quisesse confirmar o que ela estava tentando dizer. Eu não era idiota e entendia bem sobre segredos e mensagens subliminares. Principalmente daquele tipo.

— Você gostava de uma garota então? — ela se remexeu sobre a cama, parecendo desconfortável, mas concordou. — Eu conheço? Por favor, não me diga que é a Sofia...
— O quê? Não! — ela riu — Você é maluca?
— Bom, parando pra pensar agora... Depois que eu fiquei com seu namorado, a Sofia automaticamente ficou do meu lado e você passou a me odiar alucinadamente, então... — ela interrompe o meu raciocínio.
— Não! Meu Deus, , como você pode ser tão burra? — ela bufou, se levantando.
— Eu sou burra? — fico de pé, já irritada.
— Sim! Esquece isso, tá bom? Você pode ir para o seu quarto e voltamos a nos odiar como sempre fizemos. — ela apontou para a porta, mas eu não me mexi, apenas continuei me aproximando.
— Não vou embora. — cruzo os braços — Você disse que queria conversar, quer virar minha amiguinha agora? — abro um sorriso cheio de ironia, enquanto cola suas costas contra a parede devido à minha aproximação.
— Você não acha ridículo o fato de nossas mães terem incentivado nossa inimizade desde o nosso nascimento? — ela não me encarava, apesar dos centímetros de distância — Daqui a alguns meses tudo isso vai acabar e eu acho que... Eu acho que não quero que as minhas únicas lembranças de você — de nós duas — sejam apenas envolvendo rancor ou raiva.

Passo um tempo tanto a encarando quanto absorvendo suas palavras. Eu não sabia que ela se importava tanto assim, mas a minha maior surpresa foi quando percebi que eu me importava também. Em alguns meses, deixaríamos aquela escola e, dependendo de onde fossemos cursar a faculdade, não nos veríamos mais. Era estranho imaginar que eu não escutaria a risada de quando eu tirasse alguma nota baixa ou que eu não poderia fingir cortar o seu cabelo, porque ela não faria o mesmo curso que eu e não sentaria mais na carteira em frente à minha. E o mais estranho de tudo isso era o fato de eu, bem no fundo, já sentir saudade.
Lembrando de todos aqueles momentos de implicância e pensando que talvez eu não a odiasse tanto assim, sorri.

... Você praticamente me chamou de covarde hoje mais cedo. — ela mordeu o lábio inferior, tentando evitar o sorriso.
— Sim, mas não foi exatamente pra te desmerecer ou algo assim... — eu ergui uma das sobrancelhas, duvidando — É sério!
— Hum... Então se explique. — sem perceber, me aproximei.
— Você vai ficar tão insuportável se eu disser... — ela murmurou mais para si, me fazendo rir.
— Estou pensando em uma coisa aqui. — apenas assentiu, indicando para que eu continuasse — Você só fez isso para que eu fosse à tal festa, porque sabe que eu funciono melhor com desafios, assim como você... Eu estou certa?

e eu não conseguíamos desviar o olhar por nada, era como se tivéssemos entrado em um novo desafio e apesar de ela não ter dito uma só palavra, tive minha resposta ao ver o pequeno repuxar no canto dos seus lábios. Inclusive, me demorei neles. Eram carnudos e levemente avermelhados, ainda com um pouco do batom forte que ela usava mais cedo. Ela abriu-os lentamente e como um reflexo, eu imitei. Nossos olhos se encontraram e então eu percebi o quão próximas estávamos, porque eu pude sentir seu hálito quente batendo em meu rosto e as nossas coxas se tocando levemente. De repente, quis ficar mais próxima. Quis tocá-la na cintura, então o fiz. Ela me fitou com curiosidade e eu senti seus dedos caminharem lentamente pelo meu braço, meu ombro e enfim minha nuca, onde ela fez questão de acariciar. Aquele ponto, eu já sentia minha barriga gelar e meu corpo não estar mais sob o meu controle, se aproximando ainda mais. Até que não tivesse mais nenhum centímetro de distância. Até que nossas bocas estivessem coladas.
Nós duas tínhamos um espírito controlador e, por isso, nossas línguas se chocavam de forma quente e intensa, buscando dominância. Os toques eram firmes, sempre buscando a maior proximidade possível, e a forma como colocava seus dedos entre meus cabelos e depois puxava-os me fazia prensá-la ainda mais contra a parede. Mordo levemente seu lábio inferior quando ela me empurra para trás, sem deixar de segurar minha cintura, até que caiamos na cama de casal, rindo. Ela se sustenta sobre mim com a ajuda dos braços, o que me permite observá-la melhor. Talvez a minha expressão tenha se tornado séria demais de repente, porque junta as sobrancelhas e se senta.

— Você tá... se arrependendo? — ela pergunta.
— Você sabia que eu sempre te achei muito bonita? — ignoro sua pergunta. Ela sorri, revirando os olhos — E inteligente também. Algumas vezes, quando não tinha ninguém por perto, eu confessava pra mim mesma que aceitaria perder apenas para você. Porque só você poderia estar acima de mim... — não sei porque estou dizendo aquilo, apenas sinto vontade e não faço nenhum esforço para segurar minhas palavras.
— Uau. É a coisa mais romântica que eu já ouvi. — ela me rouba um selinho. Sorrio.
— Não estou arrependida, . É estranho, diferente, e talvez eu demore para me desvincular da imagem que eu criei de você durante anos... — sinto seu dedo sobre meus lábios, então me calo.
— Não vamos pensar nisso, ainda temos... — ela encara a tela do celular — seis horas para nos beijarmos, conversarmos e decidirmos o que vamos fazer depois. Ok?

Observo o modo que seus olhos brilham, o sorriso que brinca em seus lábios inchados e os cabelos levemente bagunçados. Durante muito tempo, eu quis olhá-la daquela forma, realmente a enxergando. Durante muito tempo, tudo em minha vida esteve relacionado a essa pessoa e tudo o que eu pensava era em ganhar ou perder. Junto nossos lábios delicadamente, sem evitar o sorriso. Agora não me importa mais o resultado. Não me importa nada. Porque sei que mesmo perdendo, estarei ganhando.


Fim



Nota da autora: Sem nota.




Nota da scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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