Finalizada em: 14/02/2019

Capítulo Único

Estive sentada em mesas para dois, sozinha, por anos, mas nunca por ser dispensável, ou talvez solitária. Não. Nunca estive tão bem acompanhada por mim mesma. Mas a questão da noite não era qual torta especial com creme eu provaria, mas sim meu trabalho.
E como posso dizer? Sou a melhor no que faço. Quase como uma conselheira de casais, porém, minha função é dar cabo de romances mal resolvidos e que não funcionam. Trabalho tão importante quanto o dos próprios cupidos, que formam amores perfeitos, contudo, sempre há chance de estarem errados, intensamente errados. E o amor não acontece como você acha que deveria, por isso estou aqui, minutos a fio esperando por um casal desastroso. Que ao entrarem consigo sentir o cheiro da discórdia e a cor pulsante da áurea pesada que os acompanhava, e por Deus, como os cupidos erraram dessa forma? O ardor tóxico os seguia, isso me motivava a ajudá-los. E lá estou eu, me chamam de destruidora de lares, mas não sou eu que tomo as decisões, apenas os guio a aquela menos dolorosa, ou menos prejudicial. Sussurrando indignações, plantando coragem em corações quebrados.
Os vi sentarem a três mesas de distância à minha, a garota sabia o que deveria fazer, como estava cheia das manipulações, não conseguia aguentar os gritos e brigas e seu peito apertava pela super dominação de seu namorado, estava desiludida em um amor ruim, tentando lembrar em que momento aquele homem doce e meigo havia deixado de ser o escolhido e se tornado apenas mais um, apenas mais um peso, apenas mais uma falha. Ele, por outro lado, nunca esteve tão pleno de que tomava partido pelos dois, de que nada esteve tão certo entre eles, algo que discordo com todas as minhas forças, porque ela não reclamava de suas ações, não por amor, mas sim por medo. E por isso, era minha hora de acabar com aquilo.
Como um vulto, segui de encontro ao coração amargurado sem me preocupar em ser vista, pois não ocorreria, somos como sentimentos, invisíveis e intocáveis, necessários, e eu estava ali, tentando me conectar à aquela garota perdida entre as possessividades do namorado.
Sempre tive voz como a consciência, nunca fui uma "quebradora de lares", minha função é mostrar o quão suficientes as pessoas podem ser sozinhas, que não pertencem a ninguém, mas se para isso é preciso quebrar alguns corações, o faço com prazer. Porque me importo, principalmente uma vez que já estive aprisionada a uma pessoa que não era para mim, aliás, que não era para ninguém, nenhuma pessoa merece sofrimento em um relacionamento. E posso lhe afirmar o quão longe esse sofrimento pode me levar, o quão fundo pude estar e o quanto eu me elevei.

[...]


Era 1985, pude ser tão jovem como nunca mais serei, amei como nunca mais. Pois você acabou com meus planos de toda uma vida. Você, meu Adorado Anthony, que me escrevia belas cartas de amor sobre o quão belos eram meus olhos e como se apaixonava por mim todos os dias, pude ter encontros inesquecíveis e noites intensas, beijos cuidadosos e carinhos doces, tudo para poder me conquistar. Muito bem-sucedido, estava eu louca de amores, encontrada em um amor puro e real, ao menos para mim.
Tony, sua figura perfeita e amiga, em quantos momentos estive declarando meu amor a você. Escolhia meus melhores sapatos e vestidos para dançar com a cabeça encostada em seu peito, separava meus momentos livres da semana para curtir com você, tivemos nossa própria música e você até a tocava para mim, sua voz grave sussurrando me fazia tremer, você conseguiu tomar a minha vida, pois eu amava estar ao seu lado, amava passar as mãos pelo seu cabelo quando estávamos deitados, passar o polegar pela sua bochecha e contar suas sardas, sempre fiquei triste quando tinha que ir para casa, mas antes de ir me beijava a testa, como seu cortejo me encantava. Dediquei meus pensamentos exclusivamente a você. Estava tão apaixonada que não percebi os sinais ao meu redor. Sinais sobre o perigo que estava caindo.
Sinais sutis de que você, meu Querido Tony, na verdade não queria uma amante, queria uma mulher totalmente submissa, queria me controlar, ser meu dono como um criador de pássaros, e por muito, não percebi. Começou como um ciúme que parecia bobo, passou a perguntar com quem eu ia, o horário que eu estaria de volta, depois, começou a questionar minhas roupas e até quem iria me acompanhar. Sempre que eu lhe respondia algo que ele não gostava, você fechava a cara e falava grosso. Mas eu não me importava muito, pois não me proibiu de sair mesmo assim, pois era tudo tão bobo, e os namorados de muitas amigas minhas também eram desse jeito. Porém, da noite para o dia, meu Doce Tony, você mudou. Começou a tentar falar mais alto e levantar a mão quando eu reclamava. Lembro de ouvir várias vezes “Querida, não entende o quanto me importo? Tudo o que faço é por você”, e como pude descordar? Sendo que sempre havia me tratado maravilhosamente bem, cuidado de mim, como meu Tony poderia me fazer mal? “Não, ele está certo, devo estar louca. Insana, provavelmente, não o meu amado Tony”. Não ouvi meus próprios instintos, minhas entranhas tentavam me avisar, no entanto, a culpa não era minha, estava sendo manipulada, como um pequeno fantoche, você me fez crer que não queria te perder, e se o fizesse, nunca teria mais ninguém, que eu nunca seria mais ninguém, entretanto era apenas o começo.
Oh, onde estava aquele namorado doce que me conquistou, não me lembro como fora nosso primeiro beijo? Mas me lembro de seu primeiro “não” que ouvi, quando não me deixou sair com minhas amigas para conversar e bater pernas em um shopping qualquer, esse impedimento é o mais claro em minha mente, foi quando um lampejo de dúvida se tornou uma ideia do que poderia acontecer.
Não confio nessas suas amigas, elas podem te influenciar, te convencer a me trair.
De cara não entendi, sempre estive ao seu lado, nunca insinuei insatisfação, mesmo nesse momento já devendo, mas você plantou ideias em minha mente, dando a entender que eu era desleal, me tratando como lunática, e por certo tempo, realmente acreditei nas suas palavras, mesmo elas doendo. Mas naquela época eu não sabia o quão infiel você poderia ser. Tony, não queria que sua garota fizesse o mesmo, que cuspisse em suas costas como você cuspiu nas minhas, não por se sentir culpado, por controle. Ficava com outras e não suportava o simples imaginar que eu poderia lhe deixar, por outro. Paro para imaginar quantas destas não passaram pelo mesmo que eu, travando lutas internas das merdas que você nós punha a cabeça.
Bendito Tony! Ainda não sabia, mas já havia caído na sua teia bem armada e estrategicamente planejada, comecei a sentir medo de me mexer e ser pega.
Onde você estava? Por que não estava em casa? Estava com outro? Acho que não, ninguém iria te querer! Você só tem a mim. E se me trair, sabe o que irei fazer.
Amado Tony, suas chantagens quebraram minhas pernas, não poderia lhe deixar, pois minha vida estava presa em suas mãos, sempre que tentava fugir, escorrer entre seus dedos, você as fechava mais, ameaçava contra minha vida, contra minha família e as vezes sobre minha reputação. Começou a me tratar como uma empregada. Deixou-me presa. Apenas me senti sozinha, ficava trancada em casa, não havia permissão para sair e cada vez mais me senti mais só. Toda vez que não o satisfiz fui castigada, castigada por seus momentos com o álcool e em seus momentos de lucidez.
Não sinto vontade de lhe dizer o quanto você, Abençoado Tony, me fez mal a partir deste momento, me levou ao fundo do poço, em todos os sentidos, com muita dor e sofrimento, eu como mosca na teia, fui pega, envolvida e devorada. No fundo tudo o que eu queria era amor, amor puro que todos sonhamos, e você me levou para a escuridão de um buraco úmido infestado de insetos.
“Que descanse em paz”, mas, meu amor, você estava lá.
O meu sangue em suas mãos e estava em meu funeral. Se eu pudesse lhe daria tapas, fingia não ter culpa, meu Anjo Tony. Ainda descaradamente me presenteando com uma rosa. Rosa vermelha. Meus próprios pais compartilharam o luto com um cínico, “Meus pêsames” e nenhuma suspeita sequer.
“Que descanse em paz”.
Mas nunca descansei.
Meu Estimado Tony, nunca suspeitaria, mas eu vivo, dado que ninguém pode ajudar minha pessoa, tive a chance de fazer o que nunca fizeram por mim. Tornei-me a coragem, espírito de liberdade, como um anjo, presente nas estrelas, naquelas que haviam sido sugadas por seus parceiros. Além disso, me certifiquei que nenhuma outra moça teria o mesmo destino que eu, não com você, Hipócrita Tony. Dei-lhe a oportunidade de morrer sozinho, pois ainda que eu tenha partido sendo sua noiva, nunca estive tão sozinha.

[...]

Logo estava eu, era 2018, me apossei da garota marcada pela dor, física, psicológica e moral, lhe dando forças para quebrar o nó grosso na garganta e falar o que eu nunca pude, ou devo dizer, fui acorrentada demais para poder o fazer. Estava pronta, eu lhe dava as palavras e as aprontava, olhando para aquele namorado eu só sentia os reflexos de minha própria vida.
Ele segurou nossas mãos, pois naquele momento, eu também era ela, consegui sentir o nojo e repúdio que ela sentia ao toque.
– Então você e eu nunca vamos dar certo, Carl - após ligar os pontos, o namorado solta nossa mão, e encara.
– Não estou entendendo. Você é maluca? Sempre fiz o melhor por você.
Senti raiva, por ela, por mim.
– Você não me faz bem, eu acabo me sentindo melhor quando estou longe de você.
Ele levanta. E gritando, responde:
– Você quer quebrar meu coração e ser uma puta? Ninguém vai te querer! Sua vida é uma bagunça!
Ouvi seus pensamentos, eram os mesmos que os meus, os mesmos de todos os dias, todos os momentos com meu Querido Tony onde pensei que ele nunca poderia me fazer algum mal. Quase consegui sentir o futuro da pobre garota, pois eu conhecia essa trajetória. Carl era Tony e eu era aquela garota. Mas não ia terminar do mesmo jeito, eu a abracei psicologicamente, e repetia “Você tem a mim, e tem você”, “Você tem a mim, e tem você”, “Você tem a mim, e tem você”. “Eu te amo não importando o que aconteça”. “Eu me amo não importando o que aconteça”.
– Pois é! Eu serei a maior puta que você verá. Acho que você poderia dizer que minha vida é uma bagunça, mas eu continuo linda nesse vestido. E serei mais feliz estando livre do que presa entre seus dedos, presa entre suas palavras. Porque, meu querido Carl, eu posso ser uma vadia, mas sou a vadia da liberdade.
Ele ficou sem palavras, mas seus olhos diziam tudo, o ódio por ter perdido a oportunidade de controlar a vida desta garota. E não poderia fazer nada na frente de tanta gente agora olhando.
– Você não vai ter uma segunda oportunidade! Nunca mais será de ninguém.
– Eu não pertenço a ninguém!

A liberdade tomou o meu lugar na mente da nova garota, com razão, era seu momento, não importassem como lhe chamassem, ela havia se livrado de um final semelhante ao meu. E salvar aquelas vidas era mais que vingança, era justiça, por mim e todas aquelas mulheres que vieram a sofrer com seus maridos, namorados e noivos.
Não sei quantas oportunidades terei de salvar estas mulheres, muitas delas, apenas meninas como eu mesma já fora, mas tentarei o meu máximo, como um anjo da guarda que havia perdido o próprio caso.
Por fim, meu Caro Tony, venho por meio de meu testemunho dizer que nunca lhe pertenci, apenas fui aprisionada, e como espírito posso fazer outras mais fortes, perderei lutas, pois às vezes terei inimigos mais árduos, como você, mas não descansarei em paz, até ver um sorriso de liberdade estampado nesses rostos, e se desmanchar casais que não teriam um futuro bom é quebrar lares (lares estes já vazios), é por que eu sou a Quebradora de Lares.

Fim!




Nota da autora: Sem nota.






Nota da beta: Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.




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