Capítulo Único
Nunca duvide de três coisas: do amor, de você mesmo e de sua avó.
Um deles sempre vai estar certo.
E ele sempre vai ser o último a ser lembrado.
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- volta aqui. – falei em meio a lágrimas. – Você sabe que eu não quis dizer isso.
- Eu entendi perfeitamente, . Você acha que não estou sendo fiel só porque não estou 24 horas por dia ao seu lado. – balançou a cabeça enquanto pegava suas coisas. - Saiba que um relacionamento não funciona à base de grude, mas sim de confiança.
- Eu sei disso, mas a gente não consegue ficar nem uma hora sem brigar! Além do mais, você só me vê uma vez por semana. Não é como se eu não te desse espaço suficiente. – aquilo realmente tinha me machucado. Dizer que eu era possessiva sendo que nós nunca ficávamos juntos estava totalmente fora de cogitação.
- Olha só, eu acho que a gente precisa de um tempo para pensar. – disse com a voz pesada.
Encarei-o por um momento envergonhada comigo mesma e sequei minhas lágrimas com força. Com os passos firmes, fui até a porta.
- Vai então. Se um dia você realmente me amou, trate de usar esse “tempo” pra pensar nas besteiras que você fez. – escancarei a porta sentindo a garganta arder. estava com o rosto vermelho e punhos fechados, ele engoliu em seco e passou por mim sem sequer olhar para trás. – Passar bem.
Bati a porta com força e me sentei no chão com as mãos cobrindo meu rosto encharcado. Eu estava um desastre.
Quando meu coração estava prestes a gritar de dor, eu escutei um barulho vindo lá de cima - o estalo, perecido com o som de um vidro se rachando, me fez levantar em um pulo. Ainda me sentindo um pouco tonta, subi as escadas devagarinho, em meio de vários pensamentos.
Encontrando forças para bater forte em meu peito, meu coração parou totalmente quando cheguei em meu quarto.
Aquilo definitivamente não era real. Não podia ser. Quando vovó me disse que o espelho podia te levar para um mundo paralelo ela não podia estar falando sério. Era simplesmente impossível de acreditar.
Me aproximei do objeto fascinada pelas cores sendo emanadas por ele. Roxo, rosa, cristal. Era um feixe mais bonito que o outro. Quando toquei a face do espelho e contornei o trinco de leve, as luzes cessaram e tudo ficou em silêncio. A imagem refletida mostrava o meu quarto, mas o meu próprio reflexo não aparecia. Passei a mão em meus cabelos e cheguei mais perto, tentando ver melhor.
- Mas o que...
Levei um susto quando uma imagem idêntica à passou pela minha frente. Dei um passo para trás e me virei procurando por ele. Não era possível que ele estivesse comigo, faziam só alguns minutos que eu bati a porta na cara dele! Era impossível que ele estivesse aqui.
Assim como era impossível ir para um mundo paralelo através de um mero espelho.
Corri para o telefone e disquei o número de minha avó o mais rápido que pude.
- Atende por favor... – fechei os olhos. Só de pensar naquela coisa me dava arrepios.
- Alô? – escutei a voz dela do outro lado da linha.
- Vovó, - falei nervosa, esfregando os olhos. – sabe aquelas histórias que a senhora me contava quando eu era pequena? A do espelho? Então, eu acho que está acontecendo comigo...
- Oh , quer dizer que , realmente, foi embora dessa vez? – disse com a voz pesarosa.
- O quê? – gaguejei. – Como a senhora sabe?
Vovó deu uma pausa, provavelmente pensando em como me contar da maneira mais simples possível. Olhei ao meu redor, sentindo um frio no corpo, e esperei ela continuar.
- Se lembra de quando eu lhe contei que em situações que realmente me entristeciam eu conseguia ver como seriam suas versões mais alegres? Então, elas geralmente envolviam amores não correspondidos, perdas insubstituíveis e principalmente... – parou.
- Corações partidos. – completei sentindo um aperto.
- Isso. O espelho tem o poder de mostrar um mundo paralelo onde você e ainda estão juntos, se amando como deveriam.
“Como deveriam”, escutar aquilo vindo dela fez meu coração morrer mais um pouquinho. Fechei os olhos e continuei em silêncio.
- É somente no momento em que você realmente se sente miserável, que o espelho se abre, revelando uma passagem para desse mundo viver a história da do mundo paralelo.
Assenti sentindo meu corpo pesar.
- Então, se eu entrar no espelho eu vou viver uma situação totalmente contrária do que acabou de acontecer?
- Não só o que aconteceu no presente, querida, mas também no passado. Por exemplo, se você abraçou ontem, no mundo paralelo pode ser que ele é quem tenha te abraçado ou beijado você. Entende? Não existem regras restritas, o espelho apenas mostra como seria o mundo se maçãs fossem amarelas e bananas vermelhas.
Encarei o espelho, ainda em dúvida, mas algo em mim crescia. Um misto de curiosidade e alegria se formava em mim. Se eu realmente pudesse entrar naquele mundo, então quer dizer que lá eu nunca havia brigado com , nunca havia chorado por e nunca havia desistido de .
Agora sim, eu realmente queria acreditar na tal coisa.
- Vó, se eu entrar e viver essa vida, nada aqui no presente vai mudar, certo? – caminhei para perto do espelho, um passo pequeno atrás do outro.
- Não, você não vai mexer com o ciclo temporal, você vai apenas viver o que já acontece do outro lado. Sem consequência alguma. – eu senti que ela estava contente. Não pela minha situação atual, mas por eu estar me interessando por algo que ela gostava. – , apenas me prometa que você não vai ficar do outro lado para sempre. Assim que você entender o que aconteceu, conserte as coisas aqui, no nosso mundo.
- Prometo, sim. – sorri de leve. – Quando eu fizer isso o espelho se fechará?
- Sim, minha querida. – sua voz soou levemente preocupada. – É uma pena que o espelho tenha se revelado tão cedo para você, mas de qualquer maneira, apenas aproveite a experiência, às vezes ela é única na vida. Eu sinto muito por você e estarem passando por isso, mas acredite em mim, vai dar tudo certo. - e desligou, me deixando sozinha com aquele “portal”.
Coloquei o telefone no chão e cheguei mais perto do espelho. A imagem mostrava meu quarto vazio e o vulto de não estava mais do outro lado. Aquele deveria ser o momento certo para entrar no mundo paralelo de .
Eu só não sabia direito o que fazer, mas meu instinto disse para colocar a palma da mão no espelho e fechar os olhos.
Respirei fundo e fechei os olhos, desejando que aquilo funcionasse mesmo.
- ? – a voz rouca de soou por trás de minha cabeça. – O que você está fazendo? – ele riu. Abri os olhos assustada e tirei minha palma do espelho automaticamente.
Encarei o objeto a minha frente tentando achar algum resquício do meu mundo na imagem, e assim que vi o telefone parado no chão senti meus olhos brilharem.
Me virei para e sorri de volta. Ele estava sorridente e com os cabelos molhados, sem sinal algum de raiva ou choro.
- Então era verdade... – pensei alto.
- O quê? – ele riu confuso. Ah, como eu senti falta dessa risada. – Você está bem?
Senti meus olhos pesarem e as lágrimas de felicidade rolarem pelo meu rosto. estava lá comigo, sendo gentil como nos velhos tempos. Com o coração batendo mais rápido, não me contive e pulei para abraçá-lo bem forte.
- Ei, - soltou surpreso. Fechei os olhos aproveitando seus braços quentes ao meu redor o mais longo que pude. não me abraçava mais daquele jeito fazia meses. – não é que eu acertei quando disse que você não iria ficar pronta a tempo?
Ri confusa e olhei para ele, erguendo um pouco minha cabeça.
- Pronta para o quê?
- Nosso aniversário, boba. – deu um peteleco no meu nariz e sorriu de canto. – Já esqueceu?
- Não, não. Claro que não. – disse sem graça. deu aquela risada gostosa e jogou sua cabeça para trás.
- Então, vou te dar dez minutos para se arrumar. – respirou fundo, se recompondo.
- Tudo bem. – sorri, me virando para olhar o quarto. Quando saiu, eu finalmente pude pensar com clareza.
Hoje era o nosso aniversário?
Então o hoje do mundo real também foi nosso aniversário?
Me sentindo nauseada, entrei no banheiro e encostei na parede gelada. Nem eu e nem lembramos do nosso aniversário no mundo real. Ficamos brigando o dia todo que nem reparamos na data. Coloquei a mão na cabeça e fixei o olhar no chão. A que ponto nós tínhamos chegado?
Senti uma pontada no coração e fechei meus olhos.
“ Assim que acordei soube que já tinha ido embora. Seu perfume no ar era o único sinal de que ele esteve aqui comigo.
Todas as manhãs eram a mesma coisa, ele saia cedo e voltava tarde. Mas hoje foi diferente. havia deixado um bilhete na mesa ao lado.
“Volto mais tarde, .”
Coloquei a mão em meu peito, sentindo meu coração sofrer, e eu chorei como nunca tinha chorado antes.
Pela primeira vez ele havia deixado algo para mim. Mas minhas esperanças eram tão grandes que quando eu li só aquelas quatro palavras eu recusei acreditar no que estava acontecendo.
Aquela sensação foi a coisa mais dolorosa da minha vida e eu não tinha voz alguma para demonstrar o quanto eu estava sofrendo. Eu estava cansada demais de todo aquele silêncio.
- Isso não é amor. – falei em meio as lágrimas. – Isso não é amor. “
Correndo atrás de , eu senti meu sorriso se alinhar sozinho. O vento batendo em meu rosto, as flores de baixo dos meus pés, o sorriso dele quando seu rosto se virava. Tudo aquilo me fez sentir feliz.
Mas triste ao mesmo tempo.
“ – Isso é sério, ? – ele ergueu a sobrancelha. – Você quer passar a tarde deitada olhando para o céu? Mesmo?
Dei de ombros, continuando a caminhar pela grama úmida. Eu estava de costas para , mas eu sabia que ele tinha revirado os olhos.
- Será que você não consegue ficar um minuto sem reclamar dos meus planos? – soltei, olhando ao redor. O sol estava brilhando em cima de nossas cabeças e as nuvens se espalhavam pelo céu. A grama secava enquanto nós caminhávamos por ela e a brisa balançava meus cabelos. – Como é que você pode odiar esse lugar? – sorri, fechando os olhos e sentindo o vento no rosto.
- Eu não odeio, - resmungou, passando por mim. – só acho perda de tempo ficar olhando para o céu.
largou as coisas mais a frente e estendeu a toalha com má vontade. Balancei a cabeça e segui até onde ele estava. Por mais que eu odiasse a sua atitude, nada naquele dia iria tirar a minha tranquilidade.
- Esquece isso, .- sentei na toalha, olhando-o de pé. – Ou você acha que ficar comigo por uma mísera tarde é perda de tempo?
Vi seus olhos se fecharem lentamente e sua respiração diminuir. Ele passou a mão pelo rosto e se deitou ao meu lado, encarando o céu.
- Não diga isso, . – virou o rosto para mim, sorrindo de canto. – Com você ao meu lado nada é perda de tempo.
Coloquei minha mão sob a dele e senti meu coração bater mais rápido. A sensação de ainda ter um pouco de comigo era incrível. Sorri de volta e deitei com ele.
- Me fala, por que você ama tanto esse lugar. – ele entrelaçou nossos dedos, olhos atentos em mim. – Quero aprender a amá-lo tanto quanto você.
- Eu sei que você quer, - fechei os olhos, encostando minha cabeça em seu ombro. – e eu fico feliz por isso. – beijou o topo de minha cabeça e me abraçou mais forte. Minha boca se abriu em um sorriso e pelo resto daquela tarde eu lhe contei cada detalhe que me deixava feliz naquele parque, e ele me escutou o tempo todo. “
- , - escutei sua voz no fundo. Olhei para cima e encontrei preocupado vindo em minha direção. – o que foi?
- Por que você gosta desse lugar, ?
Ele me olhou confuso e colocou a mão em meu pescoço Seus olhos brilhantes se moviam cautelosamente, analisando cada centímetro do meu rosto.
- Eu já te disse porque eu gosto desse lugar quando eu te trouxe aqui. – respondeu chateado.
Claro que ele é quem me trouxe pra cá, nós estávamos no mundo paralelo – era pouco provável que a daqui conhecia esse parque.
- Talvez eu tenha esquecido o por quê... – falei fazendo uma careta. Ele riu e segurou minha mão.
- Claro que sim, você não ficou muito animada quando eu te trouxe para cá.
Franzi o cenho, estranhando o que havia dito. Eu nunca teria imaginado que um dia eu odiaria esse lugar. Ele deu de ombros e continuou:
- Eu gosto daqui porque eu me sinto tranquilo. Ainda mais quando estou com você. –sorriu, tímido. – O céu azul, as nuvens espalhadas, a grama molhada. Tudo me acalma.
Contive a risada escondendo meu rosto em seu peito, eu também nunca pensei que iria escutar essas coisas vindo de . Ele me abraçou e riu sem graça.
- Pode rir. Nada vai ser pior do que a primeira vez que você me escutou.
- Não, - fingi estar séria. – não vou rir. Eu juro.
ergueu a sobrancelha e eu não pude me segurar. Meu rosto estava ficando anestesiado de tanto rir, até que eventualmente ele caiu na risada também. E nós ficamos assim o dia inteiro. Rindo, provocando, aproveitando cada momento junto. Tudo muito perfeito, perfeito até demais.
Nós ainda estávamos no parque quando o sol se pôs. O céu indo de um roxo para azul estava fascinante.
- Me concede uma dança? – falou, se levantando e estendendo a mão para mim.
- Sem música? – sorri, aceitando o pedido.
- Eu posso cantar enquanto a gente dança.
Cruzei meus braços por trás de seu pescoço e mordi meu lábio. pousou seus olhos em minha boca e sorriu. Ele colocou as mãos em minha cintura e disse:
- Ok, talvez não seja uma ideia tão boa assim. – ele riu.
Fazia tanto tempo que eu não via sorrir tanto.
- Não tem problema, - fechei os olhos, encostado minha cabeça em seu peito. – o som do seu coração pode ser a nossa música.
riu surpreso me balançando de um lado para o outro. Seu queixo apoiado na minha cabeça me deixava confortável, segura. Era como se nós dois fossemos o encaixe perfeito.
- Nunca pensei que você fosse dizer uma coisa dessas.
Olhei para cima, tirando o nosso encaixe e ergui a sobrancelha.
- O que você achou? Que eu iria soltar um comentário irônico? – é o que meu diria em um momento desses, pensei.
- Isso ou uma risada sarcástica. – ele piscou e estendeu o braço, me dando a deixa para dar um rodopio.
Quando eu girei e senti minha visão ficando embaçada, meu coração parou.
“ – Vamos, ! Deixa de corpo mole! – puxei seu braço mais uma vez, quase perdendo meu equilíbrio.
Com uma cara séria, ele me encarou com o cenho franzido. Nós estávamos na festa de casamento da sua irmã e, mesmo sob a luz da lua, onde só dava para ver o brilho dos seus olhos, se recusava a dançar.
- Poxa, . – cruzei os braços desistindo de tirá-lo do banco. – O que eu preciso fazer para ter você dançando comigo?
fez uma cara pensativa querendo me ver sorrindo, mas eu continuei com os braços cruzados e ainda ergui minha sobrancelha. Ele só ia me ver feliz quando ele estivesse dançando comigo.
- Eu até posso dançar com você. – ele se levantou indeciso. – Mas antes eu preciso aprender a não pisar no seu pé a cada dois segundos.
Pisquei algumas vezes, chocada com sua declaração.
- Você não aprendeu a dançar valsa nos ensaios da sua irmã?
- Eu tinha coisas mais importantes para fazer. – ele deu de ombros, se virando de costas.
Ajeitei meu vestido e joguei os saltos de baixo do banco. A música lenta tocava distante de nós e todos os convidados estavam perto da tenda iluminada. ainda estava virado, observando a lua, quando eu cheguei ao seu lado e entrelacei nossas mãos.
- Vem, eu te ensino. – puxei seu rosto para perto e beijei-o com carinho.
sorriu e deixou ser guiado por mim. Apenas escutando a música, coloquei seus braços ao redor da minha cintura e eu pousei minhas mãos em seus ombros. Sem tirar os olhos dos meus, se moveu junto comigo, para frente e para trás, em uma dança sem fim.
Ficamos assim por um tempo, apenas eu, ele e a lua no céu, e quando eu percebi que ele estava mais confiante, fechei meus olhos e apoiei minha testa na dele.
Meu coração bateu mais forte quando a sua respiração bateu de leve em meu rosto. desceu suas mãos de leve em minha cintura e me virou de costas, colocando seus braços em volta dos meus.
Levantei meu rosto para enxergar o seu e sorri quando vi a felicidade estampada em seus olhos.
- Eu te amo demais, .
Meu mundo parou quando ele disse aquelas palavras. Nós nunca falamos sobre isso antes. Senti meu rosto esquentar e minhas mãos tremerem. me segurou mais forte e abriu os olhos. Ele estava sorrindo de um jeito tão fofo que eu nem reparei quando ele me girou e puxou para si de novo, estalando um beijo delicado em minha boca.
Quando eu me recuperei do susto, devolvi o beijo com a mesma intensidade, sorrindo o tempo todo.
- Eu também te amo muito, . – sussurrei ainda de olhos fechados. – Muito.”
Quando colocou seus lábios sobre os meus eu finalmente voltei para a realidade. Eu não sabia se deveria continuar com aquilo, não parecia certo.
Eu tentava me lembrar constantemente que ele não era real e que meu nunca faria essas coisas românticas. Mas ficava cada vez mais difícil.
Me afastei com os pensamentos embaralhados e coloquei as mãos sobre meu rosto. Minha respiração foi acelerando conforme eu ficava sem ar, e eu sentia as lágrimas crescendo em meus olhos. Eu estava tendo um colapso.
Olhar para desse mundo, confuso e triste em minha frente e lembrar de – meu – há milhões de quilômetros de distância, estava me matando.
- Desculpa, - respirei fundo e disse. – mesmo, eu não queria estragar tudo.
- Não se preocupa. – ele falou sem se aproximar. – Você quer voltar para casa?
Eu assenti secando meu rosto e segui até o carro em silêncio, pensando em como eu queria voltar para casa, minha casa.
- Espero que você tenha gostado de hoje, . – falou, atento na estrada. Me encolhi no banco de passageiro e olhei para ele; eu estava me sentindo extremamente culpada, mas ele parecia não se importar com a interrupção.
Esse era bom demais para mim, ele não merecia uma pessoa como eu.
- Eu adorei, obrigada.
Ele parecia ter acreditado naquilo, mas eu não. Mesmo que aqui fosse melhor do que minha vida real, algo estava me incomodando.
Virei para a janela e olhei a lua opaca no céu, e observando as estrelas e a escuridão da noite eu me senti mais calma.
Foi assim, olhando para cima, que eu adormeci e sonhei com a voz rouca de , gritando em meus ouvidos.
Eu estava com saudades dele.
Acordei debaixo das minhas cobertas com os olhos inchados e o cabelo bagunçado. Deitado ao meu lado estava , dormindo como um anjo. Olhei para o espelho a minha frente, refletindo nada mais do que eu mesma.
- Como é que eu vou voltar desse jeito? – pensei em voz alta.
Sai da cama silenciosamente e caminhei até o espelho. Sua face brilhante refletia a minha imagem cansada. Cheguei mais perto ainda tentando achar um único detalhe na imagem: o telefone que eu tinha deixado no chão.
Senti meu coração acelerar e meu estômago virar – ele não estava em lugar nenhum.
- Eu não posso ficar presa aqui. Não posso. – sussurrei desesperada.
Ouvi o som de do mundo paralelo se revirando na cama e minha visão começou a ficar embaçada. Eu não queria mais lidar com ele e seu jeito meloso. Eu queria o meu .
- Por favor espelho, me tira daqui. – choraminguei tocando sua face. – Por favor.
Cai de joelhos quando senti que eu não ia conseguir. e eu nunca passamos muito tempo brigados, e eu sentia que ele iria voltar para se desculpar comigo. E eu o perdoaria se não estivesse presa do outro lado desse maldito espelho.
- Droga! – soquei o chão, sentindo a saudade me consumir.
Eu queria meu de volta.
Não importa quantas vezes a gente brigue e ele me faça chorar, eu sempre vou querer ele de volta, porque não basta viver uma história de amor apenas com momentos felizes, você também precisa passar por dificuldades para saber se ele é verdadeiro mesmo.
E depois de tantas brigas e choros, eu sabia que e eu duraríamos a eternidade.
Fechando meus olhos, deixei as lágrimas rolarem a vontade e respirei fundo, tentando ignorar a dorzinha no peito.
Minhas esperanças já estavam se esgotando quando escutei uma batida vindo acima de mim. Puxei meu corpo para cima rapidamente e senti a dor aumentar quando eu o vi chorando do outro lado.
- , me desculpa. – sussurrou para si mesmo. – Me desculpa por todos os dias que eu te magoei, por todas as grosserias que eu te disse e por todas as lágrimas que eu fiz você derramar. Você não sabe como foi difícil dizer tudo aquilo para você, é só que eu tinha medo de te amar. Tinha medo de me entregar e cair de cara. – ele respirou fundo, dando uma pausa. Eu não conseguia tirar os olhos de sua boca, tremendo com o frio e a dor.
- Eu tinha tanto medo que nem reparei que eu é que estava te afastando de mim. Eu é quem fiz meu próprio destino, e a culpa é toda minha por estar chorando feito um idiota agora. Desculpa, de verdade.
estava com as mãos debruçadas no espelho e a cabeça baixa, mostrando como ele estava quebrado.
Eu precisava sair daqui e abraça-lo até todas as suas peças se colarem de volta.
Coloquei minhas mãos sobre as dele e fechei meus olhos, desesperada para que tudo desse certo. Os sons vindo por trás de mim não importavam mais; a única coisa que tinha minha atenção era a conexão entre mim e .
- Eu te amo, independente de seus defeitos. Eu te amo independente das nossas brigas. Eu te amo independente de seus segredos. Eu te amo independente de tudo. – desabafei de olhos fechados. – Eu só quero voltar para você, . Por favor.
Senti um aperto em meu corpo, e quando abri meus olhos eu o vi. A alegria inundando meu corpo e as lágrimas descendo mais rápidas. Eu tinha conseguido.
Sentado no chão me abraçando com força, escondeu seu rosto em meu peito e chorou comigo. Passei meus dedos por seus cabelos e beijei o topo de sua cabeça, planejando ficar naquele abraço para sempre.
Nossas lágrimas se misturaram e as batidas de nossos corações também. Ele estava tão lindo naquele estado – vulnerável e honesto – que eu não conseguia parar de chorar. Era por esse garoto que eu tinha me apaixonado. Era por esse orgulhoso, mas sensível, que eu tinha me apaixonado.
Ele respirou fundo e segurou meu rosto com vontade. Seus olhos estavam tão brilhantes quanto os meus, e sua boca tremia de tanto chorar. Sequei suas lágrimas com o polegar e sorri, eu finalmente estava em casa. Finalmente estava em seus braços.
- Me desculpa por tudo, - ele lutou para conseguir dizer sem se enrolar em seus soluços. – eu te amo e não suporto ficar longe de você.
- Chega de falar. – eu ri segurando o choro. – Eu prefiro muito mais as suas caretas sérias e respostas sarcásticas. Por favor não mude nunca. – e o beijei com todo amor e toda a dor que eu tinha.
segurou meu corpo contra o seu e sorriu com minha resposta.
Foi assim que ficamos pelo resto da noite. As estrelas no céu, o outro mundo deixado para trás, e eu e aproveitando o momento para criar memórias felizes que em cerca de alguns dias seriam substituídas por momentos tristes.
E pela primeira vez eu não me incomodei em saber disso.
Um deles sempre vai estar certo.
E ele sempre vai ser o último a ser lembrado.
- volta aqui. – falei em meio a lágrimas. – Você sabe que eu não quis dizer isso.
- Eu entendi perfeitamente, . Você acha que não estou sendo fiel só porque não estou 24 horas por dia ao seu lado. – balançou a cabeça enquanto pegava suas coisas. - Saiba que um relacionamento não funciona à base de grude, mas sim de confiança.
- Eu sei disso, mas a gente não consegue ficar nem uma hora sem brigar! Além do mais, você só me vê uma vez por semana. Não é como se eu não te desse espaço suficiente. – aquilo realmente tinha me machucado. Dizer que eu era possessiva sendo que nós nunca ficávamos juntos estava totalmente fora de cogitação.
- Olha só, eu acho que a gente precisa de um tempo para pensar. – disse com a voz pesada.
Encarei-o por um momento envergonhada comigo mesma e sequei minhas lágrimas com força. Com os passos firmes, fui até a porta.
- Vai então. Se um dia você realmente me amou, trate de usar esse “tempo” pra pensar nas besteiras que você fez. – escancarei a porta sentindo a garganta arder. estava com o rosto vermelho e punhos fechados, ele engoliu em seco e passou por mim sem sequer olhar para trás. – Passar bem.
Bati a porta com força e me sentei no chão com as mãos cobrindo meu rosto encharcado. Eu estava um desastre.
Quando meu coração estava prestes a gritar de dor, eu escutei um barulho vindo lá de cima - o estalo, perecido com o som de um vidro se rachando, me fez levantar em um pulo. Ainda me sentindo um pouco tonta, subi as escadas devagarinho, em meio de vários pensamentos.
Encontrando forças para bater forte em meu peito, meu coração parou totalmente quando cheguei em meu quarto.
Aquilo definitivamente não era real. Não podia ser. Quando vovó me disse que o espelho podia te levar para um mundo paralelo ela não podia estar falando sério. Era simplesmente impossível de acreditar.
Me aproximei do objeto fascinada pelas cores sendo emanadas por ele. Roxo, rosa, cristal. Era um feixe mais bonito que o outro. Quando toquei a face do espelho e contornei o trinco de leve, as luzes cessaram e tudo ficou em silêncio. A imagem refletida mostrava o meu quarto, mas o meu próprio reflexo não aparecia. Passei a mão em meus cabelos e cheguei mais perto, tentando ver melhor.
- Mas o que...
Levei um susto quando uma imagem idêntica à passou pela minha frente. Dei um passo para trás e me virei procurando por ele. Não era possível que ele estivesse comigo, faziam só alguns minutos que eu bati a porta na cara dele! Era impossível que ele estivesse aqui.
Assim como era impossível ir para um mundo paralelo através de um mero espelho.
Corri para o telefone e disquei o número de minha avó o mais rápido que pude.
- Atende por favor... – fechei os olhos. Só de pensar naquela coisa me dava arrepios.
- Alô? – escutei a voz dela do outro lado da linha.
- Vovó, - falei nervosa, esfregando os olhos. – sabe aquelas histórias que a senhora me contava quando eu era pequena? A do espelho? Então, eu acho que está acontecendo comigo...
- Oh , quer dizer que , realmente, foi embora dessa vez? – disse com a voz pesarosa.
- O quê? – gaguejei. – Como a senhora sabe?
Vovó deu uma pausa, provavelmente pensando em como me contar da maneira mais simples possível. Olhei ao meu redor, sentindo um frio no corpo, e esperei ela continuar.
- Se lembra de quando eu lhe contei que em situações que realmente me entristeciam eu conseguia ver como seriam suas versões mais alegres? Então, elas geralmente envolviam amores não correspondidos, perdas insubstituíveis e principalmente... – parou.
- Corações partidos. – completei sentindo um aperto.
- Isso. O espelho tem o poder de mostrar um mundo paralelo onde você e ainda estão juntos, se amando como deveriam.
“Como deveriam”, escutar aquilo vindo dela fez meu coração morrer mais um pouquinho. Fechei os olhos e continuei em silêncio.
- É somente no momento em que você realmente se sente miserável, que o espelho se abre, revelando uma passagem para desse mundo viver a história da do mundo paralelo.
Assenti sentindo meu corpo pesar.
- Então, se eu entrar no espelho eu vou viver uma situação totalmente contrária do que acabou de acontecer?
- Não só o que aconteceu no presente, querida, mas também no passado. Por exemplo, se você abraçou ontem, no mundo paralelo pode ser que ele é quem tenha te abraçado ou beijado você. Entende? Não existem regras restritas, o espelho apenas mostra como seria o mundo se maçãs fossem amarelas e bananas vermelhas.
Encarei o espelho, ainda em dúvida, mas algo em mim crescia. Um misto de curiosidade e alegria se formava em mim. Se eu realmente pudesse entrar naquele mundo, então quer dizer que lá eu nunca havia brigado com , nunca havia chorado por e nunca havia desistido de .
Agora sim, eu realmente queria acreditar na tal coisa.
- Vó, se eu entrar e viver essa vida, nada aqui no presente vai mudar, certo? – caminhei para perto do espelho, um passo pequeno atrás do outro.
- Não, você não vai mexer com o ciclo temporal, você vai apenas viver o que já acontece do outro lado. Sem consequência alguma. – eu senti que ela estava contente. Não pela minha situação atual, mas por eu estar me interessando por algo que ela gostava. – , apenas me prometa que você não vai ficar do outro lado para sempre. Assim que você entender o que aconteceu, conserte as coisas aqui, no nosso mundo.
- Prometo, sim. – sorri de leve. – Quando eu fizer isso o espelho se fechará?
- Sim, minha querida. – sua voz soou levemente preocupada. – É uma pena que o espelho tenha se revelado tão cedo para você, mas de qualquer maneira, apenas aproveite a experiência, às vezes ela é única na vida. Eu sinto muito por você e estarem passando por isso, mas acredite em mim, vai dar tudo certo. - e desligou, me deixando sozinha com aquele “portal”.
Coloquei o telefone no chão e cheguei mais perto do espelho. A imagem mostrava meu quarto vazio e o vulto de não estava mais do outro lado. Aquele deveria ser o momento certo para entrar no mundo paralelo de .
Eu só não sabia direito o que fazer, mas meu instinto disse para colocar a palma da mão no espelho e fechar os olhos.
Respirei fundo e fechei os olhos, desejando que aquilo funcionasse mesmo.
- ? – a voz rouca de soou por trás de minha cabeça. – O que você está fazendo? – ele riu. Abri os olhos assustada e tirei minha palma do espelho automaticamente.
Encarei o objeto a minha frente tentando achar algum resquício do meu mundo na imagem, e assim que vi o telefone parado no chão senti meus olhos brilharem.
Me virei para e sorri de volta. Ele estava sorridente e com os cabelos molhados, sem sinal algum de raiva ou choro.
- Então era verdade... – pensei alto.
- O quê? – ele riu confuso. Ah, como eu senti falta dessa risada. – Você está bem?
Senti meus olhos pesarem e as lágrimas de felicidade rolarem pelo meu rosto. estava lá comigo, sendo gentil como nos velhos tempos. Com o coração batendo mais rápido, não me contive e pulei para abraçá-lo bem forte.
- Ei, - soltou surpreso. Fechei os olhos aproveitando seus braços quentes ao meu redor o mais longo que pude. não me abraçava mais daquele jeito fazia meses. – não é que eu acertei quando disse que você não iria ficar pronta a tempo?
Ri confusa e olhei para ele, erguendo um pouco minha cabeça.
- Pronta para o quê?
- Nosso aniversário, boba. – deu um peteleco no meu nariz e sorriu de canto. – Já esqueceu?
- Não, não. Claro que não. – disse sem graça. deu aquela risada gostosa e jogou sua cabeça para trás.
- Então, vou te dar dez minutos para se arrumar. – respirou fundo, se recompondo.
- Tudo bem. – sorri, me virando para olhar o quarto. Quando saiu, eu finalmente pude pensar com clareza.
Hoje era o nosso aniversário?
Então o hoje do mundo real também foi nosso aniversário?
Me sentindo nauseada, entrei no banheiro e encostei na parede gelada. Nem eu e nem lembramos do nosso aniversário no mundo real. Ficamos brigando o dia todo que nem reparamos na data. Coloquei a mão na cabeça e fixei o olhar no chão. A que ponto nós tínhamos chegado?
Senti uma pontada no coração e fechei meus olhos.
“ Assim que acordei soube que já tinha ido embora. Seu perfume no ar era o único sinal de que ele esteve aqui comigo.
Todas as manhãs eram a mesma coisa, ele saia cedo e voltava tarde. Mas hoje foi diferente. havia deixado um bilhete na mesa ao lado.
“Volto mais tarde, .”
Coloquei a mão em meu peito, sentindo meu coração sofrer, e eu chorei como nunca tinha chorado antes.
Pela primeira vez ele havia deixado algo para mim. Mas minhas esperanças eram tão grandes que quando eu li só aquelas quatro palavras eu recusei acreditar no que estava acontecendo.
Aquela sensação foi a coisa mais dolorosa da minha vida e eu não tinha voz alguma para demonstrar o quanto eu estava sofrendo. Eu estava cansada demais de todo aquele silêncio.
- Isso não é amor. – falei em meio as lágrimas. – Isso não é amor. “
Correndo atrás de , eu senti meu sorriso se alinhar sozinho. O vento batendo em meu rosto, as flores de baixo dos meus pés, o sorriso dele quando seu rosto se virava. Tudo aquilo me fez sentir feliz.
Mas triste ao mesmo tempo.
“ – Isso é sério, ? – ele ergueu a sobrancelha. – Você quer passar a tarde deitada olhando para o céu? Mesmo?
Dei de ombros, continuando a caminhar pela grama úmida. Eu estava de costas para , mas eu sabia que ele tinha revirado os olhos.
- Será que você não consegue ficar um minuto sem reclamar dos meus planos? – soltei, olhando ao redor. O sol estava brilhando em cima de nossas cabeças e as nuvens se espalhavam pelo céu. A grama secava enquanto nós caminhávamos por ela e a brisa balançava meus cabelos. – Como é que você pode odiar esse lugar? – sorri, fechando os olhos e sentindo o vento no rosto.
- Eu não odeio, - resmungou, passando por mim. – só acho perda de tempo ficar olhando para o céu.
largou as coisas mais a frente e estendeu a toalha com má vontade. Balancei a cabeça e segui até onde ele estava. Por mais que eu odiasse a sua atitude, nada naquele dia iria tirar a minha tranquilidade.
- Esquece isso, .- sentei na toalha, olhando-o de pé. – Ou você acha que ficar comigo por uma mísera tarde é perda de tempo?
Vi seus olhos se fecharem lentamente e sua respiração diminuir. Ele passou a mão pelo rosto e se deitou ao meu lado, encarando o céu.
- Não diga isso, . – virou o rosto para mim, sorrindo de canto. – Com você ao meu lado nada é perda de tempo.
Coloquei minha mão sob a dele e senti meu coração bater mais rápido. A sensação de ainda ter um pouco de comigo era incrível. Sorri de volta e deitei com ele.
- Me fala, por que você ama tanto esse lugar. – ele entrelaçou nossos dedos, olhos atentos em mim. – Quero aprender a amá-lo tanto quanto você.
- Eu sei que você quer, - fechei os olhos, encostando minha cabeça em seu ombro. – e eu fico feliz por isso. – beijou o topo de minha cabeça e me abraçou mais forte. Minha boca se abriu em um sorriso e pelo resto daquela tarde eu lhe contei cada detalhe que me deixava feliz naquele parque, e ele me escutou o tempo todo. “
- , - escutei sua voz no fundo. Olhei para cima e encontrei preocupado vindo em minha direção. – o que foi?
- Por que você gosta desse lugar, ?
Ele me olhou confuso e colocou a mão em meu pescoço Seus olhos brilhantes se moviam cautelosamente, analisando cada centímetro do meu rosto.
- Eu já te disse porque eu gosto desse lugar quando eu te trouxe aqui. – respondeu chateado.
Claro que ele é quem me trouxe pra cá, nós estávamos no mundo paralelo – era pouco provável que a daqui conhecia esse parque.
- Talvez eu tenha esquecido o por quê... – falei fazendo uma careta. Ele riu e segurou minha mão.
- Claro que sim, você não ficou muito animada quando eu te trouxe para cá.
Franzi o cenho, estranhando o que havia dito. Eu nunca teria imaginado que um dia eu odiaria esse lugar. Ele deu de ombros e continuou:
- Eu gosto daqui porque eu me sinto tranquilo. Ainda mais quando estou com você. –sorriu, tímido. – O céu azul, as nuvens espalhadas, a grama molhada. Tudo me acalma.
Contive a risada escondendo meu rosto em seu peito, eu também nunca pensei que iria escutar essas coisas vindo de . Ele me abraçou e riu sem graça.
- Pode rir. Nada vai ser pior do que a primeira vez que você me escutou.
- Não, - fingi estar séria. – não vou rir. Eu juro.
ergueu a sobrancelha e eu não pude me segurar. Meu rosto estava ficando anestesiado de tanto rir, até que eventualmente ele caiu na risada também. E nós ficamos assim o dia inteiro. Rindo, provocando, aproveitando cada momento junto. Tudo muito perfeito, perfeito até demais.
Nós ainda estávamos no parque quando o sol se pôs. O céu indo de um roxo para azul estava fascinante.
- Me concede uma dança? – falou, se levantando e estendendo a mão para mim.
- Sem música? – sorri, aceitando o pedido.
- Eu posso cantar enquanto a gente dança.
Cruzei meus braços por trás de seu pescoço e mordi meu lábio. pousou seus olhos em minha boca e sorriu. Ele colocou as mãos em minha cintura e disse:
- Ok, talvez não seja uma ideia tão boa assim. – ele riu.
Fazia tanto tempo que eu não via sorrir tanto.
- Não tem problema, - fechei os olhos, encostado minha cabeça em seu peito. – o som do seu coração pode ser a nossa música.
riu surpreso me balançando de um lado para o outro. Seu queixo apoiado na minha cabeça me deixava confortável, segura. Era como se nós dois fossemos o encaixe perfeito.
- Nunca pensei que você fosse dizer uma coisa dessas.
Olhei para cima, tirando o nosso encaixe e ergui a sobrancelha.
- O que você achou? Que eu iria soltar um comentário irônico? – é o que meu diria em um momento desses, pensei.
- Isso ou uma risada sarcástica. – ele piscou e estendeu o braço, me dando a deixa para dar um rodopio.
Quando eu girei e senti minha visão ficando embaçada, meu coração parou.
“ – Vamos, ! Deixa de corpo mole! – puxei seu braço mais uma vez, quase perdendo meu equilíbrio.
Com uma cara séria, ele me encarou com o cenho franzido. Nós estávamos na festa de casamento da sua irmã e, mesmo sob a luz da lua, onde só dava para ver o brilho dos seus olhos, se recusava a dançar.
- Poxa, . – cruzei os braços desistindo de tirá-lo do banco. – O que eu preciso fazer para ter você dançando comigo?
fez uma cara pensativa querendo me ver sorrindo, mas eu continuei com os braços cruzados e ainda ergui minha sobrancelha. Ele só ia me ver feliz quando ele estivesse dançando comigo.
- Eu até posso dançar com você. – ele se levantou indeciso. – Mas antes eu preciso aprender a não pisar no seu pé a cada dois segundos.
Pisquei algumas vezes, chocada com sua declaração.
- Você não aprendeu a dançar valsa nos ensaios da sua irmã?
- Eu tinha coisas mais importantes para fazer. – ele deu de ombros, se virando de costas.
Ajeitei meu vestido e joguei os saltos de baixo do banco. A música lenta tocava distante de nós e todos os convidados estavam perto da tenda iluminada. ainda estava virado, observando a lua, quando eu cheguei ao seu lado e entrelacei nossas mãos.
- Vem, eu te ensino. – puxei seu rosto para perto e beijei-o com carinho.
sorriu e deixou ser guiado por mim. Apenas escutando a música, coloquei seus braços ao redor da minha cintura e eu pousei minhas mãos em seus ombros. Sem tirar os olhos dos meus, se moveu junto comigo, para frente e para trás, em uma dança sem fim.
Ficamos assim por um tempo, apenas eu, ele e a lua no céu, e quando eu percebi que ele estava mais confiante, fechei meus olhos e apoiei minha testa na dele.
Meu coração bateu mais forte quando a sua respiração bateu de leve em meu rosto. desceu suas mãos de leve em minha cintura e me virou de costas, colocando seus braços em volta dos meus.
Levantei meu rosto para enxergar o seu e sorri quando vi a felicidade estampada em seus olhos.
- Eu te amo demais, .
Meu mundo parou quando ele disse aquelas palavras. Nós nunca falamos sobre isso antes. Senti meu rosto esquentar e minhas mãos tremerem. me segurou mais forte e abriu os olhos. Ele estava sorrindo de um jeito tão fofo que eu nem reparei quando ele me girou e puxou para si de novo, estalando um beijo delicado em minha boca.
Quando eu me recuperei do susto, devolvi o beijo com a mesma intensidade, sorrindo o tempo todo.
- Eu também te amo muito, . – sussurrei ainda de olhos fechados. – Muito.”
Quando colocou seus lábios sobre os meus eu finalmente voltei para a realidade. Eu não sabia se deveria continuar com aquilo, não parecia certo.
Eu tentava me lembrar constantemente que ele não era real e que meu nunca faria essas coisas românticas. Mas ficava cada vez mais difícil.
Me afastei com os pensamentos embaralhados e coloquei as mãos sobre meu rosto. Minha respiração foi acelerando conforme eu ficava sem ar, e eu sentia as lágrimas crescendo em meus olhos. Eu estava tendo um colapso.
Olhar para desse mundo, confuso e triste em minha frente e lembrar de – meu – há milhões de quilômetros de distância, estava me matando.
- Desculpa, - respirei fundo e disse. – mesmo, eu não queria estragar tudo.
- Não se preocupa. – ele falou sem se aproximar. – Você quer voltar para casa?
Eu assenti secando meu rosto e segui até o carro em silêncio, pensando em como eu queria voltar para casa, minha casa.
- Espero que você tenha gostado de hoje, . – falou, atento na estrada. Me encolhi no banco de passageiro e olhei para ele; eu estava me sentindo extremamente culpada, mas ele parecia não se importar com a interrupção.
Esse era bom demais para mim, ele não merecia uma pessoa como eu.
- Eu adorei, obrigada.
Ele parecia ter acreditado naquilo, mas eu não. Mesmo que aqui fosse melhor do que minha vida real, algo estava me incomodando.
Virei para a janela e olhei a lua opaca no céu, e observando as estrelas e a escuridão da noite eu me senti mais calma.
Foi assim, olhando para cima, que eu adormeci e sonhei com a voz rouca de , gritando em meus ouvidos.
Eu estava com saudades dele.
Acordei debaixo das minhas cobertas com os olhos inchados e o cabelo bagunçado. Deitado ao meu lado estava , dormindo como um anjo. Olhei para o espelho a minha frente, refletindo nada mais do que eu mesma.
- Como é que eu vou voltar desse jeito? – pensei em voz alta.
Sai da cama silenciosamente e caminhei até o espelho. Sua face brilhante refletia a minha imagem cansada. Cheguei mais perto ainda tentando achar um único detalhe na imagem: o telefone que eu tinha deixado no chão.
Senti meu coração acelerar e meu estômago virar – ele não estava em lugar nenhum.
- Eu não posso ficar presa aqui. Não posso. – sussurrei desesperada.
Ouvi o som de do mundo paralelo se revirando na cama e minha visão começou a ficar embaçada. Eu não queria mais lidar com ele e seu jeito meloso. Eu queria o meu .
- Por favor espelho, me tira daqui. – choraminguei tocando sua face. – Por favor.
Cai de joelhos quando senti que eu não ia conseguir. e eu nunca passamos muito tempo brigados, e eu sentia que ele iria voltar para se desculpar comigo. E eu o perdoaria se não estivesse presa do outro lado desse maldito espelho.
- Droga! – soquei o chão, sentindo a saudade me consumir.
Eu queria meu de volta.
Não importa quantas vezes a gente brigue e ele me faça chorar, eu sempre vou querer ele de volta, porque não basta viver uma história de amor apenas com momentos felizes, você também precisa passar por dificuldades para saber se ele é verdadeiro mesmo.
E depois de tantas brigas e choros, eu sabia que e eu duraríamos a eternidade.
Fechando meus olhos, deixei as lágrimas rolarem a vontade e respirei fundo, tentando ignorar a dorzinha no peito.
Minhas esperanças já estavam se esgotando quando escutei uma batida vindo acima de mim. Puxei meu corpo para cima rapidamente e senti a dor aumentar quando eu o vi chorando do outro lado.
- , me desculpa. – sussurrou para si mesmo. – Me desculpa por todos os dias que eu te magoei, por todas as grosserias que eu te disse e por todas as lágrimas que eu fiz você derramar. Você não sabe como foi difícil dizer tudo aquilo para você, é só que eu tinha medo de te amar. Tinha medo de me entregar e cair de cara. – ele respirou fundo, dando uma pausa. Eu não conseguia tirar os olhos de sua boca, tremendo com o frio e a dor.
- Eu tinha tanto medo que nem reparei que eu é que estava te afastando de mim. Eu é quem fiz meu próprio destino, e a culpa é toda minha por estar chorando feito um idiota agora. Desculpa, de verdade.
estava com as mãos debruçadas no espelho e a cabeça baixa, mostrando como ele estava quebrado.
Eu precisava sair daqui e abraça-lo até todas as suas peças se colarem de volta.
Coloquei minhas mãos sobre as dele e fechei meus olhos, desesperada para que tudo desse certo. Os sons vindo por trás de mim não importavam mais; a única coisa que tinha minha atenção era a conexão entre mim e .
- Eu te amo, independente de seus defeitos. Eu te amo independente das nossas brigas. Eu te amo independente de seus segredos. Eu te amo independente de tudo. – desabafei de olhos fechados. – Eu só quero voltar para você, . Por favor.
Senti um aperto em meu corpo, e quando abri meus olhos eu o vi. A alegria inundando meu corpo e as lágrimas descendo mais rápidas. Eu tinha conseguido.
Sentado no chão me abraçando com força, escondeu seu rosto em meu peito e chorou comigo. Passei meus dedos por seus cabelos e beijei o topo de sua cabeça, planejando ficar naquele abraço para sempre.
Nossas lágrimas se misturaram e as batidas de nossos corações também. Ele estava tão lindo naquele estado – vulnerável e honesto – que eu não conseguia parar de chorar. Era por esse garoto que eu tinha me apaixonado. Era por esse orgulhoso, mas sensível, que eu tinha me apaixonado.
Ele respirou fundo e segurou meu rosto com vontade. Seus olhos estavam tão brilhantes quanto os meus, e sua boca tremia de tanto chorar. Sequei suas lágrimas com o polegar e sorri, eu finalmente estava em casa. Finalmente estava em seus braços.
- Me desculpa por tudo, - ele lutou para conseguir dizer sem se enrolar em seus soluços. – eu te amo e não suporto ficar longe de você.
- Chega de falar. – eu ri segurando o choro. – Eu prefiro muito mais as suas caretas sérias e respostas sarcásticas. Por favor não mude nunca. – e o beijei com todo amor e toda a dor que eu tinha.
segurou meu corpo contra o seu e sorriu com minha resposta.
Foi assim que ficamos pelo resto da noite. As estrelas no céu, o outro mundo deixado para trás, e eu e aproveitando o momento para criar memórias felizes que em cerca de alguns dias seriam substituídas por momentos tristes.
E pela primeira vez eu não me incomodei em saber disso.