Capítulo Único
(Coloque essa música para tocar)
Estava tão frio. O inverno desse ano estava ainda mais rigoroso, fazendo com que eu estivesse coberta dos pés à cabeça. Cachecol, luvas, touca... Era realmente o pacote completo.
e eu éramos quase os únicos na rua, enfrentando toda aquela neve apenas por um copo de cappuccino. Dois loucos rindo de nada especificamente e aproveitando a companhia um do outro. Eu o olhava e agradecia mentalmente por ele ter trombado comigo e se sentir no dever de me pagar um café, poucos dias atrás.
— Acho que preciso pensar em uma nova desculpa pra te chamar pra sair. Acredito que a validade daquele tombo já expirou. — disse, de repente, com um sorriso bobo nos lábios.
— É melhor ser boa, porque eu só estou aceitando por conta daquela trombada. Era o mínimo. — respondi no mesmo tom de brincadeira, deixando bem claro que não havia outro lugar que eu gostaria de estar.
— Eu vou pensar em alguma coisa até o final desse encontro. — Me engasguei com o cappuccino e arregalei meus olhos. Me recompus e fingi que foi apenas um descuido. Respirei fundo, pensando, com cuidado, nas minhas próximas palavras.
— Não sabia que era um encontro. — O sorriso sumiu dos lábios do , trazendo uma certa apreensão para seus olhos.
— Você está saindo com alguém? — Segurei o sorriso que queria aparecer em meus lábios. Ele ficava uma gracinha ansioso desse jeito.
— Eu? Bom... — Fiz um certo suspense. — Não. — disse e sorri, sendo logo acompanhada por ele. Seus olhos voltaram a se iluminar e soltou a respiração que estava prendendo.
— Muito engraçadinha você. — Antes que eu pudesse responder, seu celular tocou. — Eu preciso atender, um instante... Oi, amor. — Cuspi o gole que tinha acabado de tomar, logo buscando o olhar de para tentar entender o que estava acontecendo. Não demorou muito para que ele soltasse uma gargalhada alta, atraindo a atenção das poucas pessoas ao nosso redor. Peguei um guardanapo sobre a mesa e me limpei. Fuzilei com o olhar, que logo encerrou a ligação e voltou a rir.
— Muito engraçadinho você. — repeti sua frase.
— É bom, né? — ele disse, já recuperado do seu ataque de risos. — Era minha irmã. — Fechei a cara para ele, mas, no fundo, querendo rir da situação. — Sua cara foi impagável, . — Revirei os olhos e pegou uma de minhas mãos sobre a mesa. — Preciso que me acompanhe até um lugar. Minha irmã quer que eu pegue uma caixa para a minha mãe. — Um leve sorriso já aparecia novamente em meus lábios.
— Tudo bem. — Nos levantamos e foi pagar a conta. Assim que ele voltou, pegou uma das minhas mãos e entrelaçou nossos dedos.
parou em frente a uma casa, alguns minutos depois. Olhei para a casa e de volta para ele. Eu não estava entendendo.
— Achei que estávamos indo pegar uma caixa para a sua mãe. — perguntei, confusa.
— Então, nós estamos. — apontou para a casa. — Está ali.
— Mas ali não é o Correio. — Ele riu, apertando minha mão.
— Não, é a casa da minha irmã. — Arregalei meus olhos, completamente surpresa. Não fazia uma semana que nos conhecíamos e eu já estava na porta da casa da irmã dele. — Ei, ei, ei. Calma. Você não precisa entrar, nem precisa ir lá. — disse. — Eu realmente gostaria que você conhecesse minha irmã, mas eu entendo se achar que é muito cedo. — Respirei fundo, tentando processar.
— Você tem certeza? — perguntei, insegura. apenas sorriu e me levou em direção à porta. Suspirei e agradeci mentalmente pela roupa que tinha escolhido, meu cachecol da sorte se provando útil mais uma vez.
A irmã de logo atendeu a porta, nos convidando para entrar. Retirei o excesso de roupa, apreciando o calor dentro da casa. Eloise era muito divertida e os assuntos pareciam intermináveis. Quando já estava ficando tarde, e eu decidimos que era melhor irmos embora.
— Foi um prazer te conhecer, Eloise. — eu disse, sendo sincera.
— O prazer foi todo meu. — Ela me deu um abraço e trocou um longo olhar com .
Já na porta do meu apartamento, estava se afastando quando me lembrei de uma coisa.
— ! — eu chamei. Ele se virou e me encarou, com um sorriso nos lábios.
— Já está com saudades?
— Palhaço. — Revirei os olhos. — Eu esqueci meu cachecol na casa da sua irmã, não posso ficar sem ele.
— Eu pego lá depois. — Seu sorriso se alargou. — ? — ele chamou. Encarei-o, ansiosa por saber o que ele queria dizer.
— Acho que precisamos de um outro encontro pra eu te devolver seu cachecol. — Eu sorri, lembrando na nossa brincadeira de mais cedo.
— Essa foi boa. — Ele também sorriu.
— Você ajudou bastante. — Nós sorrimos mais uma vez e ele se foi.
Acordei suada e com a respiração agitada. As imagens do sonho invadindo minha realidade, me levando de volta para àquela época. Imagens do meu cachecol na gaveta da casa do , algumas semanas depois. Memórias de tempos felizes... Nosso tempo... juntos.
Levantei em um pulo da cama, lutando contra essas lembranças e empurrando-a para o fundo da minha mente. Tomei um banho rápido e logo desci, encarando a luz do sol surgindo em minha janela.
— Bom dia, flor do dia. — Apenas olhei para a minha amiga, indo em direção à geladeira e retirando uma garrafa de água. — Sonhou com ele de novo?
— Não quero falar sobre isso, . — cortei-a.
— , já faz dois meses. Está na hora de seguir em frente. Olha o estado dessa casa, olha pra você. Você não tem comido direito, não tem limpado nada, já estão começando a reclamar no trabalho.
— É a minha dor. Eu deixo você saber quando for a hora de seguir em frente. — falei, seca.
— ...
— CHEGA, ! Você acha que eu estou bem assim? Eu estou tentando sobreviver a cada maldito dia, então me deixa em paz! — Subi correndo para o meu quarto, batendo a porta assim que entrei. Me joguei na cama, me entregando novamente a um choro que nunca parecia ter fim. Uma dor lancinante que nunca deixava meu peito, o ar que não conseguia chegar direito em meus pulmões, tornando minha respiração mais difícil.
Ouvi a porta sendo aberta e minha amiga logo estava me abraçando, me aconchegando em seus colo e me permitindo extravasar. Eu sabia que aquilo não era justo com ela, mas o lado racional da minha mente já tinha me abandonado há muito tempo.
— Eu sinto muito. — falei depois do que pareceu uma eternidade.
— Eu sei. Me desculpa também. Eu não queria te pressionar, mas já faz meses, . Eu odeio te ver assim. — disse, preocupada.
— E eu odeio estar assim. — disse e me levantei em um salto. Fui para o banheiro e encarei meu reflexo no espelho. Olheiras de uma noite mal dormida, olhos vermelhos por um choro que já durava meses, lábios brancos, rosto pálido. Um completo caos. Lavei meu rosto e me encarei novamente. Eu precisava dar um basta nisso. Saí do banheiro e peguei minha roupa de corrida.
— Tem certeza de que está bem pra isso? — minha amiga perguntou, surpresa. — Você não tem se alimentado bem e...
— Eu não vou me esforçar demais. Só preciso... espairecer.
— Leva o celular, por favor. E, qualquer coisa, me ligue.
— Pode deixar. — Me troquei e saí apressada, não querendo perder a faísca de coragem para sair de casa e tentar me distrair. Coloquei os fones no ouvido e deixei em uma música qualquer. Deixei que a batida, aos poucos, tomasse conta de mim.
Corri sem direção por um tempo, apenas passando pelas ruas sem realmente prestar atenção ao meu redor. Poucas pessoas estavam na rua àquela hora da manhã, ainda mais em uma manhã de domingo. Quando um trecho mais urbano começou, passei a me concentrar mais nas pessoas.
Um casal de idosos passeando e sorrindo um para o outro.
Um homem correndo com seu cachorro.
Duas garotas chegando em casa após uma noite na balada.
Apenas pessoas normais seguindo a vida. Eu estava apenas caminhando enquanto me sentia uma intrusa por bisbilhotar a vida dos outros. Parei no sinal, esperando que o vermelho aparecesse para os carros e eu pudesse atravessar. Um carro conversível freou bruscamente para não avançar o sinal. Encarei o casal, que apenas ria da situação. A menina tinha seus cabelos soltos, sendo balançados pelo vento, e o rapaz apenas não conseguia desviar o olhar dela. Era como se o seu mundo girasse em torno da garota ao seu lado.
— Você é louco! — gritei para , que apenas ria e continuava me encarando.
— E você é linda! — Senti meu rosto esquentar e tinha certeza de que minhas bochechas estavam coradas.
— Você quase avançou o sinal! — O sorriso não deixou seus lábios, o brilho nos seus olhos me fazia sentir especial, como se nada mais no mundo importasse. — Eu não acredito que me convenceu a faltar o trabalho pra seguir nessa viagem para...
— Algum lugar que você só vai saber quando chegarmos! Vai ser divertido. Confia em mim. — E eu confiava, completamente. fazia tudo parecer fácil, tudo era mais leve, mais alegre quando ele estava por perto.
— Tudo bem. — Sorri para ele, que apenas mudou a estação do rádio e começou a cantar a próxima música. me encarou novamente, em um convite silencioso para que eu me juntasse a ele. Antes que eu pudesse perceber, meus lábios já acompanhavam na melodia. E assim seguimos, em nossa pequena bolha.
Uma lágrima caiu dos meus olhos. Era outono. As folhas caídas no chão eram apenas um toque a mais na paisagem que se estendia ao nosso redor. Se eu fechasse bem meus olhos, eu ainda podia sentir o vento em meu cabelo. Era quase como se eu estivesse lá, presenciando as folhas caindo enquanto corria atrás de mim, rindo tão alto e me fazendo acreditar que eu era a pessoa mais especial do mundo. Eu ainda tinha a imagem na minha mente. Eu ainda lembrava muito bem.
O carro voltando a acelerar me despertou dos meus devaneios. Encarei o casal sumindo na estrada, sorrindo e cantando, vivenciando algo que agora eu só tinha na memória. O sinal fechou novamente e eu segui meu caminho, retornando para casa com a cabeça mais cheia do que quando eu saí. estava sentada no sofá, assistindo a um filme qualquer na televisão.
— Você está bem? — ela perguntou quando notou as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. — Pergunta idiota, eu sei.
— Eu estou... levando. Mas não bem. — Me joguei no sofá, sentindo toda aquela tristeza pesando no meu peito. — Eu sei que já faz um certo tempo, mas eu não consigo esquecer, . É como se ele estivesse sob a minha pele, marcado eternamente. Não importa o que eu faça, eu o vejo em todos os lugares. Sim, a magia não está mais lá, mas eu consigo enxergar tudo claramente. É como se tivessem gravado cada momento nosso e ficassem encenando para mim em cada lugar que eu vou. — Minha amiga apenas me observou, em silêncio, absorvendo todas as minhas palavras. Não havia nada que ela pudesse fazer, essa era a verdade. Eu só precisava encontrar uma maneira de... seguir em frente. Sem ele.
— Você tem certeza de que já está na hora de eu conhecer sua mãe? — perguntei pela milionésima vez. apenas ria, enquanto me conduzia até a porta da sua casa.
— Relaxa, ela vai amar você, assim como eu. — Ele me deu um breve beijo, sabendo o impacto que suas palavras causariam em mim. — Só seja você mesma e a deixe ver o quão maravilhosa você é. — passou o nariz pelo meu, em um carinho que me fez arrepiar inteira.
— E se...
— É só minha mãe, . — Ele ria do meu nervosismo, mas eu não conseguia me controlar. e eu estávamos namorando há quatro meses e essa seria a primeira vez que eu encontraria sua mãe.
— Pronta? — ele perguntou, já abrindo a porta da casa.
— Isso é pra eu não fugir? — disse, sorrindo.
— Claro, te conheço bem demais, esqueceu? — Ele se virou para a casa, sua mãe já estava vindo em nossa direção. — Mãe, essa é a . , essa é a minha mãe, Nomi.
— Oi, senhora...
— Por favor, me chame de Nomi, minha querida. fala tanto de você que já sinto que te conheço desde sempre. — Minhas bochechas coraram, mas não podia negar que meu coração se aqueceu com suas palavras.
— Nessa aqui — Nomi apontou para outra foto de —, ele tinha acabado de vencer sua primeira partida no time infantil de baseball. Nunca tinha o visto tão feliz quando os colegas e os pais o levantaram para o alto, comemorando a vitória e o seu bom desempenho. — Encarei sentado no outro sofá, bochechas coradas e um sorriso que não deixava seus lábios.
— Mãe, tenho certeza de que a não quer ficar olhando todas as minhas fotos de quanto eu era criança.
— Imagina, claro que eu quero. Olha essa, que gracinha você ficava com esses óculos! — falei, achando a situação extremamente engraçada. Nomi ria das reações do filho a cada foto que ela passava. Quando ele percebeu que eu realmente não largaria o álbum até ver a última foto, cedeu e passou a me contar as histórias do seu passado, junto com a sua mãe.
Já de volta ao meu apartamento, deitados em minha cama, não conseguia parar de rir.
— Não acredito que ela te contou tudo aquilo!
— Você parece ter tido uma infância muito feliz. — comentei, com minha mente um pouco distante dali.
— Eu tive. — suspirou, encarando o nada. — E eu quero que os nossos filhos sejam ainda mais felizes. — Me virei rapidamente para ele, encarando-o, assustada com suas palavras.
— O quê... — riu da minha reação. Ele colocou suas mãos em meu rosto, me encarando.
— Eu só não consigo enxergar meu futuro sem você nele.
Meu corpo despertou, minha mente ainda nublada pelo sonho. Eu estava encolhida no meio da cama, meu cabelo grudado no meu pescoço, devido ao suor. Minhas mãos tremiam e eu não conseguia focar em nada a minha frente.
Respirei fundo e aos poucos meu corpo foi voltando a responder. Encarei o teto, sentindo meu corpo dolorido. Olhei o relógio no criado-mudo ao lado da cama, que marcava 3:14 AM. Fechei meus olhos com força, não acreditando que tinha perdido mais uma noite.
Levantei da cama, ainda um pouco tonta, e desci as escadas, indo para a cozinha. Tanto tempo já tinha se passado e eu ainda tinha esses sonhos, ainda o via em todos os lugares, ainda o sentia perto de mim. Por mais que eu forçasse minha mente a não pensar nele, era apenas o suficiente para eu esquecer o porquê de eu precisar fazer isso.
Abri a geladeira e tirei de lá uma garrafa com suco de laranja, mas antes que eu pudesse ao menos fechar a porta, as lembranças me tiraram dali.
— O que você faz acordada a essa hora, amor? — me assustou quando chegou de repente na cozinha.
— Eu estou nervosa para a entrevista de emprego. — falei, enquanto tomava um copo de suco. passou seus braços ao meu redor, me abraçando bem forte.
— Você vai arrasar, . Não existe ninguém melhor pra preencher essa vaga do que você. — Eu apenas assenti, me deixando ser aconchegada em seus braços. pegou a garrafa que estava a minha frente e se virou para guardá-la na geladeira. Assim que ele a abriu, a luz invadiu a cozinha, irritando um pouco meus olhos. Quando já conseguia enxergar novamente, estendeu uma de suas mãos para mim. Peguei-a sem hesitar, mesmo que não soubesse o motivo.
— O que você está fazendo? — perguntei, confusa.
— Dançando com a minha garota. — aproximou nossos corpos e começou a balançar em uma melodia que só existia dentro da sua mente.
— Não tem música, . — Eu ria, achando graça da sua atitude repentina. Ele pegou uma das minhas mãos e colocou sobre o seu coração.
— Está sentindo? — ele perguntou, baixinho. Eu assenti. — Essa é a batida, ele sempre fica assim quando eu estou perto de você.
Voltei para o meu quarto, limpando minha mente de qualquer pensamento relacionado a ele. Me aconcheguei debaixo das cobertas e fechei meus olhos, mesmo que dormir não estivesse nos planos para o resto da noite.
***
— Anda, , nós vamos nos atrasar para o trabalho! — gritava, já da porta.
— Estou indo. — Peguei minha bolsa e desci as escadas rapidamente.
— Uau, você está péssima. — Minha amiga parecia assustada.
— Não consegui dormir direito. — disse, apenas. — Vou tentar melhorar com maquiagem, no caminho.
— É uma boa ideia.
Seguimos em direção à revista, onde trabalhávamos. era a editora de moda enquanto eu ficava com a parte de televisão e música.
— , o editor-chefe quer que você revise algumas resenhas dos estagiários e faça uma avaliação individual de cada um até o final do dia.
— Bom dia pra você também, Nathalie! — falei, já me sentando em minha cadeira.
— Bom dia. E me desculpe, mas ele está no meu pé desde que chegou.
— Eu nem estou atrasada! O que ele tem que madrugou aqui?
— Não faço ideia, mas está deixando todo mundo louco! — Revirei meus olhos.
— Notei, sou uma delas. Como se eu já não tivesse coisa o suficiente pra fazer hoje. — Nathalie deu um sorriso como pedido de desculpas e voltou para a sua mesa, organizando as milhares de tarefas que e eu teríamos para hoje.
— , larga isso e vamos sair pra almoçar. Eu vou ficar louca se ficar mais um minuto dentro desse prédio. — Terminei de digitar mais uma avaliação dos estagiários e desliguei o monitor do computador, também não aguentando mais ficar ali.
— Não precisa chamar duas vezes! — Peguei minha bolsa e segui minha amiga até o restaurante que sempre íamos.
— Sério, eu não sei qual o problema desse cara, mas é melhor ele resolver logo. Todo o departamento está mal humorado e querendo matar alguém. — Eu sorri novamente, achando engraçada a irritação da minha amiga. me encarou e sorriu, me abraçando de lado. — Eu senti falta dessa risada. — Eu apenas assenti, ainda em silêncio.
Sentamos em nossa mesa habitual e rapidamente fizemos nossos pedidos. se empolgou contando sobre o próximo desfile que ela iria cobrir e eu acabei me envolvendo na conversa, nem notando que meu celular estava tocando.
— Oi! — atendi, sem nem ver quem estava ligando. Ouvi um suspiro do outro lado da linha e logo prendi minha respiração.
— Oi, . Tudo bem? — Encarei , que estava me lançando um olhar preocupado, sem saber o que estava acontecendo. Minha garganta estava seca e eu não conseguia pensar em nada para responder. Minha amiga já estava em pé ao meu lado, fazendo gestos para que eu respirasse fundo. — ? Você tá me ouvindo? — perguntou. Sua voz me fazendo arrepiar e trazendo sensações que eu tentava reprimir a todo custo.
— Sim, estou te ouvindo. — disse, depois de um longo suspiro.
— Bom, vou direto ao assunto. Eu estava fazendo uma limpeza aqui e tem muitas coisas suas. Joguei tudo em uma caixa e queria saber se vai buscar ou se posso jogar tudo fora. — Meu coração falhou uma batida. As lágrimas já se formavam em meus olhos e minha mente não conseguia processar por que ele estava sendo tão cruel.
— Por que você tá me tratando assim? O que eu fiz pra você? — perguntei, tentando, ao máximo, manter minha voz firme.
— Tratando como? Por favor, não comece com o drama, ok? — ele disse e minha mente e meu coração não conseguiam aceitar que era o meu falando.
— Você está sendo apenas honesto, certo? — Suspirei mais uma vez, me recusando a demonstrar fraqueza. — Eu passo aí depois do meu trabalho, não precisa jogar nada fora. Você ainda lembra até que horas eu trabalho, ou isso já entrou na lista de coisas que apagou da memória? — perguntei, irônica.
— Horário padrão, não é? — ele disse, respondendo no mesmo tom. Eu ri.
— Até. — disse e desliguei, sem esperar por sua resposta. Deixei o celular sobre a mesa e desabei em um choro silencioso, sufocante. veio rapidamente para o meu lado, me ajudando a levantar e me arrastando para o banheiro do restaurante. Não sei por quanto tempo ela ficou me consolando, mas, quando dei por mim, já estava de volta à minha sala. Minha amiga não perguntou o que tinha acontecido, mas eu podia sentir a raiva emanando do seu corpo e a tensão visível a cada passo que ela dava. Eu disse apenas que precisaria passar na casa do depois do trabalho e ela disse que não me deixaria ir sozinha. Confesso que estava preocupada dela querer matá-lo ou coisa assim.
Fingi que não tinha recebido aquela ligação e me foquei no trabalho, cumprindo todas as minhas tarefas do dia. Quando terminei o esboço da segunda matéria para a próxima edição da revista, meus olhos foram puxados para o relógio pendurado na parede. Faltavam exatos sete minutos para eu sair. Meu coração disparou e minhas mãos suavam, a ansiedade assumindo todo o controle do meu corpo.
entrou na minha sala e logo notou meu nervosismo.
— Eu posso ir lá e pegar suas coisas, você pode me esperar no carro, se preferir.
— Não, eu preciso olhar nos olhos dele, preciso entender o motivo por trás dessa mudança repentina dele.
— ...
— Não, . Essa luta é minha. Eu preciso disso pra tentar seguir em frente e o esquecer de uma vez por todas. — Minha amiga apenas suspirou, derrotada. Nós seguimos para o seu carro.
Eu encarava as ruas que passavam pela janela, um trajeto tão conhecido por mim. Nosso namoro durou dois anos e meio e, sem muitas explicações, não estava mais lá. Eu ainda lembrava do dia que me chamou para conhecer sua casa nova, sua felicidade por estar adquirindo sua independência e saindo da casa dos pais. Eu lembrava de ajudá-lo em cada pequeno detalhe da decoração, minha opinião sempre sendo levada em consideração. Eu lembrava de tudo muito bem.
Quando dei por mim, já tinha parado o carro na frente da casa dele. Ela me encarava, não sabendo o que falar ou fazer. Respirei fundo e abri a porta do carro, tirando o resto de coragem que tinha em mim para finalizar o percurso até sua porta.
Bati. Alguns poucos minutos depois, pude ouvir passos se aproximando da porta. Reprimi a vontade de sair correndo e deixar que tudo fosse realmente para o lixo. abriu a porta e me encarou. Arregalei meus olhos diante sua clara perda de peso, mas antes que eu pudesse questionar qualquer coisa, ele já tinha fechado a porta na minha cara.
Balancei minha cabeça, não entendendo o motivo para ele ter feito isso. A porta voltou a abrir pouco depois, estava com uma caixa nas mãos. Acho que não tinha sido convidada para entrar.
— Está tudo aqui. — ele disse, seco. Por mais que seu rosto estivesse rígido e seu tom demonstrasse certo desprezo, eu via em seus olhos algo que contradizia sua postura completamente. Eu o encarei por um tempo, já com a caixa nas minhas mãos.
— Você tá bem? — eu perguntei, bem baixinho. arregalou seus olhos, impaciente. Mas não com raiva, e sim assustado.
— Eu preciso entrar, tenho muita coisa pra fazer. Tchau. — Ele fechou a porta novamente, não me respondendo nem me dando chances para falar mais nada. Me virei e encarei a caixa nos meus braços. Desci os poucos degraus da entrada da sua casa e quase tropecei ao encarar a foto que estava por cima das coisas. Nós a tiramos na primeira semana, no mesmo dia que me apresentou a sua irmã.
Caminhei lentamente em direção ao carro, revirando os objetos em busca do meu cachecol da sorte, o mesmo que eu tinha esquecido naquela primeira semana, e nunca me devolveu, o guardando em sua gaveta desde então.
— Não está aqui. — Encarei a caixa revirada, extremamente confusa. Se ele queria se livrar de tudo, por que meu cachecol não estava aqui? Ele sabia o quanto era importante para mim!
Antes que eu pudesse pensar a respeito, meus braços soltaram a caixa no chão e eu voltei correndo para a porta da casa do , batendo com todas as minhas forças. Meus olhos já estavam nublados pelas lágrimas, mas isso não me impediu de enxergar a expressão de surpresa nos olhos do nem de invadir sua casa.
— Mas o quê...
— Talvez nós nos perdemos na falta de comunicação ou eu exigi demais de você. — eu o interrompi, caminhando de um lado para o outro na sala da sua casa e dizendo tudo o que estava entalado na minha garganta. — Ou talvez nosso relacionamento tenha sido uma grande obra de arte, até você estragar tudo e sair correndo sabe Deus o porquê.
— ...
— CALA BOCA! — As lágrimas já corriam livremente pelo meu rosto, eu precisava dizer tudo. Eu precisava entender. — Só... cala a boca. Eu estava lá, , eu me lembro de tudo, nos mínimos detalhes. Eu estava tentando seguir em frente, mesmo que as lembranças me perseguissem em cada maldita esquina. E então você me liga, mais de dois meses depois de terminar comigo sem me dar grandes explicações, sendo um completo babaca. A única coisa que você tem feito comigo é ser cruel e me machucar. Você está me destruindo, assim como quebrou cada promessa que me fez. — permanecia em silêncio, apenas me observando e ouvindo atentamente tudo o que eu dizia. Quando eu notei que ele estava prestes a dizer alguma coisa, eu me adiantei... — Não, não diga. “Estou apenas sendo honesto!” — o imitei. — Mentira! Você pode estar sendo qualquer coisa, menos honesto comigo! Você terminou comigo da pior forma. Você me jogou fora assim como um pedaço de papel amassado que não tem mais serventia pra você.
— Nós já tivemos essa conversa antes, por favor. — ele disse, a voz não tão firme como antes.
— Por favor? Agora você vem me pedir por favor? — Eu ri, não acreditando em suas palavras. — Você junta todas as minhas coisas e ameaça jogar tudo fora. Eu venho buscar e você nem mesmo me pede pra entrar! Você, simplesmente, me entrega a caixa e espera que eu vá para casa, sozinha, sem argumentar. — Eu me aproximei dele, parando a poucos centímetros de distância. prendeu a respiração, não sabendo o que eu faria a seguir. — Só que você esqueceu uma coisa: meu cachecol. Aquele, da semana que nos conhecemos, o mesmo que você nunca me devolveu. Porque ele te lembra da inocência, ele ainda tem meu cheiro, não tem? Você não consegue se livrar dele porque você também se lembra de tudo, tão bem quanto eu. — se afastou, como se tivesse recebido um soco.
— Você não sabe do que você está falando.
— VOCÊ NÃO SABE DO QUE ESTÁ FALANDO! — eu gritei de volta para ele. — Você espera o quê? Você tá agindo dessa maneira porque quer que eu te odeie? É isso, ? Me fala! Para de apenas encher a boca pra dizer que está dizendo a verdade e seja realmente honesto pela primeira vez! — voltou correndo em minha direção e parou bem próximo a mim.
— Eu acho melhor você ir embora. Acabou, . Acabou. — ele falou tão baixo, que apenas pela sua proximidade eu fui capaz de ouvir. Mas eu não conseguia aceitar, não vendo tanta dor em seus olhos, não percebendo que tinha muito mais coisa por trás de todo esse teatro. Me soltei dos seus braços e fiquei de costas para ele.
— Em todo esse tempo, é como se eu estivesse paralisada. Eu encarava o relógio, o calendário, e apenas tentava sobreviver a mais um dia. Eu queria voltar ao que eu era, aquela menina ingênua, alegre e que sempre procurava ver o melhor nas pessoas, mas eu ainda estou a procurando por aí. — Eu ainda estava de costas, falando baixo, mas eu sabia que conseguia me ouvir. — Mas eu não consigo encontrá-la. Depois de todas as nossas noites juntos, das noites que você me possuía e me fazia sentir a pessoa mais amada no mundo todo... Eu não consigo mais voltar ao que eu era. — Voltei a olhar para o , que estava de costas para mim e apoiado no sofá. — E aqui estamos nós novamente. Eu te amei tanto, , e a única coisa que eu te peço é que seja sincero comigo, antes que você perca a única coisa real que você sempre disse que conheceu. — eu pedi, com a voz falha e com o coração apertado.
— Eu tenho câncer, . — disse, ainda sem se virar para mim. Eu precisei me sentar em uma cadeira, meu corpo não conseguia mais se sustentar em pé. Meu peito doía tanto, como se várias facas estivessem sendo enfiadas nele.
— Você... — olhou para mim, vindo em minha direção.
— Fui diagnosticado com Osteossarcoma. Tenho um câncer ósseo na perna.
— Aquelas dores que você sentia, o inchaço...
— Sim, tudo isso. — disse, se sentando no sofá.
— Mas por que... O que isso tem a ver? — Ele riu.
— Eu precisava que você me odiasse porque se o tratamento não der certo e eu morrer, você não sofreria tanto.
— Você acabou de ouvir o que me disse? — Eu não tinha mais controle algum das minhas lágrimas. — Eu nunca te deixaria passar por isso sozinho.
— Eu sei, por isso eu te afastei. Eu não posso te afundar nessa comigo, . Não posso e não vou. O médico disse que as chances de recuperação são boas, já que fui diagnosticado ainda no início, mas eu não posso arriscar sabendo que pode dar tudo errado.
— Você parou pra pensar que essa não é uma escolha sua?
— Claro que é. Eu não quero que você me veja doente, não quero que você sofra por causa da agressão da quimioterapia, não quero que você viva cada dia se perguntando se eu vou sobreviver. Eu não vou conseguir aguentar isso tudo sabendo que estou te causando esse nível de dor, eu só não posso suportar. — chorava e eu não consegui me segurar e não ir até ele. Me sentei ao seu lado e o abracei, aliviando a necessidade que eu tinha de senti-lo perto de mim novamente.
— Tudo o que você disse...
— Te deixar foi a coisa mais difícil que eu já fiz na minha vida. — Eu o encarei, buscando qualquer traço de mentira em suas feições. — Eu amo você, , e é exatamente por isso que eu preciso te afastar. — Calei-o com um beijo, não aguentando mais aquela angústia e a distância que ele tentava a todo custo colocar entre nós. cedeu, me puxando para mais perto dele e aprofundando nosso beijo, tão necessitado quanto eu.
— Eu amo você, . E você é um idiota por ter me afastado, mas eu não vou deixar isso acontecer de novo. — eu falei e apoiou a cabeça no encosto do sofá.
— Você...
— Não importa o que você diga, eu não vou sair do seu lado. Nós iremos passar por isso, juntos. Não há nada nem ninguém no mundo que vá me impedir.
Contei brevemente o que aconteceu para e disse que ficaria ali na casa do . Minha amiga estava tão nervosa que eu não sei como ela conseguiu esperar que eu fosse até ela e não invadiu a casa.
e eu estávamos deitados na sua cama, depois que ele me contou cada detalhe do que o médico disse e me mostrou todos os exames.
— Por que você me ligou? — perguntei, mesmo que não tivesse certeza de que ele ainda estava acordado.
— Porque a quimioterapia começa amanhã e eu precisava te ver, já que essa poderia ser a última...
— Não diz isso, por favor. — suspirou e me deu um beijo na testa.
— Você sabe que não pode descartar isso. — Eu apenas assenti.
Quando notei que tinha, enfim, caído no sono, eu levantei calmamente da cama e peguei seu computador. A senha ainda era a mesma e eu logo estava em milhares de sites sobre esse câncer especificamente.
— Eu sabia que você ia fazer isso. — me assustou.
— Só volta a dormir, daqui a pouco eu vou. — Ele não argumentou. me conhecia bem demais para saber que não conseguiria dormir até saber o máximo possível sobre o assunto.
Voltei para a cama e me aconcheguei perto de . Antes de tentar dormir, mandei uma mensagem para , pedindo para que avisasse que não poderia trabalhar no dia seguinte. Dei um beijo em e o observei dormir.
— Você vai ficar bem. Eu sei que vai.
***
A quimioterapia estava fazendo efeito, mas os efeitos colaterais estavam atingindo bem em cheio. O cabelo já tinha caído, ele estava sempre enjoado e vomitava bastante. Eu o acompanhava em cada consulta, em cada parte do tratamento, por mais que ele não me quisesse ali. aguentava grande parte da dor calado, fazendo o possível para demonstrar que estava bem, mesmo não estando.
Perdi as contas das vezes que eu briguei com ele, mandando-o parar de pensar em mim daquela maneira e que se concentrasse no tratamento.
— Não aguento mais ficar deitado nessa cama. — disse, em uma noite depois da quimioterapia.
— Eu até poderia pensar em uma coisa ou duas pra te deixar mais feliz por estar em uma cama, mas o médico proibiu. — bufou.
— Filho da mãe. — ele falou, com um sorrisinho nos lábios.
— Você parece mais feliz hoje. — eu disse e ele logo buscou minha mão, mas nada disse. — Amanhã eu tenho uma reunião na revista, só vou conseguir vir aqui à noite.
— Não sei como ainda não te demitiram. Já cansei de falar que não precisa me acompanhar em tudo. — Revirei meus olhos, não querendo ter aquela conversa novamente.
— Eu te amo. — riu, conformado que eu não o deixaria por nada.
O editor-chefe da revista não parava de falar e eu não conseguia me concentrar direito. Minha mente estava com , mesmo que ele tivesse apresentado uma certa melhora no dia anterior.
notou minha agitação e me lançou um olhar repreendedor. Dei um sorriso em sua direção, pedindo desculpas. O editor me fez uma pergunta, mas antes que eu pudesse responder, meu celular começou a vibrar em cima da mesa. O nome de Eloise, irmã do , piscou na tela e eu senti meu coração parar. Não me importei com as pessoas me chamando assim que saí da sala de reunião.
— ? Me desculpa te ligar, mas... — Ela chorava. Senti meu coração apertar. — O teve uma complicação e vai ter que operar. Ele já está sendo preparado para a cirurgia, eu estou com tanto medo. — Minhas pernas cederam e eu caí sentada no chão. As lágrimas já caíam dos meus olhos.
— Eu... — tentei dizer alguma coisa, mas as palavras não saíam. chegou até mim e retirou o celular da minha mão.
— Nós estamos indo. — Ouvi minha amiga dizer e logo depois ela me ajudou a levantar.
O caminho até o hospital foi apenas um borrão. Assim que minha amiga descobriu onde estava, nós apenas saímos correndo pelo hospital.
Eloise estava no corredor e se levantou assim que me viu chegar.
— Onde ele tá? Cadê o ? — eu perguntava, olhando para todos os lados. — Eu preciso vê-lo.
— , fica calma. — tentou me segurar, mas eu apenas me desvencilhei dela. Eloise olhou para a porta do quarto e isso bastou para que eu a abrisse com força, não me importando com quem estivesse lá dentro.
estava deitado na cama e alguns enfermeiros estavam ao seu redor.
— A senhora não pode ficar aqui, por favor, peço que se retire... — Ignorei a todos e segui na direção da cama, empurrando todos da minha frente.
estava inconsciente. Seu rosto estava pálido, sem vida. Balancei minha cabeça, tentando me livrar desse pensamento. Segurei uma das suas mãos, a apertando.
— Você precisa voltar pra mim, . Por favor. — Eu chorava, o encarando deitado sobre a cama.
— A senhora precisa sair, por favor. — Um enfermeiro me segurou, me retirando dali.
— ! ME SOLTA! — Eles me colocaram para fora do quarto e logo veio me abraçar, me impedindo de tentar entrar no quarto novamente. — Eu não posso perdê-lo, . Eu não vou conseguir viver sem ele. — Deixei que minha amiga me segurasse, enquanto eu só conseguia chorar e pedir, com todas as minhas forças, para que o saísse vivo e bem daquela cirurgia. Porque o contrário... Eu não estava pronta nem para pensar na possibilidade.
7 anos depois...
Eu estava deitada com Sophie na grama, no quintal da nossa casa. Era final da primavera, mas as flores ainda coloriam o ambiente. O vento batia em meus cabelos, fazendo Sophie rir da bagunça. Minha filha se divertia mexendo no meu cabelo e eu apenas ria da sua gargalhada gostosa.
— Mamãe, conta de novo a histólia com o papai. — Soph pediu e um sorriso logo se formou em meus lábios.
— De novo, filha? Acho que já sabe contar até melhor do que eu. — brinquei. Ela largou meus cabelos e se deitou ao meu lado, apoiando a cabecinha no meu braço.
— Eu estava saindo do meu estágio. Eu tinha tantas pastas e papéis nas mãos, que eu mal conseguia enxergar por onde meus pés andavam. — Olhei para a minha filha, que encarava o céu limpo sobre nós. — Estava muito frio. O inverno estava quase insuportável. As ruas todas cobertas pela neve, um vento que quase me carregava junto com ele. — Sophie riu, imaginando a cena. — Meu telefone tocou, dentro da bolsa, e eu me atrapalhei toda com aquele monte de coisas nos braços. Estava andando apressada, tentando equilibrar tudo em um braço para que pudesse usar o outro para pegar o celular.
— Aí o papai tomba com você. — Eu sorri com a sua ansiedade.
— Eu consegui pegar o celular na bolsa, mas antes que pudesse atendê-lo, seu pai me deu uma trombada e eu caí sentada no chão, cercada por todos os papéis que eu segurava. — Sophie gargalhava. Encarei minha filha, os olhos brilhando e da cor exata dos olhos do . Suspirei ao notar todas as semelhanças.
— Papai desastado. — Ri junto com a minha filha, concordando.
— Sua mãe também não estava olhando por onde andava. — me entregou Theo, já com a fralda limpa, e pegou Sophie no colo, a enchendo de cócegas.
— Até a Soph percebeu a verdade, não adianta tentar negar. — Nós ríamos. Theo, com apenas dois anos, ainda não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas ria junto com sua irmã, que já tinha lágrimas nos olhos.
sentou ao meu lado, com Soph no seu colo. Um sorriso que nunca deixava seus lábios. Ele encarava nossos filhos e eu podia ver o brilho em seus olhos por lembrar de tudo o que passamos até chegarmos aqui.
Por mais que nossa vida seja repleta de sorrisos e momentos como esse, em família, eu sabia que , assim como eu, ainda se lembrava muito bem do passado. O desespero, a angústia, a espera agonizante até o médico aparecer e dizer que tudo ficaria bem. Foram momentos com muitas lágrimas e lutas, mas que nos tornaram mais fortes e ainda mais unidos.
acreditava que todo o tratamento o deixaria infértil, por isso guardou o sêmen antes de começar a quimioterapia. Eu sabia que ele estava grato pela cura, mas, mesmo que não tocasse no assunto, a dúvida o assolava. Os médicos asseguraram que tudo tinha transcorrido bem, que o diagnóstico precoce minimizava as possíveis sequelas, mas não parecia o bastante para ele.
Logo depois que nos casamos, a surpresa e o choro quando disse que estava grávida, antes mesmo de pensarmos na inseminação artificial, é a memória de superação que eu vou carregar para o resto da minha vida.
Sophie e Theo já tinham se levantado e estavam brincando alguns metros na nossa frente. pegou uma das minhas mãos e a beijou. Eu sabia que ele estava me encarando, mas eu permanecia olhando para o céu.
— Eu nunca vou te agradecer o bastante por ter passado por tudo isso comigo. — Eu logo virei meu rosto para ele.
— Você não tem que me agradecer por nada. — eu disse, sincera, e o beijei.
— Eu amo tanto você. Quando o médico me deu o diagnóstico, eu pensei que estava tudo acabado. Mas você me deu esperança e os dois melhores presentes que eu um dia poderia sonhar. — Eu o abracei, deixando uma lágrima cair. Ah, as emoções. — Você ainda se lembra de tudo, né? — ele perguntou e eu assenti. De vez em quando, eu ainda me perdia nas lembranças, encarando o nada.
— Muito bem. — falei e me aproximei ainda mais do . — Amor? — eu chamei, enquanto encarávamos nossos filhos.
— Uhm... — apenas resmungou, não desviando seu olhar. Eu sorri.
— Não são mais dois presentes. — eu disse, baixinho. logo se levantou, se sentando, com os olhos arregalados. Seu olhar ia do meu rosto para a minha barriga, em expectativa. Balancei minha cabeça, confirmando. avançou sobre mim, me abraçando forte enquanto me deitava sobre a grama. Ele distribuía beijos por todo o meu rosto e ria, como se não acreditasse em mais aquele milagre. Nossos filhos logo vieram se juntar a nós, pulando e rindo ao nosso redor.
Sim, eu me lembrava de cada luta, mas, acompanhada dela, vinha a vitória. E delas eu me lembrava ainda melhor.
Estava tão frio. O inverno desse ano estava ainda mais rigoroso, fazendo com que eu estivesse coberta dos pés à cabeça. Cachecol, luvas, touca... Era realmente o pacote completo.
e eu éramos quase os únicos na rua, enfrentando toda aquela neve apenas por um copo de cappuccino. Dois loucos rindo de nada especificamente e aproveitando a companhia um do outro. Eu o olhava e agradecia mentalmente por ele ter trombado comigo e se sentir no dever de me pagar um café, poucos dias atrás.
— Acho que preciso pensar em uma nova desculpa pra te chamar pra sair. Acredito que a validade daquele tombo já expirou. — disse, de repente, com um sorriso bobo nos lábios.
— É melhor ser boa, porque eu só estou aceitando por conta daquela trombada. Era o mínimo. — respondi no mesmo tom de brincadeira, deixando bem claro que não havia outro lugar que eu gostaria de estar.
— Eu vou pensar em alguma coisa até o final desse encontro. — Me engasguei com o cappuccino e arregalei meus olhos. Me recompus e fingi que foi apenas um descuido. Respirei fundo, pensando, com cuidado, nas minhas próximas palavras.
— Não sabia que era um encontro. — O sorriso sumiu dos lábios do , trazendo uma certa apreensão para seus olhos.
— Você está saindo com alguém? — Segurei o sorriso que queria aparecer em meus lábios. Ele ficava uma gracinha ansioso desse jeito.
— Eu? Bom... — Fiz um certo suspense. — Não. — disse e sorri, sendo logo acompanhada por ele. Seus olhos voltaram a se iluminar e soltou a respiração que estava prendendo.
— Muito engraçadinha você. — Antes que eu pudesse responder, seu celular tocou. — Eu preciso atender, um instante... Oi, amor. — Cuspi o gole que tinha acabado de tomar, logo buscando o olhar de para tentar entender o que estava acontecendo. Não demorou muito para que ele soltasse uma gargalhada alta, atraindo a atenção das poucas pessoas ao nosso redor. Peguei um guardanapo sobre a mesa e me limpei. Fuzilei com o olhar, que logo encerrou a ligação e voltou a rir.
— Muito engraçadinho você. — repeti sua frase.
— É bom, né? — ele disse, já recuperado do seu ataque de risos. — Era minha irmã. — Fechei a cara para ele, mas, no fundo, querendo rir da situação. — Sua cara foi impagável, . — Revirei os olhos e pegou uma de minhas mãos sobre a mesa. — Preciso que me acompanhe até um lugar. Minha irmã quer que eu pegue uma caixa para a minha mãe. — Um leve sorriso já aparecia novamente em meus lábios.
— Tudo bem. — Nos levantamos e foi pagar a conta. Assim que ele voltou, pegou uma das minhas mãos e entrelaçou nossos dedos.
parou em frente a uma casa, alguns minutos depois. Olhei para a casa e de volta para ele. Eu não estava entendendo.
— Achei que estávamos indo pegar uma caixa para a sua mãe. — perguntei, confusa.
— Então, nós estamos. — apontou para a casa. — Está ali.
— Mas ali não é o Correio. — Ele riu, apertando minha mão.
— Não, é a casa da minha irmã. — Arregalei meus olhos, completamente surpresa. Não fazia uma semana que nos conhecíamos e eu já estava na porta da casa da irmã dele. — Ei, ei, ei. Calma. Você não precisa entrar, nem precisa ir lá. — disse. — Eu realmente gostaria que você conhecesse minha irmã, mas eu entendo se achar que é muito cedo. — Respirei fundo, tentando processar.
— Você tem certeza? — perguntei, insegura. apenas sorriu e me levou em direção à porta. Suspirei e agradeci mentalmente pela roupa que tinha escolhido, meu cachecol da sorte se provando útil mais uma vez.
A irmã de logo atendeu a porta, nos convidando para entrar. Retirei o excesso de roupa, apreciando o calor dentro da casa. Eloise era muito divertida e os assuntos pareciam intermináveis. Quando já estava ficando tarde, e eu decidimos que era melhor irmos embora.
— Foi um prazer te conhecer, Eloise. — eu disse, sendo sincera.
— O prazer foi todo meu. — Ela me deu um abraço e trocou um longo olhar com .
Já na porta do meu apartamento, estava se afastando quando me lembrei de uma coisa.
— ! — eu chamei. Ele se virou e me encarou, com um sorriso nos lábios.
— Já está com saudades?
— Palhaço. — Revirei os olhos. — Eu esqueci meu cachecol na casa da sua irmã, não posso ficar sem ele.
— Eu pego lá depois. — Seu sorriso se alargou. — ? — ele chamou. Encarei-o, ansiosa por saber o que ele queria dizer.
— Acho que precisamos de um outro encontro pra eu te devolver seu cachecol. — Eu sorri, lembrando na nossa brincadeira de mais cedo.
— Essa foi boa. — Ele também sorriu.
— Você ajudou bastante. — Nós sorrimos mais uma vez e ele se foi.
Acordei suada e com a respiração agitada. As imagens do sonho invadindo minha realidade, me levando de volta para àquela época. Imagens do meu cachecol na gaveta da casa do , algumas semanas depois. Memórias de tempos felizes... Nosso tempo... juntos.
Levantei em um pulo da cama, lutando contra essas lembranças e empurrando-a para o fundo da minha mente. Tomei um banho rápido e logo desci, encarando a luz do sol surgindo em minha janela.
— Bom dia, flor do dia. — Apenas olhei para a minha amiga, indo em direção à geladeira e retirando uma garrafa de água. — Sonhou com ele de novo?
— Não quero falar sobre isso, . — cortei-a.
— , já faz dois meses. Está na hora de seguir em frente. Olha o estado dessa casa, olha pra você. Você não tem comido direito, não tem limpado nada, já estão começando a reclamar no trabalho.
— É a minha dor. Eu deixo você saber quando for a hora de seguir em frente. — falei, seca.
— ...
— CHEGA, ! Você acha que eu estou bem assim? Eu estou tentando sobreviver a cada maldito dia, então me deixa em paz! — Subi correndo para o meu quarto, batendo a porta assim que entrei. Me joguei na cama, me entregando novamente a um choro que nunca parecia ter fim. Uma dor lancinante que nunca deixava meu peito, o ar que não conseguia chegar direito em meus pulmões, tornando minha respiração mais difícil.
Ouvi a porta sendo aberta e minha amiga logo estava me abraçando, me aconchegando em seus colo e me permitindo extravasar. Eu sabia que aquilo não era justo com ela, mas o lado racional da minha mente já tinha me abandonado há muito tempo.
— Eu sinto muito. — falei depois do que pareceu uma eternidade.
— Eu sei. Me desculpa também. Eu não queria te pressionar, mas já faz meses, . Eu odeio te ver assim. — disse, preocupada.
— E eu odeio estar assim. — disse e me levantei em um salto. Fui para o banheiro e encarei meu reflexo no espelho. Olheiras de uma noite mal dormida, olhos vermelhos por um choro que já durava meses, lábios brancos, rosto pálido. Um completo caos. Lavei meu rosto e me encarei novamente. Eu precisava dar um basta nisso. Saí do banheiro e peguei minha roupa de corrida.
— Tem certeza de que está bem pra isso? — minha amiga perguntou, surpresa. — Você não tem se alimentado bem e...
— Eu não vou me esforçar demais. Só preciso... espairecer.
— Leva o celular, por favor. E, qualquer coisa, me ligue.
— Pode deixar. — Me troquei e saí apressada, não querendo perder a faísca de coragem para sair de casa e tentar me distrair. Coloquei os fones no ouvido e deixei em uma música qualquer. Deixei que a batida, aos poucos, tomasse conta de mim.
Corri sem direção por um tempo, apenas passando pelas ruas sem realmente prestar atenção ao meu redor. Poucas pessoas estavam na rua àquela hora da manhã, ainda mais em uma manhã de domingo. Quando um trecho mais urbano começou, passei a me concentrar mais nas pessoas.
Um casal de idosos passeando e sorrindo um para o outro.
Um homem correndo com seu cachorro.
Duas garotas chegando em casa após uma noite na balada.
Apenas pessoas normais seguindo a vida. Eu estava apenas caminhando enquanto me sentia uma intrusa por bisbilhotar a vida dos outros. Parei no sinal, esperando que o vermelho aparecesse para os carros e eu pudesse atravessar. Um carro conversível freou bruscamente para não avançar o sinal. Encarei o casal, que apenas ria da situação. A menina tinha seus cabelos soltos, sendo balançados pelo vento, e o rapaz apenas não conseguia desviar o olhar dela. Era como se o seu mundo girasse em torno da garota ao seu lado.
— Você é louco! — gritei para , que apenas ria e continuava me encarando.
— E você é linda! — Senti meu rosto esquentar e tinha certeza de que minhas bochechas estavam coradas.
— Você quase avançou o sinal! — O sorriso não deixou seus lábios, o brilho nos seus olhos me fazia sentir especial, como se nada mais no mundo importasse. — Eu não acredito que me convenceu a faltar o trabalho pra seguir nessa viagem para...
— Algum lugar que você só vai saber quando chegarmos! Vai ser divertido. Confia em mim. — E eu confiava, completamente. fazia tudo parecer fácil, tudo era mais leve, mais alegre quando ele estava por perto.
— Tudo bem. — Sorri para ele, que apenas mudou a estação do rádio e começou a cantar a próxima música. me encarou novamente, em um convite silencioso para que eu me juntasse a ele. Antes que eu pudesse perceber, meus lábios já acompanhavam na melodia. E assim seguimos, em nossa pequena bolha.
Uma lágrima caiu dos meus olhos. Era outono. As folhas caídas no chão eram apenas um toque a mais na paisagem que se estendia ao nosso redor. Se eu fechasse bem meus olhos, eu ainda podia sentir o vento em meu cabelo. Era quase como se eu estivesse lá, presenciando as folhas caindo enquanto corria atrás de mim, rindo tão alto e me fazendo acreditar que eu era a pessoa mais especial do mundo. Eu ainda tinha a imagem na minha mente. Eu ainda lembrava muito bem.
O carro voltando a acelerar me despertou dos meus devaneios. Encarei o casal sumindo na estrada, sorrindo e cantando, vivenciando algo que agora eu só tinha na memória. O sinal fechou novamente e eu segui meu caminho, retornando para casa com a cabeça mais cheia do que quando eu saí. estava sentada no sofá, assistindo a um filme qualquer na televisão.
— Você está bem? — ela perguntou quando notou as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. — Pergunta idiota, eu sei.
— Eu estou... levando. Mas não bem. — Me joguei no sofá, sentindo toda aquela tristeza pesando no meu peito. — Eu sei que já faz um certo tempo, mas eu não consigo esquecer, . É como se ele estivesse sob a minha pele, marcado eternamente. Não importa o que eu faça, eu o vejo em todos os lugares. Sim, a magia não está mais lá, mas eu consigo enxergar tudo claramente. É como se tivessem gravado cada momento nosso e ficassem encenando para mim em cada lugar que eu vou. — Minha amiga apenas me observou, em silêncio, absorvendo todas as minhas palavras. Não havia nada que ela pudesse fazer, essa era a verdade. Eu só precisava encontrar uma maneira de... seguir em frente. Sem ele.
— Você tem certeza de que já está na hora de eu conhecer sua mãe? — perguntei pela milionésima vez. apenas ria, enquanto me conduzia até a porta da sua casa.
— Relaxa, ela vai amar você, assim como eu. — Ele me deu um breve beijo, sabendo o impacto que suas palavras causariam em mim. — Só seja você mesma e a deixe ver o quão maravilhosa você é. — passou o nariz pelo meu, em um carinho que me fez arrepiar inteira.
— E se...
— É só minha mãe, . — Ele ria do meu nervosismo, mas eu não conseguia me controlar. e eu estávamos namorando há quatro meses e essa seria a primeira vez que eu encontraria sua mãe.
— Pronta? — ele perguntou, já abrindo a porta da casa.
— Isso é pra eu não fugir? — disse, sorrindo.
— Claro, te conheço bem demais, esqueceu? — Ele se virou para a casa, sua mãe já estava vindo em nossa direção. — Mãe, essa é a . , essa é a minha mãe, Nomi.
— Oi, senhora...
— Por favor, me chame de Nomi, minha querida. fala tanto de você que já sinto que te conheço desde sempre. — Minhas bochechas coraram, mas não podia negar que meu coração se aqueceu com suas palavras.
— Nessa aqui — Nomi apontou para outra foto de —, ele tinha acabado de vencer sua primeira partida no time infantil de baseball. Nunca tinha o visto tão feliz quando os colegas e os pais o levantaram para o alto, comemorando a vitória e o seu bom desempenho. — Encarei sentado no outro sofá, bochechas coradas e um sorriso que não deixava seus lábios.
— Mãe, tenho certeza de que a não quer ficar olhando todas as minhas fotos de quanto eu era criança.
— Imagina, claro que eu quero. Olha essa, que gracinha você ficava com esses óculos! — falei, achando a situação extremamente engraçada. Nomi ria das reações do filho a cada foto que ela passava. Quando ele percebeu que eu realmente não largaria o álbum até ver a última foto, cedeu e passou a me contar as histórias do seu passado, junto com a sua mãe.
Já de volta ao meu apartamento, deitados em minha cama, não conseguia parar de rir.
— Não acredito que ela te contou tudo aquilo!
— Você parece ter tido uma infância muito feliz. — comentei, com minha mente um pouco distante dali.
— Eu tive. — suspirou, encarando o nada. — E eu quero que os nossos filhos sejam ainda mais felizes. — Me virei rapidamente para ele, encarando-o, assustada com suas palavras.
— O quê... — riu da minha reação. Ele colocou suas mãos em meu rosto, me encarando.
— Eu só não consigo enxergar meu futuro sem você nele.
Meu corpo despertou, minha mente ainda nublada pelo sonho. Eu estava encolhida no meio da cama, meu cabelo grudado no meu pescoço, devido ao suor. Minhas mãos tremiam e eu não conseguia focar em nada a minha frente.
Respirei fundo e aos poucos meu corpo foi voltando a responder. Encarei o teto, sentindo meu corpo dolorido. Olhei o relógio no criado-mudo ao lado da cama, que marcava 3:14 AM. Fechei meus olhos com força, não acreditando que tinha perdido mais uma noite.
Levantei da cama, ainda um pouco tonta, e desci as escadas, indo para a cozinha. Tanto tempo já tinha se passado e eu ainda tinha esses sonhos, ainda o via em todos os lugares, ainda o sentia perto de mim. Por mais que eu forçasse minha mente a não pensar nele, era apenas o suficiente para eu esquecer o porquê de eu precisar fazer isso.
Abri a geladeira e tirei de lá uma garrafa com suco de laranja, mas antes que eu pudesse ao menos fechar a porta, as lembranças me tiraram dali.
— O que você faz acordada a essa hora, amor? — me assustou quando chegou de repente na cozinha.
— Eu estou nervosa para a entrevista de emprego. — falei, enquanto tomava um copo de suco. passou seus braços ao meu redor, me abraçando bem forte.
— Você vai arrasar, . Não existe ninguém melhor pra preencher essa vaga do que você. — Eu apenas assenti, me deixando ser aconchegada em seus braços. pegou a garrafa que estava a minha frente e se virou para guardá-la na geladeira. Assim que ele a abriu, a luz invadiu a cozinha, irritando um pouco meus olhos. Quando já conseguia enxergar novamente, estendeu uma de suas mãos para mim. Peguei-a sem hesitar, mesmo que não soubesse o motivo.
— O que você está fazendo? — perguntei, confusa.
— Dançando com a minha garota. — aproximou nossos corpos e começou a balançar em uma melodia que só existia dentro da sua mente.
— Não tem música, . — Eu ria, achando graça da sua atitude repentina. Ele pegou uma das minhas mãos e colocou sobre o seu coração.
— Está sentindo? — ele perguntou, baixinho. Eu assenti. — Essa é a batida, ele sempre fica assim quando eu estou perto de você.
Voltei para o meu quarto, limpando minha mente de qualquer pensamento relacionado a ele. Me aconcheguei debaixo das cobertas e fechei meus olhos, mesmo que dormir não estivesse nos planos para o resto da noite.
— Anda, , nós vamos nos atrasar para o trabalho! — gritava, já da porta.
— Estou indo. — Peguei minha bolsa e desci as escadas rapidamente.
— Uau, você está péssima. — Minha amiga parecia assustada.
— Não consegui dormir direito. — disse, apenas. — Vou tentar melhorar com maquiagem, no caminho.
— É uma boa ideia.
Seguimos em direção à revista, onde trabalhávamos. era a editora de moda enquanto eu ficava com a parte de televisão e música.
— , o editor-chefe quer que você revise algumas resenhas dos estagiários e faça uma avaliação individual de cada um até o final do dia.
— Bom dia pra você também, Nathalie! — falei, já me sentando em minha cadeira.
— Bom dia. E me desculpe, mas ele está no meu pé desde que chegou.
— Eu nem estou atrasada! O que ele tem que madrugou aqui?
— Não faço ideia, mas está deixando todo mundo louco! — Revirei meus olhos.
— Notei, sou uma delas. Como se eu já não tivesse coisa o suficiente pra fazer hoje. — Nathalie deu um sorriso como pedido de desculpas e voltou para a sua mesa, organizando as milhares de tarefas que e eu teríamos para hoje.
— , larga isso e vamos sair pra almoçar. Eu vou ficar louca se ficar mais um minuto dentro desse prédio. — Terminei de digitar mais uma avaliação dos estagiários e desliguei o monitor do computador, também não aguentando mais ficar ali.
— Não precisa chamar duas vezes! — Peguei minha bolsa e segui minha amiga até o restaurante que sempre íamos.
— Sério, eu não sei qual o problema desse cara, mas é melhor ele resolver logo. Todo o departamento está mal humorado e querendo matar alguém. — Eu sorri novamente, achando engraçada a irritação da minha amiga. me encarou e sorriu, me abraçando de lado. — Eu senti falta dessa risada. — Eu apenas assenti, ainda em silêncio.
Sentamos em nossa mesa habitual e rapidamente fizemos nossos pedidos. se empolgou contando sobre o próximo desfile que ela iria cobrir e eu acabei me envolvendo na conversa, nem notando que meu celular estava tocando.
— Oi! — atendi, sem nem ver quem estava ligando. Ouvi um suspiro do outro lado da linha e logo prendi minha respiração.
— Oi, . Tudo bem? — Encarei , que estava me lançando um olhar preocupado, sem saber o que estava acontecendo. Minha garganta estava seca e eu não conseguia pensar em nada para responder. Minha amiga já estava em pé ao meu lado, fazendo gestos para que eu respirasse fundo. — ? Você tá me ouvindo? — perguntou. Sua voz me fazendo arrepiar e trazendo sensações que eu tentava reprimir a todo custo.
— Sim, estou te ouvindo. — disse, depois de um longo suspiro.
— Bom, vou direto ao assunto. Eu estava fazendo uma limpeza aqui e tem muitas coisas suas. Joguei tudo em uma caixa e queria saber se vai buscar ou se posso jogar tudo fora. — Meu coração falhou uma batida. As lágrimas já se formavam em meus olhos e minha mente não conseguia processar por que ele estava sendo tão cruel.
— Por que você tá me tratando assim? O que eu fiz pra você? — perguntei, tentando, ao máximo, manter minha voz firme.
— Tratando como? Por favor, não comece com o drama, ok? — ele disse e minha mente e meu coração não conseguiam aceitar que era o meu falando.
— Você está sendo apenas honesto, certo? — Suspirei mais uma vez, me recusando a demonstrar fraqueza. — Eu passo aí depois do meu trabalho, não precisa jogar nada fora. Você ainda lembra até que horas eu trabalho, ou isso já entrou na lista de coisas que apagou da memória? — perguntei, irônica.
— Horário padrão, não é? — ele disse, respondendo no mesmo tom. Eu ri.
— Até. — disse e desliguei, sem esperar por sua resposta. Deixei o celular sobre a mesa e desabei em um choro silencioso, sufocante. veio rapidamente para o meu lado, me ajudando a levantar e me arrastando para o banheiro do restaurante. Não sei por quanto tempo ela ficou me consolando, mas, quando dei por mim, já estava de volta à minha sala. Minha amiga não perguntou o que tinha acontecido, mas eu podia sentir a raiva emanando do seu corpo e a tensão visível a cada passo que ela dava. Eu disse apenas que precisaria passar na casa do depois do trabalho e ela disse que não me deixaria ir sozinha. Confesso que estava preocupada dela querer matá-lo ou coisa assim.
Fingi que não tinha recebido aquela ligação e me foquei no trabalho, cumprindo todas as minhas tarefas do dia. Quando terminei o esboço da segunda matéria para a próxima edição da revista, meus olhos foram puxados para o relógio pendurado na parede. Faltavam exatos sete minutos para eu sair. Meu coração disparou e minhas mãos suavam, a ansiedade assumindo todo o controle do meu corpo.
entrou na minha sala e logo notou meu nervosismo.
— Eu posso ir lá e pegar suas coisas, você pode me esperar no carro, se preferir.
— Não, eu preciso olhar nos olhos dele, preciso entender o motivo por trás dessa mudança repentina dele.
— ...
— Não, . Essa luta é minha. Eu preciso disso pra tentar seguir em frente e o esquecer de uma vez por todas. — Minha amiga apenas suspirou, derrotada. Nós seguimos para o seu carro.
Eu encarava as ruas que passavam pela janela, um trajeto tão conhecido por mim. Nosso namoro durou dois anos e meio e, sem muitas explicações, não estava mais lá. Eu ainda lembrava do dia que me chamou para conhecer sua casa nova, sua felicidade por estar adquirindo sua independência e saindo da casa dos pais. Eu lembrava de ajudá-lo em cada pequeno detalhe da decoração, minha opinião sempre sendo levada em consideração. Eu lembrava de tudo muito bem.
Quando dei por mim, já tinha parado o carro na frente da casa dele. Ela me encarava, não sabendo o que falar ou fazer. Respirei fundo e abri a porta do carro, tirando o resto de coragem que tinha em mim para finalizar o percurso até sua porta.
Bati. Alguns poucos minutos depois, pude ouvir passos se aproximando da porta. Reprimi a vontade de sair correndo e deixar que tudo fosse realmente para o lixo. abriu a porta e me encarou. Arregalei meus olhos diante sua clara perda de peso, mas antes que eu pudesse questionar qualquer coisa, ele já tinha fechado a porta na minha cara.
Balancei minha cabeça, não entendendo o motivo para ele ter feito isso. A porta voltou a abrir pouco depois, estava com uma caixa nas mãos. Acho que não tinha sido convidada para entrar.
— Está tudo aqui. — ele disse, seco. Por mais que seu rosto estivesse rígido e seu tom demonstrasse certo desprezo, eu via em seus olhos algo que contradizia sua postura completamente. Eu o encarei por um tempo, já com a caixa nas minhas mãos.
— Você tá bem? — eu perguntei, bem baixinho. arregalou seus olhos, impaciente. Mas não com raiva, e sim assustado.
— Eu preciso entrar, tenho muita coisa pra fazer. Tchau. — Ele fechou a porta novamente, não me respondendo nem me dando chances para falar mais nada. Me virei e encarei a caixa nos meus braços. Desci os poucos degraus da entrada da sua casa e quase tropecei ao encarar a foto que estava por cima das coisas. Nós a tiramos na primeira semana, no mesmo dia que me apresentou a sua irmã.
Caminhei lentamente em direção ao carro, revirando os objetos em busca do meu cachecol da sorte, o mesmo que eu tinha esquecido naquela primeira semana, e nunca me devolveu, o guardando em sua gaveta desde então.
— Não está aqui. — Encarei a caixa revirada, extremamente confusa. Se ele queria se livrar de tudo, por que meu cachecol não estava aqui? Ele sabia o quanto era importante para mim!
Antes que eu pudesse pensar a respeito, meus braços soltaram a caixa no chão e eu voltei correndo para a porta da casa do , batendo com todas as minhas forças. Meus olhos já estavam nublados pelas lágrimas, mas isso não me impediu de enxergar a expressão de surpresa nos olhos do nem de invadir sua casa.
— Mas o quê...
— Talvez nós nos perdemos na falta de comunicação ou eu exigi demais de você. — eu o interrompi, caminhando de um lado para o outro na sala da sua casa e dizendo tudo o que estava entalado na minha garganta. — Ou talvez nosso relacionamento tenha sido uma grande obra de arte, até você estragar tudo e sair correndo sabe Deus o porquê.
— ...
— CALA BOCA! — As lágrimas já corriam livremente pelo meu rosto, eu precisava dizer tudo. Eu precisava entender. — Só... cala a boca. Eu estava lá, , eu me lembro de tudo, nos mínimos detalhes. Eu estava tentando seguir em frente, mesmo que as lembranças me perseguissem em cada maldita esquina. E então você me liga, mais de dois meses depois de terminar comigo sem me dar grandes explicações, sendo um completo babaca. A única coisa que você tem feito comigo é ser cruel e me machucar. Você está me destruindo, assim como quebrou cada promessa que me fez. — permanecia em silêncio, apenas me observando e ouvindo atentamente tudo o que eu dizia. Quando eu notei que ele estava prestes a dizer alguma coisa, eu me adiantei... — Não, não diga. “Estou apenas sendo honesto!” — o imitei. — Mentira! Você pode estar sendo qualquer coisa, menos honesto comigo! Você terminou comigo da pior forma. Você me jogou fora assim como um pedaço de papel amassado que não tem mais serventia pra você.
— Nós já tivemos essa conversa antes, por favor. — ele disse, a voz não tão firme como antes.
— Por favor? Agora você vem me pedir por favor? — Eu ri, não acreditando em suas palavras. — Você junta todas as minhas coisas e ameaça jogar tudo fora. Eu venho buscar e você nem mesmo me pede pra entrar! Você, simplesmente, me entrega a caixa e espera que eu vá para casa, sozinha, sem argumentar. — Eu me aproximei dele, parando a poucos centímetros de distância. prendeu a respiração, não sabendo o que eu faria a seguir. — Só que você esqueceu uma coisa: meu cachecol. Aquele, da semana que nos conhecemos, o mesmo que você nunca me devolveu. Porque ele te lembra da inocência, ele ainda tem meu cheiro, não tem? Você não consegue se livrar dele porque você também se lembra de tudo, tão bem quanto eu. — se afastou, como se tivesse recebido um soco.
— Você não sabe do que você está falando.
— VOCÊ NÃO SABE DO QUE ESTÁ FALANDO! — eu gritei de volta para ele. — Você espera o quê? Você tá agindo dessa maneira porque quer que eu te odeie? É isso, ? Me fala! Para de apenas encher a boca pra dizer que está dizendo a verdade e seja realmente honesto pela primeira vez! — voltou correndo em minha direção e parou bem próximo a mim.
— Eu acho melhor você ir embora. Acabou, . Acabou. — ele falou tão baixo, que apenas pela sua proximidade eu fui capaz de ouvir. Mas eu não conseguia aceitar, não vendo tanta dor em seus olhos, não percebendo que tinha muito mais coisa por trás de todo esse teatro. Me soltei dos seus braços e fiquei de costas para ele.
— Em todo esse tempo, é como se eu estivesse paralisada. Eu encarava o relógio, o calendário, e apenas tentava sobreviver a mais um dia. Eu queria voltar ao que eu era, aquela menina ingênua, alegre e que sempre procurava ver o melhor nas pessoas, mas eu ainda estou a procurando por aí. — Eu ainda estava de costas, falando baixo, mas eu sabia que conseguia me ouvir. — Mas eu não consigo encontrá-la. Depois de todas as nossas noites juntos, das noites que você me possuía e me fazia sentir a pessoa mais amada no mundo todo... Eu não consigo mais voltar ao que eu era. — Voltei a olhar para o , que estava de costas para mim e apoiado no sofá. — E aqui estamos nós novamente. Eu te amei tanto, , e a única coisa que eu te peço é que seja sincero comigo, antes que você perca a única coisa real que você sempre disse que conheceu. — eu pedi, com a voz falha e com o coração apertado.
— Eu tenho câncer, . — disse, ainda sem se virar para mim. Eu precisei me sentar em uma cadeira, meu corpo não conseguia mais se sustentar em pé. Meu peito doía tanto, como se várias facas estivessem sendo enfiadas nele.
— Você... — olhou para mim, vindo em minha direção.
— Fui diagnosticado com Osteossarcoma. Tenho um câncer ósseo na perna.
— Aquelas dores que você sentia, o inchaço...
— Sim, tudo isso. — disse, se sentando no sofá.
— Mas por que... O que isso tem a ver? — Ele riu.
— Eu precisava que você me odiasse porque se o tratamento não der certo e eu morrer, você não sofreria tanto.
— Você acabou de ouvir o que me disse? — Eu não tinha mais controle algum das minhas lágrimas. — Eu nunca te deixaria passar por isso sozinho.
— Eu sei, por isso eu te afastei. Eu não posso te afundar nessa comigo, . Não posso e não vou. O médico disse que as chances de recuperação são boas, já que fui diagnosticado ainda no início, mas eu não posso arriscar sabendo que pode dar tudo errado.
— Você parou pra pensar que essa não é uma escolha sua?
— Claro que é. Eu não quero que você me veja doente, não quero que você sofra por causa da agressão da quimioterapia, não quero que você viva cada dia se perguntando se eu vou sobreviver. Eu não vou conseguir aguentar isso tudo sabendo que estou te causando esse nível de dor, eu só não posso suportar. — chorava e eu não consegui me segurar e não ir até ele. Me sentei ao seu lado e o abracei, aliviando a necessidade que eu tinha de senti-lo perto de mim novamente.
— Tudo o que você disse...
— Te deixar foi a coisa mais difícil que eu já fiz na minha vida. — Eu o encarei, buscando qualquer traço de mentira em suas feições. — Eu amo você, , e é exatamente por isso que eu preciso te afastar. — Calei-o com um beijo, não aguentando mais aquela angústia e a distância que ele tentava a todo custo colocar entre nós. cedeu, me puxando para mais perto dele e aprofundando nosso beijo, tão necessitado quanto eu.
— Eu amo você, . E você é um idiota por ter me afastado, mas eu não vou deixar isso acontecer de novo. — eu falei e apoiou a cabeça no encosto do sofá.
— Você...
— Não importa o que você diga, eu não vou sair do seu lado. Nós iremos passar por isso, juntos. Não há nada nem ninguém no mundo que vá me impedir.
Contei brevemente o que aconteceu para e disse que ficaria ali na casa do . Minha amiga estava tão nervosa que eu não sei como ela conseguiu esperar que eu fosse até ela e não invadiu a casa.
e eu estávamos deitados na sua cama, depois que ele me contou cada detalhe do que o médico disse e me mostrou todos os exames.
— Por que você me ligou? — perguntei, mesmo que não tivesse certeza de que ele ainda estava acordado.
— Porque a quimioterapia começa amanhã e eu precisava te ver, já que essa poderia ser a última...
— Não diz isso, por favor. — suspirou e me deu um beijo na testa.
— Você sabe que não pode descartar isso. — Eu apenas assenti.
Quando notei que tinha, enfim, caído no sono, eu levantei calmamente da cama e peguei seu computador. A senha ainda era a mesma e eu logo estava em milhares de sites sobre esse câncer especificamente.
— Eu sabia que você ia fazer isso. — me assustou.
— Só volta a dormir, daqui a pouco eu vou. — Ele não argumentou. me conhecia bem demais para saber que não conseguiria dormir até saber o máximo possível sobre o assunto.
Voltei para a cama e me aconcheguei perto de . Antes de tentar dormir, mandei uma mensagem para , pedindo para que avisasse que não poderia trabalhar no dia seguinte. Dei um beijo em e o observei dormir.
— Você vai ficar bem. Eu sei que vai.
A quimioterapia estava fazendo efeito, mas os efeitos colaterais estavam atingindo bem em cheio. O cabelo já tinha caído, ele estava sempre enjoado e vomitava bastante. Eu o acompanhava em cada consulta, em cada parte do tratamento, por mais que ele não me quisesse ali. aguentava grande parte da dor calado, fazendo o possível para demonstrar que estava bem, mesmo não estando.
Perdi as contas das vezes que eu briguei com ele, mandando-o parar de pensar em mim daquela maneira e que se concentrasse no tratamento.
— Não aguento mais ficar deitado nessa cama. — disse, em uma noite depois da quimioterapia.
— Eu até poderia pensar em uma coisa ou duas pra te deixar mais feliz por estar em uma cama, mas o médico proibiu. — bufou.
— Filho da mãe. — ele falou, com um sorrisinho nos lábios.
— Você parece mais feliz hoje. — eu disse e ele logo buscou minha mão, mas nada disse. — Amanhã eu tenho uma reunião na revista, só vou conseguir vir aqui à noite.
— Não sei como ainda não te demitiram. Já cansei de falar que não precisa me acompanhar em tudo. — Revirei meus olhos, não querendo ter aquela conversa novamente.
— Eu te amo. — riu, conformado que eu não o deixaria por nada.
O editor-chefe da revista não parava de falar e eu não conseguia me concentrar direito. Minha mente estava com , mesmo que ele tivesse apresentado uma certa melhora no dia anterior.
notou minha agitação e me lançou um olhar repreendedor. Dei um sorriso em sua direção, pedindo desculpas. O editor me fez uma pergunta, mas antes que eu pudesse responder, meu celular começou a vibrar em cima da mesa. O nome de Eloise, irmã do , piscou na tela e eu senti meu coração parar. Não me importei com as pessoas me chamando assim que saí da sala de reunião.
— ? Me desculpa te ligar, mas... — Ela chorava. Senti meu coração apertar. — O teve uma complicação e vai ter que operar. Ele já está sendo preparado para a cirurgia, eu estou com tanto medo. — Minhas pernas cederam e eu caí sentada no chão. As lágrimas já caíam dos meus olhos.
— Eu... — tentei dizer alguma coisa, mas as palavras não saíam. chegou até mim e retirou o celular da minha mão.
— Nós estamos indo. — Ouvi minha amiga dizer e logo depois ela me ajudou a levantar.
O caminho até o hospital foi apenas um borrão. Assim que minha amiga descobriu onde estava, nós apenas saímos correndo pelo hospital.
Eloise estava no corredor e se levantou assim que me viu chegar.
— Onde ele tá? Cadê o ? — eu perguntava, olhando para todos os lados. — Eu preciso vê-lo.
— , fica calma. — tentou me segurar, mas eu apenas me desvencilhei dela. Eloise olhou para a porta do quarto e isso bastou para que eu a abrisse com força, não me importando com quem estivesse lá dentro.
estava deitado na cama e alguns enfermeiros estavam ao seu redor.
— A senhora não pode ficar aqui, por favor, peço que se retire... — Ignorei a todos e segui na direção da cama, empurrando todos da minha frente.
estava inconsciente. Seu rosto estava pálido, sem vida. Balancei minha cabeça, tentando me livrar desse pensamento. Segurei uma das suas mãos, a apertando.
— Você precisa voltar pra mim, . Por favor. — Eu chorava, o encarando deitado sobre a cama.
— A senhora precisa sair, por favor. — Um enfermeiro me segurou, me retirando dali.
— ! ME SOLTA! — Eles me colocaram para fora do quarto e logo veio me abraçar, me impedindo de tentar entrar no quarto novamente. — Eu não posso perdê-lo, . Eu não vou conseguir viver sem ele. — Deixei que minha amiga me segurasse, enquanto eu só conseguia chorar e pedir, com todas as minhas forças, para que o saísse vivo e bem daquela cirurgia. Porque o contrário... Eu não estava pronta nem para pensar na possibilidade.
7 anos depois...
Eu estava deitada com Sophie na grama, no quintal da nossa casa. Era final da primavera, mas as flores ainda coloriam o ambiente. O vento batia em meus cabelos, fazendo Sophie rir da bagunça. Minha filha se divertia mexendo no meu cabelo e eu apenas ria da sua gargalhada gostosa.
— Mamãe, conta de novo a histólia com o papai. — Soph pediu e um sorriso logo se formou em meus lábios.
— De novo, filha? Acho que já sabe contar até melhor do que eu. — brinquei. Ela largou meus cabelos e se deitou ao meu lado, apoiando a cabecinha no meu braço.
— Eu estava saindo do meu estágio. Eu tinha tantas pastas e papéis nas mãos, que eu mal conseguia enxergar por onde meus pés andavam. — Olhei para a minha filha, que encarava o céu limpo sobre nós. — Estava muito frio. O inverno estava quase insuportável. As ruas todas cobertas pela neve, um vento que quase me carregava junto com ele. — Sophie riu, imaginando a cena. — Meu telefone tocou, dentro da bolsa, e eu me atrapalhei toda com aquele monte de coisas nos braços. Estava andando apressada, tentando equilibrar tudo em um braço para que pudesse usar o outro para pegar o celular.
— Aí o papai tomba com você. — Eu sorri com a sua ansiedade.
— Eu consegui pegar o celular na bolsa, mas antes que pudesse atendê-lo, seu pai me deu uma trombada e eu caí sentada no chão, cercada por todos os papéis que eu segurava. — Sophie gargalhava. Encarei minha filha, os olhos brilhando e da cor exata dos olhos do . Suspirei ao notar todas as semelhanças.
— Papai desastado. — Ri junto com a minha filha, concordando.
— Sua mãe também não estava olhando por onde andava. — me entregou Theo, já com a fralda limpa, e pegou Sophie no colo, a enchendo de cócegas.
— Até a Soph percebeu a verdade, não adianta tentar negar. — Nós ríamos. Theo, com apenas dois anos, ainda não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas ria junto com sua irmã, que já tinha lágrimas nos olhos.
sentou ao meu lado, com Soph no seu colo. Um sorriso que nunca deixava seus lábios. Ele encarava nossos filhos e eu podia ver o brilho em seus olhos por lembrar de tudo o que passamos até chegarmos aqui.
Por mais que nossa vida seja repleta de sorrisos e momentos como esse, em família, eu sabia que , assim como eu, ainda se lembrava muito bem do passado. O desespero, a angústia, a espera agonizante até o médico aparecer e dizer que tudo ficaria bem. Foram momentos com muitas lágrimas e lutas, mas que nos tornaram mais fortes e ainda mais unidos.
acreditava que todo o tratamento o deixaria infértil, por isso guardou o sêmen antes de começar a quimioterapia. Eu sabia que ele estava grato pela cura, mas, mesmo que não tocasse no assunto, a dúvida o assolava. Os médicos asseguraram que tudo tinha transcorrido bem, que o diagnóstico precoce minimizava as possíveis sequelas, mas não parecia o bastante para ele.
Logo depois que nos casamos, a surpresa e o choro quando disse que estava grávida, antes mesmo de pensarmos na inseminação artificial, é a memória de superação que eu vou carregar para o resto da minha vida.
Sophie e Theo já tinham se levantado e estavam brincando alguns metros na nossa frente. pegou uma das minhas mãos e a beijou. Eu sabia que ele estava me encarando, mas eu permanecia olhando para o céu.
— Eu nunca vou te agradecer o bastante por ter passado por tudo isso comigo. — Eu logo virei meu rosto para ele.
— Você não tem que me agradecer por nada. — eu disse, sincera, e o beijei.
— Eu amo tanto você. Quando o médico me deu o diagnóstico, eu pensei que estava tudo acabado. Mas você me deu esperança e os dois melhores presentes que eu um dia poderia sonhar. — Eu o abracei, deixando uma lágrima cair. Ah, as emoções. — Você ainda se lembra de tudo, né? — ele perguntou e eu assenti. De vez em quando, eu ainda me perdia nas lembranças, encarando o nada.
— Muito bem. — falei e me aproximei ainda mais do . — Amor? — eu chamei, enquanto encarávamos nossos filhos.
— Uhm... — apenas resmungou, não desviando seu olhar. Eu sorri.
— Não são mais dois presentes. — eu disse, baixinho. logo se levantou, se sentando, com os olhos arregalados. Seu olhar ia do meu rosto para a minha barriga, em expectativa. Balancei minha cabeça, confirmando. avançou sobre mim, me abraçando forte enquanto me deitava sobre a grama. Ele distribuía beijos por todo o meu rosto e ria, como se não acreditasse em mais aquele milagre. Nossos filhos logo vieram se juntar a nós, pulando e rindo ao nosso redor.
Sim, eu me lembrava de cada luta, mas, acompanhada dela, vinha a vitória. E delas eu me lembrava ainda melhor.
Fim.
Nota da autora: Oi, gente linda! Tudo certinho?
Essa música é uma das minhas preferidas da Taylor e assim que eu vi esse ficstape, não consegui me conter!
Espero do fundo do meu coração que eu não tenha decepcionado vocês, eu a escrevi com muito carinho e tentei ser o mais fiel possível a letra!
Muito obrigada a todos que leram! Vocês são demais!
Larys
xx
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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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