Capítulo Único
Don't know what to say to you now
Standing right in front of you
Don't know how to fade in and out
Don't know how to play it cool
Losing a little guard, let it down
We don't have to think it through
We've got to let go.
Nicholas guardou o jaleco cuidadosamente em sua mochila. O cansaço era explícito em suas feições; os olhos vermelhos, as olheiras escuras por baixo dos mesmos, a boca ressecada e as roupas amassadas. Ainda assim, sentia-se realizado por estar chegando ao fim de uma graduação de prestígio. Estava, finalmente, no último ano do curso de Medicina e não via a hora de acabar de uma vez por todas e poder continuar estudando, até ter a oportunidade de trabalhar ao lado de sua mãe — mesmo que nos confins da cidade, trancado em um laboratório. Queria ser um legista de respeito e dar orgulho à sua família e ao seu povo, assim como sua mãe e toda a equipe que ela regia ao lado de .
Riu sozinho com o rumo de seus pensamentos exaustos. Lembrar-se de quem era sua mãe e seus amigos sempre lhe trazia um calor interno gostoso. Fazia parte do grupo dos “queridinhos londrinos”, a super equipe, mesmo que muitos deles já estivessem chegando ao fim de suas carreiras — incríveis, diga-se de passagem. Queria ser como eles, até mesmo seu pai — que, no fundo, ele sabia que não deveria admirar a trajetória; não depois de tudo o que ele havia causado às pessoas que mais amava. Charlie Raymond havia sido um grande exemplo para si, embora, hoje, Nicholas sentisse apenas… Indiferença. Mas, mesmo assim, seria uma grande mentira se dissesse que não o tinha como exemplo. Não tinha mais nenhuma relação com Charlie e, com isso, automaticamente, sua única figura paterna era — e, céus, isso definitivamente não deveria ser sua única referência; era um belíssimo paspalho, mas o amava incondicionalmente. Era complicado.
Nicholas balançou a cabeça negativamente e tentou afastar tais pensamentos. Apesar de já estar chegando aos 23 anos, ainda era doloroso pensar sobre tudo aquilo. Lembrava-se de dez anos atrás, quando encontrou sua mãe retornando para casa com curativos enormes no tronco e sendo empurrada por em uma cadeira de rodas — e saber quem havia causado aquilo foi um trauma que ele jamais superou; tal qual seu ódio pelo próprio pai. Era um paradoxo para si: o admirava enquanto profissional, porém o odiava enquanto pessoa. Contudo, percebia e assumia que ele tinha sido o mais esperto dentre todos ao redor. Charlie Raymond havia entrado para a história inglesa encabeçando o maior esquema de corrupção e atentados terroristas ao próprio país.
Uau, que orgulho, Nicholas pensou consigo mesmo de forma irônica, dando-se conta que estava novamente ligado no modo automático e já alcançava os portões da universidade.
Logo à sua frente, em toda sua glória apoiada em uma moto, Colbie estava parada com dois capacetes em mãos.
— Boa tarde, doutor Cobain — ela murmurou assim que Nicholas se aproximou. — Vim te buscar para almoçarmos juntos.
Nicholas fez uma careta e pegou o capacete que lhe era estendido.
— É a primeira vez no ano que saio antes das sete, Colbie, a única coisa que quero fazer agora é ir para casa e dormir — respondeu, subindo na moto depois de Colbie. — Não podemos almoçar em casa e tirar um cochilo?
— Não, hoje é um dia especial e vamos no restaurante da minha mãe — a garota rebateu com um sorriso doce.
Sem dar oportunidade para o amigo rebater, vestiu o próprio capacete e deu partida em uma velocidade controlada — Nicholas ainda sentia medo de andar em sua moto, mesmo que disfarçasse muito bem, ela podia perceber e sentir a tensão.
Não levaram mais do que vinte minutos para chegar no restaurante da mãe de Colbie. Após deixarem a moto em um lugar seguro, adentraram o local com certa ansiedade. Foram recebidos por abraços apertados e dezenas de beijos, para, em seguida, serem guiados para uma mesa afastada dos demais clientes.
Sentaram-se e a mãe de Colbie se retirou — depois, obviamente, de parabenizar Nicholas por todo esforço e dizer que estava orgulhosa dele tanto quanto da própria filha.
— E então? — Nicholas começou. — Qual o motivo de hoje ser um dia especial?
— Você é tão apressado… — Colbie suspirou. — Mas, enfim… Primeiro de tudo: conseguiu ingressos para o jogo deste fim de semana. Vamos poder ver o Arsenal destruir o Tottenham juntos.
— Finalmente um dia de glória! — Nicholas exclamou e riu. — Eu realmente espero que isso aconteça, não quero ter que pagar as cervejas do de novo. Nosso Arsenal precisa levar essa.
Colbie deu uma risada fraca ao lembrar-se do evento — de fato, na última vitória do Tottenham, fez questão de beber até não se aguentar de pé para acabar com todo o dinheiro deles dois; mesmo que alegassem que eram apenas dois estudantes.
Antes que Colbie pudesse voltar a falar, sua mãe chegou à mesa em que estavam para servir o pedido. Com a mesa posta e após um beijo na testa dado com muito carinho, a jovem respirou fundo e encarou o amigo com alegria.
— Vai, fala logo — Nicholas pediu enquanto abocanhava o hambúrguer com vontade.
— Digamos que consegui o estágio perfeito e estou prestes a me formar com honras — Colbie abriu mais o sorriso e bebericou o suco de laranja.
— Finalmente! — Nicholas exclamou e esticou a mão para segurar a de Colbie com carinho. — Fico muito feliz por você. Onde é esse “estágio perfeito”?
— Bom, ao que tudo indica… Sou a nova aprendiz da sua mãe.
Nicholas paralisou por alguns segundos, esperando que Colbie o confirmasse que aquilo não era mais uma piadinha.
— Sério? Você vai estagiar na delegacia?
— Sim, isso não é incrível?!
— Claro que é! Sinal de que vamos trabalhar juntos, então — Nicholas respondeu ainda mais animado e emocionado; era o sonho de ambos desde que eram crianças, após todos os anos longos de estudos, trabalhar lado a lado era o que mais os motivava. — Mas, me diz a verdade… Você só conseguiu isso porque hackeou todo o sistema da cidade para se mostrar para o , não foi?
— Cada um conquista a vaga de estágio com as habilidades que tem, eu não tenho culpa se o se impressiona com pouco…
E como nos velhos tempos, após alguns segundos, caíram na gargalhada. Era, de fato, um momento e tanto. Ambos a um passo do tão esperado diploma, com carreiras promissoras pela frente e recursos para alcançarem todos os sonhos que carregavam. Poucas pessoas tinham tanto privilégio.
Nicholas não sabia dizer por quanto tempo ficou conversando e comendo besteiras com Colbie, mas, quando se deu conta, o dia já tinha terminado e a noite caía nublada.
— Nos vemos no domingo, então? — Colbie perguntou enquanto caminhava até a saída do restaurante.
— É, acho que sim — Nicholas deu de ombros. — Você me busca para o jogo?
— Ai, ai, você só pensa na carona… — Colbie brincou com o amigo e o empurrou de leve com o ombro. — Vou passar na sua casa às duas e meia, esteja pronto. Hoje só não vou te deixar em casa porque tenho um compromisso… Você não se importa, né?
— Claro que não, Colbie — o rapaz revirou os olhos. — Você não é minha motorista particular, embora eu adoraria que fosse.
Riram mais um pouco e se despediram com um abraço apertado, como sempre.
— Estou muito orgulhoso de você — Nicholas praticamente sussurrou quando se afastaram, olhando-a nos olhos.
— Para com isso, amigo, fico sem jeito — ela murmurou com um sorriso, levando uma das mãos até o rosto jovial e limpo, sem nenhum traço de barba. — Eu te amo, se cuida e me avisa quando chegar em casa.
— Também te amo — Nicholas respondeu com clareza, ainda a olhando de perto. No entanto, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, pôde enxergar uma silhueta muitíssimo conhecida se aproximando. — Bom, parece que seu compromisso chegou.
Colbie virou-se para trás sem pressa, tirando a mão do rosto de Nicholas e dando de cara com Ralph, seu atual namorado — ou algo do tipo; ninguém ao redor entendia aquela relação.
— Hey — Ralph cumprimentou Colbie com um selinho rápido e acenou para Nicholas. — E aí?
— E aí, Ralph, beleza? — Nicholas respondeu simpático.
— Tudo certo, irmão. Faz tempo que não te vejo, ‘tá sendo engolido pelas salas de prática da faculdade, é?
Nicholas deu uma risada fraca e apoiou a mão no ombro de Ralph de forma amigável, finalmente respondendo:
— Cara, ‘tá foda. ‘Tô morando nos laboratórios e lidando com mortos o tempo inteiro. Mas, pelo menos, está tudo certo e logo isso acaba e vamos poder nos ver mais. Enfim, pombinhos, vou nessa. Tenho que ir na casa do hoje ainda.
— Tranquilo, cara, boa sorte. Bom te ver!
— Toma cuidado no caminho, Nic — Colbie murmurou e deu um último abraço no amigo, logo soltando-o e dando as costas junto a Ralph.
Nicholas ainda ficou alguns segundos ali parado, observando-os se afastar e sentindo o contínuo aperto no peito — jamais conseguiria superar tudo o que sentia por Colbie desde adolescente; era difícil vê-la com outro e doía como o inferno, mas ele jamais seria capaz de fazer algo para prejudicar a felicidade da amiga; e tampouco seria babaca com Ralph, que, embora tivesse um caráter duvidoso, nunca havia feito mal para ninguém.
Nicholas não demorou muito para chegar na casa de , mesmo que tivesse ido caminhando. Ele gostava de observar a cidade durante a noite — as luzes, o trânsito caótico, as pessoas saindo dos trabalhos, universitários começando a aglomerar os pubs centrais, turistas perdidos; era tudo muito bonito e encantador, Nicholas tinha certeza que havia nascido para viver naquela cidade para sempre.
— Pirralho, finalmente lembrou que eu existo! — exclamou ao vê-lo parado em frente à porta. — Entra, vem.
— Eu nunca esqueci de você, , só estou sem tempo — Nicholas rebateu com um ar zombeteiro enquanto largava a mochila no canto da sala e tirava o tênis. — !
— Oi, meu amor! — respondeu de braços abertos, observando Nicholas que, agora era maior do que ela e , correr em sua direção. A jornalista foi pega no colo com carinho e não demorou a ser girada no ar. observou a cena de braços cruzados, encantado com a relação da, agora esposa, com o garoto que ajudou a criar, que tinha como filho.
— Estava com saudades — Nicholas abriu um sorriso grande ao colocar a mulher no chão novamente. — Como foi a viagem e como está a tia Beth?
— Também senti saudades. Foi tudo bem, a Beth está bem e lindamente grávida — respondeu feliz. — Ela vai se casar, acredita?
— Incrível! Estou morrendo de saudades dela também — Nicholas jogou-se no sofá e sentou ao seu lado. — Enfim, posso jantar aqui hoje? Acabei de sair do restaurante da mãe da Colbie, mas tenho certeza que minha mãe ainda não chegou e não quero cozinhar. Estou morto de cansaço.
— A casa é sua, garoto, claro que pode jantar aqui — respondeu e deu um tapa leve na nuca do mais novo, fazendo-o rir. — Como vai a faculdade? Já sabe que a Colbie vai ser a nova estagiária da computação na delegacia?
— Tudo certo, último período, sabe como é… — Nicholas suspirou. — Cara, eu sei que foi você que fez esse estágio acontecer.
— A garota é inteligente e merece a vaga — deu uma risadinha baixa. — Além do mais, era questão de tempo até ela conseguir um trabalho com a gente. Você sabe. Ela ‘tava fuxicando tudo!
Nicholas riu e deu de ombros, sabia muito bem tudo o que a melhor amiga aprontava. Ele não ficava muito atrás, vivia “invadindo” o necrotério que somente os chefões da delegacia tinham acesso — ele sempre inventava ter uma autorização de ou de Emma e ninguém desconfiava.
— Ela é demais, né? — Nicholas murmurou depois de alguns segundos, olhando para o chão repentinamente sem jeito. Ao não obter nenhuma resposta de , ergueu os olhos para o mais velho e o encontrou com um sorriso no rosto. — O que foi?
— Você é muito apaixonado por ela, moleque — comentou dando uma risadinha fraca e , que vinha logo atrás deles com uma garrafa de vinho e três taças nas mãos, acompanhou o marido na risada. — Vem, amor, vamos ouvir a história do garoto. Você costuma ajudá-lo mais com isso.
— Não sou apaixonado por ninguém — Nicholas rebateu e pegou a taça que lhe foi estendida. sentou-se no tapete em frente ao sofá e encheu todas as taças de vinho antes de prestar atenção na conversa. — Eu só acho que a Colbie realmente é demais, admiro aquela garota como profissional e pessoa; só isso.
— Não tem nada de errado em admirar uma mulher sem nenhuma maldade, — murmurou com um sorriso de canto.
— Claro que não, eu admiro a Emma e você, por exemplo — deu de ombros. — A diferença é que com você eu me casei. É esse o tipo de admiração que ele tem pela Colbie.
Nicholas deu uma risada fraca e virou todo o conteúdo da taça em um único gole, enchendo-a novamente com pressa.
— Ela tem um quase namorado incrível, gente — Nicholas fechou o sorriso de repente. — O cara é super bonito, popular, atleta e mil e outras coisas, é o número exato dela. Eu sou só o melhor amigo que a admira de longe.
— Eu tenho certeza que você é muito mais do que esse “quase namorado incrível” — respondeu. — Mas, se para ela não for, tudo bem. Vida que segue.
— É isso que o não entende — Nicholas deu de ombros. — Eu posso, sim, estar apaixonado por ela. Existe essa possibilidade desde que eu a beijei pela primeira vez. Só que também existe a possibilidade de ela não sentir o mesmo e tudo bem.
— Você já conversou com ela sobre isso? — perguntou.
— Não, nem pretendo — Nicholas virou o vinho outra vez, devolvendo a taça para porque sabia que, no fim da noite, perderia o controle e teria de dormir ali completamente bêbado.
— Então você nunca vai saber se ela sente o mesmo — murmurou baixinho. — Conversar é sempre a melhor opção. Vocês são melhores amigos desde o berço, acredito que não haja mais nenhum tabu entre vocês.
— É, aparentemente existe um tabu, sim — Nicholas riu ironicamente. — Que tal mudarmos de assunto e escolher o jantar?
— Eu ainda acho que você deveria mostrar esse seu tanquinho e encontrar um sexo casual — implicou, sabendo que Nicholas jamais mostraria seu corpo (mesmo que super definido devido às suas horas gastas na academia no tempo livre) e correria atrás de sexo sem compromisso; o garoto era quase um santo, pregador do amor verdadeiro e conexão transcedental nas relações.
— Céus, , eu não preciso transar para esquecer ou aprender a lidar com meus problemas, isso só funciona com você — Nicholas rebateu e o empurrou do sofá, fazendo-o quase cair e rir alto.
— É por isso que você é virgem aos vinte e três, cara — zombou outra vez e aquele foi o momento que revirou os olhos e se levantou; o marido era um completo bobalhão de 40 anos.
— Cala a boca! — Nicholas tentou não rir, empurrando-o novamente. — Para de falar merda, caralho.
— Você não é virgem mesmo, é?
— Qual o problema de ser virgem aos vinte e poucos?
— Meu Deus, eu não acredito!
— , cala a boca! — Nicholas gargalhou. — Minha vida sexual não te diz respeito, porra, mas não, eu não sou virgem, se isso muda alguma coisa na sua vida.
— É claro que não tem problema nenhum, pirralho, eu só queria te ver assim: sorrindo — se aproximou de Nicholas e segurou-o pela mão. — Você me enche de orgulho, sabia? Seu caráter, sua inteligência, tudo o que você é e representa. É muito bom saber que você é um garoto mais amoroso e centrado, que não fica se metendo em besteiras e transando com qualquer pessoa por aí. Eu só quero te ver sempre feliz, você entende isso? Quando falo sobre a Colbie não é para te pressionar — suspirou. — Eu só quero que você tenha coragem de agir para não se arrepender no futuro. Caso ela não sinta o mesmo por você, tranquilo, bola para frente; tem milhares de outras pessoas que você pode se interessar e vice-versa. Eu, sua mãe e a estamos aqui para te apoiar, seja para cometer a maior loucura da sua vida ou para, sei lá, se manter casto.
Nicholas deu risada outra vez e puxou para si, abraçando-o com força. Naquele momento, sentiu vontade de chorar por lembrar-se que era o mais próximo de um pai que tinha. Aquela conversa, as palavras que lhe foram ditas, o carinho que ele fazia questão de demonstrar, a forma que o segurava durante o abraço, o jeito de acariciar suas costas com amor, o beijo que sempre deixava estalado em sua bochecha… Tudo o fazia sentir o que era ter um pai. Mesmo que Charlie tivesse dado muito carinho para ele, ainda era estranho saber que aquele mesmo homem havia atirado em sua mãe com a intenção de matá-la, assim como havia feito inúmeras outras coisas erradas. , obviamente, não era alguém tão diferente; mas, para ele, família era família e vinha acima de qualquer coisa. jamais apertaria o gatilho para qualquer pessoa que fizesse parte de sua vida íntima — assim como se recusou a aceitar que o melhor amigo e irmão era o homem responsável por sua ruína; tornando-se, assim, sua única exceção; o gatilho havia sido puxado.
— Eu te amo, garoto — murmurou enquanto segurava o rosto de Nicholas com carinho. — Não fique desperdiçando sua vida pensando nos “e se” que te cercam.
Nicholas apenas sorriu e abaixou a cabeça levemente emocionado.
Ao longe, observava a cena com o coração aquecido e extremamente aliviado. costumava dizer que ela era boa com conselhos para os jovens e afins, mas, na verdade, ele era. não costumava ter tanta paciência com aquelas situações, mas dava o seu melhor para encarar as situações com sensibilidade — sabia como era ter vinte e poucos anos e ter que lidar com o turbilhão de sentimentos que explodiam principalmente na época da universidade, onde tudo era novo.
— Hey, rapazes, preciso de uma ajudinha aqui! — exclamou finalmente, disfarçando para que ninguém notasse uma única lágrima escorrendo no canto do seu olho.
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O domingo amanheceu ensolarado pela primeira vez em semanas. Com uma animação incomum para o último dia do final de semana, Colbie se arrumou e pintou o rosto com as cores do Arsenal. Os cabelos ruivos e sempre bem cuidados estavam presos em um rabo de cavalo alto para evitar que grudassem na tinta, que já manchava as pontas de seus dedos. Ao seu lado, dividindo o grande espelho do quarto de casal, estava — ela vestia o mesmo modelo de camisa do time, o rosto estava igualmente pintado e os cabelos em uma trança longa e firme.
A noite anterior havia sido especial e combinada de última hora. Passaram horas conversando, discutindo e bebendo cerveja em um pub dos arredores, enquanto Nicholas e jogavam sinuca. Todos se divertiram muito e beberam um pouco além da conta devido à empolgação para o jogo clássico no dia seguinte. Sendo assim, a melhor decisão foi que todos dormissem na casa do casal mais querido e engraçado da cidade — e , obviamente.
No quarto ao lado os barulhos sobressaíam a conversa baixa e tranquila das mulheres, já que fazia questão de reproduzir os gritos de guerra do Tottenham como se já estivesse no estádio — alegando que seu barulho era para compensar o fato de ser o único torcedor do Tottenham naquele grupo, já que nem mesmo Nicholas havia aceitado seguir seus passos e torcer para, de acordo com ele, o melhor time da cidade (risos escandalosos eram escutados por todos sempre que insistia nessa história tão absurda — para os outros).
— Não entendo o motivo para tanta bagunça se sabemos que o Arsenal vai ganhar de 2 a 0 — Colbie comentou como quem não queria nada enquanto cruzava o corredor e passava pelo quarto aberto, ouvindo Nicholas concordar consigo de longe.
— Colbie, minha doce Colbie… — começou com um sorriso debochado no rosto — Eu admiro muito o seu amor por esse time, mas sabe que com esse elenco vocês jamais ganharão.
— , meu doce — Colbie o encarou firmemente —, nós dois sabemos que o Tottenham sequer é um time e vocês estão tendo uma temporada difícil. Não pense que irá me enganar com essa história de “bom elenco”, sabemos que não é verdade.
— Isso é o que veremos em campo hoje, benzinho — rebateu. — Eu espero que você tenha trazido dinheiro o suficiente, porque hoje as cervejas serão por sua conta!
E entre gritos, xingamentos e apostas absurdas, todos saíram de casa e foram em direção ao estádio. Era hora do maior clássico do futebol; e nada poderia estragar aquele momento entre eles.
Apesar do trânsito caótico, não demoraram a chegar no estádio lotado. cantava animado, visando irritar os outros que sequer olhavam para ele ou quaisquer outros torcedores do Tottenham.
— Vai arriscar ficar separado da gente dessa vez, ? — Nicholas perguntou assim que chegaram na área de entrada das arquibancadas.
— Não, vou ser forte e assistir com vocês, mesmo que eu seja o único torcedor do Tottenham ao redor — respondeu. — Quero ver a decepção de vocês de perto outra vez. Estou pronto para ficar bêbado às custas dos estudantes e da minha linda esposa.
— Vai sonhando, velhote, vai sonhando! — Colbie quem rebateu, passando na frente de todos e atravessando a arquibancada com pressa. Queria encontrar logo seu assento e se preparar para a partida clássica que sempre a deixava tensa.
O jogo não começou no ritmo que esperavam. Normalmente clássicos eram marcados por boas defesas, finalizações de tirar o fôlego e muita briga dentro e fora de campo. Naquele dia, porém, os jogadores pareciam mais lentos e sem muita estratégia, o que tirava os torcedores do sério. No entanto, como futebol era um esporte muito incerto e surpreendente, o Tottenham simplesmente saiu na frente com um contra-ataque perfeito, que fez com que ficasse de pé e se pendurasse na grade à frente para observar melhor. Os outros três prenderam a respiração em puro nervosismo e, como já era de se esperar, o gol aconteceu.
pulava e gritava praticamente sozinho daquele lado do estádio, irritando as pessoas ao redor — incluindo seus acompanhantes. O coro da torcida estava bonito e alto, fazia questão de acompanhar cantando junto, elogiando os jogadores e rindo à toa. Mas, bem, como previra Colbie: sua alegria não durou tanto. No final do primeiro tempo, o Arsenal empatou o jogo e a torcida vibrou em êxtase, alívio e esperança de virar o placar.
— Nós vamos virar, — Colbie caçoou enquanto o entregava um copo grande de cerveja. — É a última vez que te pago uma cerveja.
— Não canta vitória antes da hora, menina — rebateu um tanto nervoso, o que causou uma crise de riso em todos; inclusive nele mesmo, que ria de puro nervoso.
Quando o segundo tempo começou, as torcidas estavam apreensivas. A cantoria já não estava mais tão agitada e alta, a maioria dos torcedores roía as unhas e discutia entre si. E assim seguiu durante quarenta minutos. Ninguém queria um empate, não era vantagem para nenhum dos dois times.
Nicholas, , e Colbie já não sabiam quantos copos grandes de cerveja tinham tomado durante aqueles minutos, mas já sentiam o corpo leve e solto, assim como os risos estavam mais fáceis, apesar da situação nada cômica que enfrentavam.
— Eu não acredito que vai acabar assim… — Nicholas comentou baixinho e frustrado, observando a placa de ‘+2' ser levantada para anunciar o acréscimo de apenas dois minutos.
— Não vai — Colbie afirmou enquanto parecia enxergar algo além do campo. Nicholas forçou a visão para tentar ver o mesmo e se levantou ao perceber que o time do Arsenal ia rapidamente em direção ao ataque. — Puta merda, vamos virar!
E em questão de segundos, todos ficaram de pé ao redor da grade, gritando e incentivando os jogadores para aproveitarem uma das últimas jogadas daquela partida. O coro do Arsenal ficou ensurdecedor até o grupo de ataque chegar à área. Foi ali que aceitou sua derrota e levou as mãos até à cabeça; não tinha como perder aquele gol.
Como uma explosão, a bola bateu firme e forte contra a rede, contrastando com os gritos eufóricos e felizes dos torcedores.
Nicholas e Colbie olharam um para o outro com os olhos brilhando e sorrisos grandes nas bocas pintadas. Em um ato de extrema felicidade e onde a vergonha e o medo foram esquecidos, Nicholas a puxou para si em algo que, inicialmente, em sua cabeça, deveria ser um abraço. Porém, transformou-se num colar intenso de bocas que surpreendeu tanto a quanto a , que também comemorava.
Ao contrário do que Nicholas pensou ao perceber que a tinha beijado, Colbie simplesmente o puxou pela nuca e intensificou o beijo sem se importar com nada ao redor. Os gritos pareciam distantes e a única explosão que sentiam e percebiam era a que acontecia dentro de cada um; o frio na barriga, os arrepios, os toques sempre tão bem encaixados, os corpos colados como sempre deveriam estar, os gostos misturados e com um quê amargo de cerveja; parecia tudo perfeito demais, como deveria ser; era o certo.
Afastaram-se devagar e um pouco estupefatos. A tinta no rosto de Colbie havia se misturado com a do rosto de Nicholas, deixando-os uma completa bagunça de vermelho e branco.
— Eu… — Nicholas tentou falar, mas foi interrompido por Colbie que apenas o beijou novamente, demonstrando toda a saudade e felicidade que sentia no momento.
Ficaram tão imersos naquele momento que sequer perceberam quando o jogo foi encerrado e os gritos não eram mais por conta de um gol ou algum problema, e sim por causa da vitória bonita e suada em um clássico de tirar o fôlego. Mas, também, não fazia a menor diferença, desde que continuassem juntos, abraçados, se beijando e desfrutando de um momento tão gostoso e hipnótico.
— O seu namorado… — Nicholas tentou falar outra vez e Colbie o encarou com escárnio.
— Não tem namorado, Nic — ela respondeu baixinho, rente aos lábios do melhor amigo. — Nós terminamos.
Nicholas a encarou desacreditado, surpreso e… Feliz. O sorriso em sua boca o entregava completamente; sabia que não deveria ficar feliz caso Colbie gostasse de Ralph, mas, bem, ela o estava beijando; logo, não sentia tanto assim pelo colega.
— Eu nem sei o que dizer… — ele murmurou enquanto acariciava a bochecha alheia.
— Que tal só me beijar de novo, então? — Colbie sugeriu tão baixo quanto, aproximando-se mais. — Você não sabe o quanto eu esperei por isso.
Nicholas sentiu o coração martelar o peito e riu bobo, olhando rapidamente ao redor para esconder a vergonha que sentia. De relance, trocou um olhar rápido com e que apenas sorriram em sua direção, tão felizes quanto ele.
— “I wanna give you wild love, the kind that never slows down. I wanna take you high up, let our hearts be the only sound” — Nicholas cantarolou baixinho contra a boca de Colbie, sabendo que era uma das músicas favoritas dela e que, agora, encaixava tão bem no que estavam vivendo e no que ele sentia.
De fato, queria dar para eles um amor selvagem, forte e que jamais passasse ou diminuísse. Era sua maior vontade desde que colocara os olhos sobre Colbie pela primeira vez.
Apenas queria dá-la amor.
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Losing a little guard, let it down
We don't have to think it through
We've got to let go.
Nicholas guardou o jaleco cuidadosamente em sua mochila. O cansaço era explícito em suas feições; os olhos vermelhos, as olheiras escuras por baixo dos mesmos, a boca ressecada e as roupas amassadas. Ainda assim, sentia-se realizado por estar chegando ao fim de uma graduação de prestígio. Estava, finalmente, no último ano do curso de Medicina e não via a hora de acabar de uma vez por todas e poder continuar estudando, até ter a oportunidade de trabalhar ao lado de sua mãe — mesmo que nos confins da cidade, trancado em um laboratório. Queria ser um legista de respeito e dar orgulho à sua família e ao seu povo, assim como sua mãe e toda a equipe que ela regia ao lado de .
Riu sozinho com o rumo de seus pensamentos exaustos. Lembrar-se de quem era sua mãe e seus amigos sempre lhe trazia um calor interno gostoso. Fazia parte do grupo dos “queridinhos londrinos”, a super equipe, mesmo que muitos deles já estivessem chegando ao fim de suas carreiras — incríveis, diga-se de passagem. Queria ser como eles, até mesmo seu pai — que, no fundo, ele sabia que não deveria admirar a trajetória; não depois de tudo o que ele havia causado às pessoas que mais amava. Charlie Raymond havia sido um grande exemplo para si, embora, hoje, Nicholas sentisse apenas… Indiferença. Mas, mesmo assim, seria uma grande mentira se dissesse que não o tinha como exemplo. Não tinha mais nenhuma relação com Charlie e, com isso, automaticamente, sua única figura paterna era — e, céus, isso definitivamente não deveria ser sua única referência; era um belíssimo paspalho, mas o amava incondicionalmente. Era complicado.
Nicholas balançou a cabeça negativamente e tentou afastar tais pensamentos. Apesar de já estar chegando aos 23 anos, ainda era doloroso pensar sobre tudo aquilo. Lembrava-se de dez anos atrás, quando encontrou sua mãe retornando para casa com curativos enormes no tronco e sendo empurrada por em uma cadeira de rodas — e saber quem havia causado aquilo foi um trauma que ele jamais superou; tal qual seu ódio pelo próprio pai. Era um paradoxo para si: o admirava enquanto profissional, porém o odiava enquanto pessoa. Contudo, percebia e assumia que ele tinha sido o mais esperto dentre todos ao redor. Charlie Raymond havia entrado para a história inglesa encabeçando o maior esquema de corrupção e atentados terroristas ao próprio país.
Uau, que orgulho, Nicholas pensou consigo mesmo de forma irônica, dando-se conta que estava novamente ligado no modo automático e já alcançava os portões da universidade.
Logo à sua frente, em toda sua glória apoiada em uma moto, Colbie estava parada com dois capacetes em mãos.
— Boa tarde, doutor Cobain — ela murmurou assim que Nicholas se aproximou. — Vim te buscar para almoçarmos juntos.
Nicholas fez uma careta e pegou o capacete que lhe era estendido.
— É a primeira vez no ano que saio antes das sete, Colbie, a única coisa que quero fazer agora é ir para casa e dormir — respondeu, subindo na moto depois de Colbie. — Não podemos almoçar em casa e tirar um cochilo?
— Não, hoje é um dia especial e vamos no restaurante da minha mãe — a garota rebateu com um sorriso doce.
Sem dar oportunidade para o amigo rebater, vestiu o próprio capacete e deu partida em uma velocidade controlada — Nicholas ainda sentia medo de andar em sua moto, mesmo que disfarçasse muito bem, ela podia perceber e sentir a tensão.
Não levaram mais do que vinte minutos para chegar no restaurante da mãe de Colbie. Após deixarem a moto em um lugar seguro, adentraram o local com certa ansiedade. Foram recebidos por abraços apertados e dezenas de beijos, para, em seguida, serem guiados para uma mesa afastada dos demais clientes.
Sentaram-se e a mãe de Colbie se retirou — depois, obviamente, de parabenizar Nicholas por todo esforço e dizer que estava orgulhosa dele tanto quanto da própria filha.
— E então? — Nicholas começou. — Qual o motivo de hoje ser um dia especial?
— Você é tão apressado… — Colbie suspirou. — Mas, enfim… Primeiro de tudo: conseguiu ingressos para o jogo deste fim de semana. Vamos poder ver o Arsenal destruir o Tottenham juntos.
— Finalmente um dia de glória! — Nicholas exclamou e riu. — Eu realmente espero que isso aconteça, não quero ter que pagar as cervejas do de novo. Nosso Arsenal precisa levar essa.
Colbie deu uma risada fraca ao lembrar-se do evento — de fato, na última vitória do Tottenham, fez questão de beber até não se aguentar de pé para acabar com todo o dinheiro deles dois; mesmo que alegassem que eram apenas dois estudantes.
Antes que Colbie pudesse voltar a falar, sua mãe chegou à mesa em que estavam para servir o pedido. Com a mesa posta e após um beijo na testa dado com muito carinho, a jovem respirou fundo e encarou o amigo com alegria.
— Vai, fala logo — Nicholas pediu enquanto abocanhava o hambúrguer com vontade.
— Digamos que consegui o estágio perfeito e estou prestes a me formar com honras — Colbie abriu mais o sorriso e bebericou o suco de laranja.
— Finalmente! — Nicholas exclamou e esticou a mão para segurar a de Colbie com carinho. — Fico muito feliz por você. Onde é esse “estágio perfeito”?
— Bom, ao que tudo indica… Sou a nova aprendiz da sua mãe.
Nicholas paralisou por alguns segundos, esperando que Colbie o confirmasse que aquilo não era mais uma piadinha.
— Sério? Você vai estagiar na delegacia?
— Sim, isso não é incrível?!
— Claro que é! Sinal de que vamos trabalhar juntos, então — Nicholas respondeu ainda mais animado e emocionado; era o sonho de ambos desde que eram crianças, após todos os anos longos de estudos, trabalhar lado a lado era o que mais os motivava. — Mas, me diz a verdade… Você só conseguiu isso porque hackeou todo o sistema da cidade para se mostrar para o , não foi?
— Cada um conquista a vaga de estágio com as habilidades que tem, eu não tenho culpa se o se impressiona com pouco…
E como nos velhos tempos, após alguns segundos, caíram na gargalhada. Era, de fato, um momento e tanto. Ambos a um passo do tão esperado diploma, com carreiras promissoras pela frente e recursos para alcançarem todos os sonhos que carregavam. Poucas pessoas tinham tanto privilégio.
Nicholas não sabia dizer por quanto tempo ficou conversando e comendo besteiras com Colbie, mas, quando se deu conta, o dia já tinha terminado e a noite caía nublada.
— Nos vemos no domingo, então? — Colbie perguntou enquanto caminhava até a saída do restaurante.
— É, acho que sim — Nicholas deu de ombros. — Você me busca para o jogo?
— Ai, ai, você só pensa na carona… — Colbie brincou com o amigo e o empurrou de leve com o ombro. — Vou passar na sua casa às duas e meia, esteja pronto. Hoje só não vou te deixar em casa porque tenho um compromisso… Você não se importa, né?
— Claro que não, Colbie — o rapaz revirou os olhos. — Você não é minha motorista particular, embora eu adoraria que fosse.
Riram mais um pouco e se despediram com um abraço apertado, como sempre.
— Estou muito orgulhoso de você — Nicholas praticamente sussurrou quando se afastaram, olhando-a nos olhos.
— Para com isso, amigo, fico sem jeito — ela murmurou com um sorriso, levando uma das mãos até o rosto jovial e limpo, sem nenhum traço de barba. — Eu te amo, se cuida e me avisa quando chegar em casa.
— Também te amo — Nicholas respondeu com clareza, ainda a olhando de perto. No entanto, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, pôde enxergar uma silhueta muitíssimo conhecida se aproximando. — Bom, parece que seu compromisso chegou.
Colbie virou-se para trás sem pressa, tirando a mão do rosto de Nicholas e dando de cara com Ralph, seu atual namorado — ou algo do tipo; ninguém ao redor entendia aquela relação.
— Hey — Ralph cumprimentou Colbie com um selinho rápido e acenou para Nicholas. — E aí?
— E aí, Ralph, beleza? — Nicholas respondeu simpático.
— Tudo certo, irmão. Faz tempo que não te vejo, ‘tá sendo engolido pelas salas de prática da faculdade, é?
Nicholas deu uma risada fraca e apoiou a mão no ombro de Ralph de forma amigável, finalmente respondendo:
— Cara, ‘tá foda. ‘Tô morando nos laboratórios e lidando com mortos o tempo inteiro. Mas, pelo menos, está tudo certo e logo isso acaba e vamos poder nos ver mais. Enfim, pombinhos, vou nessa. Tenho que ir na casa do hoje ainda.
— Tranquilo, cara, boa sorte. Bom te ver!
— Toma cuidado no caminho, Nic — Colbie murmurou e deu um último abraço no amigo, logo soltando-o e dando as costas junto a Ralph.
Nicholas ainda ficou alguns segundos ali parado, observando-os se afastar e sentindo o contínuo aperto no peito — jamais conseguiria superar tudo o que sentia por Colbie desde adolescente; era difícil vê-la com outro e doía como o inferno, mas ele jamais seria capaz de fazer algo para prejudicar a felicidade da amiga; e tampouco seria babaca com Ralph, que, embora tivesse um caráter duvidoso, nunca havia feito mal para ninguém.
Nicholas não demorou muito para chegar na casa de , mesmo que tivesse ido caminhando. Ele gostava de observar a cidade durante a noite — as luzes, o trânsito caótico, as pessoas saindo dos trabalhos, universitários começando a aglomerar os pubs centrais, turistas perdidos; era tudo muito bonito e encantador, Nicholas tinha certeza que havia nascido para viver naquela cidade para sempre.
— Pirralho, finalmente lembrou que eu existo! — exclamou ao vê-lo parado em frente à porta. — Entra, vem.
— Eu nunca esqueci de você, , só estou sem tempo — Nicholas rebateu com um ar zombeteiro enquanto largava a mochila no canto da sala e tirava o tênis. — !
— Oi, meu amor! — respondeu de braços abertos, observando Nicholas que, agora era maior do que ela e , correr em sua direção. A jornalista foi pega no colo com carinho e não demorou a ser girada no ar. observou a cena de braços cruzados, encantado com a relação da, agora esposa, com o garoto que ajudou a criar, que tinha como filho.
— Estava com saudades — Nicholas abriu um sorriso grande ao colocar a mulher no chão novamente. — Como foi a viagem e como está a tia Beth?
— Também senti saudades. Foi tudo bem, a Beth está bem e lindamente grávida — respondeu feliz. — Ela vai se casar, acredita?
— Incrível! Estou morrendo de saudades dela também — Nicholas jogou-se no sofá e sentou ao seu lado. — Enfim, posso jantar aqui hoje? Acabei de sair do restaurante da mãe da Colbie, mas tenho certeza que minha mãe ainda não chegou e não quero cozinhar. Estou morto de cansaço.
— A casa é sua, garoto, claro que pode jantar aqui — respondeu e deu um tapa leve na nuca do mais novo, fazendo-o rir. — Como vai a faculdade? Já sabe que a Colbie vai ser a nova estagiária da computação na delegacia?
— Tudo certo, último período, sabe como é… — Nicholas suspirou. — Cara, eu sei que foi você que fez esse estágio acontecer.
— A garota é inteligente e merece a vaga — deu uma risadinha baixa. — Além do mais, era questão de tempo até ela conseguir um trabalho com a gente. Você sabe. Ela ‘tava fuxicando tudo!
Nicholas riu e deu de ombros, sabia muito bem tudo o que a melhor amiga aprontava. Ele não ficava muito atrás, vivia “invadindo” o necrotério que somente os chefões da delegacia tinham acesso — ele sempre inventava ter uma autorização de ou de Emma e ninguém desconfiava.
— Ela é demais, né? — Nicholas murmurou depois de alguns segundos, olhando para o chão repentinamente sem jeito. Ao não obter nenhuma resposta de , ergueu os olhos para o mais velho e o encontrou com um sorriso no rosto. — O que foi?
— Você é muito apaixonado por ela, moleque — comentou dando uma risadinha fraca e , que vinha logo atrás deles com uma garrafa de vinho e três taças nas mãos, acompanhou o marido na risada. — Vem, amor, vamos ouvir a história do garoto. Você costuma ajudá-lo mais com isso.
— Não sou apaixonado por ninguém — Nicholas rebateu e pegou a taça que lhe foi estendida. sentou-se no tapete em frente ao sofá e encheu todas as taças de vinho antes de prestar atenção na conversa. — Eu só acho que a Colbie realmente é demais, admiro aquela garota como profissional e pessoa; só isso.
— Não tem nada de errado em admirar uma mulher sem nenhuma maldade, — murmurou com um sorriso de canto.
— Claro que não, eu admiro a Emma e você, por exemplo — deu de ombros. — A diferença é que com você eu me casei. É esse o tipo de admiração que ele tem pela Colbie.
Nicholas deu uma risada fraca e virou todo o conteúdo da taça em um único gole, enchendo-a novamente com pressa.
— Ela tem um quase namorado incrível, gente — Nicholas fechou o sorriso de repente. — O cara é super bonito, popular, atleta e mil e outras coisas, é o número exato dela. Eu sou só o melhor amigo que a admira de longe.
— Eu tenho certeza que você é muito mais do que esse “quase namorado incrível” — respondeu. — Mas, se para ela não for, tudo bem. Vida que segue.
— É isso que o não entende — Nicholas deu de ombros. — Eu posso, sim, estar apaixonado por ela. Existe essa possibilidade desde que eu a beijei pela primeira vez. Só que também existe a possibilidade de ela não sentir o mesmo e tudo bem.
— Você já conversou com ela sobre isso? — perguntou.
— Não, nem pretendo — Nicholas virou o vinho outra vez, devolvendo a taça para porque sabia que, no fim da noite, perderia o controle e teria de dormir ali completamente bêbado.
— Então você nunca vai saber se ela sente o mesmo — murmurou baixinho. — Conversar é sempre a melhor opção. Vocês são melhores amigos desde o berço, acredito que não haja mais nenhum tabu entre vocês.
— É, aparentemente existe um tabu, sim — Nicholas riu ironicamente. — Que tal mudarmos de assunto e escolher o jantar?
— Eu ainda acho que você deveria mostrar esse seu tanquinho e encontrar um sexo casual — implicou, sabendo que Nicholas jamais mostraria seu corpo (mesmo que super definido devido às suas horas gastas na academia no tempo livre) e correria atrás de sexo sem compromisso; o garoto era quase um santo, pregador do amor verdadeiro e conexão transcedental nas relações.
— Céus, , eu não preciso transar para esquecer ou aprender a lidar com meus problemas, isso só funciona com você — Nicholas rebateu e o empurrou do sofá, fazendo-o quase cair e rir alto.
— É por isso que você é virgem aos vinte e três, cara — zombou outra vez e aquele foi o momento que revirou os olhos e se levantou; o marido era um completo bobalhão de 40 anos.
— Cala a boca! — Nicholas tentou não rir, empurrando-o novamente. — Para de falar merda, caralho.
— Você não é virgem mesmo, é?
— Qual o problema de ser virgem aos vinte e poucos?
— Meu Deus, eu não acredito!
— , cala a boca! — Nicholas gargalhou. — Minha vida sexual não te diz respeito, porra, mas não, eu não sou virgem, se isso muda alguma coisa na sua vida.
— É claro que não tem problema nenhum, pirralho, eu só queria te ver assim: sorrindo — se aproximou de Nicholas e segurou-o pela mão. — Você me enche de orgulho, sabia? Seu caráter, sua inteligência, tudo o que você é e representa. É muito bom saber que você é um garoto mais amoroso e centrado, que não fica se metendo em besteiras e transando com qualquer pessoa por aí. Eu só quero te ver sempre feliz, você entende isso? Quando falo sobre a Colbie não é para te pressionar — suspirou. — Eu só quero que você tenha coragem de agir para não se arrepender no futuro. Caso ela não sinta o mesmo por você, tranquilo, bola para frente; tem milhares de outras pessoas que você pode se interessar e vice-versa. Eu, sua mãe e a estamos aqui para te apoiar, seja para cometer a maior loucura da sua vida ou para, sei lá, se manter casto.
Nicholas deu risada outra vez e puxou para si, abraçando-o com força. Naquele momento, sentiu vontade de chorar por lembrar-se que era o mais próximo de um pai que tinha. Aquela conversa, as palavras que lhe foram ditas, o carinho que ele fazia questão de demonstrar, a forma que o segurava durante o abraço, o jeito de acariciar suas costas com amor, o beijo que sempre deixava estalado em sua bochecha… Tudo o fazia sentir o que era ter um pai. Mesmo que Charlie tivesse dado muito carinho para ele, ainda era estranho saber que aquele mesmo homem havia atirado em sua mãe com a intenção de matá-la, assim como havia feito inúmeras outras coisas erradas. , obviamente, não era alguém tão diferente; mas, para ele, família era família e vinha acima de qualquer coisa. jamais apertaria o gatilho para qualquer pessoa que fizesse parte de sua vida íntima — assim como se recusou a aceitar que o melhor amigo e irmão era o homem responsável por sua ruína; tornando-se, assim, sua única exceção; o gatilho havia sido puxado.
— Eu te amo, garoto — murmurou enquanto segurava o rosto de Nicholas com carinho. — Não fique desperdiçando sua vida pensando nos “e se” que te cercam.
Nicholas apenas sorriu e abaixou a cabeça levemente emocionado.
Ao longe, observava a cena com o coração aquecido e extremamente aliviado. costumava dizer que ela era boa com conselhos para os jovens e afins, mas, na verdade, ele era. não costumava ter tanta paciência com aquelas situações, mas dava o seu melhor para encarar as situações com sensibilidade — sabia como era ter vinte e poucos anos e ter que lidar com o turbilhão de sentimentos que explodiam principalmente na época da universidade, onde tudo era novo.
— Hey, rapazes, preciso de uma ajudinha aqui! — exclamou finalmente, disfarçando para que ninguém notasse uma única lágrima escorrendo no canto do seu olho.
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O domingo amanheceu ensolarado pela primeira vez em semanas. Com uma animação incomum para o último dia do final de semana, Colbie se arrumou e pintou o rosto com as cores do Arsenal. Os cabelos ruivos e sempre bem cuidados estavam presos em um rabo de cavalo alto para evitar que grudassem na tinta, que já manchava as pontas de seus dedos. Ao seu lado, dividindo o grande espelho do quarto de casal, estava — ela vestia o mesmo modelo de camisa do time, o rosto estava igualmente pintado e os cabelos em uma trança longa e firme.
A noite anterior havia sido especial e combinada de última hora. Passaram horas conversando, discutindo e bebendo cerveja em um pub dos arredores, enquanto Nicholas e jogavam sinuca. Todos se divertiram muito e beberam um pouco além da conta devido à empolgação para o jogo clássico no dia seguinte. Sendo assim, a melhor decisão foi que todos dormissem na casa do casal mais querido e engraçado da cidade — e , obviamente.
No quarto ao lado os barulhos sobressaíam a conversa baixa e tranquila das mulheres, já que fazia questão de reproduzir os gritos de guerra do Tottenham como se já estivesse no estádio — alegando que seu barulho era para compensar o fato de ser o único torcedor do Tottenham naquele grupo, já que nem mesmo Nicholas havia aceitado seguir seus passos e torcer para, de acordo com ele, o melhor time da cidade (risos escandalosos eram escutados por todos sempre que insistia nessa história tão absurda — para os outros).
— Não entendo o motivo para tanta bagunça se sabemos que o Arsenal vai ganhar de 2 a 0 — Colbie comentou como quem não queria nada enquanto cruzava o corredor e passava pelo quarto aberto, ouvindo Nicholas concordar consigo de longe.
— Colbie, minha doce Colbie… — começou com um sorriso debochado no rosto — Eu admiro muito o seu amor por esse time, mas sabe que com esse elenco vocês jamais ganharão.
— , meu doce — Colbie o encarou firmemente —, nós dois sabemos que o Tottenham sequer é um time e vocês estão tendo uma temporada difícil. Não pense que irá me enganar com essa história de “bom elenco”, sabemos que não é verdade.
— Isso é o que veremos em campo hoje, benzinho — rebateu. — Eu espero que você tenha trazido dinheiro o suficiente, porque hoje as cervejas serão por sua conta!
E entre gritos, xingamentos e apostas absurdas, todos saíram de casa e foram em direção ao estádio. Era hora do maior clássico do futebol; e nada poderia estragar aquele momento entre eles.
Apesar do trânsito caótico, não demoraram a chegar no estádio lotado. cantava animado, visando irritar os outros que sequer olhavam para ele ou quaisquer outros torcedores do Tottenham.
— Vai arriscar ficar separado da gente dessa vez, ? — Nicholas perguntou assim que chegaram na área de entrada das arquibancadas.
— Não, vou ser forte e assistir com vocês, mesmo que eu seja o único torcedor do Tottenham ao redor — respondeu. — Quero ver a decepção de vocês de perto outra vez. Estou pronto para ficar bêbado às custas dos estudantes e da minha linda esposa.
— Vai sonhando, velhote, vai sonhando! — Colbie quem rebateu, passando na frente de todos e atravessando a arquibancada com pressa. Queria encontrar logo seu assento e se preparar para a partida clássica que sempre a deixava tensa.
O jogo não começou no ritmo que esperavam. Normalmente clássicos eram marcados por boas defesas, finalizações de tirar o fôlego e muita briga dentro e fora de campo. Naquele dia, porém, os jogadores pareciam mais lentos e sem muita estratégia, o que tirava os torcedores do sério. No entanto, como futebol era um esporte muito incerto e surpreendente, o Tottenham simplesmente saiu na frente com um contra-ataque perfeito, que fez com que ficasse de pé e se pendurasse na grade à frente para observar melhor. Os outros três prenderam a respiração em puro nervosismo e, como já era de se esperar, o gol aconteceu.
pulava e gritava praticamente sozinho daquele lado do estádio, irritando as pessoas ao redor — incluindo seus acompanhantes. O coro da torcida estava bonito e alto, fazia questão de acompanhar cantando junto, elogiando os jogadores e rindo à toa. Mas, bem, como previra Colbie: sua alegria não durou tanto. No final do primeiro tempo, o Arsenal empatou o jogo e a torcida vibrou em êxtase, alívio e esperança de virar o placar.
— Nós vamos virar, — Colbie caçoou enquanto o entregava um copo grande de cerveja. — É a última vez que te pago uma cerveja.
— Não canta vitória antes da hora, menina — rebateu um tanto nervoso, o que causou uma crise de riso em todos; inclusive nele mesmo, que ria de puro nervoso.
Quando o segundo tempo começou, as torcidas estavam apreensivas. A cantoria já não estava mais tão agitada e alta, a maioria dos torcedores roía as unhas e discutia entre si. E assim seguiu durante quarenta minutos. Ninguém queria um empate, não era vantagem para nenhum dos dois times.
Nicholas, , e Colbie já não sabiam quantos copos grandes de cerveja tinham tomado durante aqueles minutos, mas já sentiam o corpo leve e solto, assim como os risos estavam mais fáceis, apesar da situação nada cômica que enfrentavam.
— Eu não acredito que vai acabar assim… — Nicholas comentou baixinho e frustrado, observando a placa de ‘+2' ser levantada para anunciar o acréscimo de apenas dois minutos.
— Não vai — Colbie afirmou enquanto parecia enxergar algo além do campo. Nicholas forçou a visão para tentar ver o mesmo e se levantou ao perceber que o time do Arsenal ia rapidamente em direção ao ataque. — Puta merda, vamos virar!
E em questão de segundos, todos ficaram de pé ao redor da grade, gritando e incentivando os jogadores para aproveitarem uma das últimas jogadas daquela partida. O coro do Arsenal ficou ensurdecedor até o grupo de ataque chegar à área. Foi ali que aceitou sua derrota e levou as mãos até à cabeça; não tinha como perder aquele gol.
Como uma explosão, a bola bateu firme e forte contra a rede, contrastando com os gritos eufóricos e felizes dos torcedores.
Nicholas e Colbie olharam um para o outro com os olhos brilhando e sorrisos grandes nas bocas pintadas. Em um ato de extrema felicidade e onde a vergonha e o medo foram esquecidos, Nicholas a puxou para si em algo que, inicialmente, em sua cabeça, deveria ser um abraço. Porém, transformou-se num colar intenso de bocas que surpreendeu tanto a quanto a , que também comemorava.
Ao contrário do que Nicholas pensou ao perceber que a tinha beijado, Colbie simplesmente o puxou pela nuca e intensificou o beijo sem se importar com nada ao redor. Os gritos pareciam distantes e a única explosão que sentiam e percebiam era a que acontecia dentro de cada um; o frio na barriga, os arrepios, os toques sempre tão bem encaixados, os corpos colados como sempre deveriam estar, os gostos misturados e com um quê amargo de cerveja; parecia tudo perfeito demais, como deveria ser; era o certo.
Afastaram-se devagar e um pouco estupefatos. A tinta no rosto de Colbie havia se misturado com a do rosto de Nicholas, deixando-os uma completa bagunça de vermelho e branco.
— Eu… — Nicholas tentou falar, mas foi interrompido por Colbie que apenas o beijou novamente, demonstrando toda a saudade e felicidade que sentia no momento.
Ficaram tão imersos naquele momento que sequer perceberam quando o jogo foi encerrado e os gritos não eram mais por conta de um gol ou algum problema, e sim por causa da vitória bonita e suada em um clássico de tirar o fôlego. Mas, também, não fazia a menor diferença, desde que continuassem juntos, abraçados, se beijando e desfrutando de um momento tão gostoso e hipnótico.
— O seu namorado… — Nicholas tentou falar outra vez e Colbie o encarou com escárnio.
— Não tem namorado, Nic — ela respondeu baixinho, rente aos lábios do melhor amigo. — Nós terminamos.
Nicholas a encarou desacreditado, surpreso e… Feliz. O sorriso em sua boca o entregava completamente; sabia que não deveria ficar feliz caso Colbie gostasse de Ralph, mas, bem, ela o estava beijando; logo, não sentia tanto assim pelo colega.
— Eu nem sei o que dizer… — ele murmurou enquanto acariciava a bochecha alheia.
— Que tal só me beijar de novo, então? — Colbie sugeriu tão baixo quanto, aproximando-se mais. — Você não sabe o quanto eu esperei por isso.
Nicholas sentiu o coração martelar o peito e riu bobo, olhando rapidamente ao redor para esconder a vergonha que sentia. De relance, trocou um olhar rápido com e que apenas sorriram em sua direção, tão felizes quanto ele.
— “I wanna give you wild love, the kind that never slows down. I wanna take you high up, let our hearts be the only sound” — Nicholas cantarolou baixinho contra a boca de Colbie, sabendo que era uma das músicas favoritas dela e que, agora, encaixava tão bem no que estavam vivendo e no que ele sentia.
De fato, queria dar para eles um amor selvagem, forte e que jamais passasse ou diminuísse. Era sua maior vontade desde que colocara os olhos sobre Colbie pela primeira vez.
Apenas queria dá-la amor.
FIM
Nota da autora: Oi, amores! Espero que tenham gostado desse spin-off, ele foi escrito com muito carinho! Eu amo muito o Nicholas e acompanhar o crescimento dele foi incrível. Não tenho muito o que falar, porque esse romance já era esperado por todos nós hahahaha comentem aí o que acharam, vou ficar muito feliz em ler e responder cada comentário! <3
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