Capítulo Único
Parte I - We are not that bad
Com todos os altos e baixos
Mas, de repente, ficamos cansados
Com o desperdício de emoções sem sentido
Quando chegou em casa naquela noite, deparou-se com no sofá. Pernas cruzadas com o laptop no colo, ela se concentrava em digitar freneticamente, dedos deslizando sob o teclado como música. De fato, o som das teclas era a música que a garota produzia para o seu coração. Sorriu. Há pouco mais de dois anos era aquela imagem que encontrava todas as noites ao chegar de seu trabalho de meio-período na loja de música duas ruas abaixo do apartamento suburbano que dividia com a namorada. Reparou o copo vazio de vinho na mesa de centro, ao lado do cinzeiro com um cigarro recém apagado. sempre se odiava um pouco por trazer àquele vício miserável a vida da garota.
Tentou não fazer barulho ao entrar, tinha sacolas na mão. Compras para o final de semana. A geladeira sempre esteve mais vazia do que cheia, então ele se esforçava para de vez em quando fingir que podiam comer coisas mais saudáveis do que os diários lámen e arroz com kimchi. Esgueirou-se pela cozinha, cuidadoso o bastante para não chamar a atenção de e interrompê-la no meio de seu árduo processo criativo. Há alguns meses ela enfrentava a pior crise em sua curta e um tanto falha carreira de escritora, e vê-la digitando com tanto vigor acalentava um pouco de seu coração preocupado. Acendeu a luz da cozinha e colocou as sacolas em cima da pia, retirou as poucas coisas uma a vez. Batatas, tomates, alface, e outras das coisas mais baratas que havia disponível no mercado. A única coisa cara dali eram o peixe e alguns frutos do mar. Queria fazer um almoço digno naquele final de semana.
Os dias eram árduos. ganhava pouco dinheiro e a maior parte das despesas mais pesadas eram pagas pelo dinheiro que conseguia como ghostwriter. Ela odiava. E ele se sentia ainda mais culpado por tê-la metido nesse relacionamento tão unilateral.
- No que está pensando segurando esse peixe? - o rapaz se sobressaltou quando ouviu a voz doce e exausta da garota cantar atrás de si. Ela riu gostosamente e ele abriu um sorriso pequeno.
- Nada em especial. - Respondeu encarando o animal em suas mãos. Podia sentir o andar felino da namorada atrás de si e não tardou para ver os braços circundando sua cintura enquanto ela afundava o rosto em suas costas.
- Está mentindo. - ela disse com a certeza de que um cientista e ele riu um tanto sem graça.
- Como pode ter certeza? - ele soltou entre um suspiro e depois virou-se para a moça, a face cansada, o cabelo preso em um rabo de cavalo mal-feito, o olhar terno e preocupado. passou a mão pelo rosto da namorada e a viu fechar os olhos, aproveitando o calor de seus dedos.
- Eu conheço você o suficiente para saber o que se passa nessa cabecinha oca. - ela sussurrou abrindo os olhos novamente, um sorriso maroto brotando nos lábios e o rapaz foi obrigado a sorrir verdadeiramente.
- Você está se esforçando tanto ultimamente, achei que poderia te dar uma refeição digna nesse final de semana. - respondeu finalmente e assistiu o rosto da garota se iluminar.
Não se surpreendeu quando viu a garota se levantar na ponta dos pés para alcançar seu pescoço com um abraço e seus lábios com um beijo. Fechou os olhos aproveitando aquele momento que sempre lhe parecia mágico. era pura magia. Beijou-a de volta lenta e apaixonadamente, circundando a cintura da garota em suas mãos, acariciando-a por cima do pano da roupa. Durou o suficiente para que ele visse todas as estrelas brilharem diante de seus olhos cerrados e quando se separaram encarou o sorriso doce da menina que tanto amava. Ela era tão linda. E ele se questionava o que fez de tão bom na vida passada por ter alguém assim ao seu lado, amando-o como jamais mereceu.
- Obrigada, . - ela disse com sinceridade. - Estava precisando mesmo de algo assim.
- Tudo por você, . - ele respondeu abraçando a garota e trazendo sua cabeça diretamente para o peito. Segurando ela no lugar como se fosse fugir. sorriu com as palavras, o rapaz não era tão bom e falá-las, apenas cantá-las em raps poderosos. Sabia que aquilo era o seu “eu te amo” mais profundo e meloso.
- Tudo por você, .
(...)
Aquela noite era uma das raras ocasiões que via se transformar por inteiro. Ali, nos bastidores de uma pequena casa de shows, ela assistia o namorado declamar versos furiosos, românticos, dolorosos e contagiantes. Observava a plateia um pouco mais cheia que o normal balançar a cabeça e os braços ao som daquela voz rouca que a hipnotizou desde o primeiro momento que a escutou. Ela sempre arriscava a cantar junto, balançando o corpo no ritmo das batidas. O sorriso suave nos lábios do rapaz, os olhos fechados durante as melodias tristes, o cabelo suado que colava na testa. Todas as pequenas coisas que fizeram se apaixonar por todas as faces de , do artista ao jovem de coração livre e quebrado, do rapper indignado ao silencioso garoto que gostava de se encolher no canto do sofá enquanto refletia sobre a vida. Do amigo ao amante. A garota conseguia sentir o amor correr em suas veias como se fosse parte de seu corpo. E era. a intoxicou de um jeito único e ela não estava disposta a curar-se.
Ele se sentia incrível todas as vezes que acabava uma apresentação e era recebido por aplausos e gritos de aprovação. Mas ele gostava ainda mais da sensação de sair do palco, ao som do sucesso, para ir diretamente para os braços da pequena mulher que o encarava como se fosse a coisa mais preciosa do universo.
- Você foi fantástico. - ela sempre sussurrava contra sua boca antes de beijá-lo brevemente. Ele a segurava firme pela cintura, controlando-se para não protagonizar nenhuma cena erótica no meio de tanta gente.
Não foi diferente naquela noite. E o perfume da moça logo inebriou seus sentidos, turvando-lhe as vistas enquanto seus lábios se encontravam suavemente. Todas as vezes que ela o beijava assim, tinha certeza que era a mulher de sua vida. Por isso, segurava em sua cintura como se nunca mais fosse soltá-la, e não queria. O rosto de tomou seu olhar, o sorriso orgulhoso refletiu nos próprios lábios do rapaz. Ela enlaçou a mão na dele e puseram-se a caminhar para dentro dos bastidores.
- Ótimo show ! - Ele ouviu um de seus colegas dizer enquanto passavam. respondeu com um sorriso presunçoso, um aceno de mão e um leve ‘obrigado’.
Sentiu a pontada de inveja pingando dos olhos do rapaz que nunca escondeu as intenções maliciosas para com . Naqueles breves momentos, sentia que tinha sorte, mesmo que a vida não lhe tenha favorecido muito, era presenteado nas pequenas oportunidades que tinha. Como aquela em fazer pequenos shows em lugares estranhos e como em quando o olhou bem no fundo, dissecando-o e murmurou um “quero você” ao pé de seu ouvido fazendo todo seu corpo se arrepiar e inflamar ao mesmo tempo.
- Acho que ele ainda se ressente por você ter escolhido a mim e não ele. - disse entre risadas baixas. A garota revirou os olhos antes de sorrir.
- Não acredito que ele não superou esse fora, estamos juntos há quase três anos, .
- A culpa não é minha se a mulher mais incrível desse mundo escolheu um idiota como eu. - ele brincou e ela fez uma careta o repreendendo. Odiava quando o rapaz se colocava para baixo daquela forma. acreditava piamente que ele merecia muito mais que uma escritora falida como ela.
- Sorte a sua então. - ela resmungou baixinho e ele percebeu a fonte de seu descontentamento.
Parou para ficar de frente para a garota pegando o rosto entre suas mãos. Acariciou a face e assistiu os olhos delas se fecharem em deleite a quentura daquele toque.
- Definitivamente, sorte minha.
(...)
Não precisava de muito para saber que algo de errado havia acontecido. Assim que entrou no apartamento, foi recepcionado pelo cheiro de cigarros baratos, latas de cerveja trilharam seu caminho até o quarto como um guia para o desastre. Ele as seguiu temendo, o coração acelerado, a boca seca, mãos que não paravam de transpirar naquele dia insuportável de verão, os olhos subiram para a cama e encontraram a jovem encolhida em um dos cantos, os soluços ainda eram audíveis e combinavam com a cena melancólica disposta ali. caminhou devagar até a cama, ainda com medo do que ainda nem sabia o que era, mas tinha ideia das possibilidades.
Assim que sentiu a cama se afundar fechou os olhos com força tentando controlar o choro insistente e teimoso que derramava por seu rosto até a cama, manchando os lençóis de maquiagem vagabunda e que sempre derretia em dias como aquele. Estava envergonhada pelos traços vergonhosos de sua tristeza abandonados pela casa, por sua incapacidade de escrever bem o bastante para finalmente ganhar seu livro ou mal o suficiente para fazer-lhe desistir dos sonhos. Mais ainda, estava envergonhada pela eterna culpa que fazia o namorado sentir por pensar ser um atraso na vida da garota, e tudo só piorava quando - cruelmente - deitava-se ao seu lado, ajeitando os lençóis sobre o seu corpo e passava o braço por sua cintura trazendo o único tipo de calor bem-vindo em dias quentes. Ele nunca dizia nada porque sabia que não era necessário. sabia que novamente havia sido rejeitada por alguma editora que sempre insistia que faltava algo em seu trabalho.
Era porque sabia, entendia a dor da rejeição que simplesmente limitava-se ao silêncio e a confortava com ele como se fizesse promessas mudas de que tudo ficaria bem, de que aqueles malditos editores não sabiam o que estavam perdendo e que ele confiava em seu talento mais do que em qualquer outra coisa. Mesmo que ela não ouvisse a voz rouca do rapaz sussurrando-lhe por entre os cabelos, sentia as palavras arder em seu peito, ocupando seus ouvidos com canções. A desgraça dela sempre inspirava alguma música do rapaz, em geral, as mais famosas e as únicas que lhe rendiam algum dinheiro.
Talvez sempre precisasse falhar para que algum dia conseguisse fazer a música de sua vida, que tiraria o casal da miséria dos sonhos longínquos, dos corações quebrados e do desespero de terem apenas um ao outro. E quando o dia por fim chegasse, ela, então, seria capaz de escrever sua obra de sucesso e completar o pedaço que lhe faltava e que ela insistia cobrir com mais doses de .
Ela adormeceu com aqueles pensamentos na cabeça enquanto não pregou o olho atormentado pela culpa de sempre. Ele se sentia como um peso na vida da garota, um atraso, algo que ela não merecia, mas seu coração bom e puro demais empenhava-se em amar e manter. Olhou para a moça, erguendo um pouco o tronco para observar melhor o rosto de olheiras profundas e marcas de lágrima. Quando a conheceu, pensou que aquele era o ser mais brilhante de todo aquele universo sem graça e frio e desejou que a vida de fosse repleta das coisas que ela mais desejasse. Pouco depois, na primeira noite em que dividiram uma cama, ela confessou que o que mais queria era se tornar uma escritora de sucesso. Ele sorriu, uma ponta de orgulho e outro de medo, e tentou ao máximo incentivá-la a perseguir seus sonhos, mesmo contra a vontade da família. Ela então saiu de casa para dividir o teto com o músico fracassado, terror de todos os pais coruja da vizinhança.
O início de sua sina, ele pensou suspirando enquanto se afundava no travesseiro.
Na manhã seguinte, quando abriu os olhos, encontrou o rosto do namorado colado ao seu, as feições fechadas e as olheiras fundas. Ela dedilhou a pele suavemente lamentando por, mais uma vez, ser o motivo daquele cansaço que estampava a cara do músico. Ele sorriu um pouco depois, quando se deu conta que a namorada estava acariciando seu rosto com seus preciosos dedos de escritora. Apertou-a mais em seu abraço antes de abrir os olhos e poder contemplar a beleza simples e verdadeira de pela manhã.
- Bom dia. - ele murmurou com um sorriso ameno.
- Bom dia. - ela respondeu se ajeitando mais em seus braços e subindo a mão para os cabelos terrivelmente bagunçados e até um pouco oleosos de . - você não dormiu bem, não é?
- Minha cara está tão feia assim? - ele resmungou com um biquinho que a fazia rir sempre que aparecia.
- Digamos que já foi mais bonito, …
- Hey! - ele protestou erguendo o corpo levemente. - Porque está me ofendendo tão cedo?
soltou uma risada gostosa, como ele queria ouvir desde que entrara naquele quarto noite passada. Puxou-o de volta aos seus braços e, dessa vez, ele foi malicioso o bastante para cair por cima da garota, pressionando levemente contra o colchão, as mãos segurando a cintura enquanto um de seus joelhos posicionava-se com precisão entre as pernas dela. observou o breve morder de lábios que deixou escapar, denunciando sua excitação por seja o que lá estivesse por vir.
- Eu te preocupei ontem a noite não é? - ela disse subitamente, a voz arrastada. Um misto entre a timidez e a sedução.
- Um pouco… Eu odeio te ver chorando. E eu nunca sei o que fazer quando isso acontece. - ele foi sincero, como sempre era.
- Muito pelo contrário. - ergueu o corpo levemente para beijá-lo, lenta e suavemente. - Você sempre sabe.
- Queria poder fazer mais por você… - deixou escapar enquanto admirava o rosto da garota.
- Não pense que é o único a desejar isso, . Tudo o que eu queria é te dar o mundo. Mas sabe… - ela voltou a acariciar os cabelos do garoto perdendo-se mais uma vez em seus olhos atentos, cansados e apaixonados. - Nós não somos tão ruins assim como estamos hoje. Com tanto que eu tenha você…
- Eu vou ficar bem. - completou a frase que ele mesmo dissera quando a convidou para morar junto com ele. Na época, ele acreditava naquelas palavras como acreditava no azul do céu, ou no calor do sol, ou nos noticiários do jornal. Mas a vida lhe mostrou que não era bem assim, os noticiários mentiam muito. - Você tem razão.
Ele disse já se arrependendo pela mentira em suas palavras. Mesmo assim, sorriu e inclinou para beijá-la na boca antes de descer os lábios pelo pescoço desenhando na pele com língua e dentes. Estar ao lado de não era suficiente, ele queria mais, queria conquistar tudo para ela e por ela. Seria paciente e, por enquanto, aproveitaria a perfeição da entrega e da confiança daquela menina em si.
teve certeza, eles seriam a ruína um do outro.
Parte II - With or without you
O momento que me tornei mais pesado que você
Porque nunca houve um paralelo, desde o início
Talvez eu tenha me tornado mais ambicioso e tentei me ajustar a você
não entendia por estava agindo daquele jeito estranho. Mal parava em casa e quase não a olhava nos olhos. Em tanto tempo de convivência era comum que eles ficassem com raiva um do outro algumas vezes, ou incapazes de esconder a mágoa que as pequenas manias despertavam. No entanto, a escritora não reconhecia aquele comportamento nem magoado, nem irritado ou indiferente. Apenas distante. Aquilo apertava seu coração e um vozinha gritava no fundo de sua mente que aquilo tinha relação com a última vez que um de seus manuscritos foi rejeitado.
Mas havia quase um mês e o rapaz agiu normalmente nas duas semanas seguintes. Suspirou enquanto esperava deitada na cama de casal, o verão estava no fim e o frio do outono já começava a dar suas caras com ventanias e chuvas. Ela ouvia as gotas batendo na janela como uma canção melancólica e se preocupou ainda mais com a ausência do namorado. Passava das três da manhã e ele não havia dito se tinha algum show. Virou de lado na cama tentando não pensar nenhuma bobagem e cerrou os olhos com força, orando em silêncio para que estivesse bem. Então suas preces foram atendidas e a moça ouviu a porta do apartamento destrancar. Os passos arrastados do rapaz se fizeram presente. A chave foi deixada sobre a mesa e a mochila em um canto qualquer do chão. esperou que ele entrasse no quarto, queria falar com ele, mas conteve-se, limitando-se a escutar cada ato do amado que se despia em direção ao banheiro.
Foram mais 15 minutos em solidão até que sentiu o comum afundar do colchão de quando ele se deitava ao seu lado. Ouviu um suspiro cansado e um murmúrio rouco impossível de se entender, fechou os olhos fingindo que estava dormindo e logo pode perceber a suavidade dos lábios tocando-lhe a testa e acariciando os cabelos levemente. Era a primeira vez em uma semana que ele demonstrava algum carinho. A garota não resistiu e abriu os olhos deparando-se com as feições absurdamente exaustas de .
- Desculpe, te acordei? - ele perguntou com um tom de preocupação e outro de medo.
- Eu não dormi… Estava preocupada com você.
Silêncio. O músico mordeu o lábio enquanto se sentava na cama. se viu obrigada a fazer o mesmo. Discutir a relação não estava em seus planos naquela madrugada, mas estava ficando difícil permanecer no escuro daquela forma. Ela queria o seu de volta.
- Por onde tem andado, o que tem feito para chegar tão tarde e por que não me contou nada? - ela disparou, mandona e zangada. engoliu seco.
- Hey, fique calma. - ele começou pegando uma de suas mãos entre as suas. - Não estou fazendo nada de errado se é isso que está pensando.
suspirou e revirou os olhos.
- Eu não estava pensando nisso, . Se quer mesmo saber, o que me incomoda é o silêncio. O que está te ocupando tanto que não possa me dizer?
- Desculpe, . - ele mordeu o lábio e fechou os olhos antes de pensar no que dizer. Quando os abriu novamente, sentia-se mais seguro. - Estou trabalhando em um projeto grande com , uma possibilidade enorme, mas não queria te contar porque prometi segredo e não quero te decepcionar se não der certo...
Ela o olhou pensativa, refletindo sobre as palavras e a expressão do namorado. não tinha certeza se estava convencida, mas queria acreditar naquilo. Entretanto, seu coração se apertava lhe avisando que tinha algo errado. No final das contas, a garota deixou que o ar escapasse completamente de seus pulmões antes de puxá-lo novamente, como nos exercícios de respiração do qual escrevera um artigo um dia. Quando , finalmente, resolveu encará-la, temeu.
- Tudo bem. - a escritora disse soltando o ar fortemente. - Entendo que queira respeitar o pedido do seu amigo, mas… Não me deixe no escuro, . Eu não quero soar ciumenta, não deixe que eu faça esse papel. Eu apenas me preocupo com você.
sentiu a culpa subir pelo esôfago e entalar na garganta e conseguiu apenas manear a cabeça levemente em concordância com a namorada. Ainda hesitante, se aproximou dela como quem se aproxima de um animal pronto para avançar. Demorou mais que o normal para que suas mãos alcançassem a cintura da garota e a trouxesse para seu peito como o de costume. Só então reuniu coragem para sussurrar as desculpas que ela ansiava. sentiu a sinceridade e por isso se acalmou ao ponto de adormecer rapidamente nos braços da pessoa que mais amava.
Quando percebeu o sono profundo da moça, sentiu o corpo relaxar por um instante, porém sabia que estava condenado a mais uma noite em claro remoendo a culpa por ser um idiota e não contar a verdade a ela. Seu segredo sequer era ruim ou algo que a faria o deixar. Na verdade, era apenas o orgulho um tanto sexista de gritando para que ele desse um jeito na vida e ajudasse mais em casa. Sentia-se um verdadeiro inútil todas as vezes que era obrigado a ver chorando por não ter sido acolhida por alguma editora ou caindo de sono enquanto escrevia textos chatos e idiotas apenas para ganhar dinheiro de pessoas que não queriam fazer aquele esforço que a ela fora dado como dom.
E no fundo sabia que ao mentir ele cravou a primeira estaca na relação dos dois. Só não sabia quantas mais iriam vir.
(...)
Não era para ela descobrir tão rápido e muito menos naquela forma.
Quando viu atrás de um balcão enfeitado de strippers não soube o que sentiu. O rapaz prendeu a respiração ao vê-la parada ali em seus habituais jeans e camiseta, mas ainda tão atraente quanto as mulheres que dançavam ali. Seu primeiro impulso foi o ciúme ao perceber o olhar que os homens (porcos objetificadores) lançavam a ela, e não se conteve ao pular para fora do balcão para agarrá-la possessivamente pela cintura e levá-la para longe dos olhares nada discretos dos presentes. percebeu a cara de insatisfação que algumas das dançarinas fizeram observando reagir daquela forma. Não estava surpresa, ele tinha um magnetismo invejável, o que a deixou ainda mais irritada.
- O que está fazendo aqui ? - o rapaz tentou soar paciente enquanto se certificava com um olhar se seu colega de balcão daria conta de ficar sozinho por alguns minutos.
- me ligou te procurando, eu disse que pensei que estariam juntos por causa do tal trabalho… Qual foi a minha surpresa ao descobrir que aquilo nunca existiu! - não costumava chorar durante suas brigas, ela sempre se mantinha forte, como se esforçasse para parecer estar certa. Entretanto, naquela noite, sua tentativa de segurar as lágrimas começavam a falhar. Aquilo havia acontecido mais vezes que o esperado nos últimos tempo, e não conseguiu evitar se preocupar. O que estava acontecendo com eles? - Eu liguei para todos que conhecia até alguém me dizer que talvez você estivesse por aqui… Numa casa de strip.
Mesmo que estivesse com raiva da garota por ter ido atrás dele, era impossível para o rapaz não se solidarizar com a dor que havia naqueles amáveis olhos. Ele mesmo teria feito pior se ouvisse que estava em um lugar assim. sabia que sua mentira seria descoberta e que seria uma facada a mais na relação dos dois que já começava a ficar pesada demais.
- Me perdoe, … Eu não queria mentir para você, estou apenas trabalhando no balcão....
- Então porque mentiu, ? - a pergunta soou seca.
- Eu fiz isso por você! Porque quero ajudar mais em casa! Ajudar você a trabalhar menos criando palavras para os outros e escrevendo mais pelo seu sonho.
- Mas ! Quando te pedi para fazer isso?
Ele se calou abismado por aquelas crueis palavras. O músico se sentiu apunhalado no meio do estômago e todo sentimento de inutilidade que aquele pequeno serviço e que sua mentira lhe conferiu esvaziou de seu corpo, assim como o sangue deixou seu rosto ainda mais esbranquiçado. Segundos foram necessários para voltar ao normal, àquela altura já entendeu que tinha dito algo de ruim, passado dos limites, ainda que acreditasse que estava certa sobre o assunto.
- Você tem razão. Eu não deveria ter feito isso, sei que não posso te ajudar muito… Sinto muito, , vou completar esse turno, por favor volte para casa.
Incapacitada de dizer algo mais, apenas assentiu. Não pediu desculpas e nem se despediu propriamente. Apenas virou-se e saiu andando para fora do lugar sem nunca olhar para trás. Não queria que ele visse suas lágrimas, por orgulho e por amor, ela não queria que ele pensasse que sua tristeza se resumia a ele. podia ser a pessoa que mais amava na vida, mas seu mundo não podia girar em volta dele, assim como ela já não dava conta de ser o sol ao qual o rapaz orbitava.
Mais uma vez quando chegou em casa não conseguiu dormir. Virada para a parede contrária a porta do quarto apenas esperava pela sensação da cama afundando para conseguir descansar o pouco que seu corpo conseguisse. Demorou horas para que ela ouvisse os passo de no quarto e mais bons minutos até que ele fosse até a cama. Diferente do normal, ele não deitou se aninhando a ela. mordeu o lábio ainda mais triste. Apertou os olhos e quase mordeu a língua, porém, preferiu não reter as palavras que brotaram de boca.
- Pela primeira vez, eu senti como se nós não fizessemos tão bem ao outro assim… - o som saiu quase como um sussurro. Ela ouviu o rapaz se mexer, mas não se atreveu a olhar.
- Porque querer fazer algo por alguém que ama é tão errado? - ele respondeu, a voz rouca e séria demonstrava que vinha pensando o mesmo que ela.
- Porque às vezes essa pessoa não precisa exatamente da sua ajuda, precisa só de você…
- Eu me sinto um fardo para você, . Como quer que eu me mantenha assim?
Aquilo havia doído no fundo do peito da garota. O que estava fazendo de errado para produzir aqueles sentimentos? Não conseguia lidar com aquela frase, com aqueles sentimentos fortes. Talvez ela não conseguisse mais lidar com e seus problemas e complexos. Mas não podia desistir. Não agora. pensou que, naquele momento, ainda não conseguia viver nem com e nem sem ele.
- Você não é nem nunca foi um fardo para mim, . - ela disse virando-se, finalmente para o rapaz, as fundas olheiras estavam lá, úmidas de lágrimas que ele escondeu. A garota podia sentir o leve cheiro de álcool que exalava de sua boca. Ela acolheu o rosto do rapaz em uma de suas mãos. - Você é o que tem me dado força para seguir meu sonho a cada dia, para me sacrificar, não desistir… Mas agora… Estou com tanto medo de ter te sobrecarregado com os meus sonhos. Eu queria que você focasse mais em você. Eu te amo, .
Os olhos dele se arregalaram para a maior e pior declaração de amor que recebera até então. sabia que algo estava errado entre eles, sabia que o desejo pelos sonhos e a vontade de cuidar um do outro se colidiam e deixavam o casal atordoado, confuso. Entretanto, o rapaz não podia negar que sempre que seus olhos encontravam os dela, que seu tato esquentasse sua pele, ele desejava nunca sair dali. De seus braços gentis, acolhedores.
não retribuiu o “eu te amo” naquela noite, como estava acostumado a fazer. Ele ergueu o corpo e o colocou por cima da garota devagar, controlando seu peso antes de abaixar o rosto para o beijo mais apaixonado que dera em toda sua vida. Queria gritar que a amava pelos atos, por suas mãos que percorriam o corpo, pela língua que deslizava em sua pele, pelos gemidos abafados, entregues, pelo arfar forte de seu peito quando ela invertia as posições e o abençoava com a divina visão do seu corpo seminu, flamejante e suado. queria marcar em sua pele o amor, rastros vermelhos e roxos que desciam do pescoço a barriga. Ele queria arrancar de sua garganta a paixão em gritos e gemidos sem forma e retribuir tudo no mais puro deleite, da forma que só duas pessoas que se amam muito podiam se sentir.
Naquela noite, se sentiu mais amada do que nunca e com o corpo ardendo, descansou por cima do rapaz como não faziam em muito tempo. Ambos sabiam que nada daquilo era eterno e que, muito provavelmente, a devoção que sentiam um pelo outro seriam seu fracasso e ruína. Com ele lhe abraçando pela cintura, descansando a cabeça em seu pescoço, visualizou a inspiração para o que viria ser sua obra-prima.
Sorriu tristemente, já sabendo que sua história não teria um final feliz.
Parte III - When love is not enough
Enquanto olhávamos um pro outro e sorríamos
Agora, competimos entre nós
Tentando ganhar do mais pesado
Isso se torna o fogo de nossas brigas
Só vai acabar se alguém descer agora
Agimos como se estivéssemos confortando um ao outro
Mas colocamos espinhos no meio
Não podemos continuar fazendo isso, precisamos tomar uma decisão
Todas as vezes que terminava alguma canção, gostava de se lembrar da mitologia grega em que as musas, filhas de Zeus e de Mnemosine, eram as entidades que representavam a inspiração. Sendo nove mulheres, cada uma delas era responsável por uma forma de arte. Calíope da eloquência, Talia da comédia, Erato da poesia romântica, Euterpe da música… Em sua mente criativa, podia incorporar cada uma das nove musas sendo sempre inspiração para sua criações.
Entretanto, naquele inverno, de alguma forma ele não conseguia enxergar nenhuma das musas na garota que dormia ao seu lado na cama. De baixo de inúmeros cobertores, ela não perdia a beleza encantadora de qualquer descrição das deusas gregas. Mas porque ele não sentia seu coração se acelerar como antes? Há meses pensava na última briga séria que tiveram e na calorosa noite de amor que compartilharam depois.
O tempo passou e as coisas pareceram sair da ebulição para o congelamento total. E como o inverno que caia lá fora, o corpo adormecido de não parecia tão mais quente e aconchegante quanto antes. questionava o que estava acontecendo com ele. Será que deixou de amá-la?
Não. Isso, definitivamente, não. Era como se fosse sua única certeza. Seu amor pela garota transcendia os problemas, e mesmo que não ardesse como antes, estava lá segurando-o na cama como cordas invencíveis. Suspirou antes de se levantar e buscar lápis e papel pela casa fria. Escreveu a milésima canção de amor daquele mês. Nenhuma delas eram felizes. Ele olhou o papel rabiscado e suspirou profundamente. Parecia que havia deixado de ser sua musa e a relação do casal se tornou o centro de sua criatividade. Não teve orgulho daquela criação, mas sentia que ela poderia se tornar um grande sucesso. Até então, ele não havia percebido a garota parada na porta que dividia o quarto e a sala, o olhar enigmático analisava o rapaz em minúcias tentando adivinhar o que passava naquela mente que, de um dia para o outro, se tornou um mistério para a garota.
- Ó, você acordou. - disse com um sorriso terno quando finalmente reparou na menina. Ela lhe sorriu de volta e caminhou até o sofá.
- Estou te observando há algum tempo, estava concentrado demais, não queria atrapalhar. - respondeu sentando-se ao seu lado, os pés quase se dirigiram automaticamente ao colo do rapaz, mas algo no fundo do seu coração a impediu de fazê-lo. - Tem andado inspirado ultimamente…
O rapaz apenas sorriu tristemente, assentindo e estendendo a ela o pedaço rabiscado de papel que carregava todos os sentimentos que ele tinha em seu coração no momento. Ela demorou minutos para ler, como se tivesse que passar os olhos por aquelas palavras mais e mais vezes para, enfim, compreendê-las. Ao final, ela não quis fitá-lo nos olhos, mas não escapou ao olhar atento de as lágrimas que ameaçavam rolar por aquele rosto. Ele se arrependeu amargamente de ter escrito aquela canção.
- Céus, … Essa música irá ganhar o país. - Ela sussurrou, sua voz não tremeu e nem parecia embargada. Ele sabia que era porque havia sinceridade e a vontade de incentivá-lo a impedia de chorar.
- Obrigado. - Respondeu de volta, com a mesma honestidade na voz, mas com uma melancolia que até então vinha sendo escondida.
sorriu e se levantou do sofá arrumando uma desculpa para fazer algo na cozinha e ele sabia que ela iria chorar. Estava acontecendo mais vezes que o comum. Ele chegava de seu trabalho noturno e escutava o arfar da menina por entre a porta, não conseguia entrar até que soubesse que tinha parado. Tudo estava desandando tão rápido que se perguntou quando foi que algum deles puxou a alavanca que desviava o trem dos trilhos. Era como se vivessem em uma gangorra. Amando-se, mas não o suficiente, indo para cima e para baixo, um tentando empurrar o outro, ser mais pesado que o outro, agindo normalmente quando o caos estava instaurado entre os dois.
Um jogo de gangorra repetitivo.
Subindo e descendo, mas sem sair do lugar. Amedrontados pela possibilidade de se machucar sem mensurar o quão feridos já estavam.
Gangorra.
pegou sua caneta e suspirou pesadamente antes de procurar mais papel.
(...)
Ele acendeu o cigarro na janela e ficou olhando as pessoas passarem. Os casacos grossos, gorros, luvas coloridas contrastavam com a paisagem branca do inverno. O frio os castigava ainda que se aproximasse do final da estação. Inspirando profundamente a fumaça em busca de qualquer efeito que pudesse anestesiar o frenesi de seu interior. Podia ouvir chorando no banheiro, fruto da terceira briga naquela semana, uma quarta-feira. Talvez a décima quinta do mês. havia parado de contar assim que percebeu o que estava fazendo. Contando os dias para o fim do relacionamento e sofrendo cada um deles. Era como se em cada momento de ira eles fossem terminar. Entretanto, não conseguiam, até então era impensável a possibilidade de estarem separados.
e .
e .
Eles eram bons juntos. Bons demais. No entanto, a vida parecia querer dar-lhe rasteiras seguidas e insatisfações aos montes. O músico sequer se recordava o motivo da briga, e ali estavam, sentindo raiva um do outro por motivos banais que os fariam rir há alguns meses. Quando ele pensava sobre o final de relacionamento, jamais imaginou que poderia ser tão rápido ou tão do nada. ainda podia sentir na pele o prazer de seus primeiros anos juntos, o coração se enchendo de alegria a cada noite que ele se via deitando-se ao lado da mulher que sempre amou. O deleite sempre que os corpos se uniam em horas, dias, noites ardentes. Tudo estava gravado. Vívido. Então porque não era mais assim? Onde errou?
Quando ouviu a porta do banheiro se abrir, ele decidiu não se virar. Escutou os passos descalços da garota a dirigirem à cama. Ela se deitou olhando para as costas do rapaz na janela, emoldurado pelo breu da noite fria, o branco da neve que não parava de cair e a luz fraca dos postes que iluminavam a rua. percebeu que mesmo nos momentos que mais odiava , jamais deixaria de apreciá-lo, amá-lo. Ao contrário do namorado, ela tinha ideia de como chegaram àquele momento. Quando tudo ficou insustentável. Quando o amor não era mais o suficiente.
Eles se amavam demais e por isso não se deixavam fluir, sair, voar. Tinham tantos sonhos, mas as vezes, para consegui-los as pessoas tinham que ficar sozinhas por um tempo. A solidão ajuda a crescer e é necessária. queria dizer aquilo à ele, mas ainda não estava pronta, ela sabia. A dependência emocional que os ligava ainda era pesada e difícil demais de se livrar. A garota apertou os olhos tentando novamente não chorar. Antes de adormecer, ela conseguiu ouvir a janela se fechando, o calor voltando ao quarto e a cama. beijou sua testa e sussurrou desculpas antes de se deitar ao seu lado.
Aquela noite seria a última vez que sentiria o corpo do rapaz se aninhar tão amorosamente ao seu na madrugada.
Parte IV - How to end things
Não vamos prolongar as coisas, seguir nossos corações
Vamos acabar com isso, independente de quem sair
Um jogo de gangorra repetitivo
Agora pare
Um dia percebeu que nunca estaria pronta para aquele momento. E quando aquele dia chegou, já era primavera de novo e o mundo parecia cantar o amor, exceto para os dois. Era uma manhã de domingo e ela havia feito o café como sempre, esperando-o acordar encostada na pia da cozinha. Os pensamentos todos voltados para as palavras que planejava dizer. Logo ela, uma escritora, alguém considerada naturalmente boa em expressar sentimentos, estava travada.
Para o seu azar, não demorou muito para que ele entrasse na cozinha, sonolento como sempre ele apenas desejou um “bom dia” breve antes de se sentar a mesa e começar a colocar o café. se lembrou do tempo em que ele a abraçava e a beijava em manhãs como aquela e quase sempre terminavam fazendo amor antes mesmo do desjejum. Ela respondeu o bom dia e se juntou a ele, comendo devagar. Observava cada uma de suas ações, suas pequenas manias, a forma como segurava a xícara, como comia ou comentava algo trivial do dia anterior, ela o respondia sempre sorrindo pequeno, terno.
não era bobo e percebeu que o jeito que o olhava era como se estivesse tentando gravar cada um de seus movimentos na memória. Como se fizesse esforço para não se esquecer. Aquele sentimento negativo o invadiu novamente, chegou o dia. Quando terminaram de comer, ele não se levantou da mesa e nem recolheu os pratos como sua rotina mandava. Ao invés disso, olhou para a garota a sua frente que abria a boca tomando o ar para falar.
- , nós temos que conversar.
Doeu mais do que o esperado. Para os dois.
- Sim, eu sei. - ele disse antes de ficar em silêncio, esperando a iniciativa dela. Não queria ser o vilão. Não queria descer daquela gangorra. Não queria o fim.
- Eu odeio ter que dizer isso, mas acho que não tenho escolha. - ela sussurrou mais para si do que para ele. - Acho que há algum tempo nossa relação não está bem. Nós não estamos felizes… Eu sinto como se estivesse sugando toda sua vitalidade… Eu me transformei em algo ruim para você…
- Não, . - ele não quis que ela completasse. - Eu fiz isso sozinho, eu fui um fardo e…
- Olha só. - ela suspirou alto. - Olha como estamos vendo um ao outro. Parece que somos verdadeiras cargas, pesos, a cruz um do outro, sei lá! Isso não é saudável!
- Não, não é… E eu não tenho ideia de como chegamos a esse ponto, não era o que eu tinha em mente quando te convenci a sair de casa, a viver como escritora e levar essa vida miserável.
O rapaz olhava para baixo, os punhos na mesa fechados com força.
- Hey… - ela alcançou a mão dele com a sua e entrelaçou os dedos nos dele. - Não é culpa sua. Você não fez nada, eu quis seguir o meu sonho! , você me ajuda a entender o que eu queria… E o que eu quero agora. Eu não vou desistir do meu livro, e não quero que desista da sua música. Por isso acho que temos que seguir caminhos diferentes agora.
Ela soltou a última frase como um sopro gélido que arrepiou todo o corpo do rapaz mesmo com o calor da primavera atingindo-o diretamente. podia sentir o frio nas mãos dele, o nervosismo e fez o máximo que conseguiu para manter-se calma, para não sair correndo ou para não dizer que sentia muito e que não queria fazer aquilo. Aquela parte até era verdadeira, a escritora ainda não conseguia imaginar sua vida sem o rapaz e talvez aquilo fosse o problema. Precisava da solidão, de se sentir capaz de fazer as coisas sozinhas. De se impulsionar. E quem sabe um dia o vento não a traria de volta para os braços do amado, era a única coisa que ela ousou pedir a Deus.
ergueu o rosto para ela e percebeu que chorava. Apertou a mão da menina entre as suas e se levantou querendo que ela se erguesse junto e se aproximasse. Se era para acabar assim, que a própria o consolasse. E assim a jovem fez. Colocando-se em frente ao rapaz e recebendo-o em seu abraço. Acomodou-se sentando em cima da mesa em que tomavam café e deixou que todo seu corpo abraçasse , enquanto ele derramava suas lágrimas no ombro dela, encharcando seus cabelos e a blusa casual que usava. O músico sequer percebeu que ela chorava também. não soluçava como ele, apenas deixava que sua tristeza rolasse livremente por seu rosto abaixo e se segurava nos últimos momentos que poderia sentir aquilo.
Quando ele a olhou. Encontrou olhos vermelhos, amor e sonhos e finalmente entendeu o motivo de se separarem. Não sabia que a moça havia feito o mesmo antes, mas fechou os olhos alguns segundos orando para que não importasse como, Deus a colocasse de novo em sua vida, de forma que eles não precisassem mais um do outro e pudessem apenas apreciar o amor, a química, a paixão e a alegria. beijou a testa de e depois os lábios, levemente, despedindo-se.
Depois daquilo, as coisas andaram torturantemente rápidas.
nunca imaginou que aquele apartamento poderia ficar tão grande, ou que em sua cama houvesse tanto espaço. E por muito tempo não ousou preencher aqueles pequenos vazios que antes pertenciam a . Ela se propôs a sair do apartamento, pois queria se mudar e viajar durante um tempo para se inspirar e escrever em paz. Mas na opinião do rapaz, a garota deixou uma pequena tortura, um karma que ele carregaria por muito tempo até se sentir bem o suficiente para mudar o local.
A pior parte dos relacionamentos não eram o término em si. Mas o que vinha um pouco antes e um pouco depois. O sentimento triste do declínio e do sofrimento após a libertação. Lidar consigo mesmo é tão mais difícil e ainda haveria de aprender o valor de estar sozinho. Até lá, ele estava descendo naquela gangorra imaginária, desta vez, sem .
Entre o fim da primavera e o início do verão, vasculhou as milhares de letras que escrevera antes do fim do namoro e no qual nem encostou em seu período de luto. Seus olhos se prenderam em uma canção em especial, escrita em uma manhã de inverno enquanto ouvia fazer tarefas de casa chorando baixo.
Seesaw.
Ele correu até o pequeno estúdio que montou em um dos cantos vazios da casa e se trancou por horas, só sairia com a última melodia dedicada a completamente terminada.
Parte V – Final
(Espere, espere) assim como no início, quando você não estava aqui
(Espere, espere) estou nessa gangorra sem você
(Espere, espere) estou descendo dessa gangorra sem você
Primaveras, verões, outonos e invernos. não sabia ao certo o quantas estações se passaram desde que saiu da cidade com o propósito de desbravar o mundo com suas palavras. Ela teve êxito, finalmente, e, sozinha, encontrou muito mais pessoas do que poderia imaginar. Amigos, amantes, inimigos, curiosos pelo seu trabalho ou por sua beleza. Rodar o país com pouco dinheiro e muita coragem havia lhe ensinado lições valorosas ao qual nunca mais se esqueceria.
Na verdade, não se esqueceria de muitas coisas.
Uma delas era a última primavera que passou naquele lugar. A mais triste de sua vida ainda muito jovem. E de repente, estava de novo no meio daquela estação na cidade em que viveu a maior parte de sua vida, suas alegrias e, principalmente, seu maior amor. Era tudo tão nostálgico que tinha vontade de escrever. Riu sozinha. Estava ali para passar férias e rever algumas pessoas. , infelizmente, não estava nos planos. Sequer sabia onde ele morava, se manteve o apartamento. Apesar de todas as informações estarem ao seu alcance, duvidava que mexer demais no passado traria algo bom. Ela tinha decidido que esperaria a intervenção divina, mesmo que aquele conceito fosse um pouco problemático em sua mente.
Com as mãos nos bolsos da calça larga, ela caminhava pelas lojas de um bairro central. Observando com cuidado tudo o que há muito lhe escapou às vistas. Agora que tinha uma vida estável como escritora e um livro de sucesso nas livrarias que facilmente pagavam seus pequenos luxos, dava-se tempo para aproveitar um pouco o dinheiro que tinha. Os pais voltaram a falar com ela logo após lerem o manuscrito de seu primeiro lançamento e choraram ao notar que havia muito mais da realidade dela naquelas páginas do que sonhos. se perguntou se teria lido algum de seus três livros lançados.
Julgava que sim.
Passando por uma porta, ela reconheceu o rosto do rapaz em um cartaz pequeno dentro de uma loja de CD’s. Nos últimos cinco anos, ficou impossível de ficar distante do nome , pois ele sempre estava nas rádios que mais ouvia. Podia não ser um incrível artista pop exaltado pelas adolescentes, mas era famoso entre os adultos e os universitários mais transgressores e empoderados. Era como se ele pertencesse ao núcleo indie-cult da música, o que era terrivelmente a cara dele. Alegre com seus próprios pensamentos, decidiu que finalmente era a hora de entrar e procurar pelas obras dele. Aquele lugar era incrivelmente belo, e carregava um ar de história em seus milhares de discos. Em um dos cantos, de frente a grande janela que dava para a rua, havia os antigos aparelhos para CD’s que os frequentadores dessa lojas usavam para ouvir algum disco ali antes de comprar. Céus… Ela se lembrava tão bem das tardes que passava sentada em cantos como aquele dividindo o fone de ouvido com .
- Posso ajudar? - ouviu a voz de um rapaz chamando. Ele tinha um rosto bonito e olhos que lembravam seus sonhos adolescentes. sorriu de volta.
- Queria saber se poderia usar um desses aparelhos para ouvir um disco.
- Claro! Aqui resolvemos manter a tradição. - o garoto comentou, não devia ter mais de 20 anos. - Posso buscar o disco que quer?
- Ó! Tudo bem, queria ouvir algo de .
- Uau! Você também gosta dele!? - o jovem pareceu ainda mais empolgado e apenas refletiu no sentido irritantemente irônico que aquela frase tinha.
- Até demais. - ela confessou com um sorriso triste que passou completamente despercebido pelo empolgado assistente.
- Bom! Sendo assim, vou buscar o primeiro, é o meu favorito… E tem aquela música que ficou famosa! Seesaw! Dizem que ele escreveu para uma namorada...
No instante que ouviu aquilo sentiu um leve arrependimento de ter entrado ali. Não tinha orgulho em dizer, entretanto sabia que não foi madura ou forte o suficiente para deixar seu amor para trás. Aquelas palavras machucavam, e um CD inteiro da voz do qual tanto sentia falta parecia como uma péssima ideia para quem ainda tinha cicatrizes.
No entanto, não conseguiu escapar da vontade do rapaz em ajudá-la e pegou o disco obrigando-se a ouvi-lo. Seesaw era uma música que sempre evitou, jamais escutou na vida. Na verdade, tinha em mãos o único disco de que não ouviu por completo, era carregado demais de lembranças nada saudáveis. Para o seu azar, a fatídica música era a primeira.
Ao calar seus pensamentos, apenas aproveitou a melodia e as belas palavras da voz que tanto ama, filetes de lágrimas descendo pelo rosto, então sorriu. No fim das contas, ela precisava ouvir aquilo. Em nome de tudo o que viveram juntos.
Virada de costas para a janela da rua ela aproveitou a canção que tinha o amor e o declínio dos dois em versos e, por isso, não viu que do outro lado da rua o personagem que ocupava seus pensamentos entrava na pequena livraria.
usava calças pretas e camisa branca simples, sequer parecia como um músico e rapper de relativo sucesso. Seu rosto jovem demais para a idade que tinha lembrava a de um adolescente, talvez com traços um pouco maduros e sérios que os outros normais. Ele já conhecia o caminho de cor. Apesar de ter todos os livros de em uma estante de seu apartamento novo, havia criado o costume de entrar em lojas de livros apenas para folhear as obras da menina. Lia pequenas partes, as que mais gostava e depois retomava seu caminho. Era tudo o que podia fazer para senti-la um pouco mais perto.
Tinha saudades e por vezes a vontade de contatar todas as amigas dela na cidade procurando notícias era tão avassaladora que apenas um pouco de álcool ou horas de trabalho podiam controlar. No fim das contas, Seesaw não foi a última canção dedicada a ela e quando seu deu por conta, tinha de três a quatro faixas em cada um dos quatro discos que lançou que continham uma ponta que fosse de seu amor.
- Ela é uma jovem muito boa. - comentou a senhora parada ao seu lado. pensou quando diabos aquela mulher tinha chegado ali. Ela usava um avental antigo e um tanto sujo, talvez era a dona da livraria.
- Você já leu? - ele perguntou um tanto sem intenção de render assuntos, mas o rosto simpático da senhorinha o obrigou a ser minimamente gentil.
- Oh, claro! Assim que chegou me interessei. Essa menina tem muitos sentimentos para pouca idade, muito talento também. - ela disse rindo e pegando um dos exemplares do último livro lançado por . - Ao mesmo tempo, sinto nela uma melancolia ao mesmo tempo estranha e acolhedora.
Aquele comentário surpreendeu o rapaz e ele parou para se virar completamente para a senhora, pronto para prestar atenção no que ela tinha para dizer.
- É como se ela estivesse feliz, mas sentindo falta de algo a todo instante… Tão jovem, deve ser o amor. - a dona refletiu e sem perceber fez a garganta de fechar. - Bom, de qualquer forma, eu recomendo bastante esse livro!
- Muito obrigado, com certeza irei levar… - sorriu sem graça, mesmo já tendo uma edição em casa, queria ajudar a simples e espirituosa senhora. Até porque, ela havia captado toda a essência de sem mesmo conhecê-la.
Ele abriu o livro e tocou as páginas numeradas. O cheiro de novo era sempre agradável, ele sorriu ao ler a pequena dedicatória. “Para a pessoa que me inspirou todas as palavras. Obrigada”. Aquilo acalentava seu coração. Saber que ela não o havia esquecido. Que ainda lembrava-se dele a ponto de dedicar a materialização de seus sonhos ao rapaz. Mais do que feliz e amado, o músico se sentia honrado pela singela homenagem. Era também o segredo que ele guardava.
Ele leu a primeira página e talvez já soubesse aquelas linhas de cor, sobre uma noite fria de inverno em que uma garota sozinha vê-se obrigada a encarar a vida. Ele folheia mais e chega até a parte em que ela descreve sua pessoa amada. sorri enquanto seus olhos deslizam calmos pelo papel.
Ele lia uma linha.
Do outro lado da rua, ela canta um verso.
Ele passa as páginas.
E ela bate com a mão na lateral da coxa ritmicamente.
Por alguns momentos, eles têm certeza que a história ainda não acabou. A esperança vive ali e queima ao lado do amor. O que eles não sabiam é que, talvez, quando saíssem rua afora, com as mãos carregando apenas um pedaço do tempo que os unia, os olhos se encontrariam novamente. Mais tarde, as mãos. Depois a boca, e por fim os corpos.
Talvez.
FIM
Nota da autora: Olá pessoinhas lindas! Muito obrigada por lerem esse meu mais novo bebê. Não é segredo para ninguém que sou louca, apaixonada, alucinada por Min Yoongi e quando saiu SeeSaw foi a destruição da minha vida. Acabei por tentar dar um final parcialmente feliz, porque não tenho emocional para tristeza no momento kkkk Espero que gostem!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.