Capítulo Único
grunhiu, frustrada, por mais uma tentativa falha. cambaleou rindo, embora estivesse ofegante pelo esforço que havia feito para conter a princesa. Ela o encarou com irritação pela risada.
— Você precisa ser mais rápida – ele disse.
— Isso é o melhor que eu consigo! – resmungou.
— Eu duvido – abriu um sorriso. – Anda, levanta.
Ela choramingou. Havia começado a apreciar bastante as aulas ao ar livre já que a queda na grama era bem mais macia e confortável do que no mármore do salão de baile do palácio.
— Eu gostava mais de quando você me ensinava a lutar – disse, se esforçando para levantar.
— Ainda estou – lembrou, pegando a espada dela no chão e estendendo para . – Só que com uma arma.
— Não é a mesma coisa – ela reclamou.
— Acredite, eu sei – o olhar dele ficou quase nostálgico, mas com uma pontada maliciosa. – Exigia bem mais contato físico.
estreitou os olhos. O comandante do exército de Titanos costumava gostar de flertar com ela desde quando ficaram íntimos o suficiente durante as aulas de luta que os dois vinham tendo escondidos há meses. Ela adorava vê-lo assim mais leve, a provocando. Sempre sentia um frio na barriga com certos comentários. Sabia que não devia se sentir assim, mas não era algo que podia controlar.
— Bem mais – murmurou. – Lembro bem.
deixou o canto da boca erguer um pouquinho e estendeu a mão para ajudar a levantar. Com desgosto, a princesa aceitou a mão e segurou. Sem muita delicadeza, ele a puxou para cima com força, fazendo o corpo dela bater contra o dele. O arquejo de surpresa dela fez o sorriso dele aumentar. não fez menção de se afastar, também não. As mãos deles estavam presa entre seus corpos.
— Só para relembrar um pouquinho do contato físico – sussurrou, olhando bem para ela.
— Eu acho que tinha bem mais contato antes – ela umedeceu os lábios.
— Eu acho que você tá certa – concordou, deixando seu olhar cair para a boca dela.
Ele queria diminuir o espaço quase inexistente entre eles, mas como sempre, sabia que não devia. vivia nesse tormento há meses. Era divertido flertar com no começo porque a princesa sempre se mostrava ultrajada, mas uma hora começou a responder a altura e tudo foi ficando mais perigoso. Sem contar que nesse meio tempo ele se apaixonou, o que deixou tudo ainda mais complicado, especialmente por ela ser noiva.
— Por que não encerramos esse treino por hoje e começamos o outro? – ela sorriu, esperançosa. – Já estamos aqui há duas horas.
— Não tem música para começarmos o outro – fez uma careta, já querendo fugir.
— Não precisa, você sabe! – disse rapidamente. – Nunca usamos música.
suspirou desgostoso e riu. Era engraçado vê-lo aborrecido tentando aprender passos simples de dança quando antes estava facilmente ensinando-a a lutar com o próprio corpo e com armas. Ele era o melhor guerreiro de Titanos e tinha medo das aulas de dança.
— Eu odeio isso – grunhiu. – Não lembro o motivo de ter peço essas aulas.
— Porque você não pode fugir para sempre dos bailes – relembrou. – Um dia uma dama inteligente irá te puxar para dançar mesmo que você não queira.
— Como você fez aquela noite? – arqueou uma sobrancelha. – Não sinto muito por ter pisoteado seus pés.
comprimiu os lábios, lembrando da dor no dia seguinte. Ele tinha botas pesadas.
— Eu sei que não sente – respondeu entredentes. – Mas sim, como eu fiz. Quero poupar as pobres garotas que virão a dançar com você.
Ele revirou os olhos.
— Então vamos logo, em meia hora a nova ronda irá começar e os guardas vão passar por aqui para trocar de posto.
Ela assentiu. Uma das suas coisas favoritas nos últimos meses era as escapadas com . Fosse para os treinos, as aulas de dança ou só quando se esbarravam pelo palácio e acabavam passeando juntos, os momentos roubados e secretos eram a melhor parte do seu dia. Por um tempo fingiu para si mesma que era só porque esses momentos eram algo só dela, mas sabia que era porque podia ter por perto por mais breve que fossem os momentos.
— Tá bem, você já pegou os passos básicos nas últimas aulas – lembrou, um quê de orgulho da voz. – Vamos para os giros.
— Por que não podemos nos limitar aos passes básicos? – questionou. – Eu estou decente neles.
— Não gosto de limitar o que pode ser melhorado – deu de ombros. – Vamos, temos meia-hora.
Contrariado, se forçou a obedecer. Segurou a cintura dela com uma mão e tomou sua outra mão, entrelaçando os dedos – outra coisa que não devia fazer. colocou a mão no ombro dele e aproximou-se mais um passo, ficando na distância adequada. Por mais que quisesse dar só mais um passinho para frente, não o fez. Continuava a se lembrar que passar dos limites com o comandante não era uma boa ideia.
— Me guie, princesa – ele pediu.
— Não é tão difícil assim, mas você vai precisar controlar sua força – ela instruiu. – Você tem que me girar com delicadeza e leveza.
— Eu não costumo ser delicado – fez uma careta.
— Eu sei – sorriu. – Tenho hematomas bastantes por baixo dessas roupas por conta das nossas lutas.
Mesmo tentando controlar seus olhos de baixar para o corpo dela, a mente de viajou para lugares onde alguns hematomas poderiam ser encontrados. Precisou ser rápido em afastar esses pensamentos indevidos.
— Vou tentar meu melhor, alteza – garantiu.
Como sempre, a princesa revirou os olhos com o título. Os dois haviam deixado formalidades há tempos, mas ele adorava implicar. Resolveu ignorar o comentário e focar nos passos de dança. Os dois treinaram os passos básicos no começo e então os giros foram introduzidos. De fato, não levava jeito. Ou era rápido ou brusco demais.
— Assim você só vai deixar a garota enjoada – fez uma careta. – Outra vez. Recua um passo, estende os nossos braços, me gira lentamente e me puxa, ainda levemente. Não precisa usar força.
foi seguindo as instruções, se esforçando o máximo para não bufar. O resultado foi pior como as últimas vezes.
— Não estou conseguindo entrar no clima, – reclamou. – Não me importo de ficar nos passos básicos.
— Mas eu sim! – bateu o pé. – Vem cá, fecha os olhos.
Ele fez uma careta duvidosa.
— Fecha os olhos! – ela insistiu.
Contragosto, ele fechou. sorriu, voltando a se aproximar na posição de dança.
— Estamos naquele baile novamente, o que dançamos juntos – ela foi falando. – Lembra da música? A melodia lenta, deixa ela te guiar. As pessoas, tudo... Imagina. Pensa em alguém que você adoraria ter dançado lá. A única que tirou todo o seu ar quando a viu. Imagina ter ela em seus braços, dançando perfeitamente.
Outra careta dominou o rosto dele e sorriu, embora não quisesse estar nos braços dele enquanto imaginava outra pessoa.
— Imaginou?
assentiu.
— Dança comigo como se eu fosse ela, como se estivéssemos lá – murmurou, juntando mais seu corpo ao dele. – E tenta me girar de novo. Com calma.
Os olhos dele abriram com uma intensidade que não lembrava de já ter visto e seu olhar não descruzou do dela por um segundo, como era frequente nas outras danças. Os dois dançaram como já eram acostumados a fazer nas aulas, mas parecia diferente. O olhar dele estava diferente. Quando chegou a hora de girar, ele conseguiu fazer exatamente como deveria.
Recuou um passo, estendeu os braços e a fez girar suavemente ao redor de si mesma. Quando a puxou de volta, no entanto, foi com um solavanco suave, mas forte o suficiente para que ela caísse com o corpo encostado ao dele. Os dois perderam o fôlego, presos no olhar um do outro.
— Em quem você pensou? – perguntou, não conseguindo segurar a pergunta.
sorriu melancólico.
— Em você – admitiu. – Exatamente assim e aqui, não no baile. Aqui você é só minha, lá você era dele.
o encarou com os olhos arregalados, completamente desconcertada. Uma coisa eram os flertes, outra totalmente diferente era o que ele havia acabado de falar.
— Não faz esses jogos comigo, – pediu.
— Não estou jogando, princesa – umedeceu os lábios, deixando sua mão deslizar pelo rosto dela até o queixo. – Nunca fui tão sincero.
— Mas não devia – sussurrou, sentindo o coração acelerar.
— Não devia?! – a mão dele apertou mais ao redor da cintura dela. – Ser sincero?
— Eu não posso.
E não podia. Vinha repetindo isso para si mesma há meses. Por mais que não gostasse do seu noivo, ainda estava comprometida. Não era questão de ser fiel ao seu compromisso, mas ao seu reino. Além do mais, iria embora logo depois da batalha. Não podia. Não devia.
— Mas eu posso – ele replicou.
E então a beijou.
A boca dele encostou na dela com uma delicadeza que não acreditava ser dele. A mão que estava no queixo deslizou para a nuca até que seus dedos entrelaçaram nas mechas do longo cabelo da princesa. As dela levaram um segundo para encontrar um caminho pelos cabelos claros do guerreiro de Titanos. Tinha ansiado tanto por isso nas últimas semanas que agora parecia prestes a explodir. Por mais errado que fosse, tudo parecia certo ao mesmo tempo.
Mas o momento acabou rápido demais quando ouviram o som de vozes. a soltou tão rápido quanto a beijou, parecendo sair de um estupor. Seus olhos azuis estavam escurecidos quando voltou a encará-la.
— Vai na frente – instruiu. – Todos sabem que você adora fugir à noite, não vão estranhar.
concordou, atônita, confusa demais para falar algo sobre o que tinha acabado de acontecer.
— Me desculpe, – ele suspirou, parecendo recobrar os sentidos.
— Não tem que se desculpar pelo beijo – sorriu. – Eu queria há muito tempo.
Ergueu as saias leves do vestido que estava usando e começou a correr de volta ao palácio, deixando para trás.
Papéis e mapas estavam abertos sobre a imponente mesa de mogno e todos ao redor opinavam sobre estratégias de ataque. Pequenos bonecos sem rostos esculpidos em madeira indicavam os exércitos que se enfrentariam na manhã seguinte. O exército Blackthorn era representado pelos bonecos brancos. O exército Dahmer era representado pelos bonecos pretos. Observando tudo, achou quase poético se parecerem com peças de xadrez.
— Temos a vantagem de conhecer o território – falou. – Somos reinos vizinhos, meus homens cresceram entre Aleudoria e Dunkirsh. O Duque pode conhecer, mas a maior parte dos seus guerreiros são desconhecidos para essas terras. Ele pode dar dicas, mas nós que já estivemos nelas, sabemos mais.
— Os Dahmer contrataram mercenários – Edward Blackthorn, Rei de Aleudoria, lembrou. – Parte do meu exército é composto por fazendeiros que se voluntariaram, .
— Que vem sendo treinados por mim, Howard e Tormund há meses, Edward! – ressaltou. – Admito que não é suficiente para terem se tornado os melhores guerreiros que você verá, mas estão decentes. O meu próprio exército pode não ser de mercenários, Majestade, mas lhe garanto que em frente ao inimigo eles matarão como se fossem.
— Temos maior número de guerreiros, cavalaria, arqueiros e a vantagem da infantaria! – se pronunciou pela primeira vez. – O exército Dahmer é novo nisso. O meu tio pode ter contratado seus mercenários, mas os mercenários de Vaar só são conhecidos por sua selvageria, não espirito de trabalho em equipe. Não estão preocupados em seguir estratégias impostas, se interessam apenas na carnificina. O meu tio acha que a guerra está ganha para si, mas ele não sabe dos vinte mil homens que a Rainha Akira nos concedeu e que chegaram nesta madrugada.
Os olhares ao redor da mesa se voltaram para ela, mas sem se intimidar, encarou cada um com firmeza, se demorando um pouco mais nos olhos azuis de , o comandante do exército aliado de Titanos, com quem não falava desde ontem. Seu pai chamou sua atenção ao apertar seu ombro com ternura.
— tem razão – ele disse. – Meu irmão, O Traidor, tem a arrogância como desvantagem. Ele acha que seus mercenários serão a chave para sua vitória e seu conselho de guerra é composto por homens tolos e vaidosos como ele. Não estou subestimando sua inteligência, mas seu ego tende a falar alto demais.
— Eu lhe garanto, Majestade – o comandante do exército de Aleudoria, falou. – Nós triunfaremos. Nossos homens treinaram duro, estão prontos. Ninguém em Aleudoria deseja o Traidor no trono.
Rei Edward assentiu, mas não disse uma palavra. Seu olhar se perdeu pela bagunça na mesa, estudando silenciosamente e repassando os planos de guerra que vinham sendo construídos há meses, desde que a ameaça do seu irmão se tornou iminente.
— E as armas? – questionou . – E as armaduras?
— Estão terminando de reforçar o couro nas últimas armaduras, Alteza. Até o fim da tarde tudo estará pronto – Edgar, conselheiro do Rei, respondeu. – As armas já estão todas prontas. Adagas, lanças, espadas, facas, arcos, escudos... Todos os tipos, .
A Princesa respirou fundo e esboçou um sorriso agradecido pela resposta.
— Eu gostaria de verificar tudo assim que estiver pronto – falou, olhando para os nove homens ao redor da mesa.
— Ficarei feliz em lhe mostrar tudo, Princesa – que se ofereceu. Seus olhos tinham um brilho malicioso que passou despercebido por todos, menos por .
— Muito obrigada, Comandante – murmurou, inclinando a cabeça em sua direção como cortesia.
Uma batida na porta interrompeu a reunião e a atenção se voltou para a saída quando uma das damas da princesa apareceu.
— Com licença – Lady Elizabeth falou após a reverência. – , seu noivo chegou e solicita sua presença.
Reprimindo uma careta de insatisfação, se limitou a assentir para a sua dama antes de se voltar para os outros na sala.
— Peço que me deem licença – resmungou de clara má vontade. – , conto com que me avise assim que tudo estiver pronto.
— Como desejar, Alteza – o comandante garantiu, fazendo uma breve mesura.
— Tentarei ser breve – falou para seu pai.
— É seu noivo, – o pai a lembrou. – Vá ver o que ele deseja e não se preocupe. Não há muito mais a ser discutido.
Com um aceno de despedida, saiu da sala com a postura rígida, os lábios comprimidos e a menor vontade possível de encontrar seu noivo. Não fazia ideia do que ele estaria fazendo aqui, mas não tinha o mínimo desejo de que se demorasse. Sua dama Elizabeth estava no corredor a sua espera.
— O que diabos ele veio fazer aqui? – a princesa suspirou.
— Não disse nada, – Elizabeth se apressou para seu lado. – Fiquei surpresa de encontrá-lo. Aparentemente veio sua comitiva inteira.
— Ah, ótimo – precisou segurar a língua para não soltar xingamentos que não devia. – Colaborou pouquíssimo com a batalha, mas com certeza está aqui para se vangloriar se sairmos vencedores.
Elizabeth encolheu os ombros, sentindo a raiva que exalava da amiga.
— Eu gostaria que perdêssemos só para que meu tio arrancasse aquele sorriso presunçoso de com uma faca no peito.
— ! – a dama a repreendeu. – Não diga isso nem brincando.
mordeu o canto da boca, sabendo que realmente não deveria brincar com a sorte, mas era mais forte que ela. Não suportava o seu noivo, nem o caráter horrível e muito menos o jeito que ele a tratava. No entanto, a reputação nojenta dele não importava para os conselheiros do seu pai. Clamavam que a união entre Aleudoria e Ruttighan seria gloriosa já que eram dois dos maiores reinos de Wallehmer.
— E onde ele está? – perguntou a princesa.
— Disse que a esperaria na biblioteca – respondeu prontamente.
— Ótimo. Muito obrigada, Elizabeth – sorriu para a amiga. – Pode voltar para o que estava fazendo antes.
— Mas ... – os olhos dela adquiriram um ar preocupado. – Não irei deixá-la sozinha com ele.
— Eu não estava sugerindo que voltasse aos seus afazeres, Eliza, é uma ordem – encarou a dama com severidade. – Por favor, vá. Eu ficarei bem.
Com frustração nítida, Elizabeth murmurou um adeus e seguiu na direção oposta à da biblioteca. subiu as escadarias de mármore até o segundo andar e caminhou pelo corredor vazio, se sentindo ansiosa de várias formas diferentes. Sua cabeça estava cheia pela iminente batalha – todo sangue que seria derramado, as vidas perdidas, bons homens de ambos os lados... – sentiu uma incômoda sensação no peito por pensar em alguém em especial e a presença súbita do seu noivo não ajudou.
Quando chegou em frente as portas da biblioteca, sua mão hesitou na maçaneta. Reunindo sua força de vontade, ela abriu a porta e entrou, tomando o cuidado de deixar a porta aberta. Não demorou para localizar seu noivo na enorme biblioteca. Sentado folgadamente em um dos sofás, Winstead estava folheando sem muito interesse um livro de capa preta.
— – falou, buscando a atenção do príncipe. – O que está fazendo aqui?
O olhar do príncipe encontrou o dela e um sorriso frio tomou conta do rosto dele. Se apressou em deixar o livro largado no sofá e levantou, atravessando o cômodo em direção a sua noiva.
— Com esse tom, chego a achar que você não está feliz em me ver, meu amor – debochou.
— E é porque eu não estou – respondeu friamente, provocando risos no homem.
— , ... Cuidado com essa boca – aproximou-se o suficiente para tocar os lábios dela com a ponta dos dedos. – Eu posso mandar contar sua língua quando nos casarmos se você continuar sendo grosseira.
estapeou a mão dele, a empurrando para longe de seu rosto.
— Eu já falei para não encostar em mim – rosnou, recuando para longe dele.
Dando uma risada seca, ele ergueu as mãos como se estivesse se rendendo.
— Bom, eu vim para comemorar nossa vitória amanhã – respondeu, caminhando calmamente pela biblioteca.
— Nós nem ganhamos ainda!
— Ah, ganharam sim – sua voz era despreocupada. – Acha que ainda seríamos noivos se houvesse chance do seu tio sair vitorioso? Ruttighan nunca está do lado perdedor, querida noiva.
— É ótimo saber onde sua lealdade está, seu pedaço de merda – rosnou, sentindo o corpo ser dominado pelo desprezo que sentia.
parou no meio do caminho e ficou assustadoramente quieto antes de virar com um sorriso quase doentio nos lábios. O coração de martelou no peito quando o príncipe se apressou em sua direção. Antes que conseguisse recuar, ele a empurrou com força contra uma das estantes, fazendo o móvel balançar e derrubar alguns dos livros.
— Minha lealdade, princesa? – fechando as duas mãos ao redor do pescoço da noiva, a prensou contra a estante. – Você questiona minha lealdade quando eu sei que está passando tempo demais com o comandante do exército de Titanos?
Os olhos de , já arregalados, transpareceram toda a surpresa por ele ter aquela informação. Adorando o olhar horrorizado, apertou mais sua garganta. A princesa agarrou seus pulsos, tentando fazê-lo a soltar. Não conseguia falar e respirar estava se tornando difícil também.
— Isso mesmo, eu sei dos seus encontros as escondidas. Tenho olhos em todos os lugares – ele murmurou, o rosto muito próximo do dela. – Eu não vou aceitar uma vadia como esposa, .
Desesperada, com raiva e medo, lembrou-se das lições recentes que havia aprendido e decidiu que era uma hora maravilhosa para usar alguma. Com a visão já nublada, ela foi o mais rápido que pôde ao passar os braços pela brecha que os dele fazia e o pegou de surpresa ao enfiar os polegares nos olhos verdes e cruéis que a encaravam com deletei antes.
Com um grunhido de dor quando apertou com mais força, a soltou e cambaleou desorientado para trás. A princesa ofegou, puxando todo o ar que conseguia e agarrou o primeiro livro que encontrou para golpear a cabeça do noivo, que ainda parecia cego pela dor. Ele soltou outro ganido de dor e caiu no chão, tonto.
— Nunca... – ela falou, ainda sem muito fôlego. – Encoste suas mãos imundas em mim novamente se não quiser tê-las cortadas, . Lembre-se que Ruttighan precisa mais nossa aliança do que Aleudoria.
Dito isso, se apressou para fora da biblioteca e para longe dele. Seu coração ainda estava acelerado, suas mãos tremiam e tentava recuperar o fôlego que havia perdido. Não era a primeira vez que tentava lhe machucar, mas era a primeira vez que ela tinha conseguido se defender. Ainda estava meio desorientada quando cruzou uma esquina e deu de caras com .
O comandante do exército de Titanos a encarou por um segundo até notar que havia algo errado.
— , o que aconteceu? – perguntou, segurando o impulso de segurá-la pelos braços. – Você está pálida.
Ela balançou a cabeça em negação, fazendo as ondas do seu cabelo se agitarem e escorregarem dos ombros para as costas.
— Eu estou bem, só tomei um pequeno susto – inventou, evitando encarar os olhos claros que pareciam ter o poder de olhar através dela.
— Está tremendo demais para alguém que tomou um pequeno susto – murmurou, não comprando na desculpa. – E o seu noivo, onde está?
Algo na reação dela ao ouvir a palavra “noivo” deve ter denunciado o motivo de estar assim. A expressão do guerreiro fechou.
— ... – começou a falar, mas foi interrompido quando ela o empurrou pelos ombros para um estreito corredor que levava até uma das entradas de criados, onde não podiam ser vistos.
Ela, infelizmente, percebeu tardiamente o quão estreito o corredor era e o quão próximos estavam. era uma cabeça mais alto que ela e seu corpo largo e musculoso ocupava espaço demais, fazendo com que o dela parecesse minúsculo contra a parede. Não tinham se falado desde o beijo, dois dias atrás, mas não achava que tinha algo a ser dito já que ela ainda era noiva e ele ainda era apenas .
— não me fez nada, tá? – ela murmurou. – Eu não deixei.
— Mas ele tentou – grunhiu, olhando para o corredor onde estavam. – , você não pode casar com esse homem!
— Bom, não sou eu que decido – o encarou com pesar.
— Seu pai nunca permitiria que você casasse com aquele príncipe se você falasse sobre isso.
sabia que isso era verdade, mas embora quisesse contar tudo, sabia que seu reino precisava da aliança. Era um reino forte sem dúvida, mas havia brechas que podiam ser fechadas com ajuda de Ruttigham.
— Eu preciso pensar no meu reino em primeiro lugar, . Não importa o que eu queira.
fechou os olhos por um momento, parecendo ter que fazer um esforço enorme para não fazer nada.
— É claro, Alteza – ele falou com uma formalidade que não cabia aos dois. – Vou acompanhá-la até onde deseja.
Nenhum dos dois falou nada, apenas seguiram em silêncio pelos corredores enormes e vazios. A movimentação era no andar de baixo onde todos se preparavam para a batalha que teria início na manhã seguinte. Quando pararam em frente ao quarto da princesa, deu-lhe um aceno rápido e se virou para seguir adiante.
— Comandante?
Ele parou e virou para ela.
— Ainda irá me mostrar as armas mais tarde?
— Nos vemos mais tarde, princesa.
No entanto, quando bateram na porta algumas horas depois, não era . Um dos guardas a levou para mostrar o arsenal e os trajes de combate. se esforçou para prestar atenção em tudo e ficou muito satisfeita com a qualidade do material usado em tudo. Esperava que o couro das armaduras fosse o bastante para aquecer os guerreiros na manhã gelada do dia seguinte.
Apesar da distração, fez questão de cumprimentar alguns dos seus soldados e as famílias que estavam abrigadas nos arredores do palácio. De vez em quando se pegava procurando os cabelos loiros de entre os guerreiros que passava, mas não o viu, o que só a deixou apreensiva. Quando o tour acabou, voltou direto para o quarto para se preparar para o jantar.
— Iniciaram uma espécie de festa de despedida – Colleen disse, olhando pela janela. – Tem fogueira e estão cantando muito mal, mas parecem estar se divertindo.
— Como eles conseguem festejar antes de uma batalha? – Elizabeth fez uma careta, penteando mais uma mecha do cabelo da princesa.
— disse que eles preferem se divertir a se deixarem levar pela morbidez do que pode acontecer – olhou para as damas pelo espelho do seu toucador. – E faz sentido. É por isso que o jantar de hoje será um banquete com música e dança.
— disse? – Elizabeth a encarou com malícia. – O Comandante ?
— Vocês parecem ter ficado bem próximos, hein? – Colleen deixou a janela, mais interessada na conversa que acontecia dentro do quarto.
sentiu suas bochechas arderem e encarou as mãos cruzadas em cima do colo.
— Não é desse jeito que estão pensando – esclareceu. – Ele vem me dando aulas de luta há alguns meses.
— Meses? – Evelyn arregalou os olhos. – É por isso os roxos que encontramos em você quando a arrumamos?
A princesa sorriu levemente.
— Alguns – disse. – A maioria é culpa minha, afinal, sou a desastrada de sempre.
— Você não nos contou essas coisas, – Colleen a repreendeu. – Somos suas melhores amigas!
— É mais complicado do que parece – suspirou, voltando a encarar as damas pelo espelho. – Nossas aulas são escondidas. Meu noivo não gosta da ideia de que eu saiba me defender. Diz que me torna menos feminina.
— Ele só tem medo que você acabe quebrando aquele nariz empinado se precisar – Evelyn resmungou. Odiava o noivo da amiga e não era segredo.
As garotas riram.
— E só é complicado por isso? – Colleen insistiu, com certeza esperando uma confissão romântica.
— Não – admitiu. – Tudo ficou mais confuso do que deveria.
— Por que você está apaixonada por um homem que não é o seu noivo? – Elizabeth deduziu.
— Sim – sussurrou, sentindo o peso da confissão no peito. – E porque mesmo que eu não estivesse noiva de , não poderia me casar com .
— Por que ele não é príncipe? – Evelyn pareceu decepcionada. – Bom, tem histórias de príncipes e princesas que não casaram com outros membros reais e ficou tudo bem. Além do mais, é um guerreiro de Titanos. O casamento entre vocês poderia ligar os reinos de alguma forma e...
— Eu nem sei se ele gosta de mim, Evelyn! – fez uma careta, mesmo que soubesse depois do beijo de duas noites atrás. – Eu sei que eu posso casar com outras pessoas, mas não é comum e Aleudoria vem mantendo a tradição há séculos.
— Eu apostaria que ele gosta – Colleen murmurou. – Já vi ele te observar durante o jantar, no baile da Duquesa Potts semana passada, quando a gente se encontra no mesmo corredor, quando estamos no mesmo cômodo... Enfim! E ele é lindo! Os olhos azuis, o cabelo loiro nos ombros, aquele corpo... E a cicatriz na boca. Parece um Deus!
Todas as outras encararam Colleen em silêncio enquanto observavam a amiga suspirar pelo comandante, mas logo que a dama se deu conta do silêncio e calou a boca, as outras três desataram a rir.
— Sim, Colleen, ele é muito bonito – concordou, ainda aos risos. – E bem jovem para já ser comandante do exército.
— E quantos anos ele tem? – Elizabeth perguntou com a curiosidade de sempre.
— Vinte e seis – ela respondeu. – Ele salvou a vida do rei de Titanos em uma batalha alguns anos atrás quando era só um escudeiro. Virou sua mão direita e conquistou o posto.
— , seu pai apoiaria o casamento sem dúvidas! – os olhos de Evelyn pareciam implorar para que ela cogitasse a ideia.
A princesa bufou e levantou da cadeira, virando de frente para suas três damas. Seu coração e cabeça já estavam confusos o suficiente sem elas para ajudar a piorar a situação.
— Parem! – pediu, soando mais como uma ordem. – Eu sei que vocês querem o melhor para mim e agradeço, mas não é simples assim. Eu estou noiva do ! é o chefe de guerra de Titanos que pode muito bem morrer na batalha de amanhã e...
A possibilidade a atingiu de tal modo que o discurso que planejava ficou confuso em sua mente e ela apenas olhou para as amigas parecendo tudo, menos a princesa forte e determinada que era conhecida por ser. O amor fazia isso com as pessoas, ela lembrava de já ter ouvido a mãe falar.
— Vamos nos atrasar para o banquete – disse, por fim. – Vamos terminar de nos aprontar, por favor.
Percebendo a súbita mudança no olhar da princesa, as damas assentiram e voltaram a se aprontar. Elizabeth terminou de arrumar o cabelo de em um penteado simples com uma tiara de trança. Colleen já estava pronta e foi ajudá-la a se vestir enquanto Elizabeth e Evelyn terminavam de se aprontar. Quando ficaram prontas, desceram juntas até o salão.
Como havia dito, músicos no canto tocavam uma melodia alegre e algumas pessoas que pareciam já ter bebido vinho demais, dançavam enquanto outros riam das mesas. A princesa se separou das damas quando foi para a mesa principal junto ao seu pai e o seu noivo, que a olhou com os olhos frios brilhando de raiva. As outras foram se juntar aos outros nas longas mesas de carvalho dispostas na sala de jantar.
— Meu bem! – levantou-se quando se aproximou. – Está deslumbrante essa noite.
Ela sentiu seu corpo enrijecer quando o noivo segurou sua cintura e beijou seu rosto. Não esboçou reação, embora seu primeiro instinto tenha sido recuar. Havia escolhido um vestido de gola alta para esconder as marcas que os dedos dele haviam deixado em seu pescoço.
— Obrigada – agradeceu, se afastando o mais rápido possível para a cadeira do outro lado do pai.
O Rei observou os dois com o cenho franzido. Conhecia muito bem a filha para notar algo errado em seu comportamento.
— Tudo bem, querida? – o pai perguntou quando ela sentou ao seu lado.
abriu o costumeiro sorriso ensaiado e assentiu.
— Muito bem, pai – garantiu. – Só ansiosa.
— Todos estamos – ele retribuiu com um meio sorriso apreensivo. – Mas tente fazer como os outros e beber o bastante para não pensar demais. Só o que resta é esperar pelo melhor amanhã, .
A princesa se limitou a sorrir. O jantar foi servido e as taças de vinho nunca permaneciam vazias, pois os criados estavam sempre prontos para enchê-las. logo se juntou as damas que, algumas taças depois, já estavam bastante alegres. Tinha outros motivos para ficar com elas, além de fugir das garras do noivo. estava a algumas mesas de distância e ela queria se aproximar o bastante para poder iniciar uma conversa e perguntar sobre o porquê de não ter sido ele que foi buscá-la hoje cedo.
— Vamos dançar! – Colleen levantou abruptamente. – Vamos, andem!
— Não! – Evelyn negou efusivamente. – Não tem mais ninguém dançando.
— O que é uma pena – também levantou, sorrindo para Colleen. – Vamos, levantem!
— Mas ... – Elizabeth tentou protestar, mas a princesa já estava puxando-a pelo braço. – Argh, eu me arrependo amargamente ter sido escolhida como sua dama.
— Não seja cruel, Eliza – riu, beliscando de leve a cintura da amiga. – Aproveite enquanto pode assim como esses soldados estão fazendo.
Elizabeth olhou ao redor para alguns dos guerreiros que bebiam e riam como nada os aguardasse ao nascer do sol.
— Como eles conseguem? – atordoada, voltou a encarar as amigas.
— Com vinho e whisky aparentemente – Evelyn encheu a da taça de Elizabeth. – Bebe! Acho que todas nós merecemos mais uma taça.
Nenhuma delas protestou e as taças tão rápido quanto encheram, esvaziaram. Logo e as três damas estavam rodopiando juntas ao som dos instrumentos, alheias a todo o resto. Exceto pela princesa. Seus olhos sempre se voltavam para a uma direção específica no salão onde encontravam com os de , que não parava de observá-la. Algo nas bochechas coradas pelo calor, no sorriso genuíno e nos cabelos dançando junto com ela, o hipnotizava.
— !
O desgosto ficou estampado no rosto dela quando virou e o seu noivo estava de pé na sua frente. Sem pedir, puxou-a pelo braço e juntou seus corpos, começando uma dança desengonçada pela relutância de .
— Você estava passando ridículo, – ele murmurou perto do ouvido dela. – Bêbada com suas damas
— Eu estava tentando me distrair, assim como todos – grunhiu em reposta, pisando no pé dele de propósito. – Não é minha culpa se você é amargurado demais para aproveitar como os outros estão fazendo, até mesmo os guerreiros que lutarão amanhã.
— Camponeses estúpidos – bufou, o olhar fulminante pelo latejar no pé causado pelo pisão.
— Camponeses corajosos, você quis dizer. Eles se ofereceram para lutar pelo reino que amam – ela sorriu debochada. – Diferente de você que não moveu uma palha para ajudar a causa da sua noiva.
Os lábios de se contraíram de irritação e ele espremeu a mão de na sua com força. Ela tentou esconder a careta de dor e afrouxar o aperto, mas ele continuou segurando com força, imobilizando seu braço também.
— Eu sou um príncipe. Não posso arriscar minha vida na batalha.
— Não, você só é covarde – cuspiu as palavras, destilando dor e repulsa.
— ! – Colleen se aproximou correndo e fez uma reverência para . – Com licença, Alteza. O pai de solicita a presença dela.
Ela franziu o cenho, pois o pai havia deixado o jantar alguns minutos antes com o general de seu exército.
— Vou agora! – sem questionar, ela sorriu e saiu puxando a dama.
não teve tempo para protestar e resmungou alguma obscenidade que nenhuma das duas ouviu.
— Quando meu pai falou com você? – perguntou para Colleen.
Ela sorriu astuta.
— Não falou. Ele já saiu há um tempo. O comandante me pediu para falar isso e tirá-la das garras de – o nome dele saiu amargo nos lábios dela. – Todos que estavam prestando atenção conseguiram notar seu desconforto.
O olhar de imediatamente procurou o do comandante, mas ele não estava olhando para ela. Estava saindo do salão.
— Eu preciso ir falar com ele – disse, mas não fez menção de se mexer.
O sorriso de Colleen se alastrou.
— Então vá! Eu a acompanho para despistar – se apressando, puxou consigo.
As duas foram tropeçando na barra dos próprios vestidos até a saída. já estava no meio do corredor quando finalmente alcançaram as portas. Colleen permaneceu dentro do salão, mas foi em frente.
— !
Ao ouvir seu nome, o guerreiro parou por um segundo, depois virou para trás. foi até ele, rapidamente encurtando a distância.
— Alteza – a cumprimentou. – Posso ajudar?
— Você sabe que essa formalidade é completamente desnecessária – resmungou. Sempre desaprovara ser chamada assim por ele.
— Me perdoe, alteza – replicou, um sorriso arteiro ameaçando erguer o canto do seu lábio. – Como posso ajudá-la, ?
Ela revirou os olhos, mas sorriu em seguida.
— Já ajudou – umedeceu os lábios, desviando o olhar para os ombros dele. – Do .
— Ele a machucou? – sua voz soou mais grave, preocupada.
— Não – negou rapidamente. – Mas obrigada.
— Não sinto que necessite de um agradecimento – clareou a garganta, sem graça.
— Por tudo! – ela emendou. – As aulas, sua amizade, sua companhia... Significou muito para mim durante os últimos meses.
voltou a olhar diretamente em seus olhos, o azul claro parecendo mais escuro com as poucas luzes das tochas espalhadas pelo corredor.
— Repito: Não sinto que necessite de um agradecimento, princesa – ele sorriu, embora não parecesse muito feliz. – Irei sentir falta das nossas aulas à meia-noite. Com certeza ninguém tem a sua capacidade de esbarrar e derrubar uma armadura completa duas noites seguidas.
riu, escondendo o rosto com uma mão enquanto balançava a cabeça em descrença, pensando em como havia conseguido aquilo.
— Certamente que não – concordou. – E tenho certeza que ninguém terá a mesma paciência que você teve comigo.
— Foi um prazer – respirou fundo, o sorriso morrendo nos lábios. – Irei guardar as lembranças com carinho.
— Eu também.
Se encararam em silêncio, não sabendo mais o que dizer, embora fosse nítido que ambos gostariam e tinham mais para falar. O peito de parecia prestes a explodir com as palavras não-ditas e parecia atormentado com o que estava guardando.
— Boa noite, – falou, se odiando por encerrar desse jeito.
— Boa noite, – respondeu baixinho.
Ela virou-se para seguir de volta para o jantar, o coração ainda inconformado com sua falta de coragem. virou para seguir seu próprio rumo também, mas não deu três passos antes se xingar e virar de volta, caminhando para ela.
— ! – chamou.
Ela virou imediatamente, os olhos cheios de expectativa enquanto o comandante do exército de Titanos ia apressado em sua direção.
— Não case com ele – ele pediu. – Por favor.
Lhe faltou voz para responder. O pedido ecoava na sua mente como uma melodia de súplica enquanto os olhos dele continuavam cravados nela.
— Você merece mais que ele, – continuou a falar. – Seu pai não permitiria que você casasse com ele se soubesse como ele a trata.
— Eu estou aprendendo a lidar com ele – sussurrou, ainda desconcertada.
— Mas não devia ter! – praticamente rugiu, sentindo a raiva tomar conta de si. – Não deveria ser tratada assim. Eu não ligo se ele é um príncipe de um reino poderoso. Não tem o direito de tratar ninguém assim.
se aproximou ainda mais, parecendo não notar.
— Por favor, não case com ele – implorou. Seus olhos fixos no dela a deixava ainda mais atordoada.
— Por que está tão preocupado? – questionou. Queria ouvir ele admitir o que já sabia. – Por que se importa tanto?
O olhar dele suavizou.
— Porque eu amo alguém que não pode ser minha – admitiu, erguendo a mão para tocar o rosto dela. – Mas quero garantir que ela seja de alguém que a mereça.
Os olhos dela se arregalaram. Sentia uma mistura de sentimentos que iam de felicidade a dor, vontade de rir e chorar. Mas apesar de tudo, havia perdido a voz. Não conseguia dizer que sentia o mesmo, estava em choque. Queria dizer alguma coisa, tinha mil e uma palavras rodopiando sua cabeça, no entanto não conseguia proferir uma única frase.
— Só me prometa que não casará com ele, – ele repetiu.
— Eu prometo – disse, por fim. – Eu prometo.
A boca dele se ergueu em um meio sorriso triste. Seu olhar se demorou no rosto dela como se quisesse gravar cada detalhe. Desde os olhos até as sardas embaixo deles e a textura da sua pele. Os dedos dele se demoraram nos lábios rosados que tanto queria beijar novamente. Engoliu em seco, controlou seus sentimentos e lhe deu um breve beijo na testa.
— Boa noite, .
E então saiu o mais depressa que conseguiu.
O jantar tinha acabado antes das dez, mas havia ido deitar assim que voltou da conversa no corredor e se despediu de todos que precisava. O problema é que não conseguiu pregar os olhos. As palavras que queria ter falado estavam entaladas em sua garganta e o que queria ter feito também. Portanto, assim que soube que os corredores estavam vazios, correu até o quarto do motivo da sua aflição.
Quando bateu na porta, não esperava obter resposta tão rápido, afinal, acreditava que ele estivesse dormindo. O conselho de guerra havia se reunido rapidamente meia-hora após o jantar, mas não se demoraram. No entanto, tão rápido quanto bateu, a porta se abriu. estava no outro lado com um olhar surpreso e para desconcerto de , sem camisa. Seus músculos de anos de treinamento não eram tão visíveis assim nem mesmo nas camisas finas que ele usava quando treinavam a noite.
— ? – questionou, olhando para os dois lados do corredor.
Não estava muito paciente no momento, pois sabia que se não fizesse logo, provavelmente iria desistir. Ela o empurrou para dentro do quarto e entrou em seguida, fechando a porta atrás de si. Alguns poucos candelabros estavam acesos, permitindo que os dois se vissem com clareza.
— Eu preciso falar e você só precisa ouvir – ela disse. – Não fale até que eu termine.
Ele concordou silenciosamente.
— Eu passei a minha vida inteira sendo cautelosa, na defensiva. Eu estou noiva do Steven desde os cinco anos de idade e sabia que esse era o meu destino, então me apaixonar por outro alguém seria minha ruína. E aí eu te conheci... – suas mãos tremiam assim como sua voz enquanto falava. – Eu não queria. Eu tentei ignorar, fingir, mentir... Mas nós temos uma conexão poderosa demais para conseguir dizer que não existe. É impossível resistir a isso a você.
Tomou uma pausa para recuperar o fôlego, mas não poderia falar nem se quisesse. Estava tão chocado quanto ela havia ficado no corredor.
— Eu nunca estive tão apaixonada, – murmurou. – Eu nunca senti nada até agora.
Se aproximou dele sem hesitação, sem receios, sem medo. Colocou suas mãos em cima das dele, mas foi subindo, a pele quente dele sobre seus dedos até parar nos ombros.
— Isso é real – ergueu os olhos para ele, os rostos a poucos centímetros de distância. – É a coisa mais certa que eu já senti.
E então o beijou. O corpo dele ficou tenso, duro como uma pedra enquanto ela se acomodava contra ele, mas a relutância não durou muito. Quando as mãos de subiram para sua nuca, se embrenharam em seu cabelo, ele cedeu. A puxou com força contra si, enlaçando sua cintura com um braço. Sua boca correspondeu com perfeição a avidez da dela, os lábios se encaixando como se fossem feitos um para o outro.
— Ah, – murmurou contra os lábios dela. – Como eu fui tolo em ter tentando negar o amor pela luxúria. Isso não tem nada igual.
E voltou a beijá-la. As mãos dela exploravam o tronco desnudo do comandante, conhecendo cada cicatriz de batalha, cada músculo bem definido, cada lugar onde arrepiava sob seu toque. A boca dele havia abandonado a dela e focado na pele exposta do pescoço. Seus lábios acariciaram as marcas roxas que havia deixado e sentiu seu corpo acender com um desejo desconhecido.
Quando notou, a parte de trás de seus joelhos encostaram na cama e hesitou.
— Eu não posso fazer isso com você, – dizer isso levou toda sua força, mas a ideia de desonrá-la falou mais alto.
— Eu quero! – ofegou, apertando os dedos nos braços dele.
Ele balançou a cabeça e recuou, procurando se afastar para por os pensamentos em ordem.
— Isso é errado – repuxou os cabelos bagunçados para trás. – Mesmo que não case com , não pode casar comigo.
— Não existe regras que dizem que não podemos ficar juntos – ela tratou de explicar. – Esperam que eu case com porque é uma tradição que vem sendo mantida há séculos. Meu pai casou com minha mãe, uma princesa. Minha avó casou com um príncipe e assim mil outros antes, mas eu não preciso.
— Não é comum – virou de costas para ela, caminhando pelo quarto para se ocupar. – Casar com o comandante de um reino vizinho?
Ela soltou uma risada.
— Não tem nada comum entre nós dois, – disse, indo atrás dele. – Nada é suficiente para ninguém aqui, mas você é suficiente para mim. Nós vamos dar um jeito. Aleudoria e Titanos são reinos aliados. O rei e a rainha não tem filhos em idade suficiente para casar e talvez o nosso casamento seja considerado vantajoso para os reinos já que você é o chefe de guerra deles!
o abraçou por trás, encostando a testa nas costas dele. Seus lábios roçaram a pele de e o corpo dele arrepiou. Ele lutou mais ainda contra a vontade de virá-la em seus braços.
— Eu sou sua – murmurou contra suas costas. – Eu preciso de você contra mim. Quero tirar o seu fôlego, quero que você me aqueça.
Era visível o quanto ele estava lutando com sua própria moral, o desejo e o amor absurdo que sentia por ela.
— Não sabemos o que o seu pai vai dizer sobre isso, o que seus conselheiros irão falar e... – ele podia continuar dando mil e uma desculpas, mas a conhecia o bastante para saber que ela arranjaria uma solução para cada. – Eu só estou assustado, .
Segurando as mãos dela que estavam ao seu redor, se soltou lentamente e virou de frente para ela. Os dedos calejados dele deslizaram pela pele macia do rosto dela até o pescoço. Ele enganchou a mão nos fios do cabelo dela, segurando delicadamente sua cabeça.
— Eu nunca tive ninguém para amar. Eu nunca precisei me preocupar com nada além de mim e parecia fácil porque se eu não tenho ninguém, não tenho nada a perder. Mas agora que você me ama... – suspirou. Dizer aquilo parecia mais difícil do que qualquer luta que já lutou. – Eu quero te proteger, fazer o melhor por você.
se inclinou na ponta dos pés, encostando a testa na dele.
— Você é o melhor para mim – sorriu, encostando a boca na dele.
Ela puxou os laços de cetim que amarravam sua camisola e soltou, fazendo o tecido escorregar pelos seus ombros com facilidade.
— Eu sou sua, Fraser. Me faça sua.
— Você será minha ruína, princesa – rosnou, desistindo de qualquer autocontrole que ainda tinha.
Não precisou de mais incentivo algum. O corpo de pressionou contra o dela e suas mãos terminaram de tirar o tecido de seda que caiu suavemente aos pés de . Ele a segurou pelas coxas, a erguendo no colo enquanto se esforçavam para não quebrar o beijo enquanto a levava até a cama. Ele a deitou cuidadosamente no colchão, parando para admirá-la antes de terminar de tirar as próprias roupas e cair contra ela novamente.
abriu as pernas para acomodá-lo entre seu corpo e as mãos dele se demoraram em cada centímetro de pele. Ele explorava o corpo da princesa como um aventureiro explorava uma terra nova. Ela se contorcia sob seus dedos, arquejava com cada beijo, suspirava com cada palavra murmurada entre as carícias. Nenhum dos dois estava pensando no que enfrentariam pela manhã, só no quanto precisavam um do outro no momento.
E quando ele se perdeu dentro dela depois de tantas torturas que a deixaram tonta de prazer, nunca se sentiu mais em casa.
não pregou os olhos a noite inteira.
Quando caíram lado a lado, ela em seus braços, ele não conseguiu dormir. Tinha medo de que fosse um sonho. Mal acreditava em tudo que tinha acontecido nas últimas vinte e quatro horas e não estava pensando muito no que aconteceria quando o sol nascesse. Cedo demais teve que acordar já que se a vissem ali, estaria formado o escândalo que os dois queriam evitar.
A acompanhou até seu quarto e se despediu com um beijo. Nunca havia se sentido tão feliz e assustado em sua vida. Não lembrava dos pais, havia os perdido quando ainda era criança. Sempre foi isolado, evitando se envolver. Até . Se apaixonar pela herdeira do trono de Aleudoria não havia sido nada inteligente, mas estava perdido agora.
Após voltar para o quarto, vestiu a armadura e foi se juntar ao seu exército. A apreensão era notável e o Rei não parecia ter dormido muito. sentiu falta da presença de ao lado do pai. Sabia que ela era a força dele assim como seria a sua na batalha de hoje.
— A cavalaria está pronta – o general de Aleudoria entrou na sala.
— Os nossos homens estão reunidos, todos sabem suas posições. Vamos seguir para o campo.
A apreensão não deixou ficar quieta. Não havia conseguido dormir depois que a deixou em seu quarto, apesar de sentir o cansaço tomar conta de si. O nervosismo falava mais alto. Horas haviam se passado. Ela já havia perambulado o castelo inteiro na tentativa de se manter sã enquanto esperava, mas parecia impossível. A ideia de perder quando finalmente poderiam ter uma chance, a apavorava. Perdida em pensamentos, só notou onde estava quando se viu no final do corredor que dava para as portas duplas da sacada.
De um lado do corredor as imponentes portas do salão de baile estavam fechadas, mas ela não pretendia entrar. Seguiu para a sacada e quando a brisa gélida do meio-dia beijou seu rosto, ela fechou os olhos, sendo transportada para uma memória de semanas atrás nesse mesmo lugar.
— Fugindo da própria festa, princesa?
tossiu, virando-se rapidamente para frente e se pondo na frente do balcão da varanda. estava de pé na porta da sacada a encarando com um sorriso arteiro nos lábios.
— Eu pensei que tinha sido discreta ao sair – crispou os lábios, uma falsa expressão de culpa tomando conta de seu rosto.
— Não sei o quão discreta dá para ser em um vestido vermelho quando todo o resto está usando cores pálidas – apontou. – Mas eu a vi por causa do bolo. Estava indo atrás dele na hora que foi roubado.
riu, cobrindo a boca com as mãos.
— Ai meu Deus! – ofegou. – Ninguém estava me deixando comer o bolo. Fui levada a cometer atos extremos para conseguir um pedaço.
O comandante riu e ela percebeu que adorava o som. Era raro ouvir ele rir. Havia conseguido arrancar uma risada uma vez ou outra em suas trapalhadas durante as aulas que começaram há dois meses.
— Completamente compreensível – ele disse, se aproximando a passos lentos. – Mas agora você terá que comprar o meu silêncio para não revelar o seu paradeiro.
Ela arqueou as sobrancelhas, abrindo a boca com indignação.
— Que abusado! Posso mandar prendê-lo pela chantagem – retrucou, se esforçando para segurar o sorriso.
— Isso a afastaria do seu bolo – apontou para o que sabia que ela estava escondendo atrás da saia bufante do vestido. – Tem certeza que é o que deseja?
— Você é espertinho demais para o seu próprio bem, comandante – resmungou, se permitindo sorrir. – E quanto vale o seu silêncio?
Parou, fingindo pensar no assunto.
— Acho que nesse caso, dividir o bolo comigo é suficiente – propôs. – É a melhor oferta que conseguirá.
— O mais difícil dos pedidos – suspirou derrotada. – Não tinha nada melhor para pedir?
Um brilho de malícia passou pelo olhar dele e ficou em dúvida se tinha imaginado.
— Eu consigo pensar em mil coisas para pedir – admitiu. – Essa foi a oferta mais decente.
deixou o queixo cair, extremamente surpresa que ele tinha mesmo dito isso. raramente era menos que formal. A taça de vinho na mão dele provavelmente era o motivo para o tom brincalhão que adotara.
— Agora eu fiquei intrigada – retrucou. – Que tipos de indecência estavam entre suas possíveis ofertas?
Ele sorriu novamente.
— Primeiro meu bolo, então eu penso se conto.
Com um suspiro pesaroso, se afastou para o lado, revelando o bolo de chocolate com cerejas no topo que estava quase na metade.
— Eu te dou o garfo e você me diz uma das ofertas – ela sugeriu, estendendo o talher.
se aproximou, parando do outro lado do bolo.
— Bom, princesa... – pegou o talher. – Uma das ofertas seria um beijo em troca do meu silêncio, mas compreendo a indecência da sugestão.
E novamente, foi pega de surpresa. No entanto, tinha uma língua afiada demais para não responder a altura.
— Eu achei uma oferta razoável, comandante – umedeceu os lábios. – Mais razoável do que pedir meu bolo. É uma pena que tenha optado por sugerir a oferta errada.
E foi a vez dele de ficar surpreso.
Quando abriu os olhos, ela sorria. Aquele havia sido o momento em que se apaixonara por ele, embora não soubesse ainda. Não houve beijo, os dois só se provocaram entre brincadeiras por alguns minutos antes que uma das damas de apareceu lhe chamando. Mas aquela noite foi a centelha que começou o incêndio.
— Princesa !
Girou rapidamente ao som de seu nome e encontrou uma criada ofegante no corredor.
— Eles estão voltando, Alteza – o sorriso se alastrou pelo rosto dela. – Nós vencemos!
segurou as saias do vestido, erguendo-as mais do que o decoro permitia e correu. Passava como um borrão pelos corredores e os poucos criados que circulavam indo na mesma direção que ela, precisavam se desvencilhar rápido. Ofegava, sentia os pulmões implorando por ar, mas nada a faria parar antes de chegar lá embaixo. O amontoado de gente a fez parar de correr quando finalmente se encontrou no pátio do castelo, mas todos abriram caminho para ela se juntar ao pai.
Os três cavalariços chegaram com a bandeira vermelha e cinza arqueada. As rosas de caules espinhosos símbolo dos Blackthorn pareciam ameaçadoras no balanço do vento. Os feridos vinham carregados de todas as formas. Cavalos, carroças, no colo... Eram centenas. O estômago de embrulhou, seus olhos atentos continuaram procurando uma única pessoa em meio ao caos de feridos que iam sendo carregados para a ala médica que já estava esperando por eles.
— Notícias do comandante do exército de Titanos? – ela perguntou para o pai, não se aguentando.
— Não – seu pai respondeu sombriamente. – Nem do nosso.
Não se aguentando, entrou na contramão e foi a procura de quem tanto desejava ver. Seu coração estava apertado e o peso só sairia quando se certificasse que ele estava vivo. A cada rosto que ela encarava e não era , o pavor aumentava. Não, ela se negava a acreditar que tinha o perdido antes mesmo de terem algo.
— !
Seu coração gelou ao ouvir a voz sobressair o barulho das conversas e gritos em volta e seu olhar alerta procurou até encontrar de onde tinha vindo. Do outro lado, coberto de sangue e cortes, sorria para ela. correu até ele, se desviando com destreza das pessoas no caminho e se jogou em cima dele, o abraçando com força. O guerreiro gemeu de dor, mas não a afastou, apenas a abraçou da melhor forma que conseguiu.
— Ai meu Deus! Você está bem? – a princesa se afastou, olhando para todo o corpo dele analisando os ferimentos. – O seu braço!
Ele olhou com desgosto para o braço esquerdo que ele mantinha firme grudado ao corpo.
— Ombro deslocado – grunhiu. – Alguns cortes feios, mas nada grave o suficiente.
— Você precisa de um médico – ela disse, não gostando nada da profundidade que notou em alguns cortes.
— Eu preciso reportar ao seu pai – ele disse imediatamente. – Eu estou bem.
não discutiu, mas o acompanhou com desgosto, notando que ele mancava. Quando voltaram a encontrar o Rei, ele os encarou com interesse e surpresa. O comandante do exército de Aleudoria, Howard, já estava ali. Não parecia muito melhor que . Seu braço estava enfaixado com trapos ensanguentados, sua cabeça também e ele parecia sentir dor a cada passo que deram até a sala que o conselho usava para se reunir.
Na sala, os guerreiros começaram a relatar tudo o que aconteceu. O exército Dahmer estava realmente pouco organizado como havia sido previsto. Houve muitas perdas de ambos os lados, mas quando viram que estavam em desvantagem, o outro lado recuou. O Traidor, tio de , havia sido capturado e estava em uma em sela para ser julgado e condenado por traição. sorria alegremente em um dos cantos da mesa.
— Vocês precisam ir para a ala médica – o Rei instruiu. – Falaremos melhor depois.
Howard não hesitou e acompanhado de alguns dos homens do conselho, saiu da sala.
— Eu posso te acompanhar – falou para .
Ele sorriu.
— Por mais que sua presença seja sempre bem-vinda, não acho que seu noivo reagirá bem a isso – respondeu, sem virar para olhá-la. – Ele viu o nosso abraço.
Ela gelou.
Havia esquecido completamente que ainda estava noiva de e que mesmo que ele não estivesse lá, as pessoas iriam falar. Olhou na direção do noivo e os olhos gélidos dele já estavam voltados para ela.
— Eu vou falar com ele – ela falou. – Eu passo na ala médica depois.
— Não vá sozinha – grunhiu.
— Você me ensinou a me cuidar sozinha – se limitou a dizer isso, já levantando da cadeira. – , me acompanha?
Ele afastou a cadeira em um movimento brusco e sem responder, cruzou o cômodo até estar ao lado da noiva. Agarrou seu braço sem muita gentileza e a guiou para fora da sala. Olhando por cima do ombro, notou a agitação de , que também havia levantado.
— , ... Você gosta de brincar com fogo, não é? – soltou uma risada seca. – Não te ensinaram que você pode se queimar?
Ela soltou um ganido doloroso quando a empurrou em um corredor vazio e chocou seu corpo contra a parede. Ele parecia ameaçador projetando sua sombra sobre a dela, mas se forçou a não abaixar seu queixo.
— Eu estou acabando com o nosso noivado – falou com uma firmeza impressionante.
vacilou por um momento por pura descrença, mas o momento foi rápido. Quando se recuperou do choque, agarrou as mãos dela com força, pressionando contra a parede de mármore onde estava sendo esmagada.
— Não, não está – rosnou, abaixando o rosto na altura do dela. – Eu te mato.
O coração dela martelava com força em um misto de audácia e medo. Sabia que ele não podia fazer nada com ela ali, pois seria morto por isso, mas não era a pessoa mais sã que conhecia, portanto não chegava a duvidar do que ele era capaz.
— Ruttighan precisa mais de nós, do que nós de vocês – continuou a falar calmamente, controlando a voz trêmula. – Se você não colaborar, não daremos ao menos migalhas.
O ódio que refletiu na íris dele, a fez prender a respiração.
— Não é você que decide isso – apertou os pulsos dela com mais força. – Nunca vão concordar.
— Eu decido, sim – os olhos dela faiscaram de raiva. – Vou ser rainha de Aleudoria, mas você não vai ser meu rei. Pode me ameaçar, , mas nós dois sabemos que se você me machucar, será morto.
O maxilar dele trincou.
— Minhas damas sabem das suas agressões – ela continuou. – O também. Você pode mentir para todo mundo, mas eles vão saber. Acha mesmo que você vai sair impune? Porque não vai. Então é melhor você se por no seu lugar enquanto pode se não quiser ter a cabeça cortada pelo assassinato da princesa de Aleudoria.
Por um momento acreditou que ele não ia ceder, mas o aperto dele afrouxou e apesar do ódio no olhar, recuou.
— Você nunca mais vai chegar perto de mim ou eu mesma irei mata-lo – ela falou numa calma que não sentia.
Acelerou o passo para longe dali e seu coração deu saltos no peito enquanto ela corria pelo corredor de volta para a sala do pai. Não fazia ideia do que iria fazer sem a aliança com Ruttighan, mas se sentia livre de um peso enorme pelo rompimento do noivado que lhe atormentava há anos.
Quando chegou na sala do pai, os conselheiros ainda estavam reunidos e junto. Ela aproveitou para informar a situação e lidar com os protestos. O Rei ficou enfurecido quando soube da situação e apesar da ira dos seus conselheiros com o rompimento do acordo, ele ordenou que a comitiva de Ruttigan partisse imediatamente. Após muita conversa, todos foram despachados, menos .
estava irritada que ele ainda estivesse do mesmo estado de quando chegou da batalha, mas ele parecia não se importar nenhum pouco, embora gemesse sempre que mexesse demais o ombro ferido.
— O que ainda está fazendo aqui, ? – o Rei questionou quando o último homem do conselho saiu.
— Tenho uma questão para ser resolvida, Majestade – mancou para mais perto do rei.
— Vá em frente, diga.
olhou para , que parecia não entender o que estava acontecendo, então olhou para o rei.
— Eu gostaria de pedir a sua filha em casamento, Majestade – falou, reunindo toda a coragem possível na voz.
Os olhos de se arregalaram e o seu pai teve quase a mesma reação, olhando de um para o outro como se tentasse entender como aquilo havia acontecido.
— Eu entendo que o costume é outro e que deveria casar com alguém de linhagem nobre que viesse a governar o próprio reino algum dia, Majestade, mas eu a amo e gostaria que me ouvisse e considerasse as vantagens que nossa união poderia trazer para o seu reino.
Ainda em choque, o rei apontou para a mesa, indicando que sentasse.
— Estou ouvindo, meu jovem.
Quando alguém bateu na porta tarde da noite, não se surpreendeu ao ver entrar logo em seguida. Ela vinha com uma bandeja e trazia nos lábios um sorriso malicioso.
— Você continuar se esgueirando para o meu quarto não vai fazer bem a sua reputação, alteza – ele zombou. – Pense no que seu noivo poderia pensar!
Ela soltou uma risada gostosa.
— Ele está incapacitado de sair da cama, não vai ficar sabendo – brincou, deixando a bandeja na beira da cama. – Tenho guardas e criados bastante discretos.
— Não se envergonha em fazer isso com o pobre inválido? – o olhar ultrajado dele não durou muito tempo.
— Não consigo resistir, infelizmente – se ajoelhou na cama e se arrastou para perto dele. – Olá.
sorriu e se inclinou para beijá-la. segurou suavemente o rosto dele entre as mãos, tomando cuidado para não esbarrar no braço que estava suspenso em uma tipoia. O pé dele também estava apoiado em uns quatro travesseiros e o peito enrolado em uma atadura. Ele havia passado a tarde e à noite na ala hospitalar, tendo sido liberado apenas uma hora atrás.
— Está se sentindo melhor? – ela perguntou.
— Depois que o efeito do láudano veio, fiquei ótimo e agora eu estou tolerando – confessou. – O pior foi apenas colocar o ombro no lugar.
— Eu estive ocupada até quase agora – suspirou, se arrumando melhor na cama. – Mas peguei uma coisa na cozinha para você.
Ele olhou com expectativa para a bandeja e a arrastou para perto deles, mostrando o bolo de chocolate com cereja no topo.
— Todinho para mim? – arqueou uma sobrancelha.
Ela crispou os lábios.
— Nós dois, na verdade – esclareceu, puxando a bandeja para o colo. – Eu nunca deixaria você comer o meu bolo favorito sozinho.
— Você é uma péssima noiva – fez uma careta dramática. – Eu sou um moribundo aqui e você me usou como desculpa para roubar o bolo para o seu próprio prazer.
sorriu, fingindo uma expressão angelical que não lhe cabia no momento.
— Eu estou disposta a dividir! – argumentou, pegou o garfo e enfiou direto no bolo, comendo logo em seguida. – Não conta?
Ele olhou em descrença ela saborear a primeira garfada.
— Uma boa noiva com certeza teria me dado esse primeiro pedaço – ele apontou com o queixo.
Ela riu e passou o dedo na cobertura do bolo, enchendo de chantilly apenas para esfregar na boca de .
— E um bom noivo normalmente reclamaria bem menos e ficaria imensamente feliz por ter sobrevivido a uma batalha, ter conseguido a benção do rei para casar com a filha dele e ainda de ganhar um bolo delicioso para dividir com a belíssima noiva. Olha que tudo isso foi em uma dia só! – sorriu, dando um beijo nele só para roubar a cobertura que havia passado.
— Eu estou imensamente feliz – garantiu.
E beijou-a outra vez.
Naquele momento o mundo poderia acabar, mas nada seria o suficiente para separar os dois ali. Com o coração cheio de uma felicidade absurda, não lembrava de já ter sentido algo tão poderoso. mal podia se aguentar com o amor que sentia por ele e que tinha escondido de si mesma até um dia atrás. Ela não tinha se deixado abalar nem pelas críticas dos conselheiros contra o casal.
Não havia nada comum no que sentiam um pelo outro, mas era o que tornava tudo ainda mais único e mais deles.
— Você precisa ser mais rápida – ele disse.
— Isso é o melhor que eu consigo! – resmungou.
— Eu duvido – abriu um sorriso. – Anda, levanta.
Ela choramingou. Havia começado a apreciar bastante as aulas ao ar livre já que a queda na grama era bem mais macia e confortável do que no mármore do salão de baile do palácio.
— Eu gostava mais de quando você me ensinava a lutar – disse, se esforçando para levantar.
— Ainda estou – lembrou, pegando a espada dela no chão e estendendo para . – Só que com uma arma.
— Não é a mesma coisa – ela reclamou.
— Acredite, eu sei – o olhar dele ficou quase nostálgico, mas com uma pontada maliciosa. – Exigia bem mais contato físico.
estreitou os olhos. O comandante do exército de Titanos costumava gostar de flertar com ela desde quando ficaram íntimos o suficiente durante as aulas de luta que os dois vinham tendo escondidos há meses. Ela adorava vê-lo assim mais leve, a provocando. Sempre sentia um frio na barriga com certos comentários. Sabia que não devia se sentir assim, mas não era algo que podia controlar.
— Bem mais – murmurou. – Lembro bem.
deixou o canto da boca erguer um pouquinho e estendeu a mão para ajudar a levantar. Com desgosto, a princesa aceitou a mão e segurou. Sem muita delicadeza, ele a puxou para cima com força, fazendo o corpo dela bater contra o dele. O arquejo de surpresa dela fez o sorriso dele aumentar. não fez menção de se afastar, também não. As mãos deles estavam presa entre seus corpos.
— Só para relembrar um pouquinho do contato físico – sussurrou, olhando bem para ela.
— Eu acho que tinha bem mais contato antes – ela umedeceu os lábios.
— Eu acho que você tá certa – concordou, deixando seu olhar cair para a boca dela.
Ele queria diminuir o espaço quase inexistente entre eles, mas como sempre, sabia que não devia. vivia nesse tormento há meses. Era divertido flertar com no começo porque a princesa sempre se mostrava ultrajada, mas uma hora começou a responder a altura e tudo foi ficando mais perigoso. Sem contar que nesse meio tempo ele se apaixonou, o que deixou tudo ainda mais complicado, especialmente por ela ser noiva.
— Por que não encerramos esse treino por hoje e começamos o outro? – ela sorriu, esperançosa. – Já estamos aqui há duas horas.
— Não tem música para começarmos o outro – fez uma careta, já querendo fugir.
— Não precisa, você sabe! – disse rapidamente. – Nunca usamos música.
suspirou desgostoso e riu. Era engraçado vê-lo aborrecido tentando aprender passos simples de dança quando antes estava facilmente ensinando-a a lutar com o próprio corpo e com armas. Ele era o melhor guerreiro de Titanos e tinha medo das aulas de dança.
— Eu odeio isso – grunhiu. – Não lembro o motivo de ter peço essas aulas.
— Porque você não pode fugir para sempre dos bailes – relembrou. – Um dia uma dama inteligente irá te puxar para dançar mesmo que você não queira.
— Como você fez aquela noite? – arqueou uma sobrancelha. – Não sinto muito por ter pisoteado seus pés.
comprimiu os lábios, lembrando da dor no dia seguinte. Ele tinha botas pesadas.
— Eu sei que não sente – respondeu entredentes. – Mas sim, como eu fiz. Quero poupar as pobres garotas que virão a dançar com você.
Ele revirou os olhos.
— Então vamos logo, em meia hora a nova ronda irá começar e os guardas vão passar por aqui para trocar de posto.
Ela assentiu. Uma das suas coisas favoritas nos últimos meses era as escapadas com . Fosse para os treinos, as aulas de dança ou só quando se esbarravam pelo palácio e acabavam passeando juntos, os momentos roubados e secretos eram a melhor parte do seu dia. Por um tempo fingiu para si mesma que era só porque esses momentos eram algo só dela, mas sabia que era porque podia ter por perto por mais breve que fossem os momentos.
— Tá bem, você já pegou os passos básicos nas últimas aulas – lembrou, um quê de orgulho da voz. – Vamos para os giros.
— Por que não podemos nos limitar aos passes básicos? – questionou. – Eu estou decente neles.
— Não gosto de limitar o que pode ser melhorado – deu de ombros. – Vamos, temos meia-hora.
Contrariado, se forçou a obedecer. Segurou a cintura dela com uma mão e tomou sua outra mão, entrelaçando os dedos – outra coisa que não devia fazer. colocou a mão no ombro dele e aproximou-se mais um passo, ficando na distância adequada. Por mais que quisesse dar só mais um passinho para frente, não o fez. Continuava a se lembrar que passar dos limites com o comandante não era uma boa ideia.
— Me guie, princesa – ele pediu.
— Não é tão difícil assim, mas você vai precisar controlar sua força – ela instruiu. – Você tem que me girar com delicadeza e leveza.
— Eu não costumo ser delicado – fez uma careta.
— Eu sei – sorriu. – Tenho hematomas bastantes por baixo dessas roupas por conta das nossas lutas.
Mesmo tentando controlar seus olhos de baixar para o corpo dela, a mente de viajou para lugares onde alguns hematomas poderiam ser encontrados. Precisou ser rápido em afastar esses pensamentos indevidos.
— Vou tentar meu melhor, alteza – garantiu.
Como sempre, a princesa revirou os olhos com o título. Os dois haviam deixado formalidades há tempos, mas ele adorava implicar. Resolveu ignorar o comentário e focar nos passos de dança. Os dois treinaram os passos básicos no começo e então os giros foram introduzidos. De fato, não levava jeito. Ou era rápido ou brusco demais.
— Assim você só vai deixar a garota enjoada – fez uma careta. – Outra vez. Recua um passo, estende os nossos braços, me gira lentamente e me puxa, ainda levemente. Não precisa usar força.
foi seguindo as instruções, se esforçando o máximo para não bufar. O resultado foi pior como as últimas vezes.
— Não estou conseguindo entrar no clima, – reclamou. – Não me importo de ficar nos passos básicos.
— Mas eu sim! – bateu o pé. – Vem cá, fecha os olhos.
Ele fez uma careta duvidosa.
— Fecha os olhos! – ela insistiu.
Contragosto, ele fechou. sorriu, voltando a se aproximar na posição de dança.
— Estamos naquele baile novamente, o que dançamos juntos – ela foi falando. – Lembra da música? A melodia lenta, deixa ela te guiar. As pessoas, tudo... Imagina. Pensa em alguém que você adoraria ter dançado lá. A única que tirou todo o seu ar quando a viu. Imagina ter ela em seus braços, dançando perfeitamente.
Outra careta dominou o rosto dele e sorriu, embora não quisesse estar nos braços dele enquanto imaginava outra pessoa.
— Imaginou?
assentiu.
— Dança comigo como se eu fosse ela, como se estivéssemos lá – murmurou, juntando mais seu corpo ao dele. – E tenta me girar de novo. Com calma.
Os olhos dele abriram com uma intensidade que não lembrava de já ter visto e seu olhar não descruzou do dela por um segundo, como era frequente nas outras danças. Os dois dançaram como já eram acostumados a fazer nas aulas, mas parecia diferente. O olhar dele estava diferente. Quando chegou a hora de girar, ele conseguiu fazer exatamente como deveria.
Recuou um passo, estendeu os braços e a fez girar suavemente ao redor de si mesma. Quando a puxou de volta, no entanto, foi com um solavanco suave, mas forte o suficiente para que ela caísse com o corpo encostado ao dele. Os dois perderam o fôlego, presos no olhar um do outro.
— Em quem você pensou? – perguntou, não conseguindo segurar a pergunta.
sorriu melancólico.
— Em você – admitiu. – Exatamente assim e aqui, não no baile. Aqui você é só minha, lá você era dele.
o encarou com os olhos arregalados, completamente desconcertada. Uma coisa eram os flertes, outra totalmente diferente era o que ele havia acabado de falar.
— Não faz esses jogos comigo, – pediu.
— Não estou jogando, princesa – umedeceu os lábios, deixando sua mão deslizar pelo rosto dela até o queixo. – Nunca fui tão sincero.
— Mas não devia – sussurrou, sentindo o coração acelerar.
— Não devia?! – a mão dele apertou mais ao redor da cintura dela. – Ser sincero?
— Eu não posso.
E não podia. Vinha repetindo isso para si mesma há meses. Por mais que não gostasse do seu noivo, ainda estava comprometida. Não era questão de ser fiel ao seu compromisso, mas ao seu reino. Além do mais, iria embora logo depois da batalha. Não podia. Não devia.
— Mas eu posso – ele replicou.
E então a beijou.
A boca dele encostou na dela com uma delicadeza que não acreditava ser dele. A mão que estava no queixo deslizou para a nuca até que seus dedos entrelaçaram nas mechas do longo cabelo da princesa. As dela levaram um segundo para encontrar um caminho pelos cabelos claros do guerreiro de Titanos. Tinha ansiado tanto por isso nas últimas semanas que agora parecia prestes a explodir. Por mais errado que fosse, tudo parecia certo ao mesmo tempo.
Mas o momento acabou rápido demais quando ouviram o som de vozes. a soltou tão rápido quanto a beijou, parecendo sair de um estupor. Seus olhos azuis estavam escurecidos quando voltou a encará-la.
— Vai na frente – instruiu. – Todos sabem que você adora fugir à noite, não vão estranhar.
concordou, atônita, confusa demais para falar algo sobre o que tinha acabado de acontecer.
— Me desculpe, – ele suspirou, parecendo recobrar os sentidos.
— Não tem que se desculpar pelo beijo – sorriu. – Eu queria há muito tempo.
Ergueu as saias leves do vestido que estava usando e começou a correr de volta ao palácio, deixando para trás.
Papéis e mapas estavam abertos sobre a imponente mesa de mogno e todos ao redor opinavam sobre estratégias de ataque. Pequenos bonecos sem rostos esculpidos em madeira indicavam os exércitos que se enfrentariam na manhã seguinte. O exército Blackthorn era representado pelos bonecos brancos. O exército Dahmer era representado pelos bonecos pretos. Observando tudo, achou quase poético se parecerem com peças de xadrez.
— Temos a vantagem de conhecer o território – falou. – Somos reinos vizinhos, meus homens cresceram entre Aleudoria e Dunkirsh. O Duque pode conhecer, mas a maior parte dos seus guerreiros são desconhecidos para essas terras. Ele pode dar dicas, mas nós que já estivemos nelas, sabemos mais.
— Os Dahmer contrataram mercenários – Edward Blackthorn, Rei de Aleudoria, lembrou. – Parte do meu exército é composto por fazendeiros que se voluntariaram, .
— Que vem sendo treinados por mim, Howard e Tormund há meses, Edward! – ressaltou. – Admito que não é suficiente para terem se tornado os melhores guerreiros que você verá, mas estão decentes. O meu próprio exército pode não ser de mercenários, Majestade, mas lhe garanto que em frente ao inimigo eles matarão como se fossem.
— Temos maior número de guerreiros, cavalaria, arqueiros e a vantagem da infantaria! – se pronunciou pela primeira vez. – O exército Dahmer é novo nisso. O meu tio pode ter contratado seus mercenários, mas os mercenários de Vaar só são conhecidos por sua selvageria, não espirito de trabalho em equipe. Não estão preocupados em seguir estratégias impostas, se interessam apenas na carnificina. O meu tio acha que a guerra está ganha para si, mas ele não sabe dos vinte mil homens que a Rainha Akira nos concedeu e que chegaram nesta madrugada.
Os olhares ao redor da mesa se voltaram para ela, mas sem se intimidar, encarou cada um com firmeza, se demorando um pouco mais nos olhos azuis de , o comandante do exército aliado de Titanos, com quem não falava desde ontem. Seu pai chamou sua atenção ao apertar seu ombro com ternura.
— tem razão – ele disse. – Meu irmão, O Traidor, tem a arrogância como desvantagem. Ele acha que seus mercenários serão a chave para sua vitória e seu conselho de guerra é composto por homens tolos e vaidosos como ele. Não estou subestimando sua inteligência, mas seu ego tende a falar alto demais.
— Eu lhe garanto, Majestade – o comandante do exército de Aleudoria, falou. – Nós triunfaremos. Nossos homens treinaram duro, estão prontos. Ninguém em Aleudoria deseja o Traidor no trono.
Rei Edward assentiu, mas não disse uma palavra. Seu olhar se perdeu pela bagunça na mesa, estudando silenciosamente e repassando os planos de guerra que vinham sendo construídos há meses, desde que a ameaça do seu irmão se tornou iminente.
— E as armas? – questionou . – E as armaduras?
— Estão terminando de reforçar o couro nas últimas armaduras, Alteza. Até o fim da tarde tudo estará pronto – Edgar, conselheiro do Rei, respondeu. – As armas já estão todas prontas. Adagas, lanças, espadas, facas, arcos, escudos... Todos os tipos, .
A Princesa respirou fundo e esboçou um sorriso agradecido pela resposta.
— Eu gostaria de verificar tudo assim que estiver pronto – falou, olhando para os nove homens ao redor da mesa.
— Ficarei feliz em lhe mostrar tudo, Princesa – que se ofereceu. Seus olhos tinham um brilho malicioso que passou despercebido por todos, menos por .
— Muito obrigada, Comandante – murmurou, inclinando a cabeça em sua direção como cortesia.
Uma batida na porta interrompeu a reunião e a atenção se voltou para a saída quando uma das damas da princesa apareceu.
— Com licença – Lady Elizabeth falou após a reverência. – , seu noivo chegou e solicita sua presença.
Reprimindo uma careta de insatisfação, se limitou a assentir para a sua dama antes de se voltar para os outros na sala.
— Peço que me deem licença – resmungou de clara má vontade. – , conto com que me avise assim que tudo estiver pronto.
— Como desejar, Alteza – o comandante garantiu, fazendo uma breve mesura.
— Tentarei ser breve – falou para seu pai.
— É seu noivo, – o pai a lembrou. – Vá ver o que ele deseja e não se preocupe. Não há muito mais a ser discutido.
Com um aceno de despedida, saiu da sala com a postura rígida, os lábios comprimidos e a menor vontade possível de encontrar seu noivo. Não fazia ideia do que ele estaria fazendo aqui, mas não tinha o mínimo desejo de que se demorasse. Sua dama Elizabeth estava no corredor a sua espera.
— O que diabos ele veio fazer aqui? – a princesa suspirou.
— Não disse nada, – Elizabeth se apressou para seu lado. – Fiquei surpresa de encontrá-lo. Aparentemente veio sua comitiva inteira.
— Ah, ótimo – precisou segurar a língua para não soltar xingamentos que não devia. – Colaborou pouquíssimo com a batalha, mas com certeza está aqui para se vangloriar se sairmos vencedores.
Elizabeth encolheu os ombros, sentindo a raiva que exalava da amiga.
— Eu gostaria que perdêssemos só para que meu tio arrancasse aquele sorriso presunçoso de com uma faca no peito.
— ! – a dama a repreendeu. – Não diga isso nem brincando.
mordeu o canto da boca, sabendo que realmente não deveria brincar com a sorte, mas era mais forte que ela. Não suportava o seu noivo, nem o caráter horrível e muito menos o jeito que ele a tratava. No entanto, a reputação nojenta dele não importava para os conselheiros do seu pai. Clamavam que a união entre Aleudoria e Ruttighan seria gloriosa já que eram dois dos maiores reinos de Wallehmer.
— E onde ele está? – perguntou a princesa.
— Disse que a esperaria na biblioteca – respondeu prontamente.
— Ótimo. Muito obrigada, Elizabeth – sorriu para a amiga. – Pode voltar para o que estava fazendo antes.
— Mas ... – os olhos dela adquiriram um ar preocupado. – Não irei deixá-la sozinha com ele.
— Eu não estava sugerindo que voltasse aos seus afazeres, Eliza, é uma ordem – encarou a dama com severidade. – Por favor, vá. Eu ficarei bem.
Com frustração nítida, Elizabeth murmurou um adeus e seguiu na direção oposta à da biblioteca. subiu as escadarias de mármore até o segundo andar e caminhou pelo corredor vazio, se sentindo ansiosa de várias formas diferentes. Sua cabeça estava cheia pela iminente batalha – todo sangue que seria derramado, as vidas perdidas, bons homens de ambos os lados... – sentiu uma incômoda sensação no peito por pensar em alguém em especial e a presença súbita do seu noivo não ajudou.
Quando chegou em frente as portas da biblioteca, sua mão hesitou na maçaneta. Reunindo sua força de vontade, ela abriu a porta e entrou, tomando o cuidado de deixar a porta aberta. Não demorou para localizar seu noivo na enorme biblioteca. Sentado folgadamente em um dos sofás, Winstead estava folheando sem muito interesse um livro de capa preta.
— – falou, buscando a atenção do príncipe. – O que está fazendo aqui?
O olhar do príncipe encontrou o dela e um sorriso frio tomou conta do rosto dele. Se apressou em deixar o livro largado no sofá e levantou, atravessando o cômodo em direção a sua noiva.
— Com esse tom, chego a achar que você não está feliz em me ver, meu amor – debochou.
— E é porque eu não estou – respondeu friamente, provocando risos no homem.
— , ... Cuidado com essa boca – aproximou-se o suficiente para tocar os lábios dela com a ponta dos dedos. – Eu posso mandar contar sua língua quando nos casarmos se você continuar sendo grosseira.
estapeou a mão dele, a empurrando para longe de seu rosto.
— Eu já falei para não encostar em mim – rosnou, recuando para longe dele.
Dando uma risada seca, ele ergueu as mãos como se estivesse se rendendo.
— Bom, eu vim para comemorar nossa vitória amanhã – respondeu, caminhando calmamente pela biblioteca.
— Nós nem ganhamos ainda!
— Ah, ganharam sim – sua voz era despreocupada. – Acha que ainda seríamos noivos se houvesse chance do seu tio sair vitorioso? Ruttighan nunca está do lado perdedor, querida noiva.
— É ótimo saber onde sua lealdade está, seu pedaço de merda – rosnou, sentindo o corpo ser dominado pelo desprezo que sentia.
parou no meio do caminho e ficou assustadoramente quieto antes de virar com um sorriso quase doentio nos lábios. O coração de martelou no peito quando o príncipe se apressou em sua direção. Antes que conseguisse recuar, ele a empurrou com força contra uma das estantes, fazendo o móvel balançar e derrubar alguns dos livros.
— Minha lealdade, princesa? – fechando as duas mãos ao redor do pescoço da noiva, a prensou contra a estante. – Você questiona minha lealdade quando eu sei que está passando tempo demais com o comandante do exército de Titanos?
Os olhos de , já arregalados, transpareceram toda a surpresa por ele ter aquela informação. Adorando o olhar horrorizado, apertou mais sua garganta. A princesa agarrou seus pulsos, tentando fazê-lo a soltar. Não conseguia falar e respirar estava se tornando difícil também.
— Isso mesmo, eu sei dos seus encontros as escondidas. Tenho olhos em todos os lugares – ele murmurou, o rosto muito próximo do dela. – Eu não vou aceitar uma vadia como esposa, .
Desesperada, com raiva e medo, lembrou-se das lições recentes que havia aprendido e decidiu que era uma hora maravilhosa para usar alguma. Com a visão já nublada, ela foi o mais rápido que pôde ao passar os braços pela brecha que os dele fazia e o pegou de surpresa ao enfiar os polegares nos olhos verdes e cruéis que a encaravam com deletei antes.
Com um grunhido de dor quando apertou com mais força, a soltou e cambaleou desorientado para trás. A princesa ofegou, puxando todo o ar que conseguia e agarrou o primeiro livro que encontrou para golpear a cabeça do noivo, que ainda parecia cego pela dor. Ele soltou outro ganido de dor e caiu no chão, tonto.
— Nunca... – ela falou, ainda sem muito fôlego. – Encoste suas mãos imundas em mim novamente se não quiser tê-las cortadas, . Lembre-se que Ruttighan precisa mais nossa aliança do que Aleudoria.
Dito isso, se apressou para fora da biblioteca e para longe dele. Seu coração ainda estava acelerado, suas mãos tremiam e tentava recuperar o fôlego que havia perdido. Não era a primeira vez que tentava lhe machucar, mas era a primeira vez que ela tinha conseguido se defender. Ainda estava meio desorientada quando cruzou uma esquina e deu de caras com .
O comandante do exército de Titanos a encarou por um segundo até notar que havia algo errado.
— , o que aconteceu? – perguntou, segurando o impulso de segurá-la pelos braços. – Você está pálida.
Ela balançou a cabeça em negação, fazendo as ondas do seu cabelo se agitarem e escorregarem dos ombros para as costas.
— Eu estou bem, só tomei um pequeno susto – inventou, evitando encarar os olhos claros que pareciam ter o poder de olhar através dela.
— Está tremendo demais para alguém que tomou um pequeno susto – murmurou, não comprando na desculpa. – E o seu noivo, onde está?
Algo na reação dela ao ouvir a palavra “noivo” deve ter denunciado o motivo de estar assim. A expressão do guerreiro fechou.
— ... – começou a falar, mas foi interrompido quando ela o empurrou pelos ombros para um estreito corredor que levava até uma das entradas de criados, onde não podiam ser vistos.
Ela, infelizmente, percebeu tardiamente o quão estreito o corredor era e o quão próximos estavam. era uma cabeça mais alto que ela e seu corpo largo e musculoso ocupava espaço demais, fazendo com que o dela parecesse minúsculo contra a parede. Não tinham se falado desde o beijo, dois dias atrás, mas não achava que tinha algo a ser dito já que ela ainda era noiva e ele ainda era apenas .
— não me fez nada, tá? – ela murmurou. – Eu não deixei.
— Mas ele tentou – grunhiu, olhando para o corredor onde estavam. – , você não pode casar com esse homem!
— Bom, não sou eu que decido – o encarou com pesar.
— Seu pai nunca permitiria que você casasse com aquele príncipe se você falasse sobre isso.
sabia que isso era verdade, mas embora quisesse contar tudo, sabia que seu reino precisava da aliança. Era um reino forte sem dúvida, mas havia brechas que podiam ser fechadas com ajuda de Ruttigham.
— Eu preciso pensar no meu reino em primeiro lugar, . Não importa o que eu queira.
fechou os olhos por um momento, parecendo ter que fazer um esforço enorme para não fazer nada.
— É claro, Alteza – ele falou com uma formalidade que não cabia aos dois. – Vou acompanhá-la até onde deseja.
Nenhum dos dois falou nada, apenas seguiram em silêncio pelos corredores enormes e vazios. A movimentação era no andar de baixo onde todos se preparavam para a batalha que teria início na manhã seguinte. Quando pararam em frente ao quarto da princesa, deu-lhe um aceno rápido e se virou para seguir adiante.
— Comandante?
Ele parou e virou para ela.
— Ainda irá me mostrar as armas mais tarde?
— Nos vemos mais tarde, princesa.
No entanto, quando bateram na porta algumas horas depois, não era . Um dos guardas a levou para mostrar o arsenal e os trajes de combate. se esforçou para prestar atenção em tudo e ficou muito satisfeita com a qualidade do material usado em tudo. Esperava que o couro das armaduras fosse o bastante para aquecer os guerreiros na manhã gelada do dia seguinte.
Apesar da distração, fez questão de cumprimentar alguns dos seus soldados e as famílias que estavam abrigadas nos arredores do palácio. De vez em quando se pegava procurando os cabelos loiros de entre os guerreiros que passava, mas não o viu, o que só a deixou apreensiva. Quando o tour acabou, voltou direto para o quarto para se preparar para o jantar.
— Iniciaram uma espécie de festa de despedida – Colleen disse, olhando pela janela. – Tem fogueira e estão cantando muito mal, mas parecem estar se divertindo.
— Como eles conseguem festejar antes de uma batalha? – Elizabeth fez uma careta, penteando mais uma mecha do cabelo da princesa.
— disse que eles preferem se divertir a se deixarem levar pela morbidez do que pode acontecer – olhou para as damas pelo espelho do seu toucador. – E faz sentido. É por isso que o jantar de hoje será um banquete com música e dança.
— disse? – Elizabeth a encarou com malícia. – O Comandante ?
— Vocês parecem ter ficado bem próximos, hein? – Colleen deixou a janela, mais interessada na conversa que acontecia dentro do quarto.
sentiu suas bochechas arderem e encarou as mãos cruzadas em cima do colo.
— Não é desse jeito que estão pensando – esclareceu. – Ele vem me dando aulas de luta há alguns meses.
— Meses? – Evelyn arregalou os olhos. – É por isso os roxos que encontramos em você quando a arrumamos?
A princesa sorriu levemente.
— Alguns – disse. – A maioria é culpa minha, afinal, sou a desastrada de sempre.
— Você não nos contou essas coisas, – Colleen a repreendeu. – Somos suas melhores amigas!
— É mais complicado do que parece – suspirou, voltando a encarar as damas pelo espelho. – Nossas aulas são escondidas. Meu noivo não gosta da ideia de que eu saiba me defender. Diz que me torna menos feminina.
— Ele só tem medo que você acabe quebrando aquele nariz empinado se precisar – Evelyn resmungou. Odiava o noivo da amiga e não era segredo.
As garotas riram.
— E só é complicado por isso? – Colleen insistiu, com certeza esperando uma confissão romântica.
— Não – admitiu. – Tudo ficou mais confuso do que deveria.
— Por que você está apaixonada por um homem que não é o seu noivo? – Elizabeth deduziu.
— Sim – sussurrou, sentindo o peso da confissão no peito. – E porque mesmo que eu não estivesse noiva de , não poderia me casar com .
— Por que ele não é príncipe? – Evelyn pareceu decepcionada. – Bom, tem histórias de príncipes e princesas que não casaram com outros membros reais e ficou tudo bem. Além do mais, é um guerreiro de Titanos. O casamento entre vocês poderia ligar os reinos de alguma forma e...
— Eu nem sei se ele gosta de mim, Evelyn! – fez uma careta, mesmo que soubesse depois do beijo de duas noites atrás. – Eu sei que eu posso casar com outras pessoas, mas não é comum e Aleudoria vem mantendo a tradição há séculos.
— Eu apostaria que ele gosta – Colleen murmurou. – Já vi ele te observar durante o jantar, no baile da Duquesa Potts semana passada, quando a gente se encontra no mesmo corredor, quando estamos no mesmo cômodo... Enfim! E ele é lindo! Os olhos azuis, o cabelo loiro nos ombros, aquele corpo... E a cicatriz na boca. Parece um Deus!
Todas as outras encararam Colleen em silêncio enquanto observavam a amiga suspirar pelo comandante, mas logo que a dama se deu conta do silêncio e calou a boca, as outras três desataram a rir.
— Sim, Colleen, ele é muito bonito – concordou, ainda aos risos. – E bem jovem para já ser comandante do exército.
— E quantos anos ele tem? – Elizabeth perguntou com a curiosidade de sempre.
— Vinte e seis – ela respondeu. – Ele salvou a vida do rei de Titanos em uma batalha alguns anos atrás quando era só um escudeiro. Virou sua mão direita e conquistou o posto.
— , seu pai apoiaria o casamento sem dúvidas! – os olhos de Evelyn pareciam implorar para que ela cogitasse a ideia.
A princesa bufou e levantou da cadeira, virando de frente para suas três damas. Seu coração e cabeça já estavam confusos o suficiente sem elas para ajudar a piorar a situação.
— Parem! – pediu, soando mais como uma ordem. – Eu sei que vocês querem o melhor para mim e agradeço, mas não é simples assim. Eu estou noiva do ! é o chefe de guerra de Titanos que pode muito bem morrer na batalha de amanhã e...
A possibilidade a atingiu de tal modo que o discurso que planejava ficou confuso em sua mente e ela apenas olhou para as amigas parecendo tudo, menos a princesa forte e determinada que era conhecida por ser. O amor fazia isso com as pessoas, ela lembrava de já ter ouvido a mãe falar.
— Vamos nos atrasar para o banquete – disse, por fim. – Vamos terminar de nos aprontar, por favor.
Percebendo a súbita mudança no olhar da princesa, as damas assentiram e voltaram a se aprontar. Elizabeth terminou de arrumar o cabelo de em um penteado simples com uma tiara de trança. Colleen já estava pronta e foi ajudá-la a se vestir enquanto Elizabeth e Evelyn terminavam de se aprontar. Quando ficaram prontas, desceram juntas até o salão.
Como havia dito, músicos no canto tocavam uma melodia alegre e algumas pessoas que pareciam já ter bebido vinho demais, dançavam enquanto outros riam das mesas. A princesa se separou das damas quando foi para a mesa principal junto ao seu pai e o seu noivo, que a olhou com os olhos frios brilhando de raiva. As outras foram se juntar aos outros nas longas mesas de carvalho dispostas na sala de jantar.
— Meu bem! – levantou-se quando se aproximou. – Está deslumbrante essa noite.
Ela sentiu seu corpo enrijecer quando o noivo segurou sua cintura e beijou seu rosto. Não esboçou reação, embora seu primeiro instinto tenha sido recuar. Havia escolhido um vestido de gola alta para esconder as marcas que os dedos dele haviam deixado em seu pescoço.
— Obrigada – agradeceu, se afastando o mais rápido possível para a cadeira do outro lado do pai.
O Rei observou os dois com o cenho franzido. Conhecia muito bem a filha para notar algo errado em seu comportamento.
— Tudo bem, querida? – o pai perguntou quando ela sentou ao seu lado.
abriu o costumeiro sorriso ensaiado e assentiu.
— Muito bem, pai – garantiu. – Só ansiosa.
— Todos estamos – ele retribuiu com um meio sorriso apreensivo. – Mas tente fazer como os outros e beber o bastante para não pensar demais. Só o que resta é esperar pelo melhor amanhã, .
A princesa se limitou a sorrir. O jantar foi servido e as taças de vinho nunca permaneciam vazias, pois os criados estavam sempre prontos para enchê-las. logo se juntou as damas que, algumas taças depois, já estavam bastante alegres. Tinha outros motivos para ficar com elas, além de fugir das garras do noivo. estava a algumas mesas de distância e ela queria se aproximar o bastante para poder iniciar uma conversa e perguntar sobre o porquê de não ter sido ele que foi buscá-la hoje cedo.
— Vamos dançar! – Colleen levantou abruptamente. – Vamos, andem!
— Não! – Evelyn negou efusivamente. – Não tem mais ninguém dançando.
— O que é uma pena – também levantou, sorrindo para Colleen. – Vamos, levantem!
— Mas ... – Elizabeth tentou protestar, mas a princesa já estava puxando-a pelo braço. – Argh, eu me arrependo amargamente ter sido escolhida como sua dama.
— Não seja cruel, Eliza – riu, beliscando de leve a cintura da amiga. – Aproveite enquanto pode assim como esses soldados estão fazendo.
Elizabeth olhou ao redor para alguns dos guerreiros que bebiam e riam como nada os aguardasse ao nascer do sol.
— Como eles conseguem? – atordoada, voltou a encarar as amigas.
— Com vinho e whisky aparentemente – Evelyn encheu a da taça de Elizabeth. – Bebe! Acho que todas nós merecemos mais uma taça.
Nenhuma delas protestou e as taças tão rápido quanto encheram, esvaziaram. Logo e as três damas estavam rodopiando juntas ao som dos instrumentos, alheias a todo o resto. Exceto pela princesa. Seus olhos sempre se voltavam para a uma direção específica no salão onde encontravam com os de , que não parava de observá-la. Algo nas bochechas coradas pelo calor, no sorriso genuíno e nos cabelos dançando junto com ela, o hipnotizava.
— !
O desgosto ficou estampado no rosto dela quando virou e o seu noivo estava de pé na sua frente. Sem pedir, puxou-a pelo braço e juntou seus corpos, começando uma dança desengonçada pela relutância de .
— Você estava passando ridículo, – ele murmurou perto do ouvido dela. – Bêbada com suas damas
— Eu estava tentando me distrair, assim como todos – grunhiu em reposta, pisando no pé dele de propósito. – Não é minha culpa se você é amargurado demais para aproveitar como os outros estão fazendo, até mesmo os guerreiros que lutarão amanhã.
— Camponeses estúpidos – bufou, o olhar fulminante pelo latejar no pé causado pelo pisão.
— Camponeses corajosos, você quis dizer. Eles se ofereceram para lutar pelo reino que amam – ela sorriu debochada. – Diferente de você que não moveu uma palha para ajudar a causa da sua noiva.
Os lábios de se contraíram de irritação e ele espremeu a mão de na sua com força. Ela tentou esconder a careta de dor e afrouxar o aperto, mas ele continuou segurando com força, imobilizando seu braço também.
— Eu sou um príncipe. Não posso arriscar minha vida na batalha.
— Não, você só é covarde – cuspiu as palavras, destilando dor e repulsa.
— ! – Colleen se aproximou correndo e fez uma reverência para . – Com licença, Alteza. O pai de solicita a presença dela.
Ela franziu o cenho, pois o pai havia deixado o jantar alguns minutos antes com o general de seu exército.
— Vou agora! – sem questionar, ela sorriu e saiu puxando a dama.
não teve tempo para protestar e resmungou alguma obscenidade que nenhuma das duas ouviu.
— Quando meu pai falou com você? – perguntou para Colleen.
Ela sorriu astuta.
— Não falou. Ele já saiu há um tempo. O comandante me pediu para falar isso e tirá-la das garras de – o nome dele saiu amargo nos lábios dela. – Todos que estavam prestando atenção conseguiram notar seu desconforto.
O olhar de imediatamente procurou o do comandante, mas ele não estava olhando para ela. Estava saindo do salão.
— Eu preciso ir falar com ele – disse, mas não fez menção de se mexer.
O sorriso de Colleen se alastrou.
— Então vá! Eu a acompanho para despistar – se apressando, puxou consigo.
As duas foram tropeçando na barra dos próprios vestidos até a saída. já estava no meio do corredor quando finalmente alcançaram as portas. Colleen permaneceu dentro do salão, mas foi em frente.
— !
Ao ouvir seu nome, o guerreiro parou por um segundo, depois virou para trás. foi até ele, rapidamente encurtando a distância.
— Alteza – a cumprimentou. – Posso ajudar?
— Você sabe que essa formalidade é completamente desnecessária – resmungou. Sempre desaprovara ser chamada assim por ele.
— Me perdoe, alteza – replicou, um sorriso arteiro ameaçando erguer o canto do seu lábio. – Como posso ajudá-la, ?
Ela revirou os olhos, mas sorriu em seguida.
— Já ajudou – umedeceu os lábios, desviando o olhar para os ombros dele. – Do .
— Ele a machucou? – sua voz soou mais grave, preocupada.
— Não – negou rapidamente. – Mas obrigada.
— Não sinto que necessite de um agradecimento – clareou a garganta, sem graça.
— Por tudo! – ela emendou. – As aulas, sua amizade, sua companhia... Significou muito para mim durante os últimos meses.
voltou a olhar diretamente em seus olhos, o azul claro parecendo mais escuro com as poucas luzes das tochas espalhadas pelo corredor.
— Repito: Não sinto que necessite de um agradecimento, princesa – ele sorriu, embora não parecesse muito feliz. – Irei sentir falta das nossas aulas à meia-noite. Com certeza ninguém tem a sua capacidade de esbarrar e derrubar uma armadura completa duas noites seguidas.
riu, escondendo o rosto com uma mão enquanto balançava a cabeça em descrença, pensando em como havia conseguido aquilo.
— Certamente que não – concordou. – E tenho certeza que ninguém terá a mesma paciência que você teve comigo.
— Foi um prazer – respirou fundo, o sorriso morrendo nos lábios. – Irei guardar as lembranças com carinho.
— Eu também.
Se encararam em silêncio, não sabendo mais o que dizer, embora fosse nítido que ambos gostariam e tinham mais para falar. O peito de parecia prestes a explodir com as palavras não-ditas e parecia atormentado com o que estava guardando.
— Boa noite, – falou, se odiando por encerrar desse jeito.
— Boa noite, – respondeu baixinho.
Ela virou-se para seguir de volta para o jantar, o coração ainda inconformado com sua falta de coragem. virou para seguir seu próprio rumo também, mas não deu três passos antes se xingar e virar de volta, caminhando para ela.
— ! – chamou.
Ela virou imediatamente, os olhos cheios de expectativa enquanto o comandante do exército de Titanos ia apressado em sua direção.
— Não case com ele – ele pediu. – Por favor.
Lhe faltou voz para responder. O pedido ecoava na sua mente como uma melodia de súplica enquanto os olhos dele continuavam cravados nela.
— Você merece mais que ele, – continuou a falar. – Seu pai não permitiria que você casasse com ele se soubesse como ele a trata.
— Eu estou aprendendo a lidar com ele – sussurrou, ainda desconcertada.
— Mas não devia ter! – praticamente rugiu, sentindo a raiva tomar conta de si. – Não deveria ser tratada assim. Eu não ligo se ele é um príncipe de um reino poderoso. Não tem o direito de tratar ninguém assim.
se aproximou ainda mais, parecendo não notar.
— Por favor, não case com ele – implorou. Seus olhos fixos no dela a deixava ainda mais atordoada.
— Por que está tão preocupado? – questionou. Queria ouvir ele admitir o que já sabia. – Por que se importa tanto?
O olhar dele suavizou.
— Porque eu amo alguém que não pode ser minha – admitiu, erguendo a mão para tocar o rosto dela. – Mas quero garantir que ela seja de alguém que a mereça.
Os olhos dela se arregalaram. Sentia uma mistura de sentimentos que iam de felicidade a dor, vontade de rir e chorar. Mas apesar de tudo, havia perdido a voz. Não conseguia dizer que sentia o mesmo, estava em choque. Queria dizer alguma coisa, tinha mil e uma palavras rodopiando sua cabeça, no entanto não conseguia proferir uma única frase.
— Só me prometa que não casará com ele, – ele repetiu.
— Eu prometo – disse, por fim. – Eu prometo.
A boca dele se ergueu em um meio sorriso triste. Seu olhar se demorou no rosto dela como se quisesse gravar cada detalhe. Desde os olhos até as sardas embaixo deles e a textura da sua pele. Os dedos dele se demoraram nos lábios rosados que tanto queria beijar novamente. Engoliu em seco, controlou seus sentimentos e lhe deu um breve beijo na testa.
— Boa noite, .
E então saiu o mais depressa que conseguiu.
O jantar tinha acabado antes das dez, mas havia ido deitar assim que voltou da conversa no corredor e se despediu de todos que precisava. O problema é que não conseguiu pregar os olhos. As palavras que queria ter falado estavam entaladas em sua garganta e o que queria ter feito também. Portanto, assim que soube que os corredores estavam vazios, correu até o quarto do motivo da sua aflição.
Quando bateu na porta, não esperava obter resposta tão rápido, afinal, acreditava que ele estivesse dormindo. O conselho de guerra havia se reunido rapidamente meia-hora após o jantar, mas não se demoraram. No entanto, tão rápido quanto bateu, a porta se abriu. estava no outro lado com um olhar surpreso e para desconcerto de , sem camisa. Seus músculos de anos de treinamento não eram tão visíveis assim nem mesmo nas camisas finas que ele usava quando treinavam a noite.
— ? – questionou, olhando para os dois lados do corredor.
Não estava muito paciente no momento, pois sabia que se não fizesse logo, provavelmente iria desistir. Ela o empurrou para dentro do quarto e entrou em seguida, fechando a porta atrás de si. Alguns poucos candelabros estavam acesos, permitindo que os dois se vissem com clareza.
— Eu preciso falar e você só precisa ouvir – ela disse. – Não fale até que eu termine.
Ele concordou silenciosamente.
— Eu passei a minha vida inteira sendo cautelosa, na defensiva. Eu estou noiva do Steven desde os cinco anos de idade e sabia que esse era o meu destino, então me apaixonar por outro alguém seria minha ruína. E aí eu te conheci... – suas mãos tremiam assim como sua voz enquanto falava. – Eu não queria. Eu tentei ignorar, fingir, mentir... Mas nós temos uma conexão poderosa demais para conseguir dizer que não existe. É impossível resistir a isso a você.
Tomou uma pausa para recuperar o fôlego, mas não poderia falar nem se quisesse. Estava tão chocado quanto ela havia ficado no corredor.
— Eu nunca estive tão apaixonada, – murmurou. – Eu nunca senti nada até agora.
Se aproximou dele sem hesitação, sem receios, sem medo. Colocou suas mãos em cima das dele, mas foi subindo, a pele quente dele sobre seus dedos até parar nos ombros.
— Isso é real – ergueu os olhos para ele, os rostos a poucos centímetros de distância. – É a coisa mais certa que eu já senti.
E então o beijou. O corpo dele ficou tenso, duro como uma pedra enquanto ela se acomodava contra ele, mas a relutância não durou muito. Quando as mãos de subiram para sua nuca, se embrenharam em seu cabelo, ele cedeu. A puxou com força contra si, enlaçando sua cintura com um braço. Sua boca correspondeu com perfeição a avidez da dela, os lábios se encaixando como se fossem feitos um para o outro.
— Ah, – murmurou contra os lábios dela. – Como eu fui tolo em ter tentando negar o amor pela luxúria. Isso não tem nada igual.
E voltou a beijá-la. As mãos dela exploravam o tronco desnudo do comandante, conhecendo cada cicatriz de batalha, cada músculo bem definido, cada lugar onde arrepiava sob seu toque. A boca dele havia abandonado a dela e focado na pele exposta do pescoço. Seus lábios acariciaram as marcas roxas que havia deixado e sentiu seu corpo acender com um desejo desconhecido.
Quando notou, a parte de trás de seus joelhos encostaram na cama e hesitou.
— Eu não posso fazer isso com você, – dizer isso levou toda sua força, mas a ideia de desonrá-la falou mais alto.
— Eu quero! – ofegou, apertando os dedos nos braços dele.
Ele balançou a cabeça e recuou, procurando se afastar para por os pensamentos em ordem.
— Isso é errado – repuxou os cabelos bagunçados para trás. – Mesmo que não case com , não pode casar comigo.
— Não existe regras que dizem que não podemos ficar juntos – ela tratou de explicar. – Esperam que eu case com porque é uma tradição que vem sendo mantida há séculos. Meu pai casou com minha mãe, uma princesa. Minha avó casou com um príncipe e assim mil outros antes, mas eu não preciso.
— Não é comum – virou de costas para ela, caminhando pelo quarto para se ocupar. – Casar com o comandante de um reino vizinho?
Ela soltou uma risada.
— Não tem nada comum entre nós dois, – disse, indo atrás dele. – Nada é suficiente para ninguém aqui, mas você é suficiente para mim. Nós vamos dar um jeito. Aleudoria e Titanos são reinos aliados. O rei e a rainha não tem filhos em idade suficiente para casar e talvez o nosso casamento seja considerado vantajoso para os reinos já que você é o chefe de guerra deles!
o abraçou por trás, encostando a testa nas costas dele. Seus lábios roçaram a pele de e o corpo dele arrepiou. Ele lutou mais ainda contra a vontade de virá-la em seus braços.
— Eu sou sua – murmurou contra suas costas. – Eu preciso de você contra mim. Quero tirar o seu fôlego, quero que você me aqueça.
Era visível o quanto ele estava lutando com sua própria moral, o desejo e o amor absurdo que sentia por ela.
— Não sabemos o que o seu pai vai dizer sobre isso, o que seus conselheiros irão falar e... – ele podia continuar dando mil e uma desculpas, mas a conhecia o bastante para saber que ela arranjaria uma solução para cada. – Eu só estou assustado, .
Segurando as mãos dela que estavam ao seu redor, se soltou lentamente e virou de frente para ela. Os dedos calejados dele deslizaram pela pele macia do rosto dela até o pescoço. Ele enganchou a mão nos fios do cabelo dela, segurando delicadamente sua cabeça.
— Eu nunca tive ninguém para amar. Eu nunca precisei me preocupar com nada além de mim e parecia fácil porque se eu não tenho ninguém, não tenho nada a perder. Mas agora que você me ama... – suspirou. Dizer aquilo parecia mais difícil do que qualquer luta que já lutou. – Eu quero te proteger, fazer o melhor por você.
se inclinou na ponta dos pés, encostando a testa na dele.
— Você é o melhor para mim – sorriu, encostando a boca na dele.
Ela puxou os laços de cetim que amarravam sua camisola e soltou, fazendo o tecido escorregar pelos seus ombros com facilidade.
— Eu sou sua, Fraser. Me faça sua.
— Você será minha ruína, princesa – rosnou, desistindo de qualquer autocontrole que ainda tinha.
Não precisou de mais incentivo algum. O corpo de pressionou contra o dela e suas mãos terminaram de tirar o tecido de seda que caiu suavemente aos pés de . Ele a segurou pelas coxas, a erguendo no colo enquanto se esforçavam para não quebrar o beijo enquanto a levava até a cama. Ele a deitou cuidadosamente no colchão, parando para admirá-la antes de terminar de tirar as próprias roupas e cair contra ela novamente.
abriu as pernas para acomodá-lo entre seu corpo e as mãos dele se demoraram em cada centímetro de pele. Ele explorava o corpo da princesa como um aventureiro explorava uma terra nova. Ela se contorcia sob seus dedos, arquejava com cada beijo, suspirava com cada palavra murmurada entre as carícias. Nenhum dos dois estava pensando no que enfrentariam pela manhã, só no quanto precisavam um do outro no momento.
E quando ele se perdeu dentro dela depois de tantas torturas que a deixaram tonta de prazer, nunca se sentiu mais em casa.
não pregou os olhos a noite inteira.
Quando caíram lado a lado, ela em seus braços, ele não conseguiu dormir. Tinha medo de que fosse um sonho. Mal acreditava em tudo que tinha acontecido nas últimas vinte e quatro horas e não estava pensando muito no que aconteceria quando o sol nascesse. Cedo demais teve que acordar já que se a vissem ali, estaria formado o escândalo que os dois queriam evitar.
A acompanhou até seu quarto e se despediu com um beijo. Nunca havia se sentido tão feliz e assustado em sua vida. Não lembrava dos pais, havia os perdido quando ainda era criança. Sempre foi isolado, evitando se envolver. Até . Se apaixonar pela herdeira do trono de Aleudoria não havia sido nada inteligente, mas estava perdido agora.
Após voltar para o quarto, vestiu a armadura e foi se juntar ao seu exército. A apreensão era notável e o Rei não parecia ter dormido muito. sentiu falta da presença de ao lado do pai. Sabia que ela era a força dele assim como seria a sua na batalha de hoje.
— A cavalaria está pronta – o general de Aleudoria entrou na sala.
— Os nossos homens estão reunidos, todos sabem suas posições. Vamos seguir para o campo.
A apreensão não deixou ficar quieta. Não havia conseguido dormir depois que a deixou em seu quarto, apesar de sentir o cansaço tomar conta de si. O nervosismo falava mais alto. Horas haviam se passado. Ela já havia perambulado o castelo inteiro na tentativa de se manter sã enquanto esperava, mas parecia impossível. A ideia de perder quando finalmente poderiam ter uma chance, a apavorava. Perdida em pensamentos, só notou onde estava quando se viu no final do corredor que dava para as portas duplas da sacada.
De um lado do corredor as imponentes portas do salão de baile estavam fechadas, mas ela não pretendia entrar. Seguiu para a sacada e quando a brisa gélida do meio-dia beijou seu rosto, ela fechou os olhos, sendo transportada para uma memória de semanas atrás nesse mesmo lugar.
— Fugindo da própria festa, princesa?
tossiu, virando-se rapidamente para frente e se pondo na frente do balcão da varanda. estava de pé na porta da sacada a encarando com um sorriso arteiro nos lábios.
— Eu pensei que tinha sido discreta ao sair – crispou os lábios, uma falsa expressão de culpa tomando conta de seu rosto.
— Não sei o quão discreta dá para ser em um vestido vermelho quando todo o resto está usando cores pálidas – apontou. – Mas eu a vi por causa do bolo. Estava indo atrás dele na hora que foi roubado.
riu, cobrindo a boca com as mãos.
— Ai meu Deus! – ofegou. – Ninguém estava me deixando comer o bolo. Fui levada a cometer atos extremos para conseguir um pedaço.
O comandante riu e ela percebeu que adorava o som. Era raro ouvir ele rir. Havia conseguido arrancar uma risada uma vez ou outra em suas trapalhadas durante as aulas que começaram há dois meses.
— Completamente compreensível – ele disse, se aproximando a passos lentos. – Mas agora você terá que comprar o meu silêncio para não revelar o seu paradeiro.
Ela arqueou as sobrancelhas, abrindo a boca com indignação.
— Que abusado! Posso mandar prendê-lo pela chantagem – retrucou, se esforçando para segurar o sorriso.
— Isso a afastaria do seu bolo – apontou para o que sabia que ela estava escondendo atrás da saia bufante do vestido. – Tem certeza que é o que deseja?
— Você é espertinho demais para o seu próprio bem, comandante – resmungou, se permitindo sorrir. – E quanto vale o seu silêncio?
Parou, fingindo pensar no assunto.
— Acho que nesse caso, dividir o bolo comigo é suficiente – propôs. – É a melhor oferta que conseguirá.
— O mais difícil dos pedidos – suspirou derrotada. – Não tinha nada melhor para pedir?
Um brilho de malícia passou pelo olhar dele e ficou em dúvida se tinha imaginado.
— Eu consigo pensar em mil coisas para pedir – admitiu. – Essa foi a oferta mais decente.
deixou o queixo cair, extremamente surpresa que ele tinha mesmo dito isso. raramente era menos que formal. A taça de vinho na mão dele provavelmente era o motivo para o tom brincalhão que adotara.
— Agora eu fiquei intrigada – retrucou. – Que tipos de indecência estavam entre suas possíveis ofertas?
Ele sorriu novamente.
— Primeiro meu bolo, então eu penso se conto.
Com um suspiro pesaroso, se afastou para o lado, revelando o bolo de chocolate com cerejas no topo que estava quase na metade.
— Eu te dou o garfo e você me diz uma das ofertas – ela sugeriu, estendendo o talher.
se aproximou, parando do outro lado do bolo.
— Bom, princesa... – pegou o talher. – Uma das ofertas seria um beijo em troca do meu silêncio, mas compreendo a indecência da sugestão.
E novamente, foi pega de surpresa. No entanto, tinha uma língua afiada demais para não responder a altura.
— Eu achei uma oferta razoável, comandante – umedeceu os lábios. – Mais razoável do que pedir meu bolo. É uma pena que tenha optado por sugerir a oferta errada.
E foi a vez dele de ficar surpreso.
Quando abriu os olhos, ela sorria. Aquele havia sido o momento em que se apaixonara por ele, embora não soubesse ainda. Não houve beijo, os dois só se provocaram entre brincadeiras por alguns minutos antes que uma das damas de apareceu lhe chamando. Mas aquela noite foi a centelha que começou o incêndio.
— Princesa !
Girou rapidamente ao som de seu nome e encontrou uma criada ofegante no corredor.
— Eles estão voltando, Alteza – o sorriso se alastrou pelo rosto dela. – Nós vencemos!
segurou as saias do vestido, erguendo-as mais do que o decoro permitia e correu. Passava como um borrão pelos corredores e os poucos criados que circulavam indo na mesma direção que ela, precisavam se desvencilhar rápido. Ofegava, sentia os pulmões implorando por ar, mas nada a faria parar antes de chegar lá embaixo. O amontoado de gente a fez parar de correr quando finalmente se encontrou no pátio do castelo, mas todos abriram caminho para ela se juntar ao pai.
Os três cavalariços chegaram com a bandeira vermelha e cinza arqueada. As rosas de caules espinhosos símbolo dos Blackthorn pareciam ameaçadoras no balanço do vento. Os feridos vinham carregados de todas as formas. Cavalos, carroças, no colo... Eram centenas. O estômago de embrulhou, seus olhos atentos continuaram procurando uma única pessoa em meio ao caos de feridos que iam sendo carregados para a ala médica que já estava esperando por eles.
— Notícias do comandante do exército de Titanos? – ela perguntou para o pai, não se aguentando.
— Não – seu pai respondeu sombriamente. – Nem do nosso.
Não se aguentando, entrou na contramão e foi a procura de quem tanto desejava ver. Seu coração estava apertado e o peso só sairia quando se certificasse que ele estava vivo. A cada rosto que ela encarava e não era , o pavor aumentava. Não, ela se negava a acreditar que tinha o perdido antes mesmo de terem algo.
— !
Seu coração gelou ao ouvir a voz sobressair o barulho das conversas e gritos em volta e seu olhar alerta procurou até encontrar de onde tinha vindo. Do outro lado, coberto de sangue e cortes, sorria para ela. correu até ele, se desviando com destreza das pessoas no caminho e se jogou em cima dele, o abraçando com força. O guerreiro gemeu de dor, mas não a afastou, apenas a abraçou da melhor forma que conseguiu.
— Ai meu Deus! Você está bem? – a princesa se afastou, olhando para todo o corpo dele analisando os ferimentos. – O seu braço!
Ele olhou com desgosto para o braço esquerdo que ele mantinha firme grudado ao corpo.
— Ombro deslocado – grunhiu. – Alguns cortes feios, mas nada grave o suficiente.
— Você precisa de um médico – ela disse, não gostando nada da profundidade que notou em alguns cortes.
— Eu preciso reportar ao seu pai – ele disse imediatamente. – Eu estou bem.
não discutiu, mas o acompanhou com desgosto, notando que ele mancava. Quando voltaram a encontrar o Rei, ele os encarou com interesse e surpresa. O comandante do exército de Aleudoria, Howard, já estava ali. Não parecia muito melhor que . Seu braço estava enfaixado com trapos ensanguentados, sua cabeça também e ele parecia sentir dor a cada passo que deram até a sala que o conselho usava para se reunir.
Na sala, os guerreiros começaram a relatar tudo o que aconteceu. O exército Dahmer estava realmente pouco organizado como havia sido previsto. Houve muitas perdas de ambos os lados, mas quando viram que estavam em desvantagem, o outro lado recuou. O Traidor, tio de , havia sido capturado e estava em uma em sela para ser julgado e condenado por traição. sorria alegremente em um dos cantos da mesa.
— Vocês precisam ir para a ala médica – o Rei instruiu. – Falaremos melhor depois.
Howard não hesitou e acompanhado de alguns dos homens do conselho, saiu da sala.
— Eu posso te acompanhar – falou para .
Ele sorriu.
— Por mais que sua presença seja sempre bem-vinda, não acho que seu noivo reagirá bem a isso – respondeu, sem virar para olhá-la. – Ele viu o nosso abraço.
Ela gelou.
Havia esquecido completamente que ainda estava noiva de e que mesmo que ele não estivesse lá, as pessoas iriam falar. Olhou na direção do noivo e os olhos gélidos dele já estavam voltados para ela.
— Eu vou falar com ele – ela falou. – Eu passo na ala médica depois.
— Não vá sozinha – grunhiu.
— Você me ensinou a me cuidar sozinha – se limitou a dizer isso, já levantando da cadeira. – , me acompanha?
Ele afastou a cadeira em um movimento brusco e sem responder, cruzou o cômodo até estar ao lado da noiva. Agarrou seu braço sem muita gentileza e a guiou para fora da sala. Olhando por cima do ombro, notou a agitação de , que também havia levantado.
— , ... Você gosta de brincar com fogo, não é? – soltou uma risada seca. – Não te ensinaram que você pode se queimar?
Ela soltou um ganido doloroso quando a empurrou em um corredor vazio e chocou seu corpo contra a parede. Ele parecia ameaçador projetando sua sombra sobre a dela, mas se forçou a não abaixar seu queixo.
— Eu estou acabando com o nosso noivado – falou com uma firmeza impressionante.
vacilou por um momento por pura descrença, mas o momento foi rápido. Quando se recuperou do choque, agarrou as mãos dela com força, pressionando contra a parede de mármore onde estava sendo esmagada.
— Não, não está – rosnou, abaixando o rosto na altura do dela. – Eu te mato.
O coração dela martelava com força em um misto de audácia e medo. Sabia que ele não podia fazer nada com ela ali, pois seria morto por isso, mas não era a pessoa mais sã que conhecia, portanto não chegava a duvidar do que ele era capaz.
— Ruttighan precisa mais de nós, do que nós de vocês – continuou a falar calmamente, controlando a voz trêmula. – Se você não colaborar, não daremos ao menos migalhas.
O ódio que refletiu na íris dele, a fez prender a respiração.
— Não é você que decide isso – apertou os pulsos dela com mais força. – Nunca vão concordar.
— Eu decido, sim – os olhos dela faiscaram de raiva. – Vou ser rainha de Aleudoria, mas você não vai ser meu rei. Pode me ameaçar, , mas nós dois sabemos que se você me machucar, será morto.
O maxilar dele trincou.
— Minhas damas sabem das suas agressões – ela continuou. – O também. Você pode mentir para todo mundo, mas eles vão saber. Acha mesmo que você vai sair impune? Porque não vai. Então é melhor você se por no seu lugar enquanto pode se não quiser ter a cabeça cortada pelo assassinato da princesa de Aleudoria.
Por um momento acreditou que ele não ia ceder, mas o aperto dele afrouxou e apesar do ódio no olhar, recuou.
— Você nunca mais vai chegar perto de mim ou eu mesma irei mata-lo – ela falou numa calma que não sentia.
Acelerou o passo para longe dali e seu coração deu saltos no peito enquanto ela corria pelo corredor de volta para a sala do pai. Não fazia ideia do que iria fazer sem a aliança com Ruttighan, mas se sentia livre de um peso enorme pelo rompimento do noivado que lhe atormentava há anos.
Quando chegou na sala do pai, os conselheiros ainda estavam reunidos e junto. Ela aproveitou para informar a situação e lidar com os protestos. O Rei ficou enfurecido quando soube da situação e apesar da ira dos seus conselheiros com o rompimento do acordo, ele ordenou que a comitiva de Ruttigan partisse imediatamente. Após muita conversa, todos foram despachados, menos .
estava irritada que ele ainda estivesse do mesmo estado de quando chegou da batalha, mas ele parecia não se importar nenhum pouco, embora gemesse sempre que mexesse demais o ombro ferido.
— O que ainda está fazendo aqui, ? – o Rei questionou quando o último homem do conselho saiu.
— Tenho uma questão para ser resolvida, Majestade – mancou para mais perto do rei.
— Vá em frente, diga.
olhou para , que parecia não entender o que estava acontecendo, então olhou para o rei.
— Eu gostaria de pedir a sua filha em casamento, Majestade – falou, reunindo toda a coragem possível na voz.
Os olhos de se arregalaram e o seu pai teve quase a mesma reação, olhando de um para o outro como se tentasse entender como aquilo havia acontecido.
— Eu entendo que o costume é outro e que deveria casar com alguém de linhagem nobre que viesse a governar o próprio reino algum dia, Majestade, mas eu a amo e gostaria que me ouvisse e considerasse as vantagens que nossa união poderia trazer para o seu reino.
Ainda em choque, o rei apontou para a mesa, indicando que sentasse.
— Estou ouvindo, meu jovem.
Quando alguém bateu na porta tarde da noite, não se surpreendeu ao ver entrar logo em seguida. Ela vinha com uma bandeja e trazia nos lábios um sorriso malicioso.
— Você continuar se esgueirando para o meu quarto não vai fazer bem a sua reputação, alteza – ele zombou. – Pense no que seu noivo poderia pensar!
Ela soltou uma risada gostosa.
— Ele está incapacitado de sair da cama, não vai ficar sabendo – brincou, deixando a bandeja na beira da cama. – Tenho guardas e criados bastante discretos.
— Não se envergonha em fazer isso com o pobre inválido? – o olhar ultrajado dele não durou muito tempo.
— Não consigo resistir, infelizmente – se ajoelhou na cama e se arrastou para perto dele. – Olá.
sorriu e se inclinou para beijá-la. segurou suavemente o rosto dele entre as mãos, tomando cuidado para não esbarrar no braço que estava suspenso em uma tipoia. O pé dele também estava apoiado em uns quatro travesseiros e o peito enrolado em uma atadura. Ele havia passado a tarde e à noite na ala hospitalar, tendo sido liberado apenas uma hora atrás.
— Está se sentindo melhor? – ela perguntou.
— Depois que o efeito do láudano veio, fiquei ótimo e agora eu estou tolerando – confessou. – O pior foi apenas colocar o ombro no lugar.
— Eu estive ocupada até quase agora – suspirou, se arrumando melhor na cama. – Mas peguei uma coisa na cozinha para você.
Ele olhou com expectativa para a bandeja e a arrastou para perto deles, mostrando o bolo de chocolate com cereja no topo.
— Todinho para mim? – arqueou uma sobrancelha.
Ela crispou os lábios.
— Nós dois, na verdade – esclareceu, puxando a bandeja para o colo. – Eu nunca deixaria você comer o meu bolo favorito sozinho.
— Você é uma péssima noiva – fez uma careta dramática. – Eu sou um moribundo aqui e você me usou como desculpa para roubar o bolo para o seu próprio prazer.
sorriu, fingindo uma expressão angelical que não lhe cabia no momento.
— Eu estou disposta a dividir! – argumentou, pegou o garfo e enfiou direto no bolo, comendo logo em seguida. – Não conta?
Ele olhou em descrença ela saborear a primeira garfada.
— Uma boa noiva com certeza teria me dado esse primeiro pedaço – ele apontou com o queixo.
Ela riu e passou o dedo na cobertura do bolo, enchendo de chantilly apenas para esfregar na boca de .
— E um bom noivo normalmente reclamaria bem menos e ficaria imensamente feliz por ter sobrevivido a uma batalha, ter conseguido a benção do rei para casar com a filha dele e ainda de ganhar um bolo delicioso para dividir com a belíssima noiva. Olha que tudo isso foi em uma dia só! – sorriu, dando um beijo nele só para roubar a cobertura que havia passado.
— Eu estou imensamente feliz – garantiu.
E beijou-a outra vez.
Naquele momento o mundo poderia acabar, mas nada seria o suficiente para separar os dois ali. Com o coração cheio de uma felicidade absurda, não lembrava de já ter sentido algo tão poderoso. mal podia se aguentar com o amor que sentia por ele e que tinha escondido de si mesma até um dia atrás. Ela não tinha se deixado abalar nem pelas críticas dos conselheiros contra o casal.
Não havia nada comum no que sentiam um pelo outro, mas era o que tornava tudo ainda mais único e mais deles.
Fim!
Nota da autora: Oláaa! Eu AMO essa musica. De todo álbum, essa me ganhou de uma forma absurda e eu realmente não pensei que alguma iria conseguir ultrapassar o amor que eu sentia por entertainer. Admito que fiquei insegura quanto a escrever o ficstape e com essa história ainda por cima, mas espero que tenham gostado. Beijos!
PS: Vale ressaltar que eu abomino qualquer tipo de violência e odeio personagens como o noivo da PP, mas criar um assim foi necessário para o enredo.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
PS: Vale ressaltar que eu abomino qualquer tipo de violência e odeio personagens como o noivo da PP, mas criar um assim foi necessário para o enredo.