04. Havana, por Gabi Heyes
Última atualização: 03/07/2018

Prólogo


- MICAELA! – Berrei mais uma vez, tentando fazer com que minha irmã irritante saísse do banheiro. Fazia horas que eu aguardava que acabasse de arrumar-se, mas em nenhum momento seus gritos de “já vai!” deram resultado.
- Díos, ! Fica calma que tô saindo. – Replicou, abrindo a porta, mas permanecendo em frente ao espelho. – Pra que precisa do banheiro, afinal?! – Disse com um biquinho enquanto passava seu batom vermelho.
- Escovar meus dentes! – Repliquei, cruzando os braços e batendo o pé.
- Por que está de pijama? – Franziu a testa, finalmente agarrando suas mil nécessaires e saindo do banheiro.
– Algumas pessoas dormem cedo!
- Em plena sexta feira? – Bufou, me lançando um olhar de desdém enquanto eu entrava no banheiro. – Pff! Mais antissocial impossível.
- Mikki, vai encher o saco de outra pessoa. - Grunhi, batendo a porta em sua cara maquiada. Fiquei uns segundos encostada à parede, fazendo exercícios de respiração para livrar minha mente do mau pensamento de tacar minha irmã em um tanque de tubarões. Se bem que esse é bem o perfil dos amiguinhos nojentos dela.
- Não sou antissocial... – Murmurei, fazendo biquinho para meu reflexo, tal qual minha irmã fazia, segundos atrás.
Tão parecidas, mas tão distintas... Éramos Micaela e Romero, gêmeas fisicamente, mas quando se tratava de personalidade... Mikki era tudo o que eu não era, mas o mais importante: tudo o que eu desejava ser.
Sempre fui apaixonada por ficção, a forma como tudo parecia dar certo para a mocinha no final. A parte do enredo complicado vivia acontecendo comigo, mas ainda estava esperando pela parte do felizes para sempre. Além da parte das aventuras que pareciam não ter lugar em minha vida sem sal.
As estórias costumam ser contadas a partir do ponto de vista da menina mais interessante ou da mais sem graça possível. Eu conseguia ser pior. Não era nem mesmo insignificante o suficiente para ser notada. Passei o colegial tão solitária quanto entrei, e sem fazer ideia do que seria de meu futuro.
Isso certamente era realidade durante o dia. O que minha mãe, Mikki e todo o resto pensavam de Romero era verdade. Mas quando os raios da manhã se despediam em seu último beijo no firmamento, a tal “ sem graça” era substituída por um alter-ego muito mais badalado.
Eu disse que Mikki era tudo o que eu queria ser, mas isso mudou a partir do dia que conheci Havana de verdade. Não, quando conheci as noites quentes de Havana eu renasci. Reencarnei sobre a pele da audaciosa Romero, a musicista que sabia esquentar o Bar Havana Heat como ninguém.
Mas como tudo o que se repete acaba virando rotina, mesmo minhas noites secretas cantando naquele bar se tornaram repetitivas. Menos na noite em que o vi pela primeira vez. No dia em que pus os olhos no homem misterioso, que acabaria por deixar seu coração comigo, eu soube que jamais seria a mesma.


Capítulo Único


- Boa noite, Hernando! Como está o clima hoje?
- Chikita, tá bem calmo. – Replicou o barman e dono do local, emburrado. – Nada que vá continuar, com sua presença aqui, espero... – Fez um biquinho para mim, esperançoso.
- Hey, nem adianta fazer essa cara de gatinho do Shrek. Estou de férias, lembra?
- Só uma música... – Tentou novamente, fazendo-me revirar os olhos e assentir.
- O que você faria sem mim?! – Brinquei, dando uma última sugada em meu drink.
- Sinceramente? – Indagou retoricamente, aproximando-se de meu rosto. – Deixaria de ter um desfalque de caixa por todas essas bebidas que te dou de graça... – Começou, gargalhando ao levar um toco na cabeça. – Mas também perderia metade da clientela.
Pisquei para o homem atraente me perguntando como era que um cara como ele estava solteiro. As mulheres cubanas deviam estar loucas por deixar alguém assim escapar. Mas também, não seria eu a tentar domar aquela fera.
Caminhei pelo bar até o palco, sorrindo para alguns clientes regulares aqui e ali. Alguns deles assobiaram para meu pequeno desfile. Desnecessário dizer que eu amava toda aquela atenção e estar de férias de meu trabalho secreto estava sendo como um inferno para mim.
Sentei-me ao piano no centro das atenções e ajeitei, meu cabelo em ondas, descendo por meu ombro. Aguardei os olhares se direcionarem a minha pessoa antes de começar a deslizar os dedos pelas teclas em uma suave melodia a princípio.
As cordas do piano de cauda tremeram seu som doce ao comando das teclas que eu pressionava com a confiança de anos de prática. Abri minha boca levemente, mordendo meu lábio nos trechos mais complicados até confluir para o primeiro verso de uma de minhas canções favoritas.
Cantei passando os olhos na multidão que só crescia no Bar Havana Heat. Como uma sereia de Odisseia, eu sentia os olhares do público, hipnotizados, enquanto me apresentava. Era como se estivesse acompanhada de todos os que me assistiam. Sentia-me abraçada por sua presença incentivadora e reverente ante meu desempenho.
Porém, ao mesmo tempo, nunca estive tão só. A música me envolvia de uma forma tão pessoal, que tornava impossível levar qualquer um dos estranhos do bar junto comigo. Nenhum deles poderia saltar nas profundezas do abismo emocional em que eu mergulhava todo santo dia em que me apresentava.
As emoções reprimidas, minha ânsia de algum dia viver uma emoção fora do comum, meus sonhos utópicos, minha solidão em meu segredo ao trabalhar naquele bar, desconhecido por minha família e qualquer pessoa próxima a mim... Tudo era despejado em minha voz grave de forma tão focada, que só dei por mim quando já estava sentada novamente ao bar, bebendo minha segunda bebida da noite.
- Com licença. – Ouvi um homem me cutucar. – Esse lugar está vago?
Abri um sorriso enigmático, ao negar e observá-lo sentando-se a meu lado.
- Pois então posso te pagar uma bebida? – Perguntou novamente com um sotaque inconfundível.
- Pode. – Assenti, chamando atenção de Hernando e voltando-me novamente ao desconhecido. – Americano?
- Meu espanhol está tão arranhado assim? – Gargalhou.
- Não, imagina, mais uns cinco anos aqui e você estará fluente. – Zombei, mordendo o lábio inferior.
- Algum problema, ? – Perguntou Hernando com a cara fechada. – Esse cara tá te incomodando?
- ... – Cortou o estrangeiro, limpando a garganta.
- Ah, não! Só queríamos bebidas. Tranquilo! – Franzi a testa, atrapalhada.
- Pois então, o que desejam? – Disse, voltando a sua fachada simpática habitual.
- Duas doses de tequila. – Repliquei, dando de ombros.
- Oh, não... Estou dirigindo, eu não vou beb...
- É para mim, bobo. – Rebati, jogando o cabelo para trás dos ombros.
O homem pareceu envergonhado, mas manteve seu sorriso firme, puxando uma conversa que logo virou acalorada sobre minha apresentação. Não era a primeira vez que um cliente ia dar em cima de mim pós-shows.
Porém, algo em era exótico de forma interessante. Talvez por ser um estrangeiro e por parecer já ter visto o mundo em suas viagens. Certamente não era igual aos moleques que viviam pelas noites de Havana, com alguns poucos de maior classe em suas investidas.
Em dado ponto da noite, enquanto eu explicava meu interesse por golfinhos, sabe-se lá como havíamos chegado a esse assunto, interrompi-me analisando o rosto de .
- Quer sair daqui?
- Só se prometer terminar essa história aí, do golfinho pai e do golfinho filho, no carro. - Sorri, apertando os olhos em timidez. Antes mesmo que chegasse ao veículo eu já havia tagarelado o que restava contar.
- E é isso... Nunca vou superar o olhar do golfinho pai.
- Wow... – Suspirou, ligando o motor do carro. – Eu nunca imaginei que... – Parou, abruptamente, com o olhar fixo em um veículo do outro lado da rua.
- O que foi? – Perguntei, sentindo minha pele se arrepiar ao observar o homem que encarava acelerando repentinamente e sumindo no fim da rua.
- Baby, desculpe, mas tenho que pedir que aperte o cinto.
Isso foi a última coisa que disse antes de acelerar atrás do outro carro em uma velocidade que eu tinha certeza ser o triplo da permitida em uma via movimentada daquelas.
- Deus, o que está acontecendo? – Berrei, desesperada.
Pareceu se passar uma eternidade de buzinas e curvas apertadas até que berrasse por cima do motor.
- Aquele cara é um criminoso procurado pela CIA. Meu trabalho é captura-lo. De meu parceiro também, mas não sei o que aconteceu... Logo na minha noite de folga, Jesus!
- E isso faz de você... – Arregalei os olhos, sentindo adrenalina sendo despejada em meu sangue.
- Agente especial Cortés, a seu dispor madame. – Acenou, com um sorrisinho lateral. – Eu sempre quis dizer isso. – Murmurou, enquanto me deixava digerir a notícia.
- Musicista e futura universitária Romero. Muito prazer. – Gargalhei, ligando o som do carro. lançou-me um olhar impressionado e surpreso.
- Não é uma brincadeira, ...
- Claro que não. – Assenti, segurando o riso. A culpa não era minha, foi ele que quis me pagar aquelas tequilas!
Uma freada brusca depois, me levou a quase bater com a cara no espelho.
- Fique aqui! – Berrou, alcançando sua arma no banco de trás e correndo pelo beco sem saída. Até um prédio abandonado.
- Mas... – Comecei, sendo completamente ignorada até receber seu olhar cortante.
- Tá bem... - Murmurei, emburrada.
Observei sua figura correndo e subindo pelas escadas externas do prédio com habilidade. Que merda estava acontecendo eu não tinha certeza, mas após dez minutos de pura tensão, aguardando que sua figura emergisse – como nos filmes – com o criminoso em suas costas e com o prédio explodindo em chamas, cansei de obedecer. Afinal, ele podia até ser um oficial da lei, ou alegava ser, mas eu era a cubana ali. Eu que conhecia Havana como a palma da minha mão. Quem é ele para me dizer se fico ou vou? E a liberdade de ir e vir? Para onde foi? Ela foi para algum lugar?
Enquanto minha mente espiralava em pensamentos sem sentido, sai do carro e caminhei assobiando até o prédio de onde meu Agente da CIA entrara. Esses homens do século XXI imploram para serem salvos. Gargalhei internamente e fosse racionalidade, fosse o álcool, senti como se tivesse todas as condições de vencer aquela batalha. Diabos, talvez a CIA até me desse uma medalha depois dessa.
Isso até sentir uma mão pousar sobre minha boca. Aí que encarnei a mulher maravilha e me soltei para danificar as partes íntimas do agressor. Mal acreditei quando o vi ao chão e comecei a comemorar, pulando de alegria. Não fora tão difícil quanto eu pensara.
Foi o que pensei até que sentisse uma arma apontada para minha cabeça. Olhei para o chão, percebendo que não só havia agredido , como havia entregue nossa posição para o cara que ele queria capturar.
- Falei para ficar no carro.
- Bem, você demorou... – Comecei, abrindo um sorriso amarelo e caminhando para onde o homem com a arma apontava. - Foi mal.
pareceu estar a ponto de rir, mas balançou a cabeça para se concentrar ao notar o reluzir da arma encostada em minha cabeça. Eu sabia que era sério, mas a adrenalina e o álcool me trouxeram uma vontade incontrolável de rir.
- Rápido! – Berrou o criminoso, gesticulando para que eu amarrasse na cadeira de metal.
Por motivos de tequila, me pareceu um ótimo momento para exibir meus famosos nós de marinheiro que aprendera com minha mãe. A mulher amava pescar, deixava meu pai louco com a quantidade de vezes que comíamos seus peixes. O homem já não era fã de nada que viesse do mar.
- ... – Chamou , trazendo-me novamente ao presente. O homem armado começou a me amarrar a seu lado, e à medida que a sobriedade batia em mim, meu medo ia se assentando. Nada daquilo era brincadeira.
- S-Sim. – Tremi, com um calafrio.
- Vai ficar tudo bem. – Murmurou, ignorando o bufar do bandido, que pegava seu celular e falava com um provável parceiro.
- Claro que vai. – Tentei sorrir fazendo uma careta.
- Hey, se isso der certo... Você vai me dever uma cerveja, mocinha.
- Querido, se eu sobreviver hoje, você me deve um encontro de verdade. – Ri histericamente para depois engolir em seco.
- O que ele está dizendo? – Sussurrou, acenando para o capanga.
Tentei concentrar-me no espanhol enrolado, carregado de algum sotaque do interior.
- Acho que algo sobre nós. Ele disse carregamento de drogas, meia-hora.
O homem apertou os lábios, pensativo. Provavelmente estava preocupado com seu colega. O som de tiros me colocou em um choque tão grande que o empurrão do corpo de caindo para o lado provavelmente salvou minha vida.
Gritei, batendo a cabeça forte no concreto e deslizando para a inconsciência.
Espreguicei-me girando em minha cama. Abri os olhos rapidamente assim que as lembranças do que acontecera foram voltando a mim. Levei a mão à minha cabeça e confirmei o que minha mente se recusava a acreditar. Aquilo simplesmente não passara de um sonho.
- , o café está pronto! – Berrou minha mãe.
Desci, calmamente mas com uma sensação esquisita que não soube nomear até um pouco mais tarde...
- Com licença. – Ouvi um homem me cutucar, logo após o show. – Esse lugar está vago?
Abri um sorriso enigmático, ao negar e observá-lo sentando-se a meu lado.
- Pois então posso te pagar uma bebida? – Perguntou novamente com um sotaque inconfundível.
- Pode. – Assenti, chamando atenção de Hernando e voltando-me novamente ao desconhecido, que estranhamente me pareceu familiar. – Americano?
- Meu espanhol está tão arranhado assim? – Gargalhou.
- Não, imagina, mais uns cinco anos aqui e você estará fluente. – Brinquei.
Ingressamos em uma conversa calorosa até que sugerisse algo que me deixou toda arrepiada.
-Hey, o que acha de sairmos daqui?
Um dejá-vu atravessou-me como um raio, até que neguei com a cabeça veementemente.
- Querido, algo me diz que ficar aqui é o melhor a se fazer.
Os olhos do homem baixaram um pouco decepcionados, mas assentiram em compreensão.
- Mas quem sabe amanhã... – Continuei, sorrindo. – Sinto que me deve um encontro decente senhor . Não sei de onde vêm, mas tenho essa sensação. – Murmurei, mas pela primeira vez naquele dia sabendo exatamente o que significava meu dejá-vu.




Fim



Nota da autora: Olá pessoal! Obrigada por terem lido até o final. Espero que tenham gostado da Fic, amarei ler seus comentários <3 Quem desejar entrar para a família no facebook será mais do que bem vindo! Somente clicar no link abaixo! Beijinhos de Luz e até a próxima!





Outras Fanfics da Gabi Heyes:
One More Dream (Outros- Em Andamento)
Codinome Blackwell (Restritas- Outros- Em Andamento)
Give My Hart A Break (Restritas - Series - Em Andamento)


comments powered by Disqus