04. Who Says

Fanfic Finalizada: 22/04/2018

Capítulo único

, Inverno de 1998.

Estava muito frio, mas no calor do momento eu nem sequer me importava, havia nascido em Los Angeles, na Califórnia, mas então quando o outono chegou meu pai continuava a falar "aqui não é um bom lugar para a criar, podemos nos mudar Chelsea!", Mas a mamãe definitivamente gostava de lá, minha mãe trabalhava em um dos estúdios, ela era como uma roteirista, e o papai era professor de história, ele se manteve lá por algum tempo, mas do nada as coisas começaram a piorar, logo o papai estava em casa, todos os dias e todas as horas, parecia que estava cansado de dar aulas. Certo dia eu os ouvi no café da manhã, o papai estava finalmente feliz de novo, ele dizia "eu consegui, consegui um novo emprego! Agora podemos melhorar de vida." E a mamãe retrucava: "mas é na Virgínia, você tem noção do quanto é longe? Vamos abandonar tudo?" "Vamos começar do zero, vamos fazer as coisas dar certo!". Viajar era uma das coisas que eu mais adorava fazer, e nem precisava ser para Disney, e então conforme os dias a nossa casa foi ficando vazia, os móveis empacotados e caminhões os levando para o outro lado do país, a mamãe dizia que as viagens de carro demoram mais que um dia, mas nós fomos de avião.

- Está pronta para conhecer sua nova casa? - meu pai disse sorrindo assim que pegou o carro na locadora de veículos ao lado do aeroporto. - tem um jardim enorme, podemos fazer uma casa na árvore se você quiser!

- Olha querida é aqui que seu pai vai trabalhar. - minha mãe apontou pela janela, o carro passava em frente a uma enorme estrutura de tijolos a vista, parecia um castelo, mas o papai já havia me dito, era uma faculdade.

- Aposto que você vai adorar Richmond! - meu pai disse sorrindo amplamente, mais algumas ruas e lá estávamos nós estacionados, a enorme casa em tons claros, tinha realmente um jardim, e lá da frente dava para ver que tinha uma árvore nos fundos. Observei toda a rua, era cheia de árvores que agora estavam cobertas de neve, igual ao chão.

Alguns dias depois a mamãe também voltou mais sorridente para casa, ela tinha um novo emprego e na mesma faculdade que o papai, porém ela dava aulas de francês, mamãe sabia falar quatro línguas diferentes, e eu amava cada uma delas e o jeito que ela as usava.

O francês ela costumava cantarolar, com o espanhol ela costumava contar alguma história para que eu dormisse, já com o alemão ela costumava fazer algumas piadinhas, mas ninguém nunca entendia, o alemão sempre soava sério demais e por fim as vezes ela falava em português, ela adorava pronunciar a palavra saudade, e dizia que era isso que sentia quando passava tempo longe do papai ou de mim.

Saudade era uma palavra que só existe no português, é como um sentimento, É como dizer sinto sua falta, mas é bem mais forte que isso, minha mãe sempre dizia que o sentir falta é apenas estar longe, como ela sentia falta as vezes de Los Angeles, mas o sentir saudade, era a dorzinha que ela sentia quando se lembrava dá sua mãe. Sentir falta é a dor pequenininha de coisas que pode se ter novamente, e sentir saudade é a forma mais gritante de sentir falta daqueles que amamos.

, inverno de 1998.

Primeiro apareceu um enorme caminhão, parando em frente de casa, eu estava jogando no PSP portátil que eu havia recém ganhado e tinha acabado de ter sido lançado no país, quando eu observei os cabelos loiros descer de um carro, saindo saltitantes em direção a varanda da casa. A primeira coisa que pensei foi, se eu jogar uma bola de neve próximo a ela, talvez ela possa se virar para cá e eu vou acenar, podemos ser amigos.

Mas então eu joguei a bola de neve, que acertou a cabeça dela. Pelo jeito a garota desconhecida não gostou, já que se virou com um olhar péssimo para mim na sacada de casa, é, talvez não poderíamos ser amigos.

, primavera de 2000 em Richmond, VA.

A escola era enorme, não tanto como a faculdade de Richmond que meus pais trabalhavam, mas ainda assim muito grande. Ainda que odiasse ficar por muito tempo calada durante as aulas, eu adorava estudar, adorava principalmente saber que tinha um mundo enorme para explorar.

Não gostava do meu vizinho, ele era inconveniente, quer dizer, os pais dele eram incríveis, mas ele, era chato, até cheguei xingar uma vez ele em francês. Durante o tempo vago eu costumava aprender francês, o meu próximo passo seria o português, eu queria o mundo, queria conheceras línguas nativas e poder ver cada uma das belezas locais que tinha em cada um dos países, eu queria mais do que Richmond e um vizinho babaca, eu queria ser grande quando crescesse, eu queria ser muito grande.

,, outono de 2008 em Richmond, VA.

- é a sua vez! – uma garota gritou em meio a festa, me puxando pela mão para o meio da roda. Ter quinze anos e estar tomando seu primeiro porre numa festinha de encerramento de ano, não era nada fascinante, pelo contrário, era mais uma das lembranças que eu me questionei por anos se estava correta. – vamos vendar seus olhos, você sabe como joga sete minutos no paraíso né?

, você tem que saber, eu expliquei três vezes! – outra garota dizia enquanto vendavam meus olhos, primeiro eu me senti feliz e depois tonto, era aquele afinal o efeito do álcool?

-Pode explicar mais uma vez? – perguntei sentindo algumas várias mãos me girando. Era uma festa só de adolescentes, a primeira que praticamente todos nós íamos, aquelas sem supervisão alguma de um adulto, aquela onde nós nos sentimos o adulto por finalmente estarmos cuidando dos nossos narizes.

-Você vai ficar sete minutos dentro do armário com alguém, e nisso vocês podem conversar, mas o intuito é se beijarem. – um cara disse com indiferença, como se fosse tão obvio. Não queria beijar ninguém, porque eu já gostava de alguém.

-É, e o que acontece no paraíso, fica no paraíso! - uma delas completou ao meu lado me enfiando no armário. – Podem trazer a garota, meninos! – ela continuou, eles estavam pegando pessoas aleatórias e vendo no que ia dar.

-Não, acho melhor não colocar os dois juntos, eles vão se matar lá dentro! – um dos caras da minha turma disse.

-Que se foda... – ele respondeu em contragosto e então a colocaram para dentro do closet, tiramos as vendas e tudo estava um breu, consegui enxergar a camiseta branca da garota pelo feixe de luz que passava pela fresta da porta.

-? – ela perguntou surpresa, e então eu vi, não era qualquer garota, era a mesma que eu insistia em importunar todos os dias do ano letivo, férias e feriados nacionais, e repentinamente eu estava confiante, talvez fosse isso a bebida.

-? – questionei levemente a observando nos olhos, ela me encarava com a mesma intensidade, ainda que sem mostrar reação alguma. – você sabe que não precisamos fazer nada, né?

-Sei. Quer conversar? – ela sorriu breve e então terminou de beber o líquido que tinha em seu copo. Ela parecia alegre demais, talvez estivesse de fato alterada. A garota se sentou no chão do closet e então fiz o mesmo, me sentando de frente para ela. – Eu to sentindo minha língua enrolar. – ela fez uma careta.

-Eu sinto que devia fazer algo. – comentei sem perceber, parecia que não tinha bloqueios em minha mente.

-Em relação à bebida? – ela apoio seu queixo sobre a mão me observando tranquilamente, o sorriso terno e a voz levemente embargada.

-Em relação a você. – eu disse baixo e a mesma abriu um sorriso sem se mover. A coragem parecia me dominar, e por uma vez na vida eu não quis a importunar, por uma vez eu senti que era possível te-la sem ter que a estressar e a ouvi-la gritar. Ainda sentado no chão em sua frente me inclinei grudando nossos lábios, ela correspondeu o beijo, sua mão seguiu por minha nuca calmamente, sem pressa, como se aquilo fosse necessário, me surpreendendo por completo, ela sempre parecia tão inalcançável. O beijo em algum tempo foi cortado, e ela se sentou ao meu lado, encostando a cabeça em meu ombro. – , eu acho que gosto de você, desde o dia em que você saiu daquele carro e virou minha vizinha, desde quando te vi plantar aquela margarida no meu quintal, eu acho que...

BIP, BIP, BIP.

- O TEMPO ACABOU! – gritou uma pessoa lá fora escancarando a porta, já estávamos em pé prontos para sair, e então, cada um seguiu para um lado, como se nada houvesse acontecido lá dentro, como se nunca houvesse existido lá dentro. E um mês depois eu a vi ficando com Josh O’brien do segundo ano, ele era a estrelinha do futebol americano do estado da Virgínia, e então decidi desistir da trégua que eu havia dado a cerca de uma semana, afinal eu não iria me mudar para agradá-la.

Tudo começou com uma vizinhança nova, naquela tarde de quarta feira – a alguns anos atrás - um caminhão de mudança parou em frente a casa vizinha, de lá não saiu só um homem e uma mulher, mas também uma garotinha e saltitante, isso tudo, eu observava da janela do meu quarto. O que eu não imaginava é que anos depois, mesmo com todas as desavenças, ela iria continuar habitando em minha mente. Os anos corriam como o alastrar do fogo, rápido e impactante.

, verão de 2017, Londres – UK.

Eu precisava encontrá-la, ela era a minha única chance de tentar fazer um mundo melhor. E não, eu não estava apaixonado por ela, ainda que eu tivesse sido um dia, não se trata disso agora, não mais. Meu visto europeu era por três meses, e ainda que muitas pessoas conseguissem permanecer de forma clandestina, isso não funcionaria para mim. Eu precisava do meu passaporte assinado, para poder perambular para lá e para cá. O projeto em qual eu trabalhava era incrível, a Word Animal Protection cuidava de animais do mundo todo, e eu como o bom veterinário que era, queria ajudar nisso, eu queria ir para lugares remotos, salvar manadas, estudar espécies extintas, proteger e ajudar onde quer que fosse solicitado, mas meu visto permanente tinha sido negado.
Eu sabia que a garota que um dia foi minha vizinha, amiga, arqui-inimiga, talvez a garota que eu gostasse na infância, tinha se tornado diplomata, e por mais que fosse estranho chegar e pedir uma ajuda com o visto, tínhamos tanta intimidade que certamente não seria tão estranho assim, bom, eu esperava que não fosse.

Ela não estava no escritório que costumava trabalhar, mas sua secretária tinha afirmado que ela ia para um café depois do expediente, ’’trabalhar e relaxar’’, qual é? Quem trabalha depois do expediente e diz estar ‘’relaxando’’? Mas tudo bem. Segui até o café, que ficava na esquina do seu escritório, ela estava lá, sentada bebericando uma xícara de café, e seus olhos corriam rapidamente por papeis e mais papeis, enquanto sua mão direita, que se via livre da alça da xícara de café, passava por alguns apenas assinando. Ainda que eu não quisesse admitir, ela estava incrivelmente sexy com aquela camisa social branca e concentrada em algo que não era eu.

- Boa noite ! – disse enquanto me aproximava da garota que não via a alguns anos, seus olhos pareciam surpresos ao me encontrar ali, mas logo ela abriu um sorriso breve, que provavelmente ela dava para todos os clientes.

- Quanto tempo, . – ela sorriu finalmente de verdade, e então me sentei em sua frente, e ela abaixou os papeis de sua mão para me encarar. – Acredito que você não apareceu à toa, o que você precisa? – eu iria negar, que não precisava de nada, mas como sabia que essa tática não funcionaria com a mulher e ela também já estava me olhando com os olhos semicerrados, como se vasculhasse toda minha mente.

- Certo, , acontece que eu estou sendo deportado e você é a única pessoa que pode me salvar disso. - abri o sorriso de lado observando a mulher apenas arquear a sobrancelha.

- Não posso fazer nada. - ela deu de ombros, voltando sua atenção para a bebida, levando a xícara novamente até a boca.

- Ah, você pode sim! Nós dois sabemos que um diplomata pode mexer alguns pauzinhos, ou algumas árvores se ele quiser. - dei uma piscadela que a fez revirar os olhos.

- Por que eu deveria ajudar logo você ? Deixar você ser deportado de volta para nossa cidade natal não seria nada mau, você a milhas e milhas longe de mim... - ela sorriu breve fazendo sinal com a mão no ar, como uma rota que atravessava o oceano.

- Vamos lá, eu fico te devendo uma! - insisti um pouco a encarando, me acomodei melhor na cadeira observando a mesma remexer alguns papéis que estava sobre a mesa da cafeteria, os mesmos que anteriormente ela dedicava total atenção. - estou trabalhando em alguns projetos aqui em Londres, me dá a oportunidade de terminar e depois pode me deportar o quanto quiser.

- Não trabalho assim, eu faço acordos de... - ela ia começar falar me ignorando por completo.

- Espera, espera, mas é exatamente isso que quero que faça! - sorri abertamente para a mesma, me levantando da cadeira e indo até a mesma ficando em sua frente. - seguinte , é apenas negociar, mostre que sou importante para o país e que me deportar não é legal.

- você é péssimo para qualquer país, ! - ela disse em um ar de deboche, dando de ombros.

- Já que pedir com jeitinho nunca funciona com você... - dei de ombros finalmente me sentando e erguendo a mão para o garçom, pedindo uma dose de Bourbon. - eu sei que você está tentando entrar pra ONU e sei muito bem como te colocar lá dentro, você não é nada bobinha e sabe que eles podem te reprovar no teste fácil, fácil e chances para entrar na ONU são bem escassas...

- E você sabe que eu estudei para saber como agir sobre pressão e essa chantagenzinha não vai funcionar. - ela respondeu em contragosto.

- E sei também que você não iria dispensar uma ótima proposta, afinal você estudou para isso. - dei uma piscadela.

- Nada que vem de você é uma ótima proposta . - ela revirou os olhos.

- Quer apostar? - ajeitei meu cabelo a encarando convencido.

- Quero, você tem uma semana para me provar que vai ser uma boa e eu te livro da deportação. - ela terminou com o líquido do seu copo, se levantando e pegando sua bolsa. - agora eu preciso ir trabalhar.

- São dez da noite. - respondi com um semblante duvidoso, provavelmente ela só queria se livrar de mim.

- Tenho alguns papéis de deportação de cidadãos de bens para assinar ou recusar. - abri um sorriso grande. - porém você sabe, o seu não está na classificação de cidadão de bem...

, verão de 2017, Londres – UK.

- Vamos, sobe aí que eu te levo até sua casa. - abriu aquele sorriso sacana que ele tinha e sabia muito bem que conquistaria qualquer uma com este, mas também sabia que eu não me enquadrava nesse grupo, das mais caia de amores pelo sorriso dele. - Vamos logo , não adianta ficar me olhando com esse ar de dúvida. - ele esticou a mão para mim.

- ...- disse ainda em dúvida se deveria mesmo subir na sua moto, observei meu vestido midi, os saltos não tão altos e por um momento eu pensei, não combinaria com uma moto.

- Vamos lá, seu carro está quebrado, não tem mais táxis nesse horário nesse lugar da cidade e você tem a mim...- arqueei uma das minhas sobrancelhas e ele deu um risinho sacana.

- Vou confiar em você, mas só dessa vez. - abri um meio sorriso, sem mostrar os dentes, ainda não confiante da minha decisão, ele colocou um capacete sobre minha cabeça e estendeu a mão para que eu subisse. Passei a mão por seu ombro, pegando impulso para subir na Harley preta.

- Pronta? - ele virou sua cabeça levemente para dizer próximo ao meu rosto, passei minha bolsa para a curva do meu braço, passando as duas mãos pela lateral do homem.

- Pronta! - eu não podia ver, mas se eu o bem conhecia, teria dado um daqueles seus sorrisinhos antes de arrancar com a moto, numa velocidade que talvez nem fosse permitida por aquela rodovia. cortou em alta velocidade entre alguns carros, o que me fez fechar os olhos e me encolher levemente, apertando seu corpo junto ao meu.

- Com medo, docinho? - ele riu breve, e então passou sua mão sobre a minha que estava em sua cintura, como se me assegurasse que estava tudo bem.

- Claro que não. - debochei, observando os prédios passarem rapidamente ao meu lado, e então ele finalmente parou em frente ao meu prédio.

- Está entregue. - desci da moto, parando em sua frente, ele tirou o meu capacete e em seguida o seu, o homem permaneceu sentado na moto, enquanto eu passava a mão sobre meu vestido, ajeitando a frente dele.

- Obrigada! - sorri torto para o mesmo, que parecia combinar perfeitamente com a sua jaqueta de couro, moto preta e o sorriso sacana de lado.

, London – UK, 2017.

- Bom, eu já vou indo... - disse observando a minha antiga amiga sorrir de uma forma cautelosa em minha frente, assentindo com a cabeça levemente. Dei partida mas a moto não se moveu, e por um momento pensei em diversos palavrões, mas esses não foram ditos em voz alta, mas já sabia do que se tratava, observei a roda traseira e lá estava: a correia da moto tinha escapado da coroa, eu sabia colocar, mas não gostava de sujar minha mão com graxa.

- Está tudo bem? - questionou, se aproximando de mim.

- A correia escapou, mas eu posso concertar. - respondi breve, descendo da moto sobre o olhar atento da minha antiga vizinha. Tirei a jaqueta de couro jogando ela sobre o banco da Harley e enfiando a mão dentro da moto, tentando encaixar a corrente. Ela se sentou no meio fio pacientemente, e continuou me observar, demorou mais alguns minutos até que eu finalmente consegui encaixar tudo, me levantando. - droga.

- Precisa de algo? - ela questionou ainda sentada no meio fio.- sua mão sujou bastante de graxa, se quiser subir...

- Acho uma boa, eu tenho um encontro e iria direto pra lá, seria ótimo chegar com as mãos limpas. - sorri meio torto, me lembrando que Tifanny - a mulher que havia conhecido na semana passada em uma balada - me esperaria em um dos bares que eu gostava de frequentar.

- Claro, então vamos subir. - sorriu polidamente, puxei a chave da moto e segui a mulher que entrava no saguão do prédio de luxo, entramos no elevador e logo um casal de senhores também entrou sorrindo gentilmente, o andar de era o último, e logo o elevador se abriu, mostrando logo de cara a enorme sala de estar em tons pastéis. - o banheiro é o primeiro do corredor a esquerda, fique a vontade.

- Ok. - respondi enquanto caminhava em direção ao longo corredor. O apartamento da garota era grande e bem decorado, ela realmente devia ganhar bem sendo diplomata. Me encarando no espelho enquanto lavava as mãos só conseguia me questionar o quanto tinha mudado de uns anos para cá, não eu, mas a minha amizade com , como tínhamos vidas opostas, em países distantes e com cargos diferentes, a distância que teve nesses anos parecia não ter mudado muita coisa, afinal, as vezes eu ainda me sentia apenas um garoto quando estava ao seu lado.

- Aceita uma Heineken? Uma coca...- ela questionou sorrindo assim que eu saí do corredor, voltando a sala, ela estava lá com os pés agora descalços, mas o vestido midi bem comportado ainda estava em seu corpo, e por um momento eu me questionei quando ela cresceu tanto ou quando ela havia virado aquele mulherão, talvez pudesse ter sido em Yale, mas no natal do seu segundo ano da faculdade, quando ela voltou para Richmond ela ainda parecia ser só a garota que eu conhecia. Me sentia incomodado, como se em algum momento na minha vida eu houvesse perdido a noção do tempo.

- Aceito uma Heineken. - sorri indo logo atrás da garota que entrou na cozinha abrindo as portas da geladeira e saindo de lá com duas cervejas. Ela passou a bebida indo em direção a uma das cadeiras altas da bancada da cozinha se sentando tranquilamente enquanto bebia, fiz o mesmo e logo senti o celular vibrar em meu bolso, o nome da Tifanny estava estampado logo no visor, junto a uma foto da mesma.

- , oi! - ouvi um risinho forçado do outro lado da linha, mas aguardei que ela continuasse falando.- eu liguei para falar sobre hoje a noite...

- Oi, seria no The Camel, certo? - disse, observando o enorme quadro Prada pendurado sobre a parede do hall do apartamento.- estou atrasa...

- Não, não, você está na hora certa, liguei pra avisar que eu não vou mais te encontrar . - a mulher soltou do outro lado da linha, e pude ouvir um som alto e risadas ao redor. - desculpe, tenho que desligar.

- Tudo bem, tchau. - conclui desligando a ligação em seguida, bufei e vi que me encarava com um semblante sacana, e quando percebeu que a ligação tinha encerrado ela caiu na risada. - que foi ô babaca?

- levando um fora, huh? - ela riu, jogando levemente o corpo para trás enquanto gargalhava. - isso é para você ver o quanto é gostoso levar um bolo, sorte sua que ela ligou antes de você ficar lá esperando igual um trouxa.

- Você deve estar adorando ver o cara que você está louca para pegar, agora livre para passar a noite com você né? - disse, ainda sabendo que não era verdade, rindo breve e bebendo mais da cerveja.

- Você é iludido ! - era riu, puxando mais duas long neck da geladeira e colocando sobre a mesa de mármore. - mas sabe como é né?! É uma vingança que eu espero desde a sétima série da Lookwood, quando você tinha que fazer o trabalho de entrevista comigo e você me deu o bolo, e eu fiquei plantada na prefeitura sozinha, porque você estava com o idiota do Olsen.

- Aquele cara é um babaca! - a risada soou tranquila pela minha garganta, lembrando de como era quando eu era mais novo, e do dia que eu havia a deixado esperando sozinha na prefeitura, de fato, eu havia a trocado pelo futebol dos garotos da escola, e nem me lembrei de avisar, para variar, foi só mais um dos muitos dias que ela quis me matar.- aquele amigo dele, o Kile também era um otario...

- Ah, ele não era tão otario assim. - ela reclamou rindo breve enquanto bebia da sua garrafinha de cerveja.

- Ele só era legal porque queria te pegar. - fiz careta, me lembrando do garoto da nossa sala.

- Claro que não! Ele até fez meus trabalhos de química de todo o terceirão da Lookwood. - ela disse alto em justificativa entre um breve riso entre um gole e outro de cerveja.

- Era pra você ver a química entre vocês, mas você sempre foi lerdinha né... Coitado dele, tantos trabalhos para nada. - eu ri alto, observando a cara da minha antiga vizinha, que tampava o rosto com as mãos escondendo o riso.

- Quem disse que foi pra nada? - meus olhos se arregalaram enquanto minha mente vasculhava algum resquício de memória do terceiro ano, tentando lembrar se ela havia ficado com o garoto, mas provavelmente ela observava minha expressão porque soltou uma gargalhada alta, continuando a frase. - ele conheceu uma ótima diplomata e ajudou ela concluir os estudos, sem contar que caiu na realidade que ninguém é obrigado a ficar com ninguém só por trabalhos escolares né, aliás ele pode conhecer a pessoa maravilhosa que eu sou!

- Tá bom, tá bom... - mexi com as mãos no ar como se fosse irrelevante enquanto ria breve. - aliás, eu odiava aquele seu amiguinho, como é o nome dele mesmo?

- O Dale. - ela revirou os olhos. - não é pra falar mal dele, seu fofoqueiro!

- Fala sério, ele me mandou ir embora da casa dos seus pais uma vez, lembra? E ainda achava que era melhor que eu... Calunia. – comentei indignado relembrando da situação em minha mente.

- Mas bem que você gostava da irmã gêmea dele né? - ela soltou sacana, e minha mente rapidamente lembrou da ruiva, que eu costumava ficar no segundo grau, e logo uma gargalhada fugiu da minha garganta.

- Ela era uma boa garota... - soltei observando rindo em minha frente e repondo a cerveja por novas e cheias garrafas.

xx


- Ah, você já bebeu demais, tá falando bosta já! - ela gargalhava da história que eu tinha recém contado sobre os trotes que fazíamos no vestuário do ginásio de basquete no ensino médio. - É sério, você fala muito mal do Dale, ele era maravilhoso! Isso aí é invejinha.

- Ah me erra né , inveja dele? - continuei rindo, bebendo o final da long neck. - eu até mandaria você ir tomar no nariz, para ser educado, por cogitar que eu tinha inveja daquele bostinha. A única parte que eu queria ser ele, era aquela vez que ele chegou na roda dos caras falando que tinha entrado no vestuário sem querer e te viu de lingerie.

-! - ela ria alto e do nada um barulho como um ronco soou alto, nos fazendo gargalhar mais.

- Isso saiu da sua barriga? Você carrega um dragão aí dentro? - eu ria, observando a mulher passar os dedos entre os cabelos cor de areia.

- Quié, eu tô com fome! - ela resmungou, fazendo um breve bico antes de voltar a dar risada da minha cara.

- Eu sei fazer uma panqueca muito boa. - eu disse sorrindo e apontando os polegares para cima como uma propaganda de TV.

- Tá, desde que eu não morra com uma intoxicação alimentar, faça o que quiser! - ela afirmou dando de ombros, pegando uma nova cerveja e bebendo em direção ao corredor. - vou só tomar uma ducha e já volto. Fique à vontade para procurar as coisas nos armários, o liquidificador está na segunda porta.

Enquanto ela sumiu pelo corredor, puxei o liquidificador colocando na bancada que ficava um pouco para baixo da minha cintura, achei a farinha em alguma parte dos armários e joguei uma parte dentro do liquidificador, junto a ovos, manteiga e o leite, sentia que a quantidade de álcool no meu organismo já era evidente, mas ainda assim continuei bebendo enquanto cozinhava. Apertei o botão para ligar o liquidificador e o barulho foi horrendo, pior que o barulho só o fato que eu não tinha me atentado a colocar a tampa do mesmo e o líquido voou tudo em minha camiseta branca, no mesmo momento que eu acabei berrando merda, o que fez a garota perguntar algo que eu não entendi de dentro do corredor, logo a mesma apareceu com um roupão rosa bebê, que tinha sua inicial em suas costas e pantufas branquinhas do que parecia um coelho no batente da porta. - será que você teria uma camisa para me emprestar? - perguntei fazendo uma careta, apontando para minha camisa imunda de massa de panqueca, ela soltou um riso tranquilo.

- Sinto muito, eu não tenho. - ela moveu os ombros. - mas se ajudar, tenho uma máquina de lavar.

- Acho que serve. - respondi sorrindo, indo até ela, que fez um movimento com as mãos para que eu a seguisse, arranquei a camisa e por um momento vi os olhos da garota parar em meu abdômen, ou poderia ser só a bebida que me fazia pensar coisas aleatórias.

- Só me diga que você não sujou minha cozinha. - ela pediu num breve sorriso, abrindo uma das portas, que dava para uma lavanderia. - como funciona essa fundação que você está trabalhando?

- Para sua sorte, fui o único prejudicado, a cozinha permanece intacta. - ela continuou, abriu a máquina de lavar, onde eu joguei a camiseta lá dentro, me encostando em uma das bancadas que tinha ali a observando, seu rosto estava sem maquiagem alguma, mas permanecia bonita.- eu não sei te explicar em palavras, depende muito da "missão" que você foi designado entende? - ela fez que sim com a cabeça, mas aposto que ela não tinha entendido nada. - você não entendeu nada né? - ela afirmou com a cabeça, e nossas risadas soaram altas, ecoando pela lavanderia. Voltamos para cozinha onde eu ia re-preparar a massa para panqueca. - Deixa eu te ajudar! - ela reclamou, passando as mãos pela minha cintura rapidamente e apertando para fazer cócegas e indo para o meu lado na pia. - um pouquinho de farinha...- ela despejou uma medida no recipiente, aproveitando para passar as mãos sujas de farinha no meu rosto enquanto ria.

- Mas, o que?! - eu ri a segurando entre a pia e meu corpo, jogando farinha na mesma, que assoprou o ingrediente que tinha em seu rosto, fazendo o pó branco pairar sobre nós.

- , eu já tomei banho! - ela gritou rindo, indo pegar os ovos e a manteiga. - vai, coloca tudo aí! E agora tampa!

- Ah, nem sabia... - disse irônico dando uma piscadela para ela que deu de língua.

- É, pelo jeito não sabia mesmo, olha o resultado da última receita... - ela apontou para mim sem camisa, dando de ombros.

- Você tá adorando me ver sem camisa que eu sei... - pisquei convencido para a mesma que logo ergueu a frigideira fazendo uma careta e depois revirando a mão livre no ar, como um "me poupe" que sempre usava. Liguei o liquidificador que logo bateu tudo, e então segui até ela colocando um pouco do líquido na frigideira. - mas sobre meu trabalho, acho que você iria gostar de conhecer pessoalmente, é incrível o que a fundação faz pelos animais... Você trabalha amanhã?

- Claro né, todos trabalham amanhã, ainda é quarta feira.- ela debochou, enquanto virava uma panqueca no ar. - mas não preciso ir pro escritório, desde que eu preencha umas papeladas e envie para meu superior até o final da tarde.

Depois de comermos panquecas com qualquer recheio que encontramos na geladeira, até os mais bizarros, como balas de gelatina fini, ela insistiu que era para esperar o álcool abaixar para depois eu ir embora, acabamos terminando a noite relembrando nossas brigas de escola e de rua também, onde acabamos quase nos matando, mas no dia seguinte tudo estava bem de novo, rimos vendo o anuário do terceiro ano, lembrando de cada um que dividimos nossa sala de aula.

xx


O sol estava incomodando meus olhos, puxei os óculos escuros colocando os mesmos, enquanto estacionava bem em frente ao prédio da e buzinando várias vezes. O porteiro já me olhava com uma cara feia, e só por sorte ele não mandou os seguranças me expulsarem dali.

, London – UK, 2017.

- Senhorita , tem um louco buzinando aqui em baixo, ele disse que tá esperando você! - o porteiro ligou no meu apartamento, logo dizendo isso, o que só consegui murmurar foi um "mas que droga" - é sério, preciso que desça aqui e controle seu namorado, a dona Lurdes do 304 já está reclamando da buzina.

- Estou indo senhor Lewis, me desculpe. - disse já pronta para descer, puxei os óculos escuros de cima da mesa – por um acaso você sabe quem é? E creio que não seja meu namorado.

- Sei que está dirigindo uma Land Rover e parece muito o rapaz que estava em seu apartamento ontem a noite. - e então descobri quem fazia arruaça no terraço do meu prédio, .

- Claro, tinha que ser. - resmunguei, puxando meu celular. - já estou descendo, agradeço por avisar viu?! - desliguei o telefone, apertando o botão do elevador que logo se abriu, olhei para meu apartamento, logo vendo a jaqueta de couro do , que ele havia esquecido, puxei a jaqueta e finalmente desci no elevador, enfiando a jaqueta do mesmo.

- Bom dia senhorita . - Lewis disse, agora pessoalmente.

- Bom dia! - acenei para ao mesmo, indo para a calçada, observando sorrindo sacana dentro do carro, ri breve, girando em meus próprios calcanhares exibindo a jaqueta do mesmo. - olha minha nova aquisição!

- Você demora ein, ?! - ele resmungou sorrindo de lado de forma sacana, abrindo a porta pelo lado de dentro para mim.

- E quem mandou você começar fazer arruaça na frente do meu prédio? O coitado do senhor Lewis estava enfartando já, coitado! - respondi, tirando a jaqueta dele e jogando para dentro do carro. - não era muito mais fácil ter me ligado e dito "estou aqui embaixo, da pra descer?!"

- Entra logo! - o homem falou de dentro do carro. - e eu aposto que você falaria "não vou descer não, você que se foda".

- Certinho, eu diria isso mesmo! - soltei uma risada junto ao homem. - e para onde você quer me levar? Eu não vou entrar nesse carro com você.

- Anda logo ! - resmungou fazendo uma careta para mim que cruzava os braços me recusando entrar, parada em frente a porta do carro.

- Eu não. - rebati, o encarando com os olhos semi-cerrados.

-Eu vou aí te pegar e te enfiar dentro desse carro. - e por fim, mostrei a língua pro mesmo a contragosto, entrando no carro.

- Eu preciso trabalhar ! Trabalho sabe? Então, trabalhar e trabalhar...- comecei tagarelar ao lado do mesmo que ria breve, saindo com o carro pelas ruas. - e você tá me devendo um mc de almoço!

- Você já trabalha demais . - ele continuou, dirigiu até uma estrada afastada e então entrou numa espécie de fazenda. - aqui é onde trazem os cachorros abandonados e animais mal tratados, a fundação acaba recolhendo eles e cuidando até que eles fiquem bons para a adoção.- Ele disse descendo do carro ao meu lado, enquanto caminhava pelo gramado extenso até uma espécie casa, que mais parecia uma clínica veterinária.- eai cara, você está melhor? - ele perguntou se abaixando para brincar com um dos cachorros que veio correndo até ele. O mesmo veio cheirar meu pé, e por um momento eu tive medo que ele avançasse. – Ele é mansinho.

- Oi garoto! – finalmente me abaixei, ainda olhando para com um semblante de duvida, esticando minha mão para o cachorro, que logo a lambeu. O homem se abaixou ao meu lado, brincando também com o cachorro que ainda era um filhote. – O que ele tem?

-Sofria maus tratos, foi jogado na rua e atropelado, mas eu o encontrei logo em seguida e trouxe-o para cá, é um ótimo cachorro, a recuperação dele foi rápida... – ele dizia sorrindo, estava claro que ele tinha paixão pelo que fazia e trabalhava diariamente.

xx


O tempo passava e a convivência com era praticamente diária, quase todos os dias ele aparecia na cafeteria que eu costumava ir no intervalo do trabalho, aparecia sorridente, contando as novidades dos animais que resgatou, das missões futuras que provavelmente iria ir e como os cachorros estavam se recuperando bem na sede da fundação. Haviam até dias que ele aparecia em casa, e passávamos horas brigando por alguma ideia que não compartilhávamos ou então rindo de algum acontecimento.

- Isso é bizarro, no dia de folga você, uma diplomata que é extremamente importante, ainda que eu odeie admitir isso, que pode ser sequestrada, raptada ou algo do estilo, passeia com o cachorro e ainda flerta com o vizinho. – ele disse dando de ombros enquanto andava ao meu lado na rua de casa, enquanto levava Valerie, a cachorrinha que eu havia adotado em sua fundação, para fazer xixi.

- Eu não flerto com o vizinho! - respondi de cara feia e ele apenas deu de ombros segurando o riso. - minha cadela é que gosta do cachorro dele.

- E você aproveita pra flertar com o dono do cachorro. – ele completou na lada, sorrindo amplo em minha direção, quando joguei o papel amassado que tinha nas mãos em direção ao homem.

- Não , N-Ã-O! – sibilei fazendo careta para ele que ria perfeitamente.

- Então com quem você flerta? – ignorei sua pergunta, continuando a caminhar com a cadela pela calçada. – estou falando com você, ...

- Com ninguém , dá pra você ficar calado por um minuto? – e então ele o fez, finalmente não disse nada.

- Ok, agora que já passou um minuto, como assim com ninguém? – ele sorriu breve e contido enquanto eu revirava os olhos para o mesmo tentando esconder o breve riso.

xx


- Olha, , eu sei que é loucura, mas não tem volta. – eu o encarei nos olhos assim que abri a porta ainda meio sonolenta. Eu havia recém entrado de férias do meu trabalho, mas ainda assim pensava nas pilhas enormes de casos para assinar quando voltasse a trabalhar, estava até cogitando ‘’trabalhar’’ em casa, e quando voltasse ao trabalho entregasse tudo pronto.

- O que não tem volta há essas horas da manhã? A única volta que eu to querendo é que você volte para sua casa e me deixe dormir. – ele maneou a mão no ar, dando de ombros e entrando no meu apartamento.

-Comprei suas passagens. – o olhei, ainda em dúvida, como se pedisse que ele fosse claro, coisa que dificilmente ele era. – Lembra que você tinha me dito que achava legal essas ‘’missões’’ para locais pobres da África, ou qualquer coisa que era para ajudar o mundo? Então, te coloquei numa.

- Como assim você me colocou numa? – perguntei lentamente o olhando com os olhos arregalados, de fato eu queria ir, mas não agora, eu tinha muito a fazer antes por aqui, e futuramente eu planejaria uma dessas viagens voluntarias para algum lugar que eu iria estudar muito antes de ir.

- Ah, você sabe né, você falou que queria ajudar, que tinha vontade de ir, que entrou de férias, ai eu liguei tudo! – ele abriu um enorme sorriso em minha direção, jogando um enorme envelope branco sobre a mesa da cozinha. – Te coloquei como minha... como é que chamam o Lucifer, não o Lucifer satã, mas o Lucifer Morningstar, quando ele trabalha com a detective? – ele parecia revirar seus pensamentos a procura do codinome.

- Parceiro? – Eu sabia do que ele estava falando, mas não lembrava o nome correto de forma alguma. – E definitivamente prefiro a Maze!

- O que? Claro que não! A Chloe é muito melhor. – ele revirou seus pensamentos e parecia ter achado finalmente sua linha de raciocínio. – Então, eu te coloquei como minha ‘’parceira’’ e você vai para alguns cantos da eurásia, em ótima companhia, salvar alguns animais.

- Você ficou louco? – o olhei incrédula, mas ele permaneceu com um sorrizinho tranqüilo estampado em seu rosto.

-Acho melhor você andar logo , nós embarcamos amanha cedo. – ele seguiu pela minha cozinha enquanto eu bocejava, ele pegou duas canecas. – chocolate quente?

- Vai né, já vi que não tenho outra saída. – dei de ombros, finalmente me sentando na cadeira alta da cozinha, o observando enquanto ele fazia nossas bebidas.

xx


- O que? Não é possível! – inclinei-me sobre o balcão encarando a mulher que parecia levemente sonolenta. - Senhora, compreenda nossa situação, nos achamos que aqui seria uma cidade com muitos hotéis e quando chegamos todos os outros que procuramos estavam lotados, você precisa nos dar uma acomodação, esse aqui é o único que ainda está ao menos com a recepção aberta essa hora, eu passo pagar a mais...

- Poderia ser qualquer quarto que estivesse disponível? – assenti com a cabeça, cutucando a cintura do para que fizesse o mesmo. –Tenho um na cobertura. – ótimo, cobertura, devia ser bom! – ele só tem um banheiro, o chuveiro as vezes não esquenta e a janela está um pouco enferrujada.

- Aceitamos! – Para , aquilo era o suficiente, então não me deixou ouvir as outras coisas que tinha na suíte, ele pegou a chave. Peguei os papeis preencher o check-in.

- Senhor... – a senhora disse quando viu apertando o botão do elevador, e então ele se virou com as malas nas mãos em nossa direção. – Tem um detalhe, o elevador só vai até o décimo andar, a cobertura está no décimo sexto. – Observei a expressão do se tornar a mesma da minha, tentando manter um breve sorriso, mas a careta que fazíamos era tão evidente que provavelmente a mulher havia notado. E então ele entrou no elevador, carregando suas malas e as minhas, terminei o check-in e entrei no elevador que havia chego, provavelmente estava no décimo andar, ainda dava tempo de alcançá-lo.

- ? – gritei, observando a escadaria escura a minha frente assim que sai do elevador pequeno e com cheiro de bolor, eu não costumava ser muito fresca, mas definitivamente não era muito agradável aquele elevador.

- Tô aqui no andar de cima, vai subindo... – ele dizia com uma voz um pouco cansada, até que ouvi um barulho. – DROGA, o que você carrega nessa mala?

- Armas. – resmunguei, revirando os olhos enquanto subia as escadas com apenas a lanterna do celular ligada nos meus pés, já que não tinha luzes ali. – e você reclama demais...

- Então vem me ajudar carregar essa merda! – sua voz saia um pouco longe, porque de fato ele devia estar uns dois ou três lances de escada acima e estávamos gritando pelo local.

- Eu estou usando Jimmy Choo! – reclamei, enquanto observei uma barata passar no degrau acima e involuntariamente fiz uma careta de nojo. Já estava ofegante quando observei que era o último lance de escada, e praguejava enquanto empurrava a porta e virava a chave sem parar logo no topo no lance. – Olha, eu já vou dizendo, quero a cama que estiver longe das paredes porque baratas podem...

-Eu acho que você não vai poder escolher sua cama. – ele disse assim que a porta se abriu, jogando as malas no chão. Terminei de andar, chegando na porta do quarto. – Eu só quero me jogar na cama e dormi... EU NÃO VOU DIVIDIR ESSA CAMA DE CASAL COM VOCÊ!

-E eu não vou dormir no chão por você. – o homem retrucou, se jogando na única cama – e de casal – que tinha no quarto, era literalmente isso, um piso de madeira – consideravelmente aparentando estar novo - um banheiro, sem porta, que dava para ver uma banheira, uma pia e uma patente, e a maldita cama de casal, havia um armário onde eles provavelmente armazenavam as cobertas.

- ... – pedi, puxando o pé dele, pra tentar tirar ele da cama, que estava jogado bem espaçoso, mas ele era pesado. – Sai daí, eu quero dormir!

- Eu também quero dormir! – ele reclamou com a voz abafada pelo travesseiro. – Eu divido a MINHA cama com você, se quiser...

- Não. – reclamei em voz alta, cruzando os braços.

- Então , tem uma banheira muito macia ali naquele banheiro hiper aconchegante, pode ir dormir lá! – ele deu uma piscadela assim que tirou o rosto de dentro do travesseiro apontando para o banheiro.

- Dorme você lá! – Gritei com ele que apenas deu de ombros.

- Não sou eu que estou reclamando de dividir a cama, é você que não aceitou as condições, estou apenas apresentando o que você vai ter que enfrentar se desistir de dividir essa cama deliciosa comigo. – ele deu um sorriso sacana, e eu o encarei apática. – Vamos lá, eu sei que é seu sonho... Não é nada mal essa viagem né? Além de tudo pode acontecer de acordarmos...

- NÃO VAI ACONTECER! – gritei rapidamente, me virando e puxando as portas do armário, que fez cair duas enormes cobertas em cima de mim – essas cheiravam a amaciante, pra minha sorte. – entrei no banheiro, forrando toda a banheira, que por sorte era de frente para a privada, do outro lado do cômodo, o que dava certa distância, coloquei o enorme edredom como um colchão no fundo e bordas da banheira e usei o outro para me cobrir, tinha ficado bom, tinha ficado do meu tamanho, e consideravelmente aconchegante, como um casulo. Eu só esperava que eu não tivesse o efeito contrário e acordasse como uma minhoca, ou lagarta toda acabada na manhã seguinte, queria permanecer borboleta.

- Boa noite, ! – ele soltou, assim que eu já estava puxando meu tapa olho para baixo para dormir.

- VAI SE FODER! – gritei de volta, com raiva do egoísmo do garoto por não querer ceder a cama para minha incrível pessoa.

Em um enorme vale, o gramado era extenso e verdinho, haviam alguns pôneis branquíssimos que corriam para lá e para cá, os israelitas não eram bombardeados e todo o mundo tinha paz, porque a incrível diplomata havia conseguido achar acordos tão bons – e lindos- quantos seus cabelos, para o mundo e todos viviam em... xiiiiiiiiiiiii.
Abri meus olhos com o barulho que tinha interrompido meu sono e a única coisa que consegui ver, pelo feixe de luz que vinha da janela era o corpo em pé de um sem camisa, mas o que ele estava fazendo em pé...

- ! – Gritei virando meu rosto para o outro lado assim que minha ficha caiu, o sono deixava meus pensamentos um pouco grogues, ainda mais quando eu estava dormindo numa merda de uma banheira no cu do mundo, no décimo sexto andar de um hotel fedido em um país que nem sequer era muito citado na geografia. Ele estava fazendo xixi, e por um momento a única coisa que eu consegui foi agradecer pela banheira ser bem longe da privada.

- Você que não quis dormir na cama comigo. – ele resmungou e deu descarga, em seguida lavando as mãos, o barulho da torneira se ligando fez com que eu voltasse meu olhar – obviamente bem ranzinza – para o homem que ao terminar de lavar as mãos, voltou-se em minha direção com um travesseiro. – agora é sério, boa noite. – ele sorriu de uma forma fofinha e colocou o travesseiro atrás da minha cabeça, no início da banheira, mas meu ódio por ele naquele momento era tão grande, que eu só consegui mostrar o dedo do meio, bem na frente do rosto dele que reagiu de uma forma calma, ele riu breve, negou com a cabeça e saiu do meu pseudo-quarto, eu só esperava não ter que acordar com sons de mijos frequentemente.

xx


- Aquilo ali é uma barraca de vidente? - apontou rindo, em direção a uma espécie de tenda que estava na praça do país.

- Parece que sim, ali diz: Madame Flett. - dei de ombros, enquanto remexia em minha bolsa a procura de um balm lip.

- Vamos lá ver. - ele soltou empolgado, me puxando pela mão.

- Que? Você tá me zoando, né? - observei o rosto do mesmo sobre a luz da lua cheia, ele apenas sorriu.

- Aproveita, , estamos viajando, tudo é válido. - ele abriu um sorriso entrando na tenda e me levando junto a ele. - vir aqui não significa que acredito, significa que quero ver até onde essa bizarrice vai.

- Ok, vamos lá. - dei de ombros observando o local, a tenda tinha uma divisória, como uma parte para espera e a real sala de consulta, a mulher com um enorme turbante na cabeça e brincos enormes apareceu lago na porta da divisória entre a sala que estávamos e a onde ocorria qualquer que fosse sua profissão.

- Sabia que viriam, estava esperando por vocês! - lá soltou sorridente e logo chamou-nos com a mão para dentro.- venham venham, temos muito a saber. Acredito que a senhorita veio aqui contrariada, não?

- Você previu isso? - a observei com uma sobrancelha levemente arqueada e a mulher riu, ajeitando as argolas dos brincos.

- Não seja tola, estou vendo pela sua cara! - e então ela ajeitou o baralho. - vamos lá, senhorita, vou começar por você, tem algo aí que me intriga! Tire algumas cartas.- apontei algumas cartas e ela as colocou sobre a mesa, indicando que viraria uma por vez. - O navio, curioso garota, muito curioso. Você parece ser alguém fechada pelo que estou vendo, mas isso aqui - ela dizia apontando para a carta - isso aqui vai mudar tudo, o mar leva a todas direções, partidas, chegadas, pede mudança, a interna e a externa também. Essa carta deixa claro a importância de ser receptivo a novos sentimentos. - e então ela virou a carta ao lado, era um cavaleiro - veja querida, que curioso, o cavaleiro veio até você, aqui é claro: obstáculos e problemas já existentes não tardaram a chegar, mas também diz que você tem que ter coragem e também diz que você tem a capacidade de mudar o rumo das coisas.

- Claro que eu tenho, sou diplomata. - eu ri em minha mente, mas a mulher me lançou um breve sorriso de lado, como se no fundo dissesse que eu não sabia de nada.

- Continuando. - ela voltou sua atenção para as cartas, mostrava uma nuvem, porém escura. Ela passou a mão sobre seu queixo como se avaliasse o tamanho problema - nada bom mocinha, as nuvens nunca são boas, elas dizem aqui perca de dinheiro, instabilidade emocional, tudo escuro, confuso, nublado, sua cabeça vai estar tumultuada e vai ser fácil tomar decisões erradas. - ela respirou fundo, puxando a outra que logo revelou uma cegonha, fiz uma careta involuntária, não queria que a mulher dissesse que eu ficaria grávida. - não faça essa cara, não é uma gravidez! São novos caminhos, novas experiências, tudo novo, mas você tem que se permitir viver isso. - e por último ela virou a carta, era uma torre. - intensa essa carta, ela diz sobre karma, mas também sobre amor... Você quer saber mais sobre ela? Se eu fosse você...

- Não, eu passo! - dei de ombros, indicando que ela lesse logo o do , escorei meus braços na mesa observando ela re-embaralhar todas as cartas.

- Muito bom! Já começamos muito bem, essa árvore representa coisas boas, que você vai conseguir tudo que deseja, até mais do que pensa. - ela sorriu voltando a abrir a carta ao lado, uma das quais ele havia indicado que queria, era um trevo - esse aqui diz que problemas virão, muita confusão, incertezas e instabilidade, muito cuidado rapaz.- ela virou a próxima, que indicava um cachorro. - quer dizer que você vai ter alguém que te apoie e seja seu companheiro mesmo em emboscadas. - faltavam duas cartas e eu já não aguentava mais ouvir lorotas, ela virou a próxima que eram passarinhos. - paciência rapaz, é isso que a carta lhe pede, junto a várias palavrinhas que dizem que coisas boas estão por vir, mas não grandes coisas, atos ou acontecimentos, mas felicidades singelas, como coisas puras que vão te deixar em êxtase. É uma carta boa rapaz! - ela virou a penúltima, parecia se divertir com as vidências da mulher, a carta virou e por um momento meu ceticismo parecia querer correr pelo ralo, apareceu novamente uma carta, e era a torre, a mulher olhou para mim com calma, como se deixasse claro que agora eu precisava ouvir o que a carta tinha para mim.- interessante! Ela tem muitos significados, mas perto dessa aqui, da mesma forma que apareceu no da moça... - ela aponta para a carta ao lado - o que ela diz é claro: você é ligado a alguém, a alguém do passado, e existe algo forte entre vocês, mas é como um karma, vocês não poderão ficar juntos.- e então ela virou a última carta, era uma cruz.- a cruz em relação ao amor, quer dizer glória depois de muito sacrifício, quer dizer que ainda que com o karma...-aquilo era uma tremenda de uma babaquice, estava cheia de ouvir lorotas daquela charlatã, fala sério, ceticismo é meu nome do meio e ficar ouvindo historinhas para boi dormir estava demais.

- Ah, fala sério, né? Cansei de ouvir tanta bobagem... - eu disse me levantando da cadeira e indo para fora da tenda.

- Está tudo bem? - apareceu ao meu lado guardando a carteira de volta ao bolso antes de caminharmos de volta ao carro.

- Está. - eu dei de ombros. - eu só não estava com mais paciência para ouvir aquele monte de asneira, apenas para tirar alguns trocados. Aliás, quanto ela pediu?

- Cem pratas. - ele deu de ombros, entrando no banco do motorista, do carro que tínhamos alugado mais cedo.

- Você pagou cem pratas por essa baboseira toda? ! A moeda desse país nem sequer é euro, você sabe o que significa? Que ela te explorou! - ele riu breve, dando de ombros mais uma vez enquanto dirigia rumo ao hotel que estávamos hospedados, aquele que era o único disponível na droga de cidade, e que só tinha uma cama de casal.

- Tudo bem, mas aquele negócio que ela falou das torres e que também teve no seu baralho não era meio suspeito...- ele me olhou de relance, parecia questionar algo para si mesmo.

- Fala sério ! Esse negócio de karma e de ligação amorosa com alguém do passado, é tudo historinha! - resmunguei, olhando pela janela o gramado que passava, aquela cidade definitivamente só tinha mato.

- Mas como ela ia saber que nos conhecemos do passado? - ele soltou, dessa vez sem me encarar, já que eu o olhava curiosa, mas seus olhos pareciam se perder na estrada.

- Ela não disse que era sobre nós. - conclui, relembrando o que a mulher havia dito a alguns minutos atrás quando havia virado o meu baralho.

, Palmse – Armênia, 2017.

- Como sabia que eu tava aqui? – ela perguntou arqueando as sobrancelhas enquanto direcionava o que parecia um pão fofinho até a boca no mesmo momento que entrei na cafeteria.

- É o mesmo lugar da embalagem dos bolinhos que você levou pro hotel ontem – revirei os olhos, me sentando na frente da mulher, que ainda que fosse muito cedo ela já estava arrumada como se fosse para uma reunião.- e você disse: ‘’ quero comer lá amanhã de manhã’’. – a imitei com uma voz fina irritante.

- Eu não falo assim! – ela reclamou, revirando os olhos. - Fala sim. – retruquei, a encarando nos olhos, ela me olhava com os olhos semicerrados, fiz o mesmo a imitando, mantendo a briga de ‘’olhares intimidadores’’. – OLHA LÁ UMA NUVEM IGUAL DA CARTA... – quando ela se virou para ver peguei o pãozinho do seu prato.

- ! – ela gritou comigo, como sempre fazia.

- Foi olhar a carta da madame Flech, uhu? – eu ri nasalado encarando ela resmungar em seu lugar. – acho que alguém esta incomodada com o que a vidente disse... ‘’coisas ruins estão por vir’’... – imitei a voz da mulher, rindo em seguida e então um prato caiu de cima da prateleira ao nosso lado se espatifando no chão, o que nos fez olharmos um para o outro com os olhos estatelados.

- Eu não acredito naquela idiotice. – ela mordeu um pedaço do biscoito típico do pais dando de ombros.

- Acredita sim. – retruquei na mesma hora.

- Se você continuar falando eu vou achar algumas cartas igual a daquela velha e te enfiar goela abaixo. – a mulher me ameaçou, apontando a bolacha em minha direção, levantei as mãos em redenção.

- Isso é a nuvem trazendo humores negativos para você... – continuei e dessa vez peguei a xícara de café dela, bebericando a mesma enquanto ela me encarava com a pior cara possível.

- Você não tem que trabalhar não? Ir atrás dos cervos... – ela disse respirando fundo, e provavelmente contando até mil para não me matar.

- Na verdade, na Armênia são mais pássaros, o único animal poderia ser um musmão e seria muita sorte achar um musmão... – continuei tagarelando atrás da mulher quando ela se levantou da mesa para ir embora, continuei indo ao seu lado. –Ah, e para o seu governo, você tem que ir junto fotografar os musmãos e ver se eles estão em área de risco.

- QUE DROGA É UM MUSMÃO? – ela gritou se virando de frente para mim no meio da rua, a sorte era que a cidade era tão parada que os poucos moradores que estavam ali pouco se importaram. – você falou umas mil vezes a palavra musmão, mas a única coisa que consigo associar é a você ser um bundão.

- Bundão? Sério mesmo ? – ela deu de língua, continuando a andar na minha frente até o carro que tínhamos alugado e que estava em frente ao hotel. – Musmão são os ancestrais das ovelhas, você é burra? – falei sem pensar e só quando recebi um olhar de ódio da mulher percebi que estava pedindo para ser morto.

- Dirige essa merda logo. – ela ligou o rádio, mas tocava uma música muito estranha.

- Sabia que os musmãos estão sendo extintos? – a olhei de relance.

- Sabia que nessa manhã descobri que a taxa de criminalidade dessa cidade é incrivelmente alta para ficarmos salvando musmãos? – ela retrucou. A tarde passou rápido, observamos alguns habitats naturais dos pássaros mais afastados da cidade, e ela me falou algumas coisas sobre geografia que eram muito importante para que eu trabalhasse melhor e eu não fazia a menor ideia antes. Era quase quatro da tarde e ainda não tínhamos almoçado, apenas comemos algumas batatinhas que tinha dentro do carro por acaso.

- Será que eles entregam comida no meio desse mato? – ela perguntou enquanto revirava a bolsa que parecia ser de alguma marca renomada. – Droga, eu esqueci meu celular.

-Acho que não, mas eu posso parar em uma daquelas mercearias para comprar algo. – dei de ombros, andando algumas quadras para frente até encontrar uma ruela, porém não entrava carros, estacionei e ela logo foi descendo do carro, caminhando até onde tinha uma parede com um enorme mapa da cidade.

, Palmse – Armênia, 2017.

- Vou lá comprar comida e repelente para quando entramos na floresta e já volto, não sai daqui. - disse breve enquanto eu perdia meu olhar pelo horizonte da cidade, já tinha lido sobre algumas vezes, mas nunca de fato visitado ou estudado afinco, por um momento desejei não ter esquecido meu celular no hotel.

- Não grita, não grita, quietinha... - senti algo gelado na minha temporada esquerda e passei a me virar lentamente para enxergar. - isso, quietinha, já deve ter lido da onda de sequestros que está acontecendo por aqui e ainda anda sozinha, você é burra?

- Estou quieta, você poderia ser menos grosseiro? - pedi para o homem que tinha um capuz preto e segurava uma pistola apertada na minha cabeça e sua mão se mantinha em minhas costas, como se assim tivesse mais controle da situação. - Olha, eu não quero causar problemas para você, esse negócio de sequestro não vai dar muito bom para você senhor, se você colaborar...

- Seguinte mocinha, eu te saquei, turista, com esses saltos finos de riquinho aí e essa saia até embaixo do joelho, eu já vi em algumas revistas, isso é coisa de rico, a situação aqui tá difícil, preciso de grana! E vão pagar bem pelo seu resgate. - ele afirmou com uma voz que parecia esganiçada.

- Posso te ajudar com isso, desde que você colabore e ninguém vai sair prejudicado. - confirmei o olhando nos olhos, o homem ficou receoso de início, mas confirmei com a cabeça para o mesmo.

- Preciso de grana, de grana, você vai dar um jeito nisso? Eu duvido que vai. Nada se compara ao preço um sequestro. - ele rosnou ao meu lado apertando mais o cano da arma contra mim.

- Você está disposto a correr o risco de ser preso na mesma porcentagem de chances que esse sequestro pode dar certo? - ri nasalado, de fato eu não estava contente com a situação, mas também não me apavorava muito, talvez um breve incômodo na boca do estômago e só. - tenho um cargo muito alto em Londres, você poderia ser morto se descobrirem que me sequestrou, e acredite, eles te achariam rapidinho. Tenho uma boa quantia de dinheiro na minha bolsa, desde que você deixe-me ficar com meus documentos.

-Ei! Ei, o que está acontecendo aí? - gritou saindo da loja e logo o homem tirou a arma da minha cabeça apontando para ele.

- , não! - gritei tentando fazer ele parar mas ele continuou andando furioso em direção a arma e a mim, sinalizei com a palma da mão para baixo levemente para o homem assaltante se acalmar, mas foi em vão, ele estava nervoso demais, tremia e parecia soar frio.

- Passa, passa a bolsa! - ele gritou, puxando a bolsa da minha mão.

- Tinhamos um combinado! - gritei de volta para ele, e ele apontou a arma em direção ao meu rosto, pude tirar o buraco pelo qual sairia a bala.

- O combinado já era burguesinha! - ele gritou cuspindo e então arrancou a bolsa de mim, saindo correndo em direção contrária, sem deixar de apontar a arma em minha direção e de que já estava bem próximo de mim, e então o homem sumiu no meio de uma ruela que tinha ali perto.

- Que droga, , você estragou tudo! - resmunguei cruzando os braços em direção ao homem que me abraçou como se estivesse me confortando do assalto.

- Não se preocupe, , a maioria do dinheiro está no apartamento e seu celular você esqueceu lá também então... - revirei os olhos na direção dele. - não fique com medo.

- Eu não estive e nem estou com medo, mas ele levou meus documentos, ! - gritei brava, pisando duro até a mercearia que anteriormente estava. - eu estava conversando com ele, ele ia deixar meus documentos e levar apenas o restante!

- Você estava usando diplomacia com um bandido? - ele riu breve, parecia que estava rindo da ironia da situação.

- Eu uso diplomacia para tudo! Se não, eu nem seria formada nessa merda! - gritei com mais raiva que anteriormente, enquanto o homem andava logo atrás de mim quando o sininho da porta da mercearia tocou, assim que abrir a porta.- eu perdi meus documentos! Você sabe o que é isso?! Para um diplomata é muito mais importante que qualquer dinheiro seu idiota! - eu pisava duro a cada passo que eu dava, indo em direção ao local das cervejas, a mulher do balcão apenas nos observava. - culpa sua! Seu idiota! Você é um merda! Você estragou tu...- quando me virei para encará-lo de perto enquanto o xingava insistentemente seus lábios já estavam próximos demais e então, eles estavam juntos dos meus. Sem tempo para qualquer protesto, sem tempo para assimilar qualquer droga, ou frase para culpá-lo, estávamos nos beijando, bem no meio de uma mercearia, a poucos quilômetros de onde eu havia sido assaltada, no meio de um país desconhecido e uma cidade com uma enorme taxa de criminalidade, eu não era uma diplomata, até porque não tinha meus documentos nessa atual situação, não era a grande mulher que mandava e demandava serviços em Londres, eu era aquela que tacava fogo em tênis fedidos, e às vezes bolas de neve em meu vizinho, o mesmo que agora eu beijava no meio de todo caos.

xx


Voltei para o hotel contrariada, indignada e perturbada com o homão que podia ser, mas era o , então soava estranho, igual ter acontecido um beijo. Voltamos para o hotel e os muitos lances de escadaria foram encarados no silencio, eu precisava pegar meu celular, eu precisava dos meus documentos. Liguei milhares de vezes para quem eu sabia que tinha acesso a consulados estrangeiros e que poderia me ajudar, mas ele não parecia estar perto do celular, já que este tocou milhares de vezes e nunca atendia. E então ele atendeu, expliquei toda enorme situação, e como eu estava perdida –diga se assim - e sem documentos naquele país.

- Senhorita , eu não te contratei para saber os problemas, te contratei para saber soluções. - Henrich disse seriamente no telefone, e por um momento só pensei, fodeu. - vou conversar com o responsável pelo consulado Armênio e avisar suas percas, torça para que eles possam ajudar.

- Obrigado, Henrich! - disse aliviada, observando sorrir daquela forma como se tudo permanecesse muito bem. Henrich não havia dito claramente que me devolveria meus documentos, mas eu sabia que ele tinha muito crédito com todos consulados e eles fariam o possível para não decepcionar o enorme homem, então provavelmente eu teria meus documentos em breve, mas enquanto isso estaria presa no país.

- Isso não é bem irônico? - ele soltou assim que desliguei o telefonema. - fala sério, , você é quem cuida de alguém quando perde os documentos em outro país, e você perdeu os seus!

-Meu Deus, por que você não consegue calar a boca? – perguntei o encarando séria.

-É, eu sei, tenho um pouco de dificuldade para manter ela calada. – ele deu de ombros, dando apenas aquele sorrizinho de lado. – Mas se você quiser a calar eu deixo.

- Vou calar quando eu cortar sua língua fora. – retruquei, indo até a janela para puxar um dos lados para a fechar, mas ela travou e começou fazer um barulho estranho, estava velha demais e a madeira parecia não mais se encaixar como uma janela, a puxei com força e do nada ela caiu, na rua, ou seja, a dezesseis andares abaixo de nós.

- Você quebrou a janela do hotel. – ele riu afirmando encarando minha expressão, que ainda encarava a rua. – Você não consegue nem fechar uma janela...

- ... – respirei uma, duas, três vezes. – cala essa boca. – eu disse brava para o homem que sorriu enquanto dava de ombros.

-Cala a boca você, você reclama de tudo. – ele resmungou ao meu lado na porta enquanto eu observava a enorme escadaria.

- Eu reclamo de tudo? - o olhei com os olhos semicerrados enquanto descia os degraus ao lado dele.- você faz piadinhas idiotas desde que eu te conheço, e olha que faz muuuito tempo garotão, você... - foi quando eu tropecei num dos degraus quebrados daquela merda do hotel, que acabou quebrando meu salto, o ódio subiu pelo meu corpo quando eu vi aquele Manolo praticamente recém comprado quebrado por causa da merda de um hotel, por sorte eu não cai, já que o foi útil para alguma coisa pela primeira vez no dia e me segurou.

- Ah não, você vai ficar brava agora porque o seu salto quebrou? - ele soltou um riso nasalado. - vai reclamar mais uma vez...

- Olha aqui, , se você não quiser morrer ainda hoje você fecha essa sua boca... - eu disse enquanto tirava os saltos com raiva e pisava agora descalço pelos degraus abaixo ao lado do homem, morrendo de raiva. - porque isso aqui não é um simples salto, é um Manolo, e é tudo culpa sua, tudo! - gritei, sentindo o ódio invadir meu corpo enquanto eu apontava para o homem com o meu salto. - eu não estaria nesse fim de mundo se um dia você não tivesse aparecido lá e pedido para eu não deportar você, mas aí parece que esse assunto ficou aberto né, porque aí de repente estávamos nos dando tão bem que nem parecia que era por interesse...

- Não é por interesse sua idiota, eu te aturo desde os cinco anos, você acha mesmo...- ele me cortou falando logo em cima, dessa vez bravo pela acusação que eu tinha feito. - seria ótimo não ser deportado, ainda mais quando tenho ótimos motivos para ficar, mas se quiser me deportar, pode assinar aquela merda! Porque você é egoísta demais para pensar que tô aqui por uma boa causa!

- Egoísta é você que veio me procurar só pra te livrar de ser deportado! - gritei de volta. - seu hipócrita babaca, eu, eu...- eu estava procurando xingamentos para expressar toda minha raiva, mas colou nossos lábios muito mais depressa do que eu poderia pensar em xingamentos, seus braços passaram ao redor da minha cintura, juntando meu corpo ao dele, enquanto nossas línguas se entrelaçavam levemente, um arrepio parecia passar por minha espinha, levei minha mão até o rosto do mesmo, passando a mão sobre a barba rala enquanto nosso beijo tomava certa voracidade, ele prensou meu corpo na parede, logo minhas mãos percorriam a nuca do mesmo, enquanto meus dedos de perdiam levemente pelos fios de cabelo do homem, uma luz acendeu, nos fazendo quebrar o beijo e olhar para cima.

- Essa merda de luz nunca funciona, logo agora ela decidiu acender. - ele resmungou baixo próximo ao meu ouvido, ainda com os braços ao redor do meu corpo.

- Por que...- eu ia formular a pergunta, mas ele apenas sorriu de lado de forma sacana.

- Você não calava a boca. - ele deu de ombros, selando nossos lábios rapidamente antes de voltarmos a descer as escadas.

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- , eu sei que você está de férias, mas preciso que me substitua. – Henrich disse assim que eu atendi o telefone, escorada na janela – que não tinha um dos lados. – enquanto ouvia o telefonema, anteriormente tagarelava sobre o próximo país.- Estou preso no México resolvendo algumas coisas, achei que conseguiria ir para a Armênia a tempo, mas as coisas complicaram e já que você está aí pensei que seria uma boa...

- Certo Henrich, o que eu posso fazer por você? – eu sabia que em partes as áreas que Henrich acabavam resolvendo no quesito economia não era muito parecida com a minha, porém eu poderia firmar algum acordo comercial de interesses sem problema algum.

- Bom, o embaixador da Armênia, o senhor Ashot Galoyan ficou de fechar alguns negócios comigo em relação a importação têxtil para a Inglaterra, ele ainda está inseguro que isso trará benefícios para o pais dele, mas essa é sua função, mostrá-lo que negociar conosco não será um erro. – ele dizia seriamente, e algo em sua volta gritava com um sotaque bem arrastado.

- E quando seria essa reunião? – questionei, observando o sol se por.

- Bom, acredito que em uma hora e meia. – ele disse ainda meio incerto, obviamente, era muito pouco tempo para me preparar. – Antes de ir, estude um pouco a economia local e revise planos para apresentar para ele sobre as qualidades de ser um dos nossos fornecedores.- Será um jantar de luxo, muitos nomes importantes estarão lá, já que é como uma celebração pelos recentes acordos fechados, mais como uma festa, já bem vestida.

- Eu sempre estou bem vestida. – resmunguei no telefone. – Eu vou, mas preciso que arrume meus documentos o quanto antes e me passe as informações por mensagem.

- Estou enviando. – ele concluiu. – Muito obrigado mais uma vez , e tenha um bom trabalho.

- Temos um jantar para ir. – eu me virei para o homem que lia algum livro sentado na cama, ele apenas ergueu a cabeça do livro arqueando levemente a sobrancelha para me encarar. – Você tem roupas sociais?

- A sua sorte é que eu trouxe algo, porque não tem nada de shopping nessa cidade, se fosse para comprar algo teríamos que viajar duas horas até a cidade de... – ele continuou falando, dessa vez largando o livro na cama.

- Ok , puxe para mim na internet as principais características da economia desse pais e também quais são seus atuais parceiros comerciais. – ele deu um risinho, mas logo se viu lendo tudo em voz alta.

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- Sai logo desse banheiro. – ele gritou enquanto eu terminava de me enrolar na toalha. – eu vou entrar ai!

- NÃO. – eu gritei de volta, tinha obrigado ele a ficar para fora do quarto para ele não entrar enquanto eu estava no banho, já que o banheiro não tinha uma porta.

- Tarde demais, . – ele disse enquanto a porta se abria, ele já entrou no mesmo tirando a camisa, provavelmente para entrar no banheiro, porém eu já estava enrolada na toalha. Ele entrou no banheiro que era pequeno e ficamos frente a frente por um segundo nos encarando, até que ele cortou o silencio com um breve sorriso sacana. – Quer ficar para ver meu banho ou ir para ele comigo... já que ainda está aqui no banheiro...

- Eca. – resmunguei fazendo uma careta para o mesmo que riu tranquilamente enquanto eu saia do banheiro indo para uma parte do quarto que não deva visão para o banheiro, aproveitando para colocar minhas roupas íntimas e o roupão.

- Sabe, , eu acho que você está perdendo seu tempo, se fosse outra mulher no seu lugar, eu aposto que aproveitaria... – ele disse alto do banheiro, o som ecoou pelo quarto, parecia que eu podia ver certinho ele sorrir convencido enquanto falava.

- Acontece que eu não sou como as outras mulheres. – dei de ombros, resmungando.

- E o que você tem de tão diferente delas? – ele retrucou na mesma hora.

- Ué, todas as mulheres são diferentes seu idiota. – dei de ombros mais um vez involuntariamente, enquanto passava um creme.

- Você me chamou de idiota. – murmurou alto em uma afirmação. – vou te mostrar o idiota.

- Eu não preciso ver, eu sei que é. – continuei falando, passando a fazer minha maquiagem, ele saiu do banho já vestindo uma calça social, e seu perfume já exalava pelo ar. Continuamos nos arrumando, o observei calçar os sapatos sociais ainda sem camisa e vi minha mente questionar quando ele tinha adquirido aqueles músculos e como ele tinha amadurecido daquela forma, porque às vezes eu ainda achava que ele era apenas o meu vizinho de quinze anos.

- Dá pra você virar para lá? – questionei, o observando ao meu lado, ajeitando seu cabelo.

- Por quê? - ele me olhou com um riso zombeteiro enquanto eu revirava os olhos.

- Eu vou colocar meu vestido. – disse o observando com um semblante de apatia.

- Já vi uma bunda antes. – ele deu de ombros, o que me fez bufar pegando em sua cintura e o virando para que ficasse de costas para mim.- Eu sei, , isso é só uma desculpa para relar no meu corpo sem camisa. – ele riu levemente.

- Você se acha demais, e não, eu não queria e nem quero relar no seu corpinho, com ou sem camisa. – retruquei, enquanto puxava o vestido Midi azul marinho da Dior do cabide. – Não vira!

- Eu vou virar! – ele disse rindo assim que eu tinha tirado o roupão, e o mesmo tinha caído em meus pés. Ele fez menção com o corpo de que ia virar, mas não o fez.

- ! – ele riu alto e leve, como se estivesse se divertindo com a desgraça alheia, enfiei o vestido, o ajeitando em meu corpo. – preciso que feche o zíper para mim. – disse baixinho, me odiando por ter que pedir para ele.

- Agora você quer que eu vire? – ele ria breve, e então se virou para mim que o encarava com uma careta.

- Fecha. – eu disse cortando as risadas do mesmo, ele passou uma das suas mãos pela minha cintura segurando meu corpo, e sua mão dava a ilusão que se encaixava perfeitamente na curva do meu vestido, enquanto a outra subiu leve puxando o zíper consigo e finalmente fechando o vestido, mas ele não tirou a mão dali, sua respiração quente parecia bater em meu pescoço e eu apenas fechei os olhos, mantendo a concentração.

- Gostei do perfume. – ele disse rouco, finalmente tirando sua mão da minha cintura e se afastando.

- Obrigada, é Chanel. – sorri breve, finalmente dando leves amassadinhas no meu cabelo, era só colocar o salto, pegar a bolsa e eu estaria pronta. Observei pela última vez depois de calçar os saltos, meu reflexo no espelho, o batom vermelho escuro se destacava, mas ainda assim não ficava muito. Me virei encarando finalmente , que se matava com a gravata em frente ao espelho do banheiro. – Deixa que eu faça isso. – sorri de lado, passando a mão levemente pelos ombros do mesmo, arrumando a gola e finalmente ajeitando sua gravata, dando um nó perfeito.

- Obrigado, é Armani. – ele concluiu, da mesma forma que eu havia respondido sobre meu perfume. Ele me encarou nos olhos, logo desviando e puxando seu blazer e o colocando por cima, saímos então finalmente da porta do quarto. Desci o primeiro lance de escadas, malditos enormes graus de escadas, mas em mais um dos degraus quebrados quase me desequilibrei, ele estendeu seu braço para que eu o segurasse e assim o fiz até chegar no elevador.

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, Vanadzor - Armênia, 2017.

Palmse - onde estávamos hospedados - era uma dessas cidades dormitórios, não havia nada muito luxuoso ou que cidades grandes teriam, porém era o mais próximo que havia da fauna nativa e dos animais silvestres, então seria o melhor lugar para ir. Dirigi cerca de meia hora até Vanadzor, a terceira maior cidade do país, que ficava pertinho de onde estávamos hospedados. ia tagarelando em voz alta coisas sobre finanças, política e sobre o atual comércio internacioal, confesso que parte daquilo tudo eu ao menos entendia, mas vê-la falando com tanta paixão sobre aquilo que trabalhava, me dava até certa vontade de entender sobre todos esses assuntos. Ela era uma mulher visionária, de fato, eu sempre soube, ainda que odiasse admitir, desde pequena ela tinha ideias grandes, planejamentos completos e bem elaborados, eu me lembro como se fosse ontem, na oitava série tínhamos um seminário, o tema era livre, desde que fosse algo atual e que movimentasse o mundo atual, ela não se abstém de pegar um tema complexo, enquanto algumas pessoas falavam sobre o aquecimento global ou então sobre animais em cativeiros, ela chegou com a maior propriedade, defendeu o que acreditava, e deixou claro que tanto homens quanto mulheres deveriam ter os mesmos direitos numa sociedade, apresentou gráficos, mostrou pesquisas e matérias de jornais, ela não se contentava com o pouco, nunca se contentou com o raso, sempre quis ir fundo, e eu sabia que ela iria quando amava aquilo.

- Sabe, as vezes eu acredito que estou no lugar que sempre quis estar. - ela sorriu breve enquanto passávamos pelo segurança do evento, após ela ser identificada.

- Como se você tivesse nascido para isso? - questionei a olhando de relance.

- Clichê, parece a madame Fletch falando, mas sim. - ela concordou e então eu passei a mão sobre a sua mão que estava em meu braço, entrando e parando em frente ao banner para a foto.

- Senhorita , prazer, sou Ashot. - um homem de meia idade, com um semblante sério abriu um leve sorriso de lado.

- Eu sei quem você é senhor Galoyan. - ela afirmou confiante, estendendo a mão para cumprimentar o homem a sua frente. - É incrível o que faz pela Armênia.

- Já ouvi falar muito sobre você, sempre elogios por seu empenho e ideias fortes apresentadas sobre os assuntos.- ela respondeu breve.

- Prazer, Ashot. - o homem se direcionou para mim, estendendo sua mão que logo foi apertada. - Namorado da senhorita ?

- . - sorri breve para o homem, concordando com a cabeça.- apenas um amigo.

Entre uma ou duas champanhe, e Ashot se sentaram em uma mesa mais ao fundo do salão, ele retirou algumas folhas que pareciam ser importantes e ela os encarou com tamanha seriedade, parecia - e estavam - em uma reunião, ainda que um evento ocorresse a volta de ambos, minha conversa se perdia numa mesa, enquanto uma ruiva que ao que parece era promotora de justiça do país, ela tinha um sotaque forte e um decote ousado demais para a ocasião, eu continuava a beber, ainda que minha mesa fosse distante de onde estava, eu ainda perdia meu olhar por lá, ela não bebia, nem Ashot, e parecia falar com propriedade, era claro que Ashot estava fascinado por , talvez não no sentido carnal, mas talvez na mente brilhante que ela tinha, óbvio que ela tinha, as idéias claras e convictas, a personalidade forte e o lado firme de falar sobre o que acredita e o que espera do mundo. Algumas vezes eu pensava que se o mundo tivessem mais diplomatas e pessoas como ela, tudo seria mais claro e mais passivo. Foi então que em uma das minhas olhadas para a mesa, ela estava com um sorriso vitorioso, apertando a mão do homem em sua frente, e logo ele assinou o papel. Ela voltou em passos confiantes em direção a minha mesa. E por um momento eu tinha a certeza do que a mulher havia falado antes, ela realmente parecia ter nascido para aquilo.

- Boa noite senhores, e com licença senhor , quer dançar? - ela disse assim que chegou na mesa, se direcionando para mim sorrindo breve.

- Quem é você? - a promotora sibilou, ainda que formalmente, dava para ver o descaso.

- Apenas uma amiga. - sorriu para a ruiva, que deu de ombros, e então estendeu-lhe a mão num cumprimento. - .

- Waliha. - ela disse simplesmente apertando de volta a mão da mulher, que logo se voltou para mim, alguns casais já dançavam lentamente no meio da pista, ao som de uma música calma.

Nossos corpos dançavam calmamente no ritmo do que tocava, enquanto conversávamos baixo, suas mãos seguiam a curva do meu ombro e seus lábios alternavam entre um sorriso ou outro de vez em quando, eu só conseguia pensar que eu tinha de novo quinze anos e que talvez eu de fato nunca a havia esquecido.

-Você está linda essa noite. - eu sorri breve, enquanto a guiava pela dança.

-Sempre estou. - ela arrumou confiante, com um breve sorriso. - obrigada, mas eu acho...

- Um elogio fútil? Já esperava que dissesse isso. - eu ri breve, ouvindo a breve risada rouca e baixa da mulher próxima ao meu ouvido, ela firmou com a cabeça. - Você é incrível no que faz, no seu trabalho, olha eu não queria admitir, mas você é inteligente pra cacete...

- Obrigada. Você sabe, elogios comuns são legais, mas é meio que como aquela frase de algum livro desconhecido: ''kiss her mind and her body will follow.'' - ela sorriu breve, dizendo o que acreditava. Nós bebemos e dançamos até o fim da noite, acabamos no carro rindo alto, eu havia parado de beber a algum tempo e dirigi até nosso incrível hotel em Palmse, ela conversava animadamente sobre os projetos futuros árduos, porém incríveis que estava querendo finalizar até dezembro, estava perto, muito perto, mas em alguma parte da conversa, ela adormeceu com a cabeça no vidro do carro, e me largou dirigindo por uma estrada vazia apenas com a voz do John Mayer que ecoava pelo rádio.
Ao entrar no quarto com ela no colo - porque não quis acordá-la - coloquei ela na cama, tirando seus saltos e a cobrindo logo em seguida, ajeitei seu travesseiro e por um momento a observei dormir, quando iria me afastar, sua mão se segurava a minha, ainda que estivesse dormindo.

- ... - ela disse sonolenta, como se estivesse acordando do seu sono.

- Sim? - questionei, mas parecia que ela estava com muito sono para raciocinar, sorri breve tirando uma mecha do seu cabelo que caia em seu rosto. - Dorme, amanhã nós conversamos. - ela soltou um muxoxo concordando com a cabeça, beijei-lhe o topo da cabeça e segui para a banheira, que mal cabia minhas pernas, estas que ficaram para fora.

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- Senhora você não poder embarcar. - o segurança a parou no check in, ela fez uma cara estranha ao encará-lo, era visível que o inglês do homem era fraco.

- Como assim? - ela perguntou o encarando.

- Sem documentos, sem avião. - o homem disse sério.

- Eu sou diplomata, pode dar qualquer ligação que terá a confirmação de que eu sou eu. - a mulher disse séria tentando pensar numa solução.

- Não entender. - o homem completou ríspido, negando com a cabeça.

- EU. - Ela apontou para si mesma. - Sou, diplomata. - ela fez alguns gestos para o homem que pareceu três vezes mais confuso, ela estatelou os olhos em minha direção, ela respirava muito fundo e eu realmente esperava que ela não tivesse aquelas crises de ansiedade que tinha quando mais nova que ela ficava muito mal.- liga pro seu chefe. - ela mostrou um celular com a mão, fazendo mímica.

-ssa eess tsheem hasskanum. - Não entendo. Ele disse em armênio, ela fez uma expressão muito negativa, murchando os ombros.

- , eu não falo armênio! - ela resmungou com um bico enorme, me olhando do lado oposto do dela, onde tinha uma barreira - e o segurança - entre nós.

- Eu, I, Jeg, Je, Yo, 我. - ela disse em várias línguas para o homem. - diplomata, diplomate, diplomat, 外交官. - ela continuou gesticulando. - UK.

- Você, diplomata? - o homem riu com ironia que pareceu despertar mais desespero na mulher que sempre era centrada em público, ainda que sofresse com a sua ansiedade. E então ele disse algo que parecia como se ele duvidasse, mas eu só entendi tudo enrolado.

- Três por cento de bateria, droga! - ela murmurou alto quando pegou o celular, em seguida ela discou alguns números e logo se afastou um pouco. - Henrich, eu preciso sair desse país! eu preciso dos meus documentos e eu sei falar muitas línguas mas a Armênia é uma das poucas que eu nunca aprendi! - ela estava muito brava no telefonema, mas pareceu que ficou mais brava ainda quando o telefonema desligou. - Olha , se você quiser ir, pode ir nesse vôo que pra mim já deu, eu vou ter que ficar aqui até o Henrich dar um jeito ou sei lá... - ela disse desanimada se sentando no chão do aeroporto encostada na parede.

- O que? Claro que não. - respondi, saindo da barragem que eu estava.

- Não poder sair. - o homem disse sério.

- Vai a merda seu desgraçado. - retruquei, saindo da mesma forma e indo me sentar ao lado dela no chão. - Tudo bem se não embarcarmos nesse avião, podemos pegar outros daqui algumas horas ou alguns dias... - sorri a encarando, ela apenas concordou com a cabeça cansada.

- Senhorita . - uma mulher chegou de fora do aeroporto, entrando toda imponente. - Henrich me mandou aqui, estou sem seus documentos, mas sou do consulado britânico aqui na armênia e vim liberar seu vôo, isso não aconteceria se você não fosse você.

- Ah meu Deus, eu agradeço tanto! - ela abraçou a mulher sorrindo no calor do momento, enquanto eu a encarava quase rindo. A mulher disse algumas palavras para o segurança e o restante dos presentes que logo liberaram minha passagem.

- Fui informada o local que você vai estar na Estônia, e enviarei seus documentos para lá, parece que eles foram encontrados, porém fora da cidade.- ela continuou falando. - Tenha uma boa viagem e espero que esse imprevisto não a impeça de vir outras vezes até a Armênia.

- Agradeço Indhia. - ela sorriu em agradecimento, e então embarcamos, ainda no mesmo avião que iríamos embarcar.

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Chegamos em Tallínn pela manhã, era um país consideravelmente grande comparado aos do restante da Europa, fizemos um check in dessa vez em um hotel bom - que tinha duas camas de casais e elevador que funcionasse -, alugamos um carro e seguimos para o local que sabíamos que poderia encontrar os animais.

- Você me trouxe até aqui para ver doninhas ? - a gritou brava, seu rosto anteriormente branco tomou o tom rubro rapidamente.

- Ah, você sabe , doninhas são importantes! - retruquei calmamente mexendo no caule de uma flor.

- Eu sei que são , mas agora estamos perdidos aqui no meio desse mato! - ela gritou novamente e saiu andando.

- Olha, você está sincronizada com a natureza , está andando para o norte, quer dizer que procura por terra firme. - sorri sarcástico andando atrás dela.

- Se você abrir essa boca novamente eu juro que enfio esse caule nojento dessa planta garganta sua abaixo! - ela retrucou.

- Sabia que provavelmente só tem dez lobos em todo território Estoniano? - perguntei, enquanto continuava andando pelo mesmo mato que parecia que eu havia passado por ali mil vezes.

- Não, , eu não sabia. - ela revirou os olhos para mim, parando para coçar a perna, provavelmente uma picada de pernilongo.

- Eu recomendaria tirar seus saltos, não é ruim para andar? - questionei-a. - E sim, lobos estão praticamente extintos, infelizmente, lobos e linces também, você sabe, depois daquela guerra que teve, ah não foi guerra, mas aquele negócio que aconteceu no território estoniano... - eu coçava a cabeça procurando as palavras.

- Meu querido, os meus saltos são as coisas que menos me incomodam por aqui. - ela sorriu como uma maníaca, enquanto coçava agora seu braço. - Ocupação Soviética, , quando eles caçavam os animais.

- É, essa ocupação aí. - resmunguei observando a mulher incomodada na minha frente. - Então, eles deviam ser protegidos pelo estado, mas ainda há muita caça...

, próximo a Tallínn - Estônia -2017.

Nós tínhamos rodado o dia todo, e aí descobrimos que não sabíamos como voltar para o carro - o qual o idiota do havia deixado o GPS, celular e iPad lá dentro - e o meu celular havia acabado a bateria, ainda assim tentamos achar o caminho de volta, mas as arvores eram todas iguais e não tínhamos a mínima idéia de onde estávamos indo, gradativamente o céu escurecia e eu queria o xingar, porque eu estava começando a ficar com frio.

- Desculpa , mas vamos ter que passar a noite aqui. – eu já sentia que estava ficando louca, perdida numa selva ao norte da eurásia, em algum lugar da Estônia, os meus saltos que tinham lama, anteriormente podiam ser um Dior, mas agora não passava de um lixor, tive sorte – ou o azar de ter me perdido – de estar com um vestido midi, onde a saia não era tão grudada, e as mangas três quartos, impedindo que alguns galhos passassem e raspassem meus braços por inteiro.

- Eu estou cansada demais para te matar . – resmunguei, minha voz já saia pesada de sono e cansaço físico, estávamos a horas andando ao redor de muito mato. – mas pode saber, que quando eu obter energia a primeira coisa que eu vou fazer é te estrangular. – me joguei num tronco de uma arvore, me escorando ali mesmo.

- Está com sono, ? – ele perguntou se aproximando de mim com um semblante preocupado, enquanto eu apenas murmurei uma afirmação ainda com os olhos fechados. – Vamos parar para dormir. – eu queria gritar que não ia dormir naquele mato, mas eu não tinha opções. andou ali por perto, provavelmente vendo que não tinha perigo a vista.

- E se um bicho nos engolir enquanto estivermos dormindo? – questionei observando ele andar ao redor.

- Acho que aves não vão querer te engolir, no máximo vamos acordar com baba de musmão. – ele afirmou andando de um lado para o outro, e então finalmente, passando a mão sobre uma espécie de grama que tinha ali no chão.

- Aqui nem tem musmão, não estamos mais na Armênia com as drogas dos musmões. – resmunguei, e então ele abriu um breve riso zombeteiro em minha direção.

- Tem razão, aqui são ursos e lobos, mas seria muita sorte encontrar um desses. – e então ele tirou sua jaqueta de couro, colocando ela no chão, indicando para que eu sentasse. – Vamos descansar, amanha procuramos alguma forma de sair daqui.

- . – eu o chamei, assim que ele se sentou ao meu lado, encostando no tronco da arvore, encostei no seu ombro, apenas levantando a cabeça para o encarar em meio a escuridão que estava, podendo observar o mesmo apenas pelos feixes de luz que vinha da lua. Ele voltou seu olhar para mim, sorrindo breve. – eu estou com medo.

- Estou aqui com você, . – ele assegurou, passando a mão sobre meu braço, onde acariciava levemente.

- Legal, agora vamos ter medo juntos então. – resmunguei e ele riu alto.

- Incrível, não dá pra ser fofo com você. – ele ria, fazendo meu corpo sentir o timbre da risada do mesmo, que fazia com que seu corpo mexesse lentamente.

- Nós vamos morrer. – eu disse baixinho, olhando para frente com os olhos estatelados, pareciam passos na folhagem mais a frente. – Eu não quero morrer nesse mato. Quero uma morte digna. ! – eu dizia baixinho, me encolhendo mais perto do mesmo, que me abraçou de lado, me segurando em seus braços, enquanto eu tentava em vão me empurrar para trás, como se fosse me afastar do animal, mas eu estava igualmente a , encostada num tronco de arvore.

- PRUU! – o animal soltou, provavelmente uma pomba inofensiva, mas quando eu vi, já estava gritando, e o , caindo na gargalhada ao meu lado.

- Realmente, essa pomba só estava esperando você dormir para bicar seus olhos. – ele disse ainda entre risos.

- Para de brincar com isso seu idiota! – eu dei um tapa em seu ombro, mas ele segurou minha mão rindo, enquanto nossos rostos se aproximavam gradativamente, a luz azulada da lua era tudo que tínhamos, e se fosse possível, o que eu sabia que não era, deixava-o ainda mais bonito, mas isso era uma das coisas que eu não admitiria. Nossos lábios roçaram um no outro, enquanto a mão firme de passou sobre meu pescoço descoberto, acariciando o local, puxei o para mais perto, se é que aquilo era possível e finalmente o beijei.

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- LEMBREI! - Acordei num sobressalto, mas logo me encolhi novamente com medo da escuridão, abriu os olhos sonolento, me encarando ainda em dúvida. - Uma vez eu li num livro sobre achar o norte pelas estrelas, hoje o céu está bom para achar o norte.

- Como? - ele perguntou com a voz ainda rouca e pesada de dormir.

- Eu não sei explicar, mas eu sei ver. - disse encarando a ursa maior e relembrando todos os passos que explicavam no livro, encarei firmemente aquela atividade, e vi, o norte era para frente, digo, de onde estávamos encostados dormindo, era reto, e estávamos tentando seguindo para o lado ao leste.- É por aqui ! Eu tenho certeza! É sim!

- Tudo bem, mas agora é perigoso sair andando por ai, vamos quando clarear e... - ele continuou enquanto bocejava, me sentei ao lado dele encarando a minha frente dessa vez convicta, eu iria voltar para casa.

Quando amanheceu nós começamos a andar, acreditávamos estar andando em círculos, mas era que havia muitas arvores parecidíssimas então estávamos no caminho certo, mas aconteceu algo que não esperávamos, havia um rio, um que não estava ali antes, ou então havíamos atravessado pelo outro lado, do outro lado do rio podia ser visto que não havia muito o que andar, logo estaríamos na rua do lado oposto onde estava nosso carro.

- ACHEI! – gritou de uma distância um pouco a frente a mim, virando uma velha canoa no rio todo contente.

- E se isso não for seguro? – questionei me aproximando calmamente do mesmo.

- Prefere dormir aqui? – ele riu breve e então ajeitou a canoa e a segurou para que eu entrasse.

- Não tá mais aqui quem falou. – sorri para o mesmo me enfiando na canoa e o observando se sentar.

- Da pra acreditar nessa loucura que foi essa viagem? – ele riu breve enquanto mantinha-se remando pelo rio, onde a nossa canoa flutuava lentamente.

- Nem parece que aconteceu tanto em tão pouco tempo. – eu ri breve o encarando. – Tem uma sujeirinha aqui. – soltei me aproximando um pouco mais e passando os dedos sobre a têmpora esquerda aproximando da bochecha.

- Só me diz que não é coco de passarinho. – ele comentou com os olhos fechados o que me fez rir alto, levemente jogando minha cabeça para trás.

- Se fosse eu não limparia. – dei de ombros o observando abrir apenas uma fresta dos olhos ao me observar rir.

- É uma desculpa para se aproximar então. – ele disse sacana rindo.

- Da próxima vai ficar sujo de terra. – dei de ombros o encarando e brevemente observando toda a natureza ao nosso redor.

- Ei, acho que tem uma coisa... – ele disse chamando minha atenção que logo foi voltada para ele, ele se inclinou se aproximando, onde nossos rostos ficaram próximos.

- Ai meu Deus, o que é? Fala logo... – eu comentei esperando que não fosse agora de fato um coco de passarinho.

- É só uma desculpa para me aproximar. – ele confessou rindo sacana e então seu polegar acariciou minha bochecha enquanto nos encarávamos brevemente.

- Eu sabia! – comentei convencida e ele riu negando com a cabeça, e então ele colou nossos lábios, e em um momento nada mais tinha tanta importância, eu podia ouvir o cantarolar dos pássaros, podia sentir a água logo abaixo e os braços dele ao meu redor, e por um momento ainda que eu não quisesse admitir, eu não queria mais nada. Os momentos seguintes fluíram tranquilamente, enquanto eu me mantinha encostada sobre o homem que remava e hora ou outra trocávamos alguns beijos. Nós chegamos até o carro, são e salvos, talvez não tão sãos, mas ainda assim salvos, nós subimos até o hotel, e pude tomar um banho e colocar uma roupa limpa e fresca, aliás não estava mais aguentando ficar com aquelas roupas, dessa vez o banheiro tinha uma porta e a banheira não era minha cama, finalmente depois de limpos pudemos nos esparramar pelo colchão que estava jogado na sala do apartamento e relaxar, e por fim dormimos, como crianças que correram o dia inteiro, exaustos e depois de gargalhar muito com piadinhas sobre o programa local que passava na TV.

No dia seguinte nós voltamos ao trabalho, nos enfiamos no carro e seguimos em direção a uma antiga reserva de linces europeus, o local parecia meio semi árido e enquanto ficamos abaixadinhos na grama alta observando uma matilha de linces saiu correndo em bando para o outro lado, logo fazendo bufar por não termos conseguido nos aproximar e nem contar quantos tinham ali. Dessa vez eu havia vindo preparada, com os jeans caqui e um tenis, enquanto a camisa branca me permitia até combinar com um chapéu de safári.

- Vamos embora, não tem mais nada aqui. – ele resmungou descontente, enquanto eu tentava ouvir um barulho que continuava me incomodar.

- Espera, ouve esse barulho. – comentei entre sussurros. – eu vou lá.

- Não, pode ser algum animal morto com um predador. – ele me segurou pelo braço.

- E se não for? E se for algo importante... – comentei e ele continuou com um semblante de poucos amigos como se reprovasse que eu fosse e então eu fui em passos ágeis porem cautelosos. E quando me aproximei o ruído parecia mais alto e mais sofrido, então finalmente encontrei, era o local de onde os linces haviam corrido, tinha um bebê lince ali, com a perna aparentemente quebrada, ele gemia de dor e então me aproximei lentamente passando a mão nele que apesar de parecer amedrontado não viu outra escolha, afinal não conseguia fugir. – Vai ficar tudo bem bebê, eu vou cuidar de você. – acariciei o pelo do animal que estava assustado e tirei meu casaco do corpo, logo enrolando o animal ali, como um bebê. – ! ELE ESTÁ MACHUCADO!

- Meu Deus, precisamos cuidar disso! – ele correu até mim pegando o animal em seu colo. – Eu tenho algumas coisas em casa, mas vamos precisar levar ele para alguma cidade maior que essa para cuidar disso em uma das sedes da WAP. - Aliás, quer sair comigo?

- O que? – o encarei confusa voltando a fazer carinho no pelo do animal selvagem.

- Sair , eu, você, um restaurante... geralmente é assim que as pessoas saem. – ele soltou uma risada nasalada enquanto colocava o animal do banco de trás do carro. – você aceita?

- Melhor que ficar no hotel comendo algum fast food. – sorri breve, dando de ombros e me sentando no banco do carona no carro enquanto bebia água.

Nós seguimos para o hotel, carregando o pequeno Jake – atual nome dado por nós ao animal machucado – deixamos ele em um local para que ele não sentisse frio e nem fome – esperávamos realmente que ele comesse a ração – e então nos arrumamos e finalmente fomos para o restaurante, onde ainda que parecesse irônico e impossível demais para nós, parecíamos um casal e por um momento eu gostei daquilo e pelo brilho que mantinha no olhar, eu podia apostar que ele também gostava da situação. Nós dançamos a noite inteira e só paramos quando nossos pés estavam cansados da música local, enquanto riamos sobre uma coisa ou outra de quando éramos mais novos e vizinhos, nos bebemos vinho e pegamos um taxi de volta para o hotel, este que subimos no elevador aos amassos e quando empurramos a porta do quarto pudemos finalmente nos pegar de verdade.

xx


Nós íamos embarcar em uma espécie de metro que levava para a capital local e dali voltaríamos para Londres, devolvemos o carro alugado e com nossas malas e o animal nos braços, quando fomos barrados.

- Senhor , o senhor está preso por carregar animal silvestre. – o policial apareceu ao nosso lado me fazendo arregalar os olhos e olhar para o homem ao meu lado. – mais especificamente um lince europeu.

- Machucado! – ele argumentou para o guarda que fez que não ouviu, ele se virou para mim de com uma cara de cachorro que caiu da mudança. – Vamos lá , fala para ele que o animal está machucado! É o meu trabalho!

- A senhorita vai ter que ser presa junto ao rapaz aqui, sinto muito. – o guarda então segurou meu braço enquanto outros dois policiais apareciam logo atrás do homem. – Está como cúmplice.

- Senhor isso é engano! – argumentei, finalmente obtendo a atenção do policial. – , eu vou te matar. – sussurrei entre dentes para o homem que riu baixo ao meu lado. – Senhor policial, permita-me pegar meus documentos no carro, me acompanhe por favor, tenho imunidade diplomática.

- NÃO ME DEIXA AQUI SOZINHO NÃO! – gritou enquanto eu me afastava com o policial, até o carro que tínhamos alugado, ri breve do desespero do rapaz. Puxei a chave do carro abrindo o mesmo e em seguida puxando minha bolsa, onde por uma sorte, eu havia acabado de recuperar meus documentos, graças a Henrich, meu chefe, depois do roubo, ele conseguiu fazer uma busca pela Estônia e no fim do dia meus documentos tinham sido entregues em minha mão.

- Meu superior pode mandar uma nota verbal se quiser... – eu disse enquanto procurava algum documento que provasse minha graduação, puxei a identidade com a credencial diplomática. – aqui está, senhor.

- Precisamos levar para a delegacia, assim que o nosso datiloscopista confirmar sua identidade você será liberada, senhorita! – ele sorriu breve e contido, permitiu que eu caminhasse ao seu lado até onde estava junto a outros policiais, retribui o olhar do homem com um breve sorriso, mas ele permanecia ao lado de dois policiais. – Mas quanto ao seu namorado, não posso liberá-lo, senhorita.

-E le não é meu namorado. – eu respondi com desdém, o que fez brotar um leve riso em um dos policiais. – Tudo bem, o que eu posso fazer por ele? Posso dar um depoimento a seu favor, certo?

- Você terá que conversar com o delegado senhorita . – afirmei com a cabeça. – Nos encontramos na delegacia?

- Certo, policial. – confirmei, indo para o carro.

- Você vai me deixar aqui sozinho? ? NÃO ME DEIXA IR NESSA VIATURA... – gritava em minhas costas.

- Te vejo logo ! – girei os calcanhares, rindo ao vê-lo entrar na viatura em desespero. – Não se preocupe, não vão te colocar numa cela.

O caminho para a delegacia foi tranquilo, fui com o carro logo atrás da viatura, desceu com os policiais e me mantive no carro procurando todos os documentos necessários. Quando entrei na sala do delegado, havia uma cela especial ali dentro, provavelmente era para ficar em observação, na cela tinha apenas uma cama, que estava bem arrumada e com lençóis recém trocados para uma prisão, uma mesa de cabeceira e até um vaso de flores, mas isso não me surpreendeu tanto, o que me fez rir foi o que veio a seguir.

- Olá . – disse de dentro da cela, sentado na beirada da cama, que mais parecia de um hotel a de uma prisão. – não vão te colocar numa cela. – ele repetiu, imitando minha voz, numa tentativa falha.

- Sossega ai, que logo eu te tiro desse lugar. – resmunguei me sentando a frente do delegado gordo que acabava de chegar. – Olá, senhor Jeremy! – apertei a mão do mesmo, me sentando em sua frente em seguida.

- Senhorita , a minha equipe está terminando de confirmar sua identidade, enquanto isso falamos sobre o senhor . – ele concluiu num breve sorriso, ainda sem mostrar os dentes. – O policiar Uriel, me informou que ele foi detido, tentando entrar num estabelecimento público com um lince europeu numa caixa para carregar cachorros.

- Em nome do senhor , eu tenho justificativas. – respirei fundo, continuando a minha fala. – O senhor é médico veterinário, formado na Virginia Union, onde também fez doutorado, há alguns anos ele entrou para a Word Animal Protection, sendo um dos seus médicos que vão até o local para cuidar de animais. Viemos para a Estônia a procura dos poucos linces europeus que sobraram depois da ocupação soviética, acredito que o senhor saiba que esses animais estão em extinção a anos, encontramos uma matilha mais ao norte dessa pequena cidadezinha, era uma pequena matinha, não nos aproximamos, mas quando ela saiu daquele território ouvimos alguns ruídos e quando chegamos lá, encontramos um lince europeu fêmea, ela estava ferida, mas se for tratada ainda pode viver senhor guarda. Estávamos tentando transportá-la para a cidade de Tallínn, afinal aqui em Kolga não tem o necessário para que ele curasse o animal.

- Hm... – o delegado soltou um muxoxo e então arqueou a sobrancelha, mexendo numa pilha de papais. – e como eu posso ter certeza disso? Preciso de papeis oficiais para soltá-lo.

- Entrei em contato com a empresa que trabalha, a Word animal protection(WAP), mas caso não tenha retorno, teria como fazer algo relacionado a vincular a minha imunidade diplomática a ele? Como se qualquer crime que o mesmo fizer, for vinculado a mim, já que ele estaria sobre minha proteção... – o homem me interrompeu logo em seguida.

- Não temos nem como saber se o que você diz sobre diplomacia é verdade! – o homem soltou de forma grosseira, ao mesmo tempo que um dos trabalhadores locais entrou na sala, atraindo minha atenção para a porta.

- Senhor, é mesmo diplomata, atualmente trabalha em conjunto ao consulado europeu. – ele disse polidamente, seguindo até mim, onde me entregou meus documentos antes recolhidos, onde respondi um breve ‘’agradeço’’. – A senhorita conversou mais cedo com o diretor da Word animal protection, e eles retornaram a ligação, confirmando os procedentes dessa espécie de missão que seria a proteção dos linces europeus, e pediu que liberássemos o lince para que seja encaminhado para Tallinn, onde outros médicos da rede filantrópica vão prestar ajuda ao animal e logo depois levá-lo até seu habitat natural.

- Acredito que estamos terminados, senhor Jeremy. – eu disse séria, me levantando da cadeira a frente ao delegado.

- Mas o escrivão... – o delegado disse carrancudo, encarando seu subordinado que trazia as notícias.

- Ele já relatou em uma ata todos os acontecimentos deste caso, estará em cinco minutos em sua mesa. – ele concluiu a frase do delegado, abaixou sua cabeça em um cumprimento e saiu pela porta novamente. - Por favor delegado, queira retirar o senhor desta cela. – eu disse com um olhar de escárnio para o velho rabugento em minha frente. O homem se levantou a contragosto abrindo a cela, e então libertando o homem que estava ali não mais que quarenta minutos.

- Obrigado. – o homem me agarrou em seus braços num abraço apertado, assim que deu alguns passos de dentro da cela provisória, me fazendo manter um breve sorriso nos lábios. – e, você fica extremamente sexy fazendo seu papel de diplomata. – ele sussurrou em meu ouvido, baixo, onde fosse audível apenas para nos dois, me arrancando uma gargalhada e um olhar de reprovação do delegado ao lado.

- Adeus senhor delegado, qualquer problema pode contar com meus serviços. – sorri de escárnio e a contra-gosto, observando o delegado resmungar alguma coisa, mas logo minha atenção foi tirada do homem velho e gordo, por que segurava minha mão, me arrastando para fora da prisão.

- UAU, como é bom sair do xilindró. – ele comentou num breve riso, parando ao meu lado na calçada. – qual o próximo desafio?

- Chegar em Londres, de preferência com todos os documentos, sem um lince europeu, com minha imunidade diplomática intacta e de preferência com você, afinal, ainda que eu não queria admitir, a WAP precisa de você. – enumerei as coisas que dizia, com os dedos, o rapaz me encarava com um breve sorriso de lado nos lábios. E então observei meus saltos, me perdendo em pensamento por um momento em qual seria de verdade o próximo passo, depois dessa enorme aventura. E quando percebi, os braços do já estava ao meu redor, próximos demais.

xx


Depois de cuidar de Jake em tallinn nós finalmente pegamos nosso voo de volta para Londres e eu só conseguia pensar no que seria quando nós desembarcássemos na realidade que tudo aquela volta nos trazia, e eu sabia que ainda que muita coisa se mostrasse certa eu não saberia se eu conseguiria...

, em Londres, UK. – 2017.

- Fala sério tudo que você sempre quis um pouco na vida foi aventura, eu sei disso, é por isso que nunca paramos de brigar! - eu disse alto passando a mão sobre o cabelo. - eu sei que desde sempre fomos diferentes, enquanto eu pulava muros, pixava outros e amanhecia em outro estado você estava em mais uma das suas aulas de línguas, enquanto eu via a vida você aprendia tudo com tanta determinação que eu nunca consegui ter, admite você precisa de mim na sua vida! Para de negar que sente a mesma coisa!

- não. - ela disse baixo e firme. - eu preciso arrumar minha vida, você tá bagunçado igual tudo que você toca! Passou anos só tentando desarrumar ou arrumar um jeito de reprovar tudo que sempre fiz.

- sua vida está toda arrumada , deixa isso um pouco de lado e vem conhecer o mundo comigo! Você se afasta porque tem medo de assumir pra si mesma que quer isso, você precisa disso ! Só um passo e eu estarei onde você quiser, podemos ir para a África amanhã ou para o Brasil hoje mesmo, eu não me importo desde que você esteja lá! As suas crises de ansiedade estão te matando eu vi você numa delas, para de fazer vista grossa, seu emprego tá te matando! – continuei, mas a mulher parecia irreversível em sua decisão de terminar qualquer coisa que adquirimos nesse tempo.

- não ‘tá me matando não ! Eu dou conta disso tudo, eu estudei minha vida inteira e eu não vou largar tudo isso por você, que é tão imprevisível que é capaz de mudar de ideia na manhã seguinte! Eu não jogo com as suas indecisões ! Eu estudei estratégias, me especializei em fazer acordo com os piores vigaristas e pessoas ruins do mundo inteiro, sei convencê-las e compreende-las como a palma da minha mão, e você aparece aqui grita algumas coisas e coloca no meio de inúmeras furadas, quase me deixa presa num país sem meus documentos, some na manhã seguinte, temos problemas por portar um animal silvestre e como se não bastasse é preso por isso, e eu ainda tenho que te tirar dá prisão, eu não consigo fazer um mísero acordo com você, nem sobre o que comeremos no café da manhã, não consigo entender o que tem nessa sua cabecinha conturbada e estupidamente bonita, eu não consigo nada com você , eu me sinto patinando! – ela gritou enquanto os meus cachorros apenas observavam deitados no sofá, me aproximei da mesma passando a mão sobre sua bochecha e contanto até dez antes de falar, tentando são respirar pesadamente e largar tudo, ainda que eu quisesse, ela era algo que eu não conseguia largar.

- Posso te dar a certeza de que patinou comigo muito mais do que tem patinando em círculos todos esses anos. - respirei fundo sentindo meu estômago afundar, já sabendo que ela seria irreversível. - você estudou o mundo, sabe como lidar com eles e como salva-los de guerras, mas eu quero te levar até lá, quero te mostrar cada canto, os aromas, os quadros de artistas desconhecidos, os sons e as cores, quero te levar para os esportes mais loucos e inseguros que já ouviu falar, experimentar várias especiarias indianas e no dia seguinte quem sabe mergulhar com tubarões, eu sei que você quer ficar, mas se for assim seja sincera comigo e eu vou embora.

- Eu te odeio tanto, que eu tenho vontade de jogar sua cabeça na parede , porque você inicia guerras onde quer que esteja, destrói ninhos de formiga, trabalhos de química e larga uma trilha enorme de corações de menininhas por onde passa e isso é tão ridiculamente estúpido que eu sempre fico pensando o que tem dentro desse cérebro além de massa encefálica, eu te odeio tanto e eu me sinto falha vendo meu corpo corresponder o contrário ao ódio, sinto raiva porque você sempre tem uma ideia estupidamente absurda que acaba consertando tudo, mas ainda que eu sinta a ligação que existe entre nós, eu não posso , essa vida não é pra mim e... - ela estava perto demais, puxei seu corpo contra o meu e a beijei, tinha certa necessidade naquele beijo, como se toda eletricidade passasse por nós, como se por um momento ainda que eu fosse todo errado e ela toda correta, o que tinha ali era a coisa mais certa, nossas línguas se entrelaçaram enquanto meu braço passou por sua cintura, a mulher quebrou o beijo permanecendo com nossos rostos quase que colados, e então veio o pior, o que eu sabia, afinal eu sempre soube que ela finalmente iria ir. - eu preciso ir embora , já passou da hora de eu ir. - e então ela se afastou por completo com os olhos fechados como se houvesse um conflito interno tão intenso que ela precisava finalmente refletir, e então ela abriu a porta pivotante da minha casa e saiu, a observei entrar no táxi que a esperava ali, e desde então tive que me conformar que aquele casaco enorme e negro, agora voaria para bem longe de mim.

Respirei fundo passando as mãos sobre meus cabelos, sentindo meu corpo se retesar, eu sabia que eu fazia as coisas de uma forma errada, e sabia desde o dia daquele maldito jogo na oitava série que as minhas chances com ela eram tão pequenas quando o coração dela, que parecia não se abrir para nada. Quando me sentei no sofá, com a culpa e a solidão me abraçar, observei os três cachorros me encarando, todos deitados no sofá com uma cara tão triste quando a qual eu jurava também estar, e por um momento eu não sabia mais em que pensar ou como solucionar o maior problema de todos que eu sempre tive, afinal todos eu conseguia solucionar, mas ela era o qual sempre ficou sem solução, uma incógnita, e a qual sempre tomou grande parte do meu coração.





Continua...



Nota da autora: : OLÁ BEBES! Só queria começar dizendo que eu sou completamente apaixonada por essa historia e por essa Liv e o Damon, porque eles são amorzinhos demais! Como lidar com essa história sem um final agora ein? KKKKKK Bom, espero que quando esse ficstape for ao ar já esteja disponível a continuação (enviarei quase juntas) porém caso o link não esteja disponível ainda aqui, com certeza vai estar na pagina do face (https://www.facebook.com/groups/1869341329993390/) e vou avisar quando entrar no site! Então por favor me digam o que acharam desse meu xodozinho de fic, comentem o que passaram raiva, o que riram muito e o que não curtiram muito, me contem tudo que eu adoro saber o que vocês pensam e tbm conversar com vocês viu?! Aguardo os comentários ansiosamente ein?! Ah, a fic inteira foi baseada na música do John, porém a parte que contem explicitamente trechos da música ficaram para a parte dois, ok? Beijocasss.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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