Capítulo Único
Cheguei do plantão exausta, planejando dormir por uma semana seguida depois das quarenta e oito horas mais conturbadas da minha carreira. Um vagão do metrô descarrilhou na última quinta-feira, deixando dois mortos e vários feridos, que foram prontamente atendidos pela equipe médica maravilhosa do Bellevue Hospital Center. Eu e os outros enfermeiros que estavam de plantão no dia do acidente nunca tínhamos enfrentado uma calamidade do tipo, e foi muito inspirador, e bonito, ver como todos se uniram para ajudar os feridos da melhor forma. O ser humano tem limites, é claro, então hoje, sábado, a enfermeira chefe da emergência pediu para voltarmos para casa após notar que a situação estava controlada.
Encontrei meu apartamento do mesmo jeito que tinha deixado quando saí, o que me dizia o óbvio: não tinha voltado para casa. Sabendo que nunca verificava minhas mensagens de texto no hospital, com o passar do tempo achou um jeito novo de me deixar recados. Dei um sorriso quando avistei um bilhete com sua letra corrida em cima da cama.
,
Irei com os caras para o Canadá, conseguimos uma corrida importante, posso conseguir um novo patrocinador.
Volto sábado de manhã bem cedo, você nem vai sentir minha falta.
Afetuosamente,
Olhei para o relógio, que apontava dez e meia da manhã. Para os padrões de “bem cedo”, estava atrasado. Com um suspiro, tirei minha roupa jogando no cesto que mais tarde iria para a lavanderia e tomei um banho. Enrolei-me na toalha para a fim de procurar uma roupa confortável no guarda roupa e, uma vez vestida, me joguei debaixo do edredom, me preparando mentalmente para dormir até o sábado seguinte.
Porém, por mais cansada que eu estivesse, descobri tarde demais que meu cansaço era físico, porque minha cabeça não conseguia desligar de jeito nenhum. Minha mente estava fixada no meu relacionamento com e no que eu sentia a respeito disso. Já tentei terminar umas duas vezes, mas em nenhuma das duas ocasiões o término parecia ser a saída e, pior de tudo, eu não sabia nem dizer quais os motivos que tinham feito eu chegar aquela conclusão. era inteligente, esforçado, amigo, amoroso e... ausente. Acima de tudo ausente. Nos primeiros anos isso nunca foi um problema para mim; com minha carreira em jogo, de tudo que eu menos precisava era alguém que ficava chateado por que eu não podia dar atenção. Então meus plantões longos somados com a carreira de maratonista de tinha de tudo para construir um relacionamento perfeito, onde nenhum dos dois se sentiria culpado por não ter tempo para o outro.
Foi em uma conversa com amigas que uma delas sugeriu que talvez eu tivesse me acomodado. Mesmo com profissões que pesavam na nossa rotina, nós dois tínhamos sim que separar um tempo para fortalecer nosso namoro. Que era importante manter a chama do amor acesa. Foi somente nessa conversa, quando perguntei “Como sabemos que a chama do amor se apagou?”, que percebi, pelas expressões assustadas das minhas amigas, que se eu estava questionando sobre o amor que eu sentia por era porque provavelmente esse amor não existia mesmo.
E quando encontrei o motivo, eu soube: faziam muitos anos que eu não estava mais apaixonada por . Tivemos um relacionamento muito gratificante, por oito longos anos, mas ele acabou e nem eu sei direito como. Assim como muitos me diziam, enfim a verdade: eu estava acomodada, os dois estavam. Ele só pensava em patrocínio e prêmios, estava bem longe de me pedir em casamento, e desde que eu me lembro nunca tivemos uma conversa sincera quanto a ter filhos ou não.
Quer dizer, estava no Canadá e eu fiquei dias sem ter notícias! Pior que isso: eu realmente não tinha sentido saudades dele. Isso lá é amor?
Finalmente, depois de decidir que iria tomar uma atitude quanto a isso, minha mente pareceu relaxar e eu dormi poucos minutos depois.
Acordei com um pulo, assustada quando notei que já tinha escurecido. Eram sete da noite, dormi por oito horas. Suspirei, me levantando da cama com uma pequena dor de cabeça pelo padrão de sono alterado. Fui até a cozinha para buscar uma aspirina quando dei de cara com no sofá.
– Ei, como você está? – Perguntou, vindo até mim e me dando um selinho. – Fiquei sabendo do acidente, deve ter trabalhado horrores.
Sorri.
– Foi assustador, mas deu tudo certo. Desculpa não estar acordada para te receber da viagem.
chacoalhou a cabeça, me abraçando.
– Eu acho até que você deveria ter dormido mais. – Sugeriu, beijando o topo da minha cabeça.
Ele era tão carinhoso! Como eu falaria que queria terminar, depois de tudo que tínhamos construído?
– Estou com dor de cabeça por dormir demais. – Afirmei, saindo de seu abraço para ir até a cozinha pegar o remédio.
Uma vez medicada, voltei para o quarto para tomar outro banho e coloquei meus pijamas. Sentei no sofá ao lado de , pensando qual seria a melhor maneira de abordar o assunto. Mas logo desisti de enrolar, eu já tinha quase trinta anos, meu relógio biológico iria despertar a qualquer momento e eu não podia mais perder tempo.
– ? – Comecei, fazendo o homem desviar sua atenção do videogame e olhar para mim.
– Oi, amor. Ainda está com dor?
– Estou, mas não é isso. – Tentei. Ele assentiu, mas continuou focado na televisão. – Será que a gente podia conversar um pouco?
Percebendo a impaciência em minha voz, logo deu pause no jogo, se virando para mim.
– , você pensa em se casar?
Ele foi para trás, como se estivesse confuso com a pergunta. Colocou a mão no queixo, parecendo refletir de verdade sobre o assunto.
– Você pensa?
Revirei os olhos, irritada.
– Sabe que sim, . Mas fui eu quem te fiz a pergunta.
– É. – Começou, encostando as costas no sofá e tentando olhar para qualquer lugar que não fosse os meus olhos. – Eu penso.
– Mas quando? – Insisti.
– Vai me pressionar de novo, ? – parecia irritado, ou nervoso. Ou os dois. – Eu já disse que quando estiver pronto você será a primeira a saber.
– Não está pronto? , namoramos há oito anos! Moramos juntos há seis! A única diferença é assinar um papel e dar uma festa.
Ele sorriu, debochado.
– Se a única diferença é assinar um papel não estamos tão longe de estar casados, certo? Então para que mexer no que está quieto?
Suspirei, impaciente, colocando minhas mãos no rosto para que ele não visse as lágrimas de nervoso.
– , você sabe que isso é importante para mim. – Recomecei. – Tenho quase trinta anos. Eu amo você, quero me casar, ter filhos...
– Filhos? – Interrompeu, rindo e finalmente dando play no videogame de novo. – Quando foi que a gente falou de filhos?
Levantei-me, saindo de perto dele, como se tivesse tomado uma bofetada na face. Ele não queria se casar comigo e nem queria filhos? Mas então, o que eu estava fazendo em um relacionamento tão longo quando meu namorado nem sabia o que queria para a vida dele, estando eu tão certa do que queria para a minha? Estavam certas, minhas amigas? Estávamos acomodados nesse relacionamento?
Lembrei do começo do nosso namoro, quando tudo parecia mais fácil e leve. Lembrei da primeira vez que ele disse que me amava, do primeiro buquê que recebi e também de quando ele sugeriu que deveríamos morar juntos. Lembrei da nossa primeira vez na casa nova, dos filmes que assistimos e dos que desistimos. Lembrei de quando ele ainda me buscava no hospital após meu plantão, quando deixava seus recados em cima da nossa cama e também seu jeito doce de me receber com um café quentinho. Nossa casa tinha cheiro de lar e nunca me odiei tanto quanto naquele instante, porque eu simplesmente não conseguia me lembrar o momento exato em que aquele lugar deixou de ser meu lar e passou a ser... outra coisa.
Deixou de ter as cores vivas que sempre me acolheram, deixou de ter música e de ser quente e confortável. Passou a ser cinza, triste e vazia.
Eu conseguia ver para onde essa conversa estava nos levando. conseguia perceber também porque tinha levado vários gols enquanto processava o que tinha acabado de acontecer e agora seu time perdia de quatro a um, o que só podia significar que ele não estava prestando atenção como deveria, e só não queria estender o assunto.
Mas a gente precisava estender.
Depois que me entreguei para a minha nostalgia, entendi que se não fosse naquele momento, iria ser algum dia daqui dois anos, quatro, oito e até lá já seria muito tarde para eu ir atrás do que queria. Eu não podia esperar por mais oito anos, principalmente se não tinha certeza de que, no fim desses oito anos, ele poderia me dar o que eu estava pedindo.
Fechei os olhos, tentando fazer aquela dor quase física dentro do meu peito parar de arder. Eu amava . Eu amava sua gargalhada, seu senso de humor, sua empolgação com sua carreira. Amava como ele me olhava sempre que eu contava sobre um novo paciente, amava ser amada por ele.
Eu amava .
Mas já não tinha certeza se ainda era apaixonada por ele.
– . – Chamei.
Ele virou os olhos da televisão para me encarar nos olhos, pela primeira vez.
– Eu sei onde isso vai dar, . – Suplicou. – Não faça isso.
As lágrimas saltaram dos meus olhos sem que eu nem percebesse que elas ainda estavam ali, e tinha certeza de que estava chorando porque eu finalmente tinha acabado de tomar uma decisão que iria mudar nossa vida para sempre.
– Você quer o que, ? Que eu seja infeliz?
– Não quero que seja infeliz, mas ainda não posso dar o que você quer! Minha carreira... – Sussurrou, finalmente se rendendo as lágrimas também, talvez fazendo a mesma retrospectiva de todos os nossos bons anos juntos. Largou o controle do videogame para chegar até mim, tomando minha mão na sua. – Minha carreira está decolando, . Eu não posso ter um filho agora, não posso assumir essa responsabilidade. Que tipo de cara você acha que eu sou se vou largar você com um bebê para correr minhas corridas?
– E você não pode deixar de correr? – Questionei, tirando suas mãos da minha. – Não pode arranjar um emprego e correr apenas como um hobby como uma pessoa normal?
Dizer aquilo foi um erro, percebi tarde demais que havia sido injusta. deu um sorriso triste, enxugando o canto dos olhos com a manga da blusa.
– Me desculpa, eu...
– Você sempre foi assim, né, . – Murmurou, me interrompendo. – Sempre olhando só para o seu umbigo. Sua carreira é sua vida. Mas a minha carreira? Não vale. Meus sonhos? Não valem.
– Eu nunca disse que eles não valiam! – Rebati. – Mas é da nossa vida a dois que estamos falando agora! Sobre o nosso futuro, !
– Que futuro? – Falou um pouco mais alto. – Que futuro, se você só pensa em si mesma, ?
A injustiça daquela frase era muito grande, mas estava decidida demais para dizer qualquer coisa de cabeça quente. Não percebi que estávamos gritando um com o outro até que um silêncio horrível se instalou naquele ambiente, espantando toda e qualquer lembrança bonita que um dia eu tive.
Respirei fundo, colocando meu cabelo atrás da orelha e peguei na mão de , levando ele para o sofá. Sim, eu realmente o amava. E agora eu tinha certeza de que não era mais apaixonada por ele.
– , a gente está de cabeça quente e...
– Eu nunca estive tão certa de algo. – Cortei. – Você obviamente tem planos para o seu futuro.
Ele sorriu, apertando minha mão.
– Claro que tenho!
– Planos que... não me incluem, . – Corrigi.
Seu sorriso morreu na hora, principalmente depois que mais duas lágrimas teimosas teimaram em escapar dos meus olhos.
– Onde você quer chegar?
– Você sabe onde quero chegar. – Falei, enxugando meus olhos e olhando para baixo. – Eu sei que eu te amo. Mas também sei que não sou mais apaixonada por você.
Arrisquei uma olhada para cima, os olhos de tão marejados quanto os meus deveriam estar.
– , depois de tudo que passamos, quase dez anos...
– A gente se acomodou. Você estava em outro país e eu nem sabia disso. Ficamos sem nos falar por dias e eu... eu nem senti sua falta. – Era vergonhoso dizer tudo que tinha para dizer, mas sinceramente eu estava me sentindo mais leve. Era coisa certa a se fazer. As lágrimas manchavam meu rosto sem parar e deviam estar me dando uma aparência medonha, mas naquele momento só queria passar por isso e correr para a casa da minha irmã em busca de colo e atenção. – , a gente precisa terminar.
Eu só percebi que ele tinha prendido a respiração quando soltou todo o ar do meu lado. Ele soltou minha mãe e se afastou um pouco para me olhar.
– Você vai poder focar na sua carreira e eu... Olha, não faz sentido para mim estar em uma relação onde eu não tenho um futuro. Para mim, isso não serve mais. Você... você não me serve mais. – Tentei, quando ele não disse nada.
finalmente olhou para mim, aparentemente triste. Ele iria superar. Nós dois iríamos.
– É isso então. Pode ficar aqui hoje. – Falou, se levantando. – Vou dormir nos meus pais, depois a gente resolve essa bagunça. – Sugeriu, apontando ao nosso redor.
O apartamento iria me deixar saudades, e estaria mentindo se dissesse que o próprio não me deixaria saudades.
Ele passou por mim, me dando um beijo longo e demorado no topo da cabeça e indo para o, até então, nosso quarto. Permaneci estática no mesmo lugar. Cinco minutos depois, saiu do quarto com uma pequena mala e uma cara péssima. Fui com ele até a porta de entrada, pensando em como seria horrível dormir sozinha essa noite.
– A gente ainda vai precisar se ver de novo. – Disse, arrumando a mala no ombro. – Mas eu queria te desejar toda sorte do mundo, . Que você encontre o que quer que esteja procurando.
Sorri para ele, o pior sorriso da minha vida.
– Foi ótimo o quanto durou. Eu amo você, . – Falei, subindo nas pontas dos pés para dar um beijo em seu rosto. me segurou por tempo demais para me dar um abraço e eu me entreguei naquele abraço, naquele cheiro, tentando absorver o máximo possível de sua essência porque eu sabia que sentiria muita falta dele.
– Eu amo você, . Eu sempre vou amar você. – Sussurrou em meu ouvido e indo embora sem nem olhar para trás.
Eu sabia que tinha tomado a decisão certa. Mesmo que eu o amasse, deixa-lo partir foi minha melhor escolha. tinha muitas competições para ganhar, não tinha tempo para uma esposa ou filhos e eu tinha demorado tempo demais para entender isso.
Ainda chorando, fechei a porta do apartamento. E, antes de ir para o quarto, respirei fundo a solidão que se instalou quando partiu, finalmente deixando que ela se encontrasse com o vazio que eu sentia dentro de mim.
Encontrei meu apartamento do mesmo jeito que tinha deixado quando saí, o que me dizia o óbvio: não tinha voltado para casa. Sabendo que nunca verificava minhas mensagens de texto no hospital, com o passar do tempo achou um jeito novo de me deixar recados. Dei um sorriso quando avistei um bilhete com sua letra corrida em cima da cama.
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Irei com os caras para o Canadá, conseguimos uma corrida importante, posso conseguir um novo patrocinador.
Volto sábado de manhã bem cedo, você nem vai sentir minha falta.
Afetuosamente,
Olhei para o relógio, que apontava dez e meia da manhã. Para os padrões de “bem cedo”, estava atrasado. Com um suspiro, tirei minha roupa jogando no cesto que mais tarde iria para a lavanderia e tomei um banho. Enrolei-me na toalha para a fim de procurar uma roupa confortável no guarda roupa e, uma vez vestida, me joguei debaixo do edredom, me preparando mentalmente para dormir até o sábado seguinte.
Porém, por mais cansada que eu estivesse, descobri tarde demais que meu cansaço era físico, porque minha cabeça não conseguia desligar de jeito nenhum. Minha mente estava fixada no meu relacionamento com e no que eu sentia a respeito disso. Já tentei terminar umas duas vezes, mas em nenhuma das duas ocasiões o término parecia ser a saída e, pior de tudo, eu não sabia nem dizer quais os motivos que tinham feito eu chegar aquela conclusão. era inteligente, esforçado, amigo, amoroso e... ausente. Acima de tudo ausente. Nos primeiros anos isso nunca foi um problema para mim; com minha carreira em jogo, de tudo que eu menos precisava era alguém que ficava chateado por que eu não podia dar atenção. Então meus plantões longos somados com a carreira de maratonista de tinha de tudo para construir um relacionamento perfeito, onde nenhum dos dois se sentiria culpado por não ter tempo para o outro.
Foi em uma conversa com amigas que uma delas sugeriu que talvez eu tivesse me acomodado. Mesmo com profissões que pesavam na nossa rotina, nós dois tínhamos sim que separar um tempo para fortalecer nosso namoro. Que era importante manter a chama do amor acesa. Foi somente nessa conversa, quando perguntei “Como sabemos que a chama do amor se apagou?”, que percebi, pelas expressões assustadas das minhas amigas, que se eu estava questionando sobre o amor que eu sentia por era porque provavelmente esse amor não existia mesmo.
E quando encontrei o motivo, eu soube: faziam muitos anos que eu não estava mais apaixonada por . Tivemos um relacionamento muito gratificante, por oito longos anos, mas ele acabou e nem eu sei direito como. Assim como muitos me diziam, enfim a verdade: eu estava acomodada, os dois estavam. Ele só pensava em patrocínio e prêmios, estava bem longe de me pedir em casamento, e desde que eu me lembro nunca tivemos uma conversa sincera quanto a ter filhos ou não.
Quer dizer, estava no Canadá e eu fiquei dias sem ter notícias! Pior que isso: eu realmente não tinha sentido saudades dele. Isso lá é amor?
Finalmente, depois de decidir que iria tomar uma atitude quanto a isso, minha mente pareceu relaxar e eu dormi poucos minutos depois.
Acordei com um pulo, assustada quando notei que já tinha escurecido. Eram sete da noite, dormi por oito horas. Suspirei, me levantando da cama com uma pequena dor de cabeça pelo padrão de sono alterado. Fui até a cozinha para buscar uma aspirina quando dei de cara com no sofá.
– Ei, como você está? – Perguntou, vindo até mim e me dando um selinho. – Fiquei sabendo do acidente, deve ter trabalhado horrores.
Sorri.
– Foi assustador, mas deu tudo certo. Desculpa não estar acordada para te receber da viagem.
chacoalhou a cabeça, me abraçando.
– Eu acho até que você deveria ter dormido mais. – Sugeriu, beijando o topo da minha cabeça.
Ele era tão carinhoso! Como eu falaria que queria terminar, depois de tudo que tínhamos construído?
– Estou com dor de cabeça por dormir demais. – Afirmei, saindo de seu abraço para ir até a cozinha pegar o remédio.
Uma vez medicada, voltei para o quarto para tomar outro banho e coloquei meus pijamas. Sentei no sofá ao lado de , pensando qual seria a melhor maneira de abordar o assunto. Mas logo desisti de enrolar, eu já tinha quase trinta anos, meu relógio biológico iria despertar a qualquer momento e eu não podia mais perder tempo.
– ? – Comecei, fazendo o homem desviar sua atenção do videogame e olhar para mim.
– Oi, amor. Ainda está com dor?
– Estou, mas não é isso. – Tentei. Ele assentiu, mas continuou focado na televisão. – Será que a gente podia conversar um pouco?
Percebendo a impaciência em minha voz, logo deu pause no jogo, se virando para mim.
– , você pensa em se casar?
Ele foi para trás, como se estivesse confuso com a pergunta. Colocou a mão no queixo, parecendo refletir de verdade sobre o assunto.
– Você pensa?
Revirei os olhos, irritada.
– Sabe que sim, . Mas fui eu quem te fiz a pergunta.
– É. – Começou, encostando as costas no sofá e tentando olhar para qualquer lugar que não fosse os meus olhos. – Eu penso.
– Mas quando? – Insisti.
– Vai me pressionar de novo, ? – parecia irritado, ou nervoso. Ou os dois. – Eu já disse que quando estiver pronto você será a primeira a saber.
– Não está pronto? , namoramos há oito anos! Moramos juntos há seis! A única diferença é assinar um papel e dar uma festa.
Ele sorriu, debochado.
– Se a única diferença é assinar um papel não estamos tão longe de estar casados, certo? Então para que mexer no que está quieto?
Suspirei, impaciente, colocando minhas mãos no rosto para que ele não visse as lágrimas de nervoso.
– , você sabe que isso é importante para mim. – Recomecei. – Tenho quase trinta anos. Eu amo você, quero me casar, ter filhos...
– Filhos? – Interrompeu, rindo e finalmente dando play no videogame de novo. – Quando foi que a gente falou de filhos?
Levantei-me, saindo de perto dele, como se tivesse tomado uma bofetada na face. Ele não queria se casar comigo e nem queria filhos? Mas então, o que eu estava fazendo em um relacionamento tão longo quando meu namorado nem sabia o que queria para a vida dele, estando eu tão certa do que queria para a minha? Estavam certas, minhas amigas? Estávamos acomodados nesse relacionamento?
Lembrei do começo do nosso namoro, quando tudo parecia mais fácil e leve. Lembrei da primeira vez que ele disse que me amava, do primeiro buquê que recebi e também de quando ele sugeriu que deveríamos morar juntos. Lembrei da nossa primeira vez na casa nova, dos filmes que assistimos e dos que desistimos. Lembrei de quando ele ainda me buscava no hospital após meu plantão, quando deixava seus recados em cima da nossa cama e também seu jeito doce de me receber com um café quentinho. Nossa casa tinha cheiro de lar e nunca me odiei tanto quanto naquele instante, porque eu simplesmente não conseguia me lembrar o momento exato em que aquele lugar deixou de ser meu lar e passou a ser... outra coisa.
Deixou de ter as cores vivas que sempre me acolheram, deixou de ter música e de ser quente e confortável. Passou a ser cinza, triste e vazia.
Eu conseguia ver para onde essa conversa estava nos levando. conseguia perceber também porque tinha levado vários gols enquanto processava o que tinha acabado de acontecer e agora seu time perdia de quatro a um, o que só podia significar que ele não estava prestando atenção como deveria, e só não queria estender o assunto.
Mas a gente precisava estender.
Depois que me entreguei para a minha nostalgia, entendi que se não fosse naquele momento, iria ser algum dia daqui dois anos, quatro, oito e até lá já seria muito tarde para eu ir atrás do que queria. Eu não podia esperar por mais oito anos, principalmente se não tinha certeza de que, no fim desses oito anos, ele poderia me dar o que eu estava pedindo.
Fechei os olhos, tentando fazer aquela dor quase física dentro do meu peito parar de arder. Eu amava . Eu amava sua gargalhada, seu senso de humor, sua empolgação com sua carreira. Amava como ele me olhava sempre que eu contava sobre um novo paciente, amava ser amada por ele.
Eu amava .
Mas já não tinha certeza se ainda era apaixonada por ele.
– . – Chamei.
Ele virou os olhos da televisão para me encarar nos olhos, pela primeira vez.
– Eu sei onde isso vai dar, . – Suplicou. – Não faça isso.
As lágrimas saltaram dos meus olhos sem que eu nem percebesse que elas ainda estavam ali, e tinha certeza de que estava chorando porque eu finalmente tinha acabado de tomar uma decisão que iria mudar nossa vida para sempre.
– Você quer o que, ? Que eu seja infeliz?
– Não quero que seja infeliz, mas ainda não posso dar o que você quer! Minha carreira... – Sussurrou, finalmente se rendendo as lágrimas também, talvez fazendo a mesma retrospectiva de todos os nossos bons anos juntos. Largou o controle do videogame para chegar até mim, tomando minha mão na sua. – Minha carreira está decolando, . Eu não posso ter um filho agora, não posso assumir essa responsabilidade. Que tipo de cara você acha que eu sou se vou largar você com um bebê para correr minhas corridas?
– E você não pode deixar de correr? – Questionei, tirando suas mãos da minha. – Não pode arranjar um emprego e correr apenas como um hobby como uma pessoa normal?
Dizer aquilo foi um erro, percebi tarde demais que havia sido injusta. deu um sorriso triste, enxugando o canto dos olhos com a manga da blusa.
– Me desculpa, eu...
– Você sempre foi assim, né, . – Murmurou, me interrompendo. – Sempre olhando só para o seu umbigo. Sua carreira é sua vida. Mas a minha carreira? Não vale. Meus sonhos? Não valem.
– Eu nunca disse que eles não valiam! – Rebati. – Mas é da nossa vida a dois que estamos falando agora! Sobre o nosso futuro, !
– Que futuro? – Falou um pouco mais alto. – Que futuro, se você só pensa em si mesma, ?
A injustiça daquela frase era muito grande, mas estava decidida demais para dizer qualquer coisa de cabeça quente. Não percebi que estávamos gritando um com o outro até que um silêncio horrível se instalou naquele ambiente, espantando toda e qualquer lembrança bonita que um dia eu tive.
Respirei fundo, colocando meu cabelo atrás da orelha e peguei na mão de , levando ele para o sofá. Sim, eu realmente o amava. E agora eu tinha certeza de que não era mais apaixonada por ele.
– , a gente está de cabeça quente e...
– Eu nunca estive tão certa de algo. – Cortei. – Você obviamente tem planos para o seu futuro.
Ele sorriu, apertando minha mão.
– Claro que tenho!
– Planos que... não me incluem, . – Corrigi.
Seu sorriso morreu na hora, principalmente depois que mais duas lágrimas teimosas teimaram em escapar dos meus olhos.
– Onde você quer chegar?
– Você sabe onde quero chegar. – Falei, enxugando meus olhos e olhando para baixo. – Eu sei que eu te amo. Mas também sei que não sou mais apaixonada por você.
Arrisquei uma olhada para cima, os olhos de tão marejados quanto os meus deveriam estar.
– , depois de tudo que passamos, quase dez anos...
– A gente se acomodou. Você estava em outro país e eu nem sabia disso. Ficamos sem nos falar por dias e eu... eu nem senti sua falta. – Era vergonhoso dizer tudo que tinha para dizer, mas sinceramente eu estava me sentindo mais leve. Era coisa certa a se fazer. As lágrimas manchavam meu rosto sem parar e deviam estar me dando uma aparência medonha, mas naquele momento só queria passar por isso e correr para a casa da minha irmã em busca de colo e atenção. – , a gente precisa terminar.
Eu só percebi que ele tinha prendido a respiração quando soltou todo o ar do meu lado. Ele soltou minha mãe e se afastou um pouco para me olhar.
– Você vai poder focar na sua carreira e eu... Olha, não faz sentido para mim estar em uma relação onde eu não tenho um futuro. Para mim, isso não serve mais. Você... você não me serve mais. – Tentei, quando ele não disse nada.
finalmente olhou para mim, aparentemente triste. Ele iria superar. Nós dois iríamos.
– É isso então. Pode ficar aqui hoje. – Falou, se levantando. – Vou dormir nos meus pais, depois a gente resolve essa bagunça. – Sugeriu, apontando ao nosso redor.
O apartamento iria me deixar saudades, e estaria mentindo se dissesse que o próprio não me deixaria saudades.
Ele passou por mim, me dando um beijo longo e demorado no topo da cabeça e indo para o, até então, nosso quarto. Permaneci estática no mesmo lugar. Cinco minutos depois, saiu do quarto com uma pequena mala e uma cara péssima. Fui com ele até a porta de entrada, pensando em como seria horrível dormir sozinha essa noite.
– A gente ainda vai precisar se ver de novo. – Disse, arrumando a mala no ombro. – Mas eu queria te desejar toda sorte do mundo, . Que você encontre o que quer que esteja procurando.
Sorri para ele, o pior sorriso da minha vida.
– Foi ótimo o quanto durou. Eu amo você, . – Falei, subindo nas pontas dos pés para dar um beijo em seu rosto. me segurou por tempo demais para me dar um abraço e eu me entreguei naquele abraço, naquele cheiro, tentando absorver o máximo possível de sua essência porque eu sabia que sentiria muita falta dele.
– Eu amo você, . Eu sempre vou amar você. – Sussurrou em meu ouvido e indo embora sem nem olhar para trás.
Eu sabia que tinha tomado a decisão certa. Mesmo que eu o amasse, deixa-lo partir foi minha melhor escolha. tinha muitas competições para ganhar, não tinha tempo para uma esposa ou filhos e eu tinha demorado tempo demais para entender isso.
Ainda chorando, fechei a porta do apartamento. E, antes de ir para o quarto, respirei fundo a solidão que se instalou quando partiu, finalmente deixando que ela se encontrasse com o vazio que eu sentia dentro de mim.
Fim!
Nota da autora: Oi, gente! Me inspirei total no relacionamento da Louisa e do Patrick em Como Eu Era Antes De Você. Espero que tenham gostado, beijos!.
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