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Última atualização: 20/06/2018

Capítulo Único

O relógio na parede a minha frente marcava pouco mais de onze horas da noite e o único ruído de dentro daquele quarto era o tique-taque causado pelos ponteiros, mas eu sentia como se o tempo tivesse parado e não houvesse nada que eu pudesse fazer para que voltasse ao normal.
Muito embora estivéssemos em uma quente noite de maio, o clima de dentro do cômodo era quase polar, obrigando-me a ficar deitada embaixo da coberta sem coragem sequer de me levantar para pegar um remédio para a minha cabeça que explodia de dor.
Eu havia tido um dia péssimo, seguido de um início de noite péssimo, o que eu sabia que seria só o começo de um longo período péssimo da minha vida. Eu estava devastada, mas já tinha chorado tanto num intervalo de menos de dez horas, que acreditava verdadeiramente não existir mais nenhuma gota de água em meu corpo.
Suspirei e me virei na cama de costas para a porta do quarto, encontrando ali a razão da minha tristeza. E da minha felicidade.
permanecia acordado olhando o teto, mas sua atenção parecia estar concentrada em qualquer outra coisa, já que ele nem ao mesmo percebeu que eu estava encarando-o de forma bastante invasiva, sinal claro da nossa falta de sintonia. Internamente eu sentia como se estivéssemos a milhas e milhas de distância, ainda que, fisicamente, o menino estivesse a menos de um palmo do alcance de minhas mãos.
Quase que contra a minha vontade, meu corpo começou a tremer incontrolavelmente, como se temesse algum perigo iminente, mas eu sabia ser só a reação antecipada de vê-lo saindo dali sem previsão de volta nenhuma.
Revi o nosso relacionamento em minha cabeça tentando achar algum tipo de falha da minha parte que pudesse justificar os atos dele. Será que eu disse algo que o tinha deixado chateado, ou quem sabe tenha feito alguma coisa ruim? Será que as minhas palavras não soaram certas em algum momento e ele as interpretou de uma forma diferente do que eu havia pensado? Ou será que ele só decidiu desistir de mim mesmo?
Eu precisava entender. Precisava saber o porquê de ele ter convidado uma garota qualquer para uma “festa íntima”, o porquê de ele ter quebrado o meu coração e ter sido tão cuidadoso em esconder isso de mim, mas ter esquecido a porta de casa aberta, e, principalmente, o porquê de ele não ter terminado as coisas antes que pudesse me machucar dessa forma.
Como se lesse meus pensamentos, virou de lado na cama e fixou o seu olhar diretamente no meu. Aquelas íris castanhas tão profundas, que em circunstâncias normais eram a minha salvação para as loucuras do dia a dia, não me enganariam. Não, eu não havia feito nada de errado, nada que pelo menos justificasse uma traição de sua parte, e ele sabia.
Eu podia ver arrependimento em seu semblante, mas eu não sabia se conseguiria perdoá-lo em algum momento próximo. Eu havia tentado de todas as formas não machucá-lo, havia usado as minhas forças para não trazer negatividade para o relacionamento e tinha mudado o que conseguia em mim mesma para me adequar às suas expectativas, mas, ao me trair, ele tinha me mostrado que isso não tinha, para ele, o valor que eu achei que poderia ter.
Engoli em seco esperando que ele implorasse para ficar, gritasse o quanto me amava ou até mesmo chorasse por um coração quebrado, mas ele se limitou a entortar o lábio e falar baixinho.


- Eu sinto muito mesmo, . Não sei por que fiz isso.

Acenei afirmativamente com a cabeça, sem saber muito que responder. Eu também sentia muito de deixá-lo ir, mas sentia mais de ter entregado o meu coração de bandeja para alguém que não soube cuidar.

- Fez porque você amou mais a si mesmo do que a mim.

desviou o olhar e mordeu os lábios, como se atestasse a minha fala. Levantei-me da cama e caminhei em direção ao banheiro, deixando-o sozinho. Antes que eu pudesse me trancar dentro do cômodo para não o assistir partir, pude ouvir sua voz atrás de mim.

- Mas eu te amei, quero que saiba disso. Só não sabia como poderíamos dar um fim nisso tudo sem nos machucarmos.

Parei de andar por um segundo e cogitei respondê-lo, mas deixei pra lá. Era o curso da vida, era como diziam os grandes ditados: toda boa noite termina com uma manhã suave, toda rosa tem um espinho que deixe a sua delicadeza menor, todo cowboy precisa de uma música de coração partido para expressar suas emoções e, bom, toda boa história de amor tem um final, seja ele bom ou ruim, e o nosso parecia ter chegado, ainda que de uma forma dolorosa.



As semanas de verão se arrastavam e eu rezava para estar curada do meu término recente quando voltasse para a universidade, em Setembro. e eu fazíamos apenas poucas aulas juntos geralmente, ainda que estivéssemos no mesmo curso, o que era um ponto positivo dentro de uma série de infortúnios. Eu queria poder aproveitar o meu último ano como merecia e não sofrendo por alguém que tinha me deixado para trás.
Infelizmente nós compartilhávamos o mesmo grupo de amigos, o que me levou a me afastar das saídas e festas que costumávamos frequentar com religiosidade antes. Eu sentia falta de sempre ter o que fazer, sempre ter com quem contar, mas precisava também de um tempo para curar o meu coração e reaprender a ser independente, livre, eu mesma.
Infelizmente, também, a minha família e a família de eram amigas desde sempre, quase como se fôssemos parte da família um do outro, o que fez com que nosso término fosse sentido por muito mais do que só eu e ele. Mamãe ficou chateada porque gostava de nós dois como um casal, mas entendeu o meu lado da história quando contei a ela. Meu pai e o pai de preferiram não saber de nada e apenas disseram a mim que, se dependesse deles, nada mudaria entre todos nós. A mãe do garoto, por outro lado, veio conversar comigo para saber como eu estava e, sem querer, deixou escapar que ele tinha voltado a curtir a vida como antes. Isso tinha me machucado um pouco mais do que deveria, mas honestamente não havia nada que eu pudesse fazer quanto a essa situação a não ser deixá-lo ir e esquecer o que eu pudesse.
Mas não seria tão fácil.
Eu estava naquele momento indo, com meus pais, em direção à casa do garoto para mais um almoço de domingo com a sua família, tal como era tradição entre todos nós. Nos primeiros almoços eu tinha conseguido o aval da minha mãe para ficar em casa e evitar qualquer tipo de clima ruim entre nós dois por lá, mas hoje essa desculpa simplesmente não funcionou porque o garoto estava, aparentemente, na casa de um amigo e não voltaria até o dia seguinte. Sua mãe sentia a minha falta, então eu não pude argumentar muito para tentar escapar mais uma vez.
O caminho até a casa dele era bem arborizado e bonito, assim como eu gostava de lembrar de como foi a amizade que compartilhamos por tantos anos antes de nos envolvermos, mas, quando desviei a atenção para o que ocorria dentro do veículo, lembrei-me também do nosso relacionamento amoroso e o quão diferente da amizade ele havia sido. A estação do rádio tocava a nossa música favorita, Ever the Same do Rob Thomas, o que me remetia a tantas memórias boas e sensações especiais, deixando-me melancólica. A leveza do companheirismo que compartilhávamos enquanto amigos tinha ido embora, trazendo uma série de cobranças complicadas, de palavras doloridas, mas também, de muita paixão, pelo menos da minha parte.
Esperei a música acabar para que o nó formado em minha garganta pudesse ir embora também, mas o exato oposto acabou acontecendo quando o DJ decidiu fazer um discurso emocionado sobre o amor e aqueles que o sentiam. Eu estava tentando ao máximo ignorar as suas palavras e não levar para o lado pessoal, mas no momento em que ele disse que o amor era um jogo que vinha fácil e ia fácil, senti o meu coração afundar.
e eu sempre tínhamos cultivado uma proximidade confortável para que estivéssemos à vontade um com o outro não importasse a circunstância, o que fez com que começássemos o namoro logo que percebemos estar apaixonados um pelo outro. Mas, tão rápido como veio, o relacionamento foi embora também. Em um dia estávamos felizes e no outro eu entrava em sua casa para fazer uma surpresa enquanto os seus pais estavam fora e o encontrava desacordado com uma garota ao seu lado, com o susto apenas deixei um bilhete e ele foi me encontrar em casa mais tarde naquele dia, quando terminamos em menos de 10 minutos. Doía saber que foram só esses preciosos minutos os necessários para que ele quisesse deixar pra trás o que uma vez tivemos.
Mas, ao mesmo tempo, a naturalidade do DJ em falar sobre o assunto, me fez refletir também sobre a frequência com a qual aquilo acontecia. Será que o homem do rádio sabia como era ser deixado para trás, ser trocado? Será que ele já tinha se sentido tão mal como eu naquele momento e nas semanas que antecederam? Será que todo namoro terminava assim, num piscar de olhos e com tanto ressentimento, deixando as pessoas envolvidas fadadas ao sofrimento extremo?
Suspirei audivelmente por estar perdida em meus pensamentos e vi minha mãe virar o rosto para trás e sorrir, como se me passasse algum tipo de conforto naquele momento difícil. Sorri de volta para que ela soubesse que eu estava bem, embora por dentro estivesse chateada, e voltei minha atenção para o caminho até a casa de .
Quando chegamos ao local fomos muito bem recebidos pelos pais do garoto e sua mãe fez questão de me dar um enorme abraço cheio de saudades, sorri fraco e entrei na residência, deixando os dois casais para trás e voltando ao lugar que foi origem do meu pesadelo. Estava tudo silencioso como era esperado, mas eu me sentia sufocada, como se dezenas de indivíduos me observassem com atenção.
Caminhei lentamente até o quarto que pertencia ao menino, ainda que não tivesse tido autorização expressa para isso, e abri a porta, encontrando tudo exatamente como da última ocasião, menos a cama, dessa vez vazia. Passei as mãos em sua escrivaninha, olhando os papéis que repousavam ali, peguei as fotos que estavam espalhas pela mesa de cabeceira para apreciar, e nessa exploração do ambiente, pude ver que duas fotos nossas continuavam penduradas no mural acima de sua cama. Engoli em seco e virei às costas, com uma necessidade urgente de sair dali o mais depressa possível.
Já no corredor respirei o mais fundo que consegui, afastando as lembranças dolorosas de perto de mim. Estar tão perto das suas coisas pessoais, mas, tão longe no que diz respeito ao envolvimento amoroso, era paralisante. Por mais triste que pudesse parecer, tudo o que eu queria era que ele estivesse ali ao meu lado naquele momento, trazer certo conforto ao meu íntimo, para que eu visse seu semblante uma vez mais, mesmo que apenas como grandes amigos que uma vez fomos.
Voltei a pensar sobre o que havia escutado no rádio enquanto caminhava para a mesa ao encontro dos meus pais e ex-sogros.
Talvez se estivéssemos sido transparentes desde o início, e até um pouco mais maduros, poderíamos ter entendido juntos que relacionamentos têm seus pontos altos e baixos e que não precisam necessariamente durar para sempre, mas que ambas as partes devem ser sinceras para que uma não acabe extremamente machucada, para que o fim não seja doloroso demais. Quiçá, se isto estivesse claro e optasse por terminar o que tivemos de uma maneira natural e não dolorosa, nós poderíamos ser amigos até hoje, continuando com nossos almoços em família e a amizade cúmplice do dia-a-dia.
No entanto, como a verdade era que o oposto ao que tinha acontecido, sentei em meu lugar na mesa sozinha, esperando a conversa entre os nossos pais começar para que eu pudesse, novamente, pensar em outra coisa como forma de me sentir um pouco menos deslocada.



Já estávamos em Agosto, no auge do verão e da vida noturna de Austin. Eu estava um pouco melhor do término do meu namoro, mas continuava em recuperação, principalmente por ter perdido o meu melhor amigo junto com essa situação toda. Tinha, inclusive, voltado a sair, a beber e, eventualmente, a perder a linha. Tinha começado novas amizades, revivido amizades antigas e aprendido a apreciar a minha própria companhia.
e eu não nos falávamos desde o fatídico dia do término e, embora eu tenha discado o seu telefone inúmeras vezes em meu celular, eu nunca cheguei a terminar a ligação. Ele não tinha me procurado também, mas tinha perguntado de mim para a minha mãe da última vez que ela foi até a sua casa. Eu sentia como se ele tivesse sentindo a minha falta, mas não quisesse levantar esperanças para o meu lado, e internamente eu agradecia.
Tinha conseguido aproveitar os últimos dias sem pensar muito nele, o que já era uma vitória. Hoje, porém, eu sabia que tinha uma chance razoável de nos encontrarmos em uma festa de aniversário num dos pubs da cidade, uma vez que o anfitrião do evento era amigo de infância de nós dois. Eu tinha tentado arrastar algumas amigas para serem minhas companhias no evento, com medo de ficar sozinha e chateada, mas diante da recusa de todas, tomei coragem e decidi aparecer de qualquer forma, deixando nas mãos do destino decidir se estava na minha hora de encarar de frente o problema.
Eu não sabia se ia acompanhado ou não, não sabia se ele iria conversar comigo caso trombássemos por lá e nem ao menos tinha ideia de como agiria se fôssemos forçados a interagir. Tinha certeza que eu não iria chorar, não mais, esse tempo tinha ficado para trás, mas não poderia saber ao certo se seria capaz de sorrir. Embora fizesse algum tempo da nossa separação, eu ainda sentia dor demais. Dor de tê-lo deixado ir, dor de ter deixado as coisas acabarem do jeito que acabaram e dor de estar sozinha.
Como eu não dirigia, mamãe me deixou no pub e me disse para ligar caso eu precisasse de alguma coisa. Ela já tinha passado por términos, então dizia saber como eu estava me sentindo, embora eu duvidasse um pouco que alguém pudesse voltar a ser tão feliz quanto ele era hoje se tivesse, na vida, enfrentado a dor que eu havia sentido nos últimos tempos. Quando cheguei, lancei a ela um beijo no ar, antes de fechar a porta do carro e caminhar lentamente até o ponto de encontro.
Avistei já algumas pessoas cujo nome eu sabia e fui cumprimentar todos. O ambiente estava bom e divertido, o bar tocava um bom rock antigo e vez ou outra eu me permitia balançar os quadris no ritmo da melodia. Troquei olhares com um menino moreno que estava do outro lado do pub e senti um calafrio ao me lembrar de como flertar divertido. E de quanto ainda doía em mim também.
Permaneci na rodinha dos convidados do meu amigo por tempo o suficiente para perceber que o meu ex-namorado não estava lá ainda. Talvez eu tivesse sorte e ele simplesmente não fosse aparecer.
Ou talvez não.
Em menos de um segundo pude sentir meu sorriso diminuir e minha garganta fechar em um nó. tinha acabado de fechar a porta de seu carro e vinha caminhando em direção ao local em que estávamos. Ele usava uma roupa básica, como se tivesse saído de casa às pressas, mas eu só conseguia pensar no quão bonito ele continuava, mesmo desleixado.
Ele não pareceu me notar de imediato porque continuou sustentando um sorriso magnífico, mas, no instante em que nossos olhares cruzaram, o vi parar e dar um passo para trás, como se pensasse duas vezes antes de efetivamente se aproximar. Virei meu rosto para um lugar mais distante e contei até dez, como se esperasse que com o tempo a coragem que me faltava pudesse aparecer.
Escutei sua voz ao longe cumprimentando, um por um, aqueles que estavam por lá, mas continuei fingindo que nada daquilo me incomodava. Quando, porém, chegou a minha vez, eu sabia que ele seria educado o suficiente para não me ignorar. Levantei a cabeça devagar e olhei o seu corpo se aproximar do meu, seu rosto continha uma feição incerta, como se ele não soubesse ao certo o que fazer e eu sabia que o meu não deveria estar muito diferente. Respirei fundo e balancei a cabeça num movimento quase imperceptível para que ele se aproximasse e foi aí que senti os seus braços me envolverem em um grande e apertado abraço.
Fechei os olhos apenas para aproveitar o momento. Eu havia sentido falta do seu cheiro, seu toque firme e, principalmente, da sensação de estar em casa que aquele gesto me trazia. Segurei em suas costas e o trouxe para perto de mim um pouco mais, entregando-me completamente.

- Senti sua falta. – Escutei-o dizer baixinho, bem perto do meu ouvido.
- Eu também. – Falei simplesmente. - Mais do que imaginava poder sentir.

Mas, como tudo o que é bom, nosso momento acabou tão rápido e inesperado quanto havia começado.
No momento em que ele me soltou e que eu dei um passo para trás me permiti flexionar os lábios para cima, na tentativa de um sorriso frouxo. sorriu de volta e se afastou, indo falar com as outras pessoas que estavam no local. Eu o assisti sair, sentindo o meu coração afundar um pouquinho. Tê-lo perto de mim trazia certo conforto e a esperança de que as coisas pudessem voltar a serem normais um dia, mas a cicatriz que a nossa separação havia deixado ainda estava ali, escondida e eu sabia que ela não iria embora em momento algum.



- , você está atrasada. – Ouvi minha mãe gritar da cozinha e respirei fundo, pegando a minha bolsa e caminhando apressada em direção a ela.
- Estou aqui, estou aqui. – Falei um pouco esbaforida, já andando para a porta de casa. – Podemos ir.

Mamãe pegou a chave de casa e abriu o carro para que pudéssemos entrar. Acomodei-me no banco do carona e suspirei, pensando no que o dia me traria. Era o início das aulas depois das longas férias de verão, eu estava feliz porque iria rever alguns amigos com os quais não tive muito contato durante os últimos meses, mas sabia que iria, também, encontrar meu ex-namorado.
Nós obviamente não estávamos mantendo contato, e a última vez que efetivamente interagimos havia sido na festa de aniversário do nosso amigo, aonde, além do abraço, trocamos algumas palavras durante conversas em grupo. Mesmo assim eu sabia que os nossos horários iriam corresponder em determinadas matérias, como hoje.
Eu havia passado os últimos dias me preparando mentalmente para voltar à possível convivência diária com o garoto, mas sabia que as coisas não seriam tão fáceis e imediatas assim. Eu sabia, também, que estava saindo com uma garota que conhecíamos, mas não esperava que isso fosse um problema para mim.
Até aquele momento.
Logo quando minha mãe aproximou o carro da entrada do campus eu pude vê-lo chegando de mãos dadas com uma menina alta e extremamente ruiva. Muito antes de olhar em seu rosto e ter a certeza definitiva que era, de fato, o garoto, o jeito com o qual o meu corpo tinha reagido àquela visão tinha me provado que não poderia ser qualquer outra pessoa.
Assisti de longe os dois pararem no meio do caminho, antes de colocar as mãos nos rostos da menina puxando-a para um beijo profundo. Fiquei paralisada com a cena e quase me esqueci da razão pela qual tinha vindo até o campus da universidade, mas, minha mãe, quando percebeu o que estava acontecendo, foi rápida em chamar a minha atenção e me desejar boa sorte para o ano letivo que estava começando. Assenti devagar e tomei coragem para descer do carro e finalmente adentrar o prédio da minha primeira aula.
No caminho até a sala pude perceber olhares vindos até mim de todos os lados. e eu éramos conhecidos de quase todos os alunos dali e o nosso término estava na boca de todo mundo, é claro. Eu escutava murmúrios daqui e dali, mas tentava não dar atenção para que não me chateasse mais ainda. Coloquei os fones de ouvido e segui passo a passo em direção ao meu destino.
Suspirei alto lembrando-me de como tudo tinha mudado da água para o vinho nos últimos tempos. Eu mal me lembrava de um primeiro dia de aula que não tivéssemos ido juntos, e que não tivéssemos compartilhado os medos e ansiedade. Nós sempre havíamos sido tão próximos, que caminhar por aqueles corredores sem o garoto ao meu lado me parecia à coisa mais estranha a se fazer. sempre esteve lá, tomando a minha mão nas suas quando eu estava com medo, me segurando nos momentos em que caía ou me colocando para cima quando era preciso.
Ele foi meu porto-seguro, meu melhor amigo e meu amor – de diversos jeitos diferentes, mas, hoje, ele parecia ser só alguém que eu havia conhecido um dia.
Mais uma vez não consegui afastar os meus pensamentos do dia em que terminamos e de como as coisas se desenrolaram. Foram 10 minutos. 10 minutos em que eu falei, chorei, gritei e o fiz ouvir minhas lamúrias. 10 minutos em que ele ouviu, se desculpou e não tentou me fazer parar. 10 minutos em que todo o nosso conforto e proximidade foram por água abaixo, sem que nenhum dos lados se dispusesse a abordar as coisas de forma diferente.
Eu sabia que ele era o único culpado por nosso término, sabia que eu não poderia carregar nas costas a responsabilidade de termos colocado um fim em nosso envolvimento amoroso. Mas, na solidão do corredor da universidade, gostaria de ter agido diferente ao terminar tudo, gostaria de ter ouvido mais e falado menos, de ter gritado mais baixo e de ter proposto uma solução menos drástica do que simplesmente mandá-lo à merda e dizer que queria que ele sumisse da minha vida e nunca mais me procurasse como fiz.
Tinha certeza que, se tivesse falado com ele com a cabeça mais fria, eu poderia ter traçado para nós um caminho pós-término mais amigável, algo que preservasse a nossa amizade de anos e o amor que mantínhamos como indivíduos que cresceram juntos. Mas, ao invés disso, acabei por definir um caminho de quase indiferença, aonde nossas interações sociais eram restritas a momentos em grupos, um caminho que nem nossas próprias inseguranças poderiam ser compartilhadas.
Era uma realidade triste, mas eu teria que aprender a conviver.
Finalmente cheguei à sala e me acomodei no meu lugar de preferência habitual no fundo da mesma. Tirei os fones e acompanhei o lugar se encher devagar. Abri o meu computador calmamente e tentei focar a minha atenção ali, não obtendo sucesso uma vez que um grupo de garotas ao meu lado não parava de falar de e sua nova namorada. Segundo elas, ele estava feliz como nunca e sentia que tinha achado a sua alma gêmea, dizia aos quatro ventos nunca ter encontrado ninguém tão especial quanto à menina, e que eu jamais tinha significado tanto assim para ele de qualquer forma.
Engoli em seco ao ouvir a última frase e instantaneamente a minha visão ficou borrada com lágrimas que insistiam em se acumular por ali. Fechei o notebook com a maior rapidez que podia e rapidamente peguei minha bolsa, saindo quase correndo do local.
Como se o destino tivesse tirando sarro de mim, ao cruzar a porta da sala esbarrei com quem menos queria e senti meu coração apertar ainda mais ao ver o seu sorriso sonhador sincero. A dor de saber que ele havia se esquecido de mim tão facilmente me cortava da cabeça aos pés, como se uma faca estivesse atravessando todo o meu ser.
Não era só pelo namoro, era por todo o resto também.
As suas palavras de saudades, ditas apenas algumas semanas antes, soavam falsas agora, e o amor que ele disse ter sentido por mim me parecia apenas fruto da obrigação. Naquele momento eu já não acreditava em nada, não queria nada e, pior, não sentia nada além de dor. Dor profunda e dilacerante, que mal me deixava respirar e que me tingia em cheio como se eu tivesse voltado no tempo para a noite em que terminamos, mas de uma maneira muito pior.
Como eu pensei que fosse acontecer, não me seguiu para o pátio, e ninguém mais pareceu notar que eu havia saído da sala de aula, o que me permitiu sentar em um banco e simplesmente chorar da forma que eu estava querendo por tanto tempo.
Chorei pela perda do meu namorado, pela rejeição que eu havia sentido e que estava sentindo naquele momento, chorei por saber que tinha perdido o meu melhor amigo, chorei por saber que eu continuaria sozinha dali para frente, e chorei, entre tantas coisas mais, por entender, pela primeira vez, que nada iria voltar a ser como era antes.
Depois do que me pareceram horas por ali, pude perceber a movimentação do local aumentar, então presumi que a aula anterior tinha acabado, o que indicava faltar apenas 10 minutos para que a próxima aula começasse.
10 minutos.
O tempo exato para me derrubar por completo e para que eu perdesse tudo o que me tinha mais importância.
10 minutos.
O tempo exato para que eu me reerguesse e deixasse tudo para trás.
10 minutos.
Levantei-me do banco em que me encontrava, peguei os meus pertences e caminhei de cabeça erguida para o banheiro, no intuito de arrumar a minha maquiagem borrada, de forma a aparecer nova perante o resto da universidade. Como se uma força do além tivesse surgido naquele momento e tivesse se apossado de mim, senti vontade de gargalhar da situação por saber que eu poderia ser feliz novamente. Pela primeira vez em tempos me senti apta o suficiente a deixar o meu ex-namorado ir embora como um todo. Eu queria esquecer o nosso envolvimento amoroso, queria deixar para trás nossa amizade e qualquer tipo de hábito conjunto que tivéssemos.
havia ficado no passado e era hora de reconhecer isso, seguir em frente e ser feliz.
Afinal de contas, toda boa noite termina com uma manhã suave, toda rosa tem um espinho que deixe a sua delicadeza menor, todo cowboy precisa de uma música de coração partido para expressar suas emoções e, bom, toda boa história de amor tem um final.
Mas quando uma porta se fecha, outra se abre.
E, afinal de contas, toda boa história com final tem um bom começo, e eu iria atrás de um de um novo começo para mim.





Fim



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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