05. Desperado

Finalizada em: 04/2017

Música da Fic


"We know what we are, but know not what we may be."

William Shakespeare

Capítulo Um

Renegado.
Era assim que minha mãe o definia sempre que o via passar pelos portões da escola. Eu entendia que ela não gostava da aparência e do modo calado de , pois ele era um professor recém-contratado, um homem adulto e feito, mas ainda assim claramente um “bad boy”. Não no sentido “mauricinho” da palavra, mas no sentido de não ligar para as regras conservadoras.
Sua tatuagem no braço direito era visível, mesmo suas T-shirts mais largas eram incapazes de escondê-la, contudo, era possível ver o prazer em suas expressões contidas toda vez que alguém a reparava lá. Uma serpente atravessada por uma faca. Um clichê. Mas, de certa forma, tinha seu charme. As garotas que o digam, muitas suspiravam por ele pelos corredores sem disfarçar.
Eu já tinha dezoito anos e isso me consolava ao admitir para mim mesma que eu alimentava certo fascínio por ele. O inalcançável, o inteligente e bom argumentador professor também era o cara errado para as menininhas se apaixonarem, o homem que os pais jamais gostariam de ver ao lado de suas filhas. A péssima influência para adolescentes e jovens.
Por muito tempo, eu tentei compreender pelo lado racional, mas sentia meu corpo reagir aos pensamentos nem um pouco puros que eu alimentava à noite. Ele constantemente protagonizava cada um deles. Principalmente toda vez que sentia sua mão em meu ombro, assim como os outros professores e professoras também o faziam paternal ou maternalmente com os alunos, causando-me leves arrepios pelo corpo.
Eu tentava alcançá-lo, mas ele sempre se esquivava. O senhor parecia receoso, nervoso, distante, mesmo que não demonstrasse nada além de impassividade.
As reuniões de pais e professores eram um pequeno inferno para ele. Ah, se pudesse ver que meu interior se contorcia em júbilo por assistir àquela situação embaraçosa. Minha mãe fazia questão de sentar-se o mais longe possível dele, pois não queria ter o mínimo de contato. Sempre que podia, dava respostas atravessadas e jogava indiretas para ele. Minha mãe o desprezava.
Meu pai, por outro lado, não parecia se incomodar com o professor. era tudo o que ele queria ter sido quando jovem, não fosse seu lado de “bom moço certinho” a refrear a todo o momento seu desejo por ser um bad boy. Ele queria ser como o professor , queria aquela vida e aquelas atenções. Meu pai o admirava.

***


me olhava com seriedade, mas acariciava minha pele com ternura. Sentado em seu Monte Carlo antigo, cuja pintura era totalmente nova, mas o sentimento era o mesmo, acendeu o cigarro. Ele tentava fingir certa atitude blasé, o que lhe caía muito bem, mesmo que eu soubesse de suas preocupações acerca de nosso... Relacionamento.
Nossa diferença de idade e minha juventude constantemente atrapalhavam suas decisões. Ele sempre me dizia que um dia sumiria de um modo que eu não pudesse mais encontrá-lo, e isso me obrigaria a viver. Viver sem ele. Fazer “coisas de jovens”.
Eu sabia que o amor de sua vida o havia deixado por outro no ano anterior à sua entrada na escola. Mas pouco sabia sobre seu relacionamento com ela. Ele realmente não deixava absolutamente nada transparecer. Por isso ele sempre sussurrava em meus ouvidos que não queria relacionamento algum.
— Você não sabe quem eu sou... — eu disse para ele, sorrindo, tirando o cigarro de seus lábios e levando aos meus.
— Não, garota, você é quem não sabe nada sobre mim... — ele respondeu.
Não era uma guerra de quem consegue encenar o melhor mistério. Nós dizíamos a verdade, nada sabíamos um sobre o interior um do outro, pois éramos mutáveis, sempre criando novas camadas e alternando máscaras. Ainda assim, sabíamos exatamente o que o outro sentia e pensava, pois éramos como um espelho para o outro.
— Eu tenho muito a dizer, mas preferiria simplesmente que nos separássemos, isso seria mais fácil para mim. Eu não quero te envolver nos meus problemas.
— Eu não vou embora, — respondi de imediato. — Não preciso dos seus problemas, já tenho os meus. Não precisa falar nada sobre...
— Eu queria muito que você soubesse...
— Não quero que me conte nada — interrompi.

Eu já tinha vinte e oito anos, formada em Ciências Contáveis, ganhara bem o bastante para largar todo o enfadonho universo dos escritórios e saltos altos batendo contra o piso bem lustrado. Não foi encontrá-lo o que me fez repensar, muito pelo contrário, eu já havia tomado minha decisão. Mas confesso que ele me proporcionou um novo passatempo.
Passatempo este que logo se tornou um vício.
havia tido azar neste aspecto, pois havia cruzado meu caminho justamente quando eu começava a me lembrar de seu olhar frio. Depois de um longo relacionamento com um “homem de bem” — mas que valia menos do que a terra sob as solas de seus sapatos bem engraxados —, aquele professor de História andava habitando meus sonhos.
Encontramo-nos em um bar, música ao vivo, amigos reunidos cantando juntos de suas mesas. E um homem solitário no balcão. Eu reconheceria aquele modo de agir e falar de qualquer lugar, durante muito tempo eu quis reencontrá-lo.
— Bebendo sozinho? Bem típico seu. — comentei, desinteressada. — Mas eu adoraria uma boa companhia.
Ele pareceu surpreso, pois eu era outra pessoa. A adolescente da escola já não podia ser percebida em minha nova aparência. Talvez fossem os cabelos, ou o batom vermelho que me coloria os lábios. Mas com toda a certeza, minha postura e meu comportamento muito mais seguro conseguiam fazer meu eu do passado desaparecer por completo.
— Senhorita... — ele abriu um sorriso. — Que agradável surpresa.
— E a carreira de professor?
— Ainda dou aulas, mas saí da sua antiga escola...
Aquilo era uma novidade. Então não havia mais laços com o passado. Eu adoraria saber por que razão ele saíra. E que outras surpresas mais ele teria para me contar.
Uma longa conversa depois, ele me acompanhou até meu novo apartamento. Não quis ficar, mas conversamos por algum tempo na portaria. Ele não me deixou nenhum contato, referência, nada. Mas eu era cobra criada e saberia encontrá-lo.
Então lá estava eu, diante dele, com um sorriso nos lábios e uma louca vontade de compartilhar minha solidão. Podíamos ao menos ser bons amigos, apesar da diferença de idade. Eu o chamava pelo nome, ou pelo sobrenome, mas por vezes um “professor” escapava, a conhecida força do hábito.
Meu coração também havia sido partido, por isso eu não esperava absolutamente nada dele, tudo o que eu queria era convencê-lo de que ele tinha bons motivos para me deixar entrar em sua vida. E, por vontade própria ou por fraqueza, assim o fez.
Eu não esperava que houvesse tanto a saber sobre ele. De fato, cada pessoa é um oceano de mistérios.

Sua casa era de madeira. E eu simplesmente amava passar meus dias ali. Por vezes, confesso, eu havia me perguntado o que minha mãe acharia se me visse junto do homem que ela mais abominava, sob os edredons dele cujo perfume que estava impregnado era amadeirado.
Eu não via minha mãe há algum tempo, tampouco nos falávamos por outros meios. Já meu pai era mais presente em minha vida. Eu o visitava com certa frequência e mantínhamos conversas agradáveis por mensagens ou mesmo pelo telefone. Desde que meus pais se divorciaram, eu acredito que inconscientemente escolhi um lado, pois minha mãe era uma pessoa muito difícil, muito distante, ainda mais fria do que o próprio , que eu considerava a pessoa mais distante que eu já conhecera.
As janelas eram grandes e davam para um lugar meio parecido com uma floresta ou algo assim, pelo menos era como eu chamava. A casa ficava em uma espécie de enorme clareira, mas ao mesmo tempo, as árvores não eram tão densas e em número tão grande quanto as de uma floresta de verdade. Além de que, havia uma estrada passando bem em frente ao jardim da frente da casa dele, mas não era tão movimentada.
Havia uma enorme janela logo atrás da cabeceira da cama, o que causava uma gostosa sensação ao acordar, ou ao ficar a tarde inteira deitada ali. Quando eu podia, é claro, pois eu ainda precisava trabalhar naquele escritório e ele ainda precisava dar aulas de História.
Não sei bem quando foi que passamos a realizar outros trabalhos. Ele e eu em festas à noite, eu era uma boa DJ, ele era um excelente garçom. Depois rodávamos durante a noite inteira sem preocupações. Eu já não queria mais voltar para o lugar que me sufocava. Então, um dia, eu não voltei mais.
amava ser professor, mas sua vida estava bagunçada demais para que ele pudesse ou quisesse continuar a ir. Então resolveu que deveríamos ganhar o mundo, e o mundo estava muito além daquela cidade.
Seu coração parecia ainda mais pesado ultimamente. Ele dizia que precisava ir embora, mas eu o fiz ficar mais uma noite. E mais outra noite. Eu amava sua casa e quando ele acordava mais cedo apenas para preparar minha comida favorita, cuidar do carro ou simplesmente fumar um cigarro.
— Eu vou com você, se você for. — eu falei, enrolando-me nos macios edredons que mais pareciam um mar de linho e algodão.
— Eu não quero te deixar sozinha. Eu não quero ficar sozinho. Mas não é certo.
— O que é o certo e o errado? Querido, nós somos o certo e o errado ao mesmo tempo. — respondi, beijando seu rosto e sorrindo, vendo-o sorrir de volta e balançar a cabeça afirmativamente.

Nós gostávamos da noite. Ele sempre parecia mais inspirado e com uma paz interior inigualável. Sentávamos na varanda do meu décimo quarto andar e observávamos a cidade piscar sonolenta. Nós dois, no entanto, não dormíamos tão cedo assim.
— O que pode me dizer sobre a noite? — perguntei.
— Uma história? Ou um fato histórico? Você escolhe. — respondeu ele.
Respirei fundo, pensando na melhor opção.
— Em um mundo antigo, havia uma deusa chamada Lefírise. Ela passava suas noites presa no alto de uma torre, pois gostava de apreciar os humanos que saíam de suas casas no fim do dia, quando o sol e o calor extremos os deixavam.
Ele era um excelente contador de histórias quando queria. Levantei-me e olhei para baixo, enquanto ouvia sua história.
— Lefírise não gostava de ficar sozinha, então convidou uma humana para que pudesse observar os outros com ela durante a noite inteira, libertando-a ao amanhecer. — ele prosseguiu com a história. — A humana aceitou, porém apenas por vaidade, para poder dizer que havia sido a escolhida de Lefírise.
— Humanos. — comentei baixinho no meio da história.
— No começo, a humana odiava ficar a noite inteira ouvindo Lefírise comentar sobre cada coisa que assistiam, pois era tedioso para ela, então apenas esperava poder ir embora pela manhã. Lefírise tentava se aproximar e conversar, mas a humana não dizia nem mesmo seu nome.
se levantou e ficou atrás de mim, colocando uma das mãos sobre meu ombro e a outra na minha cintura, segurando-me firmemente sobre o tecido fino do vestidinho curtíssimo que eu usava para dormir. Senti sua respiração em meu pescoço e inclinei a cabeça para o lado, permitindo maior contato. Suas mãos eram firmes em meu corpo, eu gostava disso.
A noite estava quente e o céu estava limpo, era possível ver as estrelas. Pouco nos importamos com qualquer outra coisa. estava calado, observava-me atentamente. Senti-o apertar minha cintura, então impulsionei os quadris para trás, tornando o contato mais próximo, e pude sentir sua excitação. Ele deu uma risada baixa.
— Você quer macular a varanda do seu prédio luxuoso...? — ele falou com sarcasmo, descendo a mão que estava em meu ombro para minhas costas, contornando-as e tocando meu seio delicadamente. — Enquanto seus vizinhos dormem, com pessoas lá embaixo... — sussurrou enquanto beijava meu pescoço.
Apenas balancei a cabeça afirmativamente, virando-me para beijá-lo, colocando as mãos em seus ombros. Eu o queria ali mesmo, sem me importar com quem pudesse nos ver ou com a escuridão da noite, com certos e errados. Eu o queria do modo como gostava de tê-lo.
O corpo dele estava colado ao meu, ele aspirava o aroma dos meus cabelos. Senti sua mão escorregar até a borda do vestido, acariciando a minha pele, seus dedos deslizaram, levantando o tecido. Então sua mão segurou-me pela cintura com força, acariciando-me mais. Com a outra mão, ele traçou um caminho pela minha coxa até a minha intimidade.
Ele empurrou o joelho entre as minhas pernas, separando-as. Fechei os olhos enquanto senti seus dedos massageando-me lentamente. Eu me sentia arder com seus toques. distribuía beijos por meu colo e seios, não demorando a retirar uma das peças que nos atrapalhavam. A calcinha logo foi jogada de lado na varanda, então ele se abaixou diante de mim. Eu joguei a cabeça para trás e mordi o lábio ao sentir seus beijos e, logo, sua língua acariciando-me.
Segurei seus cabelos e cravei as unhas em seu ombro conforme ele aumentava a velocidade de seus movimentos, causando-me ondas de excitação por todo o corpo. Movimentei os quadris, sentindo-me chegar ao ápice. Ele parou os movimentos e me encarou com um sorriso nos lábios ao ver minha expressão confusa de frustração.
— Estamos apenas começando, amor.

No começo, se mostrava cortês e educado, como sempre, porém oco e fechado, do modo que ele era anos atrás. Com o tempo eu pude ver outros lados de sua personalidade florescerem. Eu apreciava sua calma, mas seus momentos de alegria extrema eram os mais preciosos para mim, pois eram muito raros. Adorava seu modo sonolento e bobo de fazer piadas idiotas. E o amante dentro de si era sempre sério e devoto. Se eu pudesse, eu o amaria.
tinha esse modo de me preocupar e me acalmar. Nossa relação não apresentava padrões nem zonas de conforto, cada dia era algo novo a se esperar. Ele tinha uma grande vontade de ir embora, simplesmente sumir da vista de todos os que um dia o conheceram. Se ele fosse, eu não o permitiria que me deixasse para trás. Eu iria junto. Ele sabia bem que eu estava cansada daquela cidade.
Eu acreditava se tratar de uma provocação, eu sabia bem que ele adorava fazer isso comigo, deixar-me apreensiva, mas logo beijar minha testa e assumir a brincadeira. Eu acreditei nele por meses. Todos esses nossos meses juntos.
— Você é jovem, , não deveria perder seu tempo. — ele disse, reduzindo a velocidade do carro e pegando a direita, o caminho era longo.
De novo essa conversa. Eu não queria mais ouvi-lo dizer que não era o homem certo para mim. Eu sabia bem o que estávamos fazendo, mas ele agia como se meus olhos estivessem constantemente vendados.
— Por favor, , de novo não... — falei, suspirando. — Estamos tão bem ultimamente, por que você vem com essas ideias absurdas?
Ele balançou a cabeça negativamente, apoiando o cotovelo esquerdo na janela aberta, passando a mão pela boca antes de me lançar um rápido olhar.
— Você não pode viver assim pra sempre. Não há nada aqui pra você... Pra nenhum de nós dois. — completou.
— E é exatamente por isso que estamos juntos —respondi, dando o assunto por encerrado.
Eu não queria amor, eu não era mais uma adolescente, se era o que ele pensava. Eu também queria ficar só. E ele tornava a solidão mais confortável.
— Você sabe bem que... — começou, mas se calou.
Fitei-o, esperando sua resposta.
— Você estava certa, — ele evitou me encarar, prestando atenção à estrada. — Mesmo que eu fuja de tudo isso...
— Nós temos os mesmos interesses, meu amor.
O oceano havia se mostrado mais turvo do que o esperado, eu não conseguia enxergar a parte mais profunda dele. Havia muito a ser descoberto. Após meu comentário, ele sorriu. Sorriu como sempre fazia quando concordava comigo.
Ah, se eu apenas soubesse que, dessa vez, era um sorriso de discordância.

Capítulo Dois

O senhor era um homem calado. Entretanto, principalmente conforme o fim do ano se aproximava, ele parecia se abrir mais à nossa “amizade”. Bem, era assim que ele chamava, mas eu sempre deixava claro que não era dessa forma apenas que eu o via.
Esperei por ele no jardim de trás da construção abandonada, onde nos víamos com certa frequência ultimamente. Eu havia confessado que gostava dele alguns dias antes, e desde então ele andava me evitando. Eu havia acabado de fazer dezenove anos, e me formaria ainda naquele ano, então não compreendia o que temia.
O sol estava no meio do céu. Era cerca de uma hora da tarde. Eu tive medo dele não aparecer, mas ainda assim, eu precisava tentar. Por mais que eu tentasse explicar a mim mesma que não era obsessão, apenas carinho, eu constantemente me questionava se deveria fazer isso. Não havia nada de mal naquilo, havia?
Bem, de qualquer forma, estabeleci um limite para mim mesma: caso ele não aparecesse até uma e meia, eu iria embora e jamais daria outra chance para ele, jamais voltaria àquele jardim, não o encararia novamente do modo terno como o fazia. Eu não estaria à disposição dele. E seria o fim de tudo. Simplesmente porque eu quereria assim.
Uma e vinte e sete. Ele tinha apenas três minutos, mas eu não era do tipo que dá tolerâncias de tempo a ninguém. Se ele não chegara uma e dez, uma e quinze, por que chegaria logo agora, uma e vinte e sete? Levantei-me, sem esperanças, preparando mentalmente o discurso de “nunca daríamos certo” que eu provavelmente jamais diria na cara dele, mas gritar com o ele na minha cabeça já era o suficiente por hora.
Peguei minha mochila e dei três passos, contornando a construção, mas antes de fazer a curva, ouvi os passos de outra pessoa naquele lugar deserto.
. — ele quase gritou ao me ver indo embora.
tinha uma rosa nas mãos e parecia ainda mais bem-vestido do que de costume. Suspirei aliviada e corri até ele, enlaçando meus braços ao redor de seu pescoço. Fingia ser durona, mas deixei que apenas uma lágrima escorresse enquanto sentia seus braços ao redor do meu corpo. Ele estava ali. Ele viera me encontrar como eu havia pedido na mensagem de texto.
— Eu pensei que você não viesse mais...
Ele tossiu, sem graça. era péssimo com sentimentos ou coisas do tipo. Ao nos separarmos, entregou-me a rosa, coçando a nuca e parecendo sem jeito.
— É para me desculpar... — ele falou apenas, sem me encarar nos olhos.
Não entendi o que ele disse.
— Desculpar? Por quê? — perguntei. Então dei um sorriso. — Pela sua demora?
Ele pareceu ainda mais desconcertado.
... Senhorita... Eu não quero que você alimente mais isso. Essa... Nós precisamos parar com tudo isso agora.
Fiquei encarando-o com surpresa. Eu não podia acreditar no que ele estava dizendo. Eu não queria que as coisas ficassem dessa forma.
— Mas... — Dei um passo para trás. — Eu já tenho dezenove anos. Vou me formar em três meses... O que mais você quer? - eu quase gritei.
Ele não teve reação, apenas encarava o chão, balançando a cabeça negativamente, então coçou o queixo.
— Somos a pessoa errada um para o outro, . Nós não devemos ficar juntos, isso é absurdo de tantas maneiras...
— Por quê? — perguntei em um sussurro.
— Eu não quero que você entenda. Eu não quero estragar nada para você, por favor...
— Estragar o quê?
Ficamos nos encarando sem dizer nada. Então, ao mesmo tempo, fomos um em direção ao outro e nos abraçamos. Fechei meus olhos enquanto ele acariciava meus cabelos.
— Tem tantas coisas que eu queria poder te contar. — ele sussurrou.

Nos corredores, ele falava um “Oi, tudo bem?” ou apenas acenava. Seus olhares em sala de aula pareciam querer dizer algo, porém não passava disso. Mesmo com vasta experiência em ficção, eu nunca imaginara que nutrir uma paixão correspondida por um professor pudesse ser tão difícil.
Seria mentira se eu dissesse que me lembrava exatamente de como tudo havia começado. Havia um borrão, uma linha tênue entre o relacionamento normal e a amizade, eu não sabia bem quando havíamos a ultrapassado, no entanto.
O rosto dele ultimamente andava um misto de impassibilidade com preocupação, mas ele falava pouquíssimo sobre. Nós ainda conversávamos por mensagens ou até mesmo pessoalmente, mas eu não me sentia mais à vontade para demonstrar meus sentimentos. Eu sabia que não era certo ficarmos juntos enquanto nossas posições fossem professor e aluna. Além disso, ele era mais velho do que eu, bem mais velho, então isso provavelmente também o incomodava.
Poderíamos ser amigos, caso assim ele quisesse. E assim o quis.
Continuamos nossa amizade, ele ainda não se abria muito. Parecia mais endurecido e fechado do que antes, na verdade, e nem mesmo me dissera a razão. Começara alguns dias depois da reunião de pais e do conselho de classe. Eu sabia que ele odiava essas reuniões. Então ele se recolheu em seu casulo novamente. Logo ele sairia, eu sabia.
Eu estava errada.

Minha mãe não perdeu a oportunidade de falar coisas ruins sobre o professor, sua aparência e tudo mais. Ela sabia ser bem cruel e desnecessária, contudo eu tinha a impressão de que ligava um pouco menos a cada vez.
Ah, esse meu complexo de Julieta, acreditar que amores impossíveis podem dar certo. Eu esperava que, no final, minha mãe não o achasse assim tão ruim. E que um dia eu pudesse apresentá-lo em casa, do modo como eu imaginava diversas vezes, sorrindo bobamente no meu quarto.
Amores juvenis são encantadores ou patéticos, mas isso é facilmente “mesclável”.
— Ah, se eu pudesse não ter que olhar no rosto desse ser humano. — minha mãe comentou, ao voltarmos da escola juntas.
— Ai, mãe, por que você tem essa raiva do professor? — perguntei com humor. — Ele é muito bom em História, sabia? E trata os alunos muito bem... Meio caladão e tal, mas é assim mesmo.
Dei uma risadinha com o olhar de reprovação da minha mãe.
Ela era uma mulher jovem demais para ter uma atitude tão rígida. Eu gostaria que ela fosse menos presa a determinados padrões. Tentei apresentá-la a outros pensamentos, mas era assim mesmo, afinal, cheguei à conclusão de que não havia jeito.

A mensagem de me impactou naquele dia. Ele não havia ido à escola naquela semana, não tínhamos tido aula de História. Então acabamos por ser liberados mais cedo. Então, ao final daquela sexta-feira, lá estavam as palavras, como resposta às minhas mensagens perguntando se ele estava bem.

“Você quer mesmo saber de algo? Então provavelmente deveria perguntar à sua mãe.”

Dessa forma, seca, nada mais do que isso. Eu não compreendi. Sentei-me de imediato na varanda de casa assim que cheguei. Meu peito se comprimia em algo que eu não sabia dizer se era dor ou ansiedade, mas que incomodava terrivelmente. Após perguntar o que aquilo queria dizer, eu quase desisti, pedindo uma última vez:

"...? Me diz o que houve!"

Não obtive resposta.
Logo recebemos a notícia de que um professor o substituiria na reta final das aulas. Por mim estava tudo bem, desde que o senhor conseguisse resolver seus problemas e retornasse para lá. E assim permanecemos por mais uma semana, até que ele desapareceu de vez.

Minha mãe...
Então essa era a resposta? O que minha mãe poderia ter a ver com isso tudo?
Minha formatura era na próxima semana, então eu precisava descobrir tudo o mais rápido possível, ou poderia ser tarde demais. A escola era o único laço que eu ainda tinha com o meu professor. Ou assim eu acreditava.
Sozinha em casa, esperei que a coragem me acometesse, encorajando-me a entrar no quarto dos meus pais e vasculhar tudo o que havia lá, mas sem bagunçar absolutamente nada, do contrário eu seria descoberta.
O lado da minha mãe era bem organizado, isso me facilitava por um lado, mas seria muito mais difícil disfarçar quaisquer desalinhos que eu deixasse para trás. Observei atentamente o lugar de cada coisa, enquanto tentava pensar um lugar por onde começar. A cabeceira. Minha mãe era bem óbvia neste aspecto.
Eu estava errada, não havia nenhum item que pudesse comprometê-la, apenas uma folha com um número de telefone, que me tomou alguns minutos. Mas logo notei que não era um telefone, parecia mais um código. Eu não tinha certeza, na verdade. E confesso que tentei ligar para o tal número, mas não havia ninguém do outro lado, minha operadora sempre avisava que não era possível completar a chamada, pois o número não existia.
Fiquei intrigada com aquilo, então continuei procurando nas gavetas seguintes, sem encontrar muitas coisas. Um chaveiro de boneco, uma meia preta sem par — que provavelmente era do meu pai —, uma caneta estrangeira... Coisas sem sentido para mim.
Tentei deixar tudo do modo como eu encontrara, indo até o armário. As roupas estavam tão bem organizadas que quase me fez sentir vergonha do meu próprio armário, que era uma bagunça sem fim, se comparada ao dos meus pais. Havia diversas caixinhas com objetos bem a cara da minha mãe. Procurei uma por uma algo que pudesse ser ligado aos números que eu havia encontrado, mas nada daquilo a fazia parecer esconder um segredo.
A última caixinha a ser aberta causou-me grande expectativa, até mesmo a abri com cuidado, encontrando lencinhos de cores claras, mas nada suspeito. Eu ia fechar o armário, mas descobri a iluminação interna.
Ao acender a pequena lâmpada no alto da cabine, eu me impressionei com coisas escritas no fundo. Não era fácil de visualizar, na verdade, mas eu dera bastante sorte, pois estava em uma posição bem próxima à parte mais escura. A luz quase não batia lá, mas a luz fez as letras brilharem, de certa forma, por causa da tinta utilizada.
“Quinto degrau, em Monte Carlo, eu vou me lembrar de nós dois.”
Não compreendi absolutamente nada. Monte Carlo? Quando minha mãe estivera lá?
Ouvi o carro dos meus pais chegando em casa. Fechei tudo imediatamente, com o maior cuidado que o tempo me permitia, e corri de lá até o meu quarto com o papel no bolso e a frase na mente. Eu precisava descobrir o que aquilo significava.

A escola parecia mais chata sem ele. Eu dificilmente me sentia assim sobre as coisas, e geralmente me repreendia por algo ou alguém cruzar minha mente mais do que deveria. Depois daquela mensagem, nós não nos falamos mais. Eu me senti triste, mas ainda precisava descobrir o motivo.
Eu simplesmente odiava coisas inacabadas e histórias sem final.
Ao final das aulas, eu voltei caminhando lentamente, como gostava de fazer, enquanto conversava com um grupo de amigos meus que moravam na mesma direção. Nenhum deles mencionou . Era como se ele fosse uma despessoa, provavelmente já esquecida no fundo dos inconscientes alheios antes de virar pó por completo. Mas na minha ele ainda parecia em carne viva, ainda sentia como se ele fosse voltar a qualquer momento.
E eu não sei o que doeria mais, esquecê-lo por completo, ou jamais conseguir tirá-lo da mente.

Eventualmente minha mãe resolveu que seria bom termos um momento “mãe e filha”. Eu odiava tudo aquilo, porque minha mãe era uma pessoa estranha para se fazer amizade, eu sentia que a conhecia muito pouco ou quase nada. Ela também não era afeita a falar de si, só fazia perguntas. Suas conversas eram como interrogatórios, eu odiava, sentia-me pressionada o tempo inteiro a revelar algo que eu não sabia o que era.
Ela era uma torturadora boa demais para exercer o trabalho de contadora. Eu jamais gostaria de ser como ela, principalmente porque não me imaginava contadora. Eu havia nascido para o mundo inteiro, não para um escritório apenas.
Fomos a uma sorveteria, nossa favorita, por sinal. Era onde constantemente íamos em família alguns anos atrás.
— O que você quer fazer ao sairmos daqui? — minha mãe perguntou.
Nunca na minha vida eu quisera dar uma resposta atravessada tanto quanto neste momento. Entretanto, ela ainda era a minha mãe, eu não queria magoá-la.
— Eu acho que podemos apenas ficar mais um pouco...
— E a escola? — ela retornou àquela pergunta.
— Mãe... Você já... — respirei um pouco antes para que pudesse sair natural. — Você já esteve em Monte Carlo?
Raras vezes eu vira minha mãe ficar tão pálida, sem graça, embaraçada e sem uma resposta na ponta da língua. Aquela parecia uma pessoa totalmente diferente da que eu conhecia desde que me entendia por gente.
— De... De onde você tirou essa pergunta, ? — ela perguntou repentinamente.
— Não sei... O professor de Geografia mencionou o lugar hoje na aula, eu me interessei bastante... Eu gostaria de ir para lá algum dia... Você viajava bastante na juventude, não? Por isso me passou pela cabeça. Não custava perguntar, sabe?
A desculpa veio mais rápida e mais lisa do que eu pensei que viria. Boas justificativas não eram o meu forte, principalmente em situações como essas, porque minha mente poderia travar. Entretanto, confesso que senti certo orgulho da mentira bolada tão rapidamente, além da tranquilidade em minha voz enquanto eu falava. Dei um sorrisinho que ela provavelmente interpretou como “curiosidade de jovem”, mas que eu definiria como “a pretensão do mentiroso”.
— Bem, eu... Eu não me lembro mais... Estive em muitos lugares, tirei muitas fotografias... Eu provavelmente conheci lugares mais interessantes — ela respondeu, pigarreando logo em seguida. — Eu posso te contar sobre outros lugares, se quiser...
— Seria ótimo. — falei, no mesmo tom de tranquilidade, beirando ao desinteresse, voltando a tomar meu sundae. — Eu queria ir a Monte Carlo algum dia, de verdade.
Minha mãe ficou ainda mais tensa, olhando discretamente ao redor. Eu não queria causar desconfortos, mas a verdade sobre aquela minha historinha estava palpitando em minha língua. Eu precisava perguntar, precisava mesmo. Autocontrole era uma virtude que eu precisava trabalhar.
Permanecemos ali. Minha mãe não era de todo ruim. Ela era uma mulher com seus problemas e estresses, que havia sido ensinada pela vida a ser daquele modo rígido, mas que se importava com as pessoas ao redor. Eu quis ajudá-la. Senti empatia. Eu amava a minha mãe ainda mais, agora de perto. Ouvindo-a, fazendo-a rir de vez em quando. Ela se tornou uma espécie de heroína para mim sem precisar fazer nada além de ser ela mesma.
Dias assim eram bons. Precisávamos fazer aquilo mais vezes. Entrar mais em contato.
Ainda assim, algo na conversa da sorveteria me chamara a atenção. Mesmo quando mudamos de assunto, mesmo quando continuamos a andar pelas ruas da cidade, ou quando ela fazia perguntas. Nada conseguiria tirar aquilo da minha mente, pois era algo que eu não havia pensado antes.
Era tão óbvio, pensando agora: a caixa de fotografias da minha mãe no porão.

Eu não descia muito até ali. Não era meu lugar predileto da casa, para ser sincera. Era escuro, fechado, empoeirado e desagradável. Além de minha ideia fixa de que ali havia ratos. Ainda assim, achei que valeria a pena.
Era dia, meus pais ainda estavam no trabalho. Abri a porta e tomei coragem. Não estava escuro por conta das janelas que havia no rodapé externo da casa, que iluminavam ali dentro. Estava mais claro do que eu lembrava que era quando entrei ali à noite muitos anos atrás. Nem precisei da lanterna que eu levara por medo.
Desci os degraus lentamente. A escada de madeira era velha, porém resistente, porém eu ainda tinha medo de cair. Um acidente ali sozinha em casa seria meu maior pesadelo.
Mais para o fim a escada parecia ainda mais velha, chegando a ranger próxima ao fim. Desci ainda mais cuidadosamente, segurando-me no corrimão. Dei uma olhada geral. Não era tão ruim assim. Era até bem bonitinho. Minha última vez ali fazia tanto tempo, eu era uma criança, então eu não gostava daquela parte da casa. Cheguei a mudar de ideia agora, adulta.
Então era hora de realizar minha tarefa. Peguei a lanterna e apontei para pequenos lugares escuros atrás de móveis, eu não me lembrava de onde ficava a caixa de fotografias, então precisaria perder algum tempo.
Havia uma grande estante que separava uma parte do porão, lugar perfeito para esconder coisas. Afastei-a com um pouco de dificuldade, pois era pesada, conseguindo um espaço por onde poderia passar de lado. Havia muitas caixas de papelão ali, aquilo levaria tantas horas que eu quase desisti. Entretanto, pude visualizar no canto do chão uma caixa de madeira com álbuns dentro. “Perfeito”, pensei. Era exatamente aquilo de que eu precisava, um pouco de sorte.
Abri álbum por álbum, desconfiando de que não encontraria o que precisava. Casamentos, aniversários, milhares de fotos da minha infância e de nossos passeios em família, fotos de férias, parentes que eu não conhecia, primeiros dias de aula, até mesmo fotos antigas dos meus pais. Tantas coisas nostálgicas, mas nada revelador.
Após olhar mais algumas fotos, acabei desistindo. Não era aquilo o que eu procurava. E minha mãe obviamente não esconderia nenhuma foto sua em Monte Carlo junto de quem quer que fosse no meio de nossas fotos em família.
Virei as costas e resolvi desistir daquilo. Eu precisava sair dali, eu estava ansiosa demais e precisava pensar. Frustração é um male terrível. Eu detestava querer algo ou querer saber de algo e não poder. Confesso que por muito pouco não mandei uma mensagem para o senhor exigindo que ele fosse claro em suas palavras entre outras coisas grosseiras que eu pensei para ele enquanto me apressava em sair dali.
Subi os degraus pisando duro, então notei que um deles parecia mais oco, rangia mais. Desci um degrau, então o pisei novamente. E aquele barulho oco e esquisito apareceu.
Abaixei-me imediatamente, tentando abrir o degrau. Era difícil, mas parecia haver um modo, na verdade. Tentei puxá-lo com mais força, quase lá. Então busquei qualquer objeto que pudesse me ajudar. Corri até a garagem, procurando por uma chave de fenda, então vi que poderia colocar na pequena abertura e dar um impulso para que pudesse abrir.
Tentei novamente, mas era difícil, então puxei e coloquei a chave de fenda, sentindo a madeira ceder e fazer um barulho de solta. Ali estava o degrau solto em minhas mãos e eu olhando para o que havia dentro. Era uma caixinha, um cofre, algo assim. Minha mãe realmente adorava essas coisas. Então notei o que estava acontecendo ali. Aquele era o maldito quinto degrau.
Era possível colocar números ali. Oito números. Aquilo era tão óbvio. Minha mãe era uma pessoa muito óbvia.
Fechei o degrau e pisei em cima até que ouvisse o estalo que indicaria que estava “fechado” ou qualquer coisa do tipo. Devolvi a chave de fenda à caixa de ferramentas na garagem e levei a caixa comigo até o quarto.
Procurei o papel embaixo do colchão, onde eu achei que seria uma boa ideia guardar, porque, afinal, ninguém mexeria lá, nem eu mesma, caso outra pessoa escondesse ali. Os oito números pareciam brilhar em neon no papel. Finalmente eu tinha a chance de ver o que era ali.
8-8-7-9-4-5-6-2
Um segundo depois, estava aberta. Abri como se fosse o maior e mais impressionante dos tesouros. Não havia nada de grandioso assim, para ser sincera. Apenas uma foto... Estava de costas, então li primeiro a mensagem que havia sido deixada ali.

“Para a minha eterna musa. Em nosso Monte Carlo na linda Monte Carlo. Do sempre seu.”

Era uma mensagem bonita e um tanto impressionante.
Eu queria viver um amor assim. Alguém que fosse intenso e que sentisse minha falta. Eu chegava a pensar que ele seria essa pessoa. Eu sabia que estava enganada, mas sonhos não são controláveis, apenas ações.
Virei a imagem para quebrar de vez o mistério, e certo encanto, que aquele “caso” havia gerado em minha mente. Era uma fotografia da minha mãe mais jovem. Ela era impressionantemente bonita, eu me parecia um pouco com ela, mas eu tinha muito do meu pai também. Ela era linda. E o homem ao seu lado era ainda mais bonito.
Senti o ar faltar. A surpresa era um tapa na cara. Fechei tudo de imediato e escondi no meu guarda-roupa. Deitei-me incrédula, observando o teto do meu quarto, sem entender. Minha maior reação de desespero e confusão, muitas vezes, era uma expressão facial em branco.
Aquela era... Uma fotografia da minha mãe e de ?

Capítulo Três

Eu não questionava minha mãe sobre as coisas. Mas aquela era uma boa razão para tal. Precisei me controlar diversas vezes, durante o café-da-manhã, durante o almoço e o jantar. Em nossos ocasionais momentos juntas era ainda mais difícil, pois não havia meu pai ali.
Eu não queria julgá-la. Tudo o que eu queria era perguntar, era uma verdade, uma explicação para tudo o que havia de mais confuso na minha mente.
— Mãe... — chamei-a. Ela me olhou. Eu estava pronta. Precisava saber. Eu tinha o direito. Afinal, ela era minha mãe, e ela dizia coisas, e eu sabia coisas... — Nada... Eu só estava pensando sobre coisas da faculdade, mas acho que só vou dar uma volta para pensar mesmo.
— Tudo bem. Mas podemos conversar sobre isso, quando quiser.
Dei um sorriso para ela e acenei com a cabeça. Eu gostava desse lado dela.
Saí até a praça onde havia muitas pessoas. Era bom pensar em meio ao barulho, pois o silêncio me ensurdecia. Eu não conseguiria falar nada sobre, porque eu não tinha o direito de mexer nas coisas dela. E foi justamente o que eu fiz o tempo inteiro: me meter em algo que não era da minha conta. Eu não tinha o direito de saber de nada.
Então e minha mãe namoraram e agora eram inimigos ou algo assim? Bem, ele não parecia odiá-la tanto quanto ela, na verdade, até porque, caso ele a odiasse profundamente, ninguém jamais saberia. Suas expressões eram sempre indiferentes. O que explicava aquele desafeto todo? O que havia acontecido para os dois se separarem?
Passei a tarde inteira sentada ali, pensando em tudo e em nada. Refletindo sobre o que eu não deveria saber. Eu não fiz absolutamente nada, mas foi tão bom para a minha mente perder aquele tempo. Eu me sentia mais calma, mas meus pensamentos não paravam de trabalhar. Eu estava confusa, queria conversar com sobre aquilo, mas ele me ouviria? Eu precisava tentar.
A foto ainda estava comigo. Não tive coragem de olhá-la novamente, mas enviei uma foto para o professor, questionando o que ele poderia dizer sobre aquilo. Ele não havia me respondido até então, mas recebi algo dele quando estava voltando para casa.

“Então parece que encontrou algo. Eu sabia. Você é esperta, garota.”

“O que me diz? Você não pode ser tão velho? O que é isso? Crepúsculo?”

“Falta mais uma peça nesse jogo. Vou deixar nas suas mãos.”


Esse maldito não estava fazendo aquilo. Suspirei e entrei em casa, indo direto até o meu quarto e pegando a tal caixa. Tirei a foto e procurei, mas não havia nada no fundo. Então notei uma cordinha. Era só puxar que, prontinho, lá estava. Cartas e mais cartas em papéis brancos e cor-de-rosa.
Eram curtas, mas pareciam de alguém com um profundo sentimento de amor e perda. Alguém que estava indo embora, e, mais tarde, alguém que se fora. Nenhuma assinada. Apenas aquela última.
James .
James ...
James ...
Pesquisei no Google, é claro, ele poderia ser encontrado facilmente. O nome dele era curto e não me parecia muito comum; se houvesse algo, eu encontraria com certeza. Encontrei algo, e não era o melhor dos achados, muito pelo contrário. Sobre ele, havia apenas a mesma notícia em todos os sites.

O assassinato de James .

Então era isso? Minha mãe havia tido um namorado de juventude que havia sido assassinado? Aquilo era ainda pior, me fez sentir ainda mais culpada por tudo o que eu havia julgado de negativo nela. Eu era a pior pessoa ali.
Pelo sobrenome e pela semelhança, provavelmente James era o irmão mais velho de . Então aquele era o grande mistério. Eu não sabia o que pensar. Era impressionante como os finais conseguiam ser mais simples do que o mistério em si.
Por um momento cheguei a pensar que fazia sentido o ódio da minha mãe por , mas agora não fazia o menor sentido. A menos que o próprio professor tivesse matado seu irmão, o que eu achava sinceramente improvável, ela não teria motivos para odiá-lo tanto assim. Bem, de fato os dois pareciam gêmeos, pois a semelhança entre eles era impressionante. Talvez isso causasse na minha mãe algum desconforto.
Ainda não fazia sentido.
Resolvi dar o mistério por encerrado. O ódio e seus motivos são subjetivos, não cabe a mim julgar. Eu resolvi que era isso. Ela odiando ou não meu ex-professor, aquilo permaneceria daquela forma. Então eu continuei a viver minha vida sem pensar sobre assuntos que não me diziam respeito.
e eu nos falamos pouco. Eu contei sobre meu achado, mas ele jamais me respondeu. Com o tempo, parou de receber minhas mensagens, provavelmente havia mudado de número. Então dei tudo por encerrado. Era isso. Assim acabava nossa história, nossos mistérios e tudo o que nos prendia.
Eu gostei dele durante um tempo, mas não havia espaço para nós dois juntos neste mundo. Talvez em outras realidades, mas não nesta.
Nosso amor seria lembrado. Mesmo que apenas por mim, mesmo que apenas anotado em um caderno e esquecido no fundo da gaveta. Encontrado por pessoas que não nos conheciam, que não se lembravam de nossos rostos, mas que saberiam nossos nomes gravados naquela história ruim e mal escrita em péssima caligrafia. e . Eternamente.

Então conheci outras pessoas. Outros namorados que não me eram proibidos. Entre eles, conheci Spencer e Ruth.
Spencer era um excelente amante. Ele sabia exatamente como agradar alguém, sabia me fazer rir como ninguém, sabia ser um amante incrível. E eu o amei durante algum tempo. No começo, ele era uma pessoa maravilhosa, sabia dizer a coisa certa, sabia tornar cada momento precioso. Com o tempo, ele se revelou.
Spencer era um idiota.
— Você acha que sabe de tudo, — ele me dizia entre risadas e as fumaças de cigarro. Fazia parecer apenas uma provocação, uma piada, mas eu sabia que era uma crítica. Pois aquela mesma frase surgira uma vez sem as risadas, mas com raiva na voz do áudio que ele me mandara. — Você não é a dona da verdade.
— Você é pior, Spencer, porque você tem a certeza de que não sabe de nada. — eu respondia no mesmo tom que ele me desse. Rindo ou com ódio. Eu não o amava. — Você sempre fala a coisa errada na hora errada.
Eu detestava viver dessa forma. Ele não cansava de me apontar defeitos em tons de brincadeira sempre que podia. Um grande babaca. Não duramos muito, é claro, eu não era aquela que acreditaria que o mudaria. Se com nossas longas conversas, com os vídeos e debates que fazíamos, além de livros que eu recomendava, ele não conseguia entender que as coisas que ele dizia eram um amontoado de imbecilidades, então nada o faria entender.
Eu não acreditava que mudaria ninguém. As pessoas não mudam pelos outros, elas mudam por elas mesmas, o outro é só um motivo, ou não.
Spencer fazia piadas sobre mães mortas de amigos de infância dele, perdia datas importantes para quem dava importância a datas de propósito, só para fazê-las entender seu ponto de vista, que era “datas não são importantes, pessoas é que são”. Mas perder o aniversário de alguém que você não vê há algum tempo, e que seria uma excelente oportunidade para lembrar esta pessoa que você a ama e se importa com ela, pode ser doloroso.
Assim, ele perdeu amigos.
Assim, ele se afastou de familiares.
Assim, ele perdeu uma namorada, que não era obrigada a mudá-lo nem a aceitá-lo.

Ruth foi uma fatalidade. Linda em tantos aspectos que sua beleza externa estonteante não era nem de longe sua melhor qualidade. Ela se importava com as pessoas. Ela sabia exatamente como curar um coração e jamais parti-lo. Tinha cabelos negros e curtos, uma franja que a deixava com um ar intelectual, mas sua personalidade era ainda melhor.
Não era possível ficar desconfortável na presença dela, pois ela não julgavas as pessoas, sempre ressaltando o que a pessoa tinha de melhor. Eu poderia ouvi-la falar o dia inteiro sobre tudo o que amava sem nunca me cansar, sem nunca querer ir embora ou dormir.
Ruth era o próprio amor.
Ela era minha maior inspiração. Toda vez que a via ao meu lado na cama, no carro ou quando andávamos de mãos dadas pelas ruas, eu sentia meu coração bater mais forte. Ela era aquela pessoa que você jamais imaginou que fosse conseguir namorar, por ser tão perfeita. “O que ela está fazendo comigo, meu Deus? Por que ela está ao meu lado? Ela é boa demais para esta mera humana.”
— Você é luz, — ela dizia. — Eu agradeço ao universo por estarmos aqui, juntas.
— Você é paz. — eu respondia. — Meu coração não podia estar em outro lugar.
Com ela eu descobri que tudo pode ser resolvido conversando. Aprendi a me acalmar, a compreender as outras pessoas, a entender outros pontos de vista. A entender que não sou mais importante que a natureza, pois sou um elemento desta.
— Se eu pudesse. — ela sussurrou. — gostaria de fugir com você. Poderíamos ir para bem longe. Longe de tudo. Viver o amor mais lindo que os livros já conheceram.
— Nós podemos, Ruth. — eu disse. — Vamos fugir do mundo para outros planetas...
Adormecemos no tapete, a lareira nos esquentava. Era o dia mais confortável, e fora a noite mais confortável que eu já vivera. Ela me fazia sentir em casa. Eu a amava tanto.
Ruth precisou ir embora. Ela precisava cuidar da mãe doente. Eu não podia ir com ela, por causa do trabalho. A última vez que nos falamos foi pouco antes de o celular dela perder o sinal no avião.
Eu soube do acidente, mas nunca procurei a lista de vítimas. Se ela tivesse sobrevivido, ela me contataria. Caso ela sumisse de vez, eu saberia o motivo. E durante dias eu esperei. E durante meses. Tempo e mais tempo se passou.
Eu nunca mais ouvi a voz de Ruth.

Meu coração havia se partido algumas vezes mais, nenhuma que valha a pena lembrar, no entanto. Esses grandes amores que começam em um estalo e se acabam de modos trágicos ou não. Eu era jovem, eu tinha tempo, eu precisava superar. E foi o que eu fiz.
Ainda assim, ainda que eu me fizesse de forte, havia algo na solidão que passou a me assustar. Minha vida se resumia a ficar sozinha. Eu já não morava com os meus pais. Minha mãe se tornara amarga e distante. Meu pai trabalhava demais. Mas ainda nos falávamos de vez em quando.
Então, naquela noite em que resolvi parar tudo e realmente ter alguma diversão, eu o encontrei. E já fazia tanto tempo, mas era como se tempo algum houvesse passado. Ele era o mesmo. Eu senti um alívio tão grande dentro de mim.
Ali estava.
Sozinho.

Capítulo Quatro

Ele foi embora. Sem cartas, sem adeus, sem beijo de despedida. Simples e seco. Ele era péssimo com formalidades, de qualquer forma.
Durou mais do que eu pensei, confesso, pois pensei que não duraria tanto tempo. Não queríamos ficar sozinhos, talvez isto explicasse. Eu realmente pensei que tivéssemos interesses em comum, eu sabia que não poderia estar errada, mas sua partida me fez questionar tudo.
Ele deixara a chave de sua casa comigo. Eu não entendi sua partida.

“Querido ,

Já faz uma semana. Espero que saiba o quanto eu sinto a sua falta.
A plantinha cheia de botões que você deixou comigo começou a florir. Elas não são vermelhas como você acreditava, eu ganhei a nossa aposta. São roxas.
Elas me lembram você, não são flores muito abertas, mas são elegantes e bem bonitas. Parecem tímidas também. Você ia gostar de vê-las.
Tem uma foto junto, espero que dê para matar a curiosidade.
Sinto sua falta.
Ficar sozinha nessa casa é uma merda.


Até breve,
.”


Eu odiava me sentir sozinha.

Um domingo de feriado com a família reunida na casa da minha mãe. Meus tios, primos e até os filhos de meus primos estavam lá. Eu não via algo assim há tanto tempo, e essa sensação de envelhecer era tão estranha.
Acredito que a presença mais inesperada foi a do meu pai. Ninguém esperava que minha mãe fosse convidá-lo, já que, bem, os dois não pareciam ter terminado o casamento amigavelmente. Entretanto, os dois pareciam meio que de bem um com o outro.
Fiquei feliz por eles, eu jamais seria capaz de ter uma pessoa na minha vida por tanto tempo, casada ou não. E eu gostava da ideia de, mesmo não estando unidos pelo matrimônio, eles poderem sentar e conversar, até mesmo gargalhar, sobre fatos aleatórios após o almoço.
A partida de completava dois meses. Eu ainda mandava cartas para sua antiga casa em sua cidade natal, para onde eu acreditava que ele havia ido. Não quis visitá-lo, no entanto. Caso estivesse lá, estaria recebendo minhas cartas, caso contrário, eu não tinha problemas com ser lida por pessoas desconhecidas.
E ele havia dito que, não fosse ele, ninguém mais moraria naquela casa, então eu conseguia alimentar a esperança de que ele lia o que eu escrevia. Isso me causava uma boa sensação, pois era como conversar com ele, já que ele falava poucas coisas ou nada sempre que alguém conversava com ele. Pelo menos eu o fiz falar mais com o tempo.
Lembrei-me dele sorrindo mais uma vez.
Decidi, depois de tanto tempo, perguntar à minha mãe sobre coisas que me atormentavam. James não podia ser apenas um fantasma. Não mais. já não fazia mais parte da vida dela havia tantos e tantos anos. E agora já não fazia mais parte da minha. Minha perguntas não machucariam mais.
O passado já cicatrizado dói menos.
— Mãe... — chamei-a. Estávamos sentadas na varanda, apenas nós duas. Os outros estavam conversando entre si lá dentro. Bebi um pouco do suco antes de prosseguir. — Eu preciso te perguntar uma coisa que há anos quero saber.
Ela não pareceu incomodada. Eu almejava essa proteção que a idade nos oferece. Amadurecer é blindar-se contra a vida, poucas coisas nos afetam.
— Diga, querida. — ela respondeu com sua voz calma e suave de sempre.
— Quem foi James ? — perguntei de uma só vez, como se tirasse um curativo.
Minha mãe não respondeu de imediato. Talvez ainda sentisse algo lá no fundo. Entretanto, não se abalou, apenas precisou de um tempo. Ela não pareceu surpresa, incomodada nem brava. Uma sombra de tristeza passou por seu rosto antes de responder.
— Eu imaginei que você fosse perguntar sobre um dia. — Ela fez uma longa pausa, cheguei a pensar que não diria mais nada. Então suspirou e prosseguiu. — Eu senti falta da caixa... A foto... Os números, nem precisei deles, eu já sabia de cor a sequência. — Suspirou novamente. — Adolescentes...
— Espero que me perdoe por...
— Não há nada a ser perdoado na curiosidade juvenil. — ela disse, surpreendendo-me com esta resposta. — Eu notei que você provavelmente sabia sobre ele. A sua amizade com aquele homem...
... — sussurrei espontaneamente, atraindo o olhar dela.
Minha mãe riu, balançando a cabeça negativamente.
— Eu soube que vocês dois... Ultimamente... — ela não completou a fala, mas eu compreendi.
— Ele foi embora. Já faz um mês.
— Eu não tenho nada a ver com o que você faz. É adulta. Mas fico feliz em ouvir isso. — ela disse. — Eu não o suportava. Era péssima influência. Assim como seu irmão mais velho.
James...
— Isso. Eu o conheci na juventude... Nós acreditamos que teríamos o mundo inteiro. Não podíamos viver um sem o outro. Viajamos a diversos lugares... Fomos a todos os pontos turísticos conhecidos, a todos os lugares desconhecidos e a todos os lugares que havia a ser visitado em seu carro.
— Monte Carlo. — respondi, lembrando-me do carro de . Era tudo o que seu irmão havia deixado para ele como “herança”.
— Monte Carlo... Aquele carro era... Era como a liberdade... Para todos os lugares aonde íamos, estávamos dentro dele. Eu não sabia dirigir na época, mas não tardei em aprender com James.
— A senhora o amava, mãe? — perguntei, esquecendo-me de tudo, concentrando-me apenas na história de amor de juventude da minha mãe.
— Eu o amava mais do que qualquer pessoa. Nós éramos como um só. Nós tínhamos o que precisávamos, as estradas eram nossas, os dias e as noites não tinham fim. James sempre me fará falta.
— E o que aconteceu com ele? Por que ele foi assassinado? A senhora estava na hora?
Ela olhou para as mãos e eu pude jurar que ela choraria. Minha mãe não chorava, pelo menos não na frente das pessoas. Não na minha frente também.
— Nós não estávamos mais juntos nessa época... Nossa história de amor acabou quando eu entrei na faculdade. Parecíamos eternos, mas não duramos muito tempo. Eu tinha obrigações, ele tinha necessidade de ter o mundo inteiro. Logo encontramos novas pessoas... E então não éramos mais nós dois.
Um silêncio se abateu sobre nós duas. Não achei justo perguntar mais nada, exigir que ela se lembrasse ou me contasse fatos dolorosos de seu passado e de seu grande amor de juventude. Eu a compreendia. Era difícil perder alguém.

“Querido ,

Eu estou usando seu sobrenome nesta carta porque estou zangada.
Você nunca me falou de seu irmão. Nunca o bastante. Eu não perguntei também. Então estou zangada comigo mesma. Como pude me esquecer de perguntar algo que me atormentou durante anos? Eu precisava saber. Fui direto à fonte. Perguntei à minha mãe. Ela me falou algumas coisas. Não quis pressioná-la, mas fui até onde consegui.
Ele foi o amor de juventude dela, disso eu já sabia. Mas eu queria mais.
Confesso que não me esclareceu nem um pouco por que ela te odeia. Talvez eu não precise saber disso. Como eu dizia às vezes, o ódio é subjetivo. Ela provavelmente tem as razões dela. Eu mesma estou criando as minhas.
Eu ainda sinto a sua falta.
Espero sentir um pouco menos amanhã.

Com amor,
.”


Agora que eu sabia a verdade, será que isso o faria voltar?
Eu esperava que sim, pois sentia falta de cada pedacinho dele. Cada sorriso sem jeito que moldava seu rosto quando eu o elogiava. Toda a beleza interna que conseguia encantar meu coração. Eu sabia que o amava. Eu sabia que sentia falta dele. Eu sabia que não suportava mais a solidão, não por não haver ninguém comigo, mas porque ele não estava lá.

Abri a porta da casa de . Fazia semanas que eu não entrava lá. Estava tudo escuro lá dentro, então acendi as luzes antes de pisar sala adentro. Então vi um envelope azulado no chão em frente à porta. Viera pelo serviço de correio. Selo, carimbo.

Destinatário: .
Remetente: .


Não contive a surpresa. Minhas mãos tremiam enquanto eu segurava o envelope, abrindo de imediato, com medo de rasgar, porém com a ansiedade que me invadia. Havia uma fotografia de uma paisagem. Eu nunca estivera lá, era um lugar lindo. Parecia mais um lugar meio rural, interiorano. Era o lugar onde ele havia nascido. Então ele estava recebendo minhas cartas. Ele sabia que eu voltaria à casa dele.
Ao ver a caligrafia dele, senti meu coração palpitar e a respiração descompassada. Eu temi ler o que havia ali. Poderia ser qualquer coisa. Desesperei-me. Eu não sabia o que esperar. Foi a fração de segundos mais turbulenta que eu já vivera.

“Querida ,
Não pense que houve um só dia desde minha partida em que eu não pensasse em você. Por esta razão, escrever esta carta foi algo que precisei pensar durante muito tempo. Uma vez que, eu confesso, acreditei que sumir da sua vida seria o melhor.
Nós vivemos em mundos diferentes. Nossos destinos não deveriam se cruzar jamais. Ou talvez nosso encontro fosse exatamente o que o destino nos planejou.
Eu não pude ficar em paz com esta versão da história. Não seria justo com o bom homem que foi meu irmão.
James era movido a paixões. Ele não sabia não amar alguém. E foi assim com a Violet, sua mãe. Ele acreditou que o amor de ambos seria eterno. Jurou, doou, amou como jamais na vida. Eu posso afirmar com toda certeza, ele era meu irmão. Tudo o que havia na mente e no coração de James era Violet. E durante muito tempo, ele, que era ateu, falava até mesmo em se casar, caso assim ela quisesse.
Mesmo quando não estava por perto, coisa que se tornou cada vez mais frequente, pois ele gostava de passar tempo com sua amada, eu recebia suas cartas, contando-me de suas aventuras e sonhos que sonhavam juntos. Era um amor profundo como eu jamais pensei que pudesse viver com alguém.
(Descobri que estava enganado, pois amei em minha vida, mesmo que meu coração pareça oco, jamais deixei de levá-la comigo dentro dele, minha .)
Violet era uma mulher inteligente e de boa família, como você bem o sabe. Por isso, era questão de tempo até ela ir para a faculdade. Ela não poderia continuar a viver a vida que os dois levavam. Ele a esperou. Esperou por muito tempo. Bem, foram meses, mas para um jovem isso é muito. E durante todo aquele tempo, ele compunha canções e escrevia poesias, pintava quadros e dedicava-os a Violet.
Ela respondia suas cartas e, às vezes, conseguia tempo para vê-lo. Coisa que se tornou cada vez mais rara, até que ficaram apenas as cartas. E, depois, nem mesmo o escrevia mais. James esperou. “Ela está ocupada”, ele dizia. Então meu irmão soube. Ela encontrara outro namorado na faculdade.
James ficou desolado, ele jamais imaginou que algo assim pudesse acontecer. Não com sua querida e amada Violet. Ele realmente estava disposto a esperá-la terminar a faculdade. Pensou em estudar também, já que era formado em Artes Plásticas, ele pensou em fazer outro curso. “Um curso sério”, como ele chamava. Tudo para tê-la de volta.
Violet escreveu uma última carta, que foi a morte para ele. A morte em vida.
Ela dizia que não voltaria para ele. Que estava terminado, que não podia perder seu tempo. Isso o arrasou. Meu irmão já não saía mais do quarto. Não queria mais comer. Não queria mais pintar nem compor. Era triste vê-lo daquela forma. Era desolador para mim também. Eu amava meu irmão, ele era meu herói, eu queria ajudá-lo.
Desse modo, apresentei-o a Amelie. Uma grande amiga minha. Nós havíamos nos conhecido por causa de amigos. Cheguei a me interessar por ela no começo, mas ela era alguns anos mais velha. Uma jovem cheia de vida, alegrava as pessoas por onde passasse. Seu sorriso era sempre iluminado e hipnotizante. James gostaria de ser amigo dela. Em momentos ruins, precisamos de amigos bons e de bons amigos.
Ao vê-lo pela primeira vez, ela se apaixonou pelos olhos dele. Quis alegrá-lo e não desistiu, mesmo quando ele se trancava no quarto. Amelie sentava-se à porta, do lado de fora, e ficava contando histórias e lendo poesias, além de dizer coisas positivas para ele. Não demorou muito, ele começou a abrir a porta para ela, que sempre o recebia com um sorriso e o abraço mais demorado que conseguia.
Talvez fosse cedo para dizer, mas ele a amava. Ah, e como amava.
Amelie o salvou dos piores momentos e pensamentos que uma pessoa pode ter. Ela o ajudou, mostrou coisas do mundo que Violet jamais poderia mostrar. Então ela se declarou para ele. James ficou surpreso, pois, naquela mesma noite, ele havia levado anéis consigo para presenteá-la com uma promessa de amor. Os dois eram tão bonitos juntos.
Juntos, os dois pareciam poesia.
Era maravilhoso ver meu irmão voltar para casa com aquele sorriso no rosto. Ele amava Amelie mais do que amara Violet. Amelie era universitária, mas se mudara para nossa casa. Ela era incrivelmente adorável. James não poderia ser mais feliz com ninguém além dela. E eu gostava de vê-los juntos dessa forma.
Violet, por alguma razão, durante as férias, apareceu à nossa porta. Amelie atendeu. Não precisaram de muitos minutos de conversa para que ela compreendesse o que se passava ali. Minha querida amiga contou sua história de amor com James. Amelie inocentemente ofereceu o sofá, algo para beber e conversas agradáveis. Mas o olhar de ódio de Violet não abandonou seu rosto. Ela os encarou com desprezo. Tudo o que disse foi uma frase:
Sejam felizes enquanto podem. Nenhuma felicidade é verdadeira. Nenhuma felicidade pode durar para sempre.
Depois disto, Violet mandava cartas pedindo que James deixasse Amelie. Jurando que ainda o amava, que nenhuma mulher poderia fazê-lo feliz como ela. Pedia que ele se lembrasse de seus momentos juntos, de suas alegrias, de seu amor.
Meu irmão não cedeu. A felicidade com Amelie era sólida demais. E ele já não confiava mais em Violet.
Sua última carta não jurava mais amor. Jurava ódio, desejou que tudo de ruim acontecesse a eles dois. Que toda a desgraça se abatesse sobre nós.
E assim aconteceu.
Minha querida , não pense demais em minhas palavras. Hei de visitá-la ainda este mês. Me espera. Há algo a dizer, mas que não sou capaz de escrever com minha própria letra. Ainda é doloroso dentro do peito.
Não se esqueça de mim nem fique com raiva por não terminar o que preciso dizer nesta carta, por favor. Você é a melhor face deste mundo corrompido.
Até algum dia,
.”


Ele estava me contando a verdade.
Fiquei observando o papel, tentando compreender uma, duas ou três vezes o que minha mente se recusava a aceitar. Eu não precisava ir mais além naquela história. Eu não era tão estúpida, entendi bem o que havia acontecido depois disso. Eu esperei que não, esperei que o final fosse diferente. Eu não podia aceitar. Bem, ele não havia contado, então havia uma chance de não ser o que eu estava pensando.
Respirei fundo.
disse que voltaria. Eu não sabia se era uma benção ou uma maldição. Não depois de toda essa bomba jogada em minhas mãos.
Eu esperaria.
Então, após tudo isso, sanaria todas as minhas dúvidas. Eu precisava entender muito mais do que uma história do passado. Nós mesmos tínhamos algo a ser definido.

Capítulo Cinco

Até o fim da semana, meu coração ficou apreensivo. Eu não sabia quando ele chegaria. Desde sua carta na terça-feira, eu não conseguia mais relaxar. Havia algo sobre aquela ideia que me deixava mal, mas me confortava. Então eu o veria novamente. Só para vê-lo partir outra vez. Quantas vezes ele gostaria de repetir esta cena?
Eu não havia voltado ao apartamento até então, resolvi que seria uma boa hora para ver se estava tudo em ordem. Na verdade, eu gostava de como a presença dele ainda preenchia o lugar. Saí bem cedo naquele sábado chuvoso. Senti o ar faltar rapidamente por conta da ansiedade que se apoderou de mim.
A casa estava exatamente como eu havia deixado no começo da semana. Exceto pela terra na frente, que parecia remexida pelos animais que moravam no quintal dele. Continuei, degrau por degrau, então abri a porta.
O mesmo breu de sempre. Já não me era estranha a escuridão. Eu precisava abrir as janelas para que não ficasse muito úmido nem abafado ali dentro, ou o cheiro poderia ficar insuportável depois de alguns dias. Deixei os sapatos à porta e calcei os chinelos que sempre ficavam no mesmo lugar ali.
— Aqui estou novamente. — falei. — Acho que é minha sina.
Comecei a afastar a cortina da sala para poder abrir a janela, quando escutei um barulho vindo do sofá, mas estava muito escuro, então não pude enxergar. Apenas escutei.
— Talvez seja sua sina, boneca.
Minha apreensão, que fizera meu corpo ficar em alerta, sumiu, dando lugar a um sentimento estranho misturado com felicidade.
! — falei, abrindo a janela para que a luz natural pudesse me mostrar seu rosto novamente.
Ele veio até mim e eu me virei para encará-lo. Nos abraçamos. Eu havia sentido a falta dele mais do que havia imaginado. Tê-lo diante de mim era como uma visão criada pela minha mente desanimada pela saudade.
— Você está ainda mais linda. — ele comentou baixinho. — É mais jovem do que eu me lembrava.
— Só faz dois meses, . E você ainda é treze anos mais velho do que eu... — falei, rindo. Acariciei seu rosto, ele estava mais lindo do eu me lembrava. — Você também parece mais jovem.
Ele aproximou o rosto, fazendo nossos lábios se tocarem gentilmente, eu havia sentido falta de seu beijo também. Ele sabia ser delicado e paciente, eu gostava da leve carícia que sua pele fazia na minha. Logo aprofundei o beijo, sua língua, seus dentes, sua respiração descompassada. Eu precisava daquilo.
— Você precisa vir comigo. — ele disse, interrompendo o beijo.
— Para onde? Você não parece com uma cara boa...
— Eu... Preciso te contar o fim da história...
...
— Antes que seja tarde demais, ... Por favor...
Assenti com a cabeça. Eu não entendi o “tarde demais”, mas com toda certeza era urgente. Aquele não era o normal de . Coloquei os sapatos novamente. Ele estava sentado sobre o capô do Monte Carlo. Como eu não havia notado o maldito carro quando cheguei? Ele estava do outro lado, atrás das árvores. sabia como não chamar atenção.
Entramos no carro.
Deixei as janelas abertas, como de costume. O vento entrava melancólico no carro. Estava um dia frio. passou a mão pelo meu ombro, eu sorri, colocando a mão sobre sua perna. Eu havia sentido falta de seus toques também.
— Eu te amo. — falei sem pensar. — Senti sua falta esses dias...
— Eu senti sua falta todos os dias, .
— Então por que foi embora?
— Porque acreditei que não seria justo. Eu não estava com você com sentimentos puros. Ou achei que não. — ele falou. Meu rosto confuso provavelmente foi o que o fez sorrir. Ele suspirou, concentrando-se na estrada, em silêncio. — Não era apenas amor o que eu sentia. Eu vi em você resquícios de quem eu era, alguém que apenas queria se vingar. Mas te amando, eu não poderia fazer aquilo novamente, poderia?
— Do que você está falando? — perguntei.
— Mas ela estragou tudo, como sempre. Ela te contou um monte de mentiras, ela te fez acreditar na versão pura da história dela. — parecia estar falando consigo mesmo, não comigo. — Aquela mulher...
— Minha mãe. — notei de imediato. Eu não a defenderia, ainda não, queria saber mais.
— Precisamos chegar antes que seja tarde. Ela recebeu minha carta enquanto você não estava. — ele explicou. — Maldita... Ela me escreveu de volta, é claro, dizendo que eu jamais poderia expor a verdade, e que já estava tudo enterrado no passado.
— Eu recebi sua carta, ...
— Não, ela recebeu. Ela disse que estava na sua casa. Por isso enviei para a minha casa. Achei que você iria até lá, eventualmente. E você foi. Isso foi o meu alívio.
— Tudo bem, mas... O que estamos fazendo? Para onde estamos indo mesmo?
, agora você vai ouvir da própria Violet toda a verdade sobre James .

O restante da viagem seguiu silenciosa. Eu estava apreensiva, não tinha certeza se queria me envolver em tudo aquilo, mas parecia obstinado a me mostrar o fim da história. Então que assim fosse. Eu também queria o verdadeiro final de tudo aquilo.
Chegamos à casa da minha mãe, minha antiga casa, onde passei a infância e adolescência. Lugar que eu vinha visitando com certa frequência. Onde alimentei meus sonhos de conseguir namorar com meu querido professor de História. Agora ali estávamos, prontos para desvendar aquilo que ainda era um mistério para mim.
Tocamos a campainha. Esperamos alguns minutos. Nada. Minha mãe não deveria estar em casa. Era cedo, ela devia ter ido resolver algo antes do trabalho, ou mesmo ido trabalhar mais cedo para adiantar as coisas por lá.
— Você tem a chave? — ele perguntou.
Há alguns anos, a resposta seria não. Como havíamos nos aproximado ultimamente, eu tinha a chave da casa dela, que eu constantemente visitava agora. Abri a porta e entramos.
, eu sei que você quer pegá-la de surpresa, mas tenta não assustar nem intimidar, não quero que minha mãe... — interrompi o que dizia por notar que ele estava se comportando estranho.
Ele olhou rapidamente pela sala de estar, como se procurasse algo. Então subiu as escadas correndo. definitivamente estava buscando por algo. Segui-o. Ele olhou de porta em porta até entrar em um quarto cuja porta estava aberta. Era o quarto em que minha mãe dormia. Ele entrou ainda mais rápido.
Corri até lá, tentando entender o que ele buscava.
Ao entrar também, dei um grito de horror e dois passos para trás. A cena chocante diante de mim parecia irreal. Senti como se não fosse eu vendo aquilo, como se a pessoa dentro de mim estivesse desprendida do meu corpo. Eu não era mais eu.
— Mãe... — sussurrei.
Minha mãe estava deitada na cama, desacordada. O cheiro no quarto era ruim, provavelmente estava ali fazia um ou dois dias. Senti minhas forças se esvaírem e precisei encostar na parede. veio até mim, igualmente perplexo, mas tentando me amparar.
— Ela... Ela foi capaz de... — ele começou a dizer, mas logo fechou a cara, sem compreender a cena direito. Ou aceitar o que via.
Fui até ela. Havia uma carta sobre o criado-mudo, mas o que me chamou a atenção foi o bilhete sobre a cama escrito na letra dela.

“Agora seremos um. Para o meu eterno amor. Da sempre sua.”


Senti as lágrimas escorrerem pelos olhos, então vi o vidro de remédio para dormir, ainda com alguns poucos comprimidos ao fundo. Overdose, concluí mentalmente.
Sua carta sobre o móvel fora perfumada. Ela pensava nos pequenos detalhes desde sempre. e eu descemos até a sala de estar, antes de chamarmos uma ambulância, resolvemos ler o que ela havia dito.

“Querida ,
Eu sei que este homem está ao seu lado agora, ouvindo minhas palavras. Sei também tudo o que ele te contou. Sim, eu sei. Eu mesma queimei as cartas dele. Eu quis evitar de todo modo que ele pudesse chegar até você.
Mas falhei.
Não vou mais desmentir nada. Ele nunca mentiu, na verdade. Tudo ocorreu exatamente deste modo. Eu não podia mais ver meu amado James com aquela maldita. Eu sabia que havia um risco de ele comer também, mas tive a esperança de que não. De que ele não seria tão tolo por ela. Mas os dois provavelmente dividiram os chocolates na traseira do Monte Carlo que eu tanto amava. O pensamento me machucou por anos. Mas agora posso ficar em paz.
Querida... Eu te amo mais do que tudo. Nunca quis que nada fosse dessa forma. Eu esperava ser uma boa mãe. E realmente acreditei que poderíamos recuperar tudo o que havíamos perdido, não fosse a presença desse maldito.
foi o maior causador disso tudo. Não fosse por ele, Amelie nunca teria cruzado o caminho de James. Nós duas nunca teríamos nos separado enquanto você buscava por ele. Eu nunca teria precisado dar um fim a tudo isso.
Deixarei outra carta mais formal e detalhada sobre a cômoda do seu antigo quarto. Nesta aqui, evitei formalidades, eu só queria expressar minha profunda tristeza. Eu não queria ter que fazer isso. Mas não havia escolha, havia?
Espero que um dia me perdoe. Espero que James me perdoe. E que possamos viver nosso amor em algum outro lugar.
Eu te amo mais do que tudo, minha querida .
Desculpe por não ser uma carta profundamente emocional, mas isso nunca foi do meu feitio, como você mesma bem sabe. Não sou mulher de pieguices. Mas ainda assim, queria que se lembrasse de mim como sua querida mãe, não como o monstro que posso parecer agora. Até algum dia.
Com amor,
Violet.


Olhei para a carta durante algum momento. Então encarei . Eu esperei por um final diferente. Mas era isso. Senti uma lágrima rolar involuntariamente pelo meu rosto.
— Minha mãe envenenou o homem que amava...? — perguntei, mais afirmando do que perguntando mesmo.
— Sim, . Violet envenenou James.
Não consegui fazer nada além de jogar a cabeça para trás e encostar no sofá, respirando fundo. Aquele era o final de tantas coisas. O final da história. O final de James e Amelie. O final de Violet, minha mãe.
— E o que faremos agora? Esperar pela polícia e é só? O que é esse vazio dentro de mim?
— Isso, minha cara — ele começou, repetindo minha pose, recostando-se no sofá — se chama verdade. Saber a verdade nem sempre é confortável. — Ele fez silêncio durante alguns minutos. — Eu não comi os bombons porque estava me tratando de uma doença. Precisava me alimentar bem e precisava tomar remédios. Lembro-me de James oferecendo alguns, mas eu recusei. Lembro-me de como cheguei a cogitar aceitar um. “Só um não vai me fazer mal.” Mas Amelie disse que não era uma boa ideia, então meu irmão concordou.
Olhei-o impressionada. Por uma loucura de minha mãe, duas pessoas estavam mortas e quase não sobrevivera para contar toda a verdade. A história de James e Amelie só chegara até mim, só chegara até mim por pura sorte e força do destino.
— Eu vi tudo acontecer na minha frente. Eu sabia que havia sido ela. Violet, sua mãe, era a única pessoa que comprava aquela marca importada de chocolates. Mas meu irmão era bobo, nunca notou aquele detalhe. Eu mesmo não percebi. Mas depois pesquisei e recolhi informações daquele chocolate. A loja de onde viera, a pessoa que adquiriu a caixa. Mas era tarde demais, meu irmão não voltaria.
— Sua maior vingança foi ficar com a filha dela. — comentei com triste ironia.
— Era para ser uma vingança... Mas eu não tive coragem. Você era minha aluna. Uma jovem... Eu não tinha esse direito... Eu não consegui fazer isso com você. Você era uma pessoa boa demais para fazer parte disso.
— Acabou...?
Senti as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, não consegui controlar. me abraçou. Seus braços fortes me envolveram e me fizeram sentir melhor, mais confortável dentro de toda a bagunça que ainda havia a ser arrumada.
Mãe, eu vou sentir sua falta. Com todo o seu jeito rígido. Com seus erros. Talvez fosse o momento errado. A coisa errada. Talvez tenha terminado do jeito que precisava terminar. Talvez fosse exatamente esse o seu destino. Por favor, não peça que eu compreenda. Não posso entender como foi capaz. E como nunca foi óbvio o seu passado. Não sei se será possível esquecer o que eu descobri, mas certamente deixarei bem longe de meus pensamentos o máximo que eu puder. Espero que tudo seja diferente agora. Espero que se arrependa de seus erros.
Espero que encontre a paz.

Então tudo voltaria ao normal. Ou assim eu esperava.

E eu observei o pôr-do-sol, esperando por , que não havia voltado para a escola. Eu estava prestes a me formar. Em apenas dois dias. Queria poder compartilhar com esse final ou algum outro final. Eu ainda esperaria.
Todos os dias, confesso, eu voltei. Eu gostava do lugar e da paz que me trazia. Com o tempo, eu parei de esperar por ele ali. Eu comecei a apenas apreciar sua presença e nossas lembranças naquele jardim tão bonito. Eu sabia que o mundo era grande, mas não grande demais para alguém como eu.
Nós nos encontraríamos no final, eu sabia.


O enterro da minha mãe foi discreto. Não quis prolongar mais o luto. Ela ainda era a minha mãe.
Decidi deixar aquele segredo entre e eu. Nós seríamos fortes o bastante para carregá-lo. Talvez um dia virasse uma história de ficção publicada em algum lugar. Talvez um dia alguém mais ouvisse nossa história.
Agora, tudo o que queríamos era viver juntos, sem medos, vinganças nem coisas sem sentido. Porque era isso o que eu sentia que faltava: algum sentido em nossas ações. Finalmente poderíamos nos dar isso também.
Finalmente poderíamos ser fugitivos.
Mas não um do outro.
Agora poderíamos fugir juntos do mundo.
Nós contra o mundo, o mundo contra nós. Esse seria o maior casal da história de que ninguém jamais ouviria falar, talvez não completamente. Apenas aqueles que pudessem nos acompanhar nas estradas. Em nosso Monte Carlo. Sem partidas eternas. Sem fugas sem sentido.
Apenas ele e eu.

Capítulo Seis

Enquanto o carro acelerava, eu dei um sorriso para . Finalmente livres do mundo. Abri a janela e, aproveitando que a estrada estava vazia, coloquei o corpo para fora, cantando bem alto a música que tocava dentro do veículo. ficava ainda mais lindo no banco do motorista. Ele fumava um cigarro, gargalhando e soltando a fumaça eventualmente.
— Para onde vamos agora? Que tal Califórnia? Dizem que é bem agradável nessa época do ano. — sugeri. — Acho que seria uma opção maravilhosa.
— Eu acho uma ótima ideia, mas antes... Que tal apenas dirigirmos por aí?
— Vamos parar em algum hotel barato, tirar fotos dentro do quarto, dar uma festinha a dois. Tenho saudades de fazer isso.
— Garota... — ele disse, sorrindo de lado. — Minha .

Ele nunca me deixaria, eu sabia. Todo o tempo que esperamos compensou. Agora finalmente poderíamos viver o que queríamos viver. Ele não precisava ir embora, não mais. E, se fosse, eu o encontraria. Mas ele não iria. Eu sabia disso.
Paramos em uma autoestrada. O sol estava lindo no céu. Corremos pela lateral, até um lugar de onde era possível observar o céu. Deixamos a música ainda mais alta. Nos feriados, a estrada ficava vazia.
Ele me abraçou pela cintura e começamos a dançar passos inventados, gargalhando e trocando olhares profundos. Era tudo de que precisávamos. Um do outro. O mundo. A estrada. Tínhamos interesses em comum, eu não estava errada. Iríamos juntos, ninguém ficaria para trás mais.
Criamos novas lembranças. Em todos os lugares onde pudemos estar. Tempo é relativo, e eu quase acreditei que ele poderia parar para nós dois toda vez que estávamos juntos. Nos viramos muito bem daquela forma. Voltávamos para casa.
Até que eu decidi que era hora de nos mudarmos.
Deitada na enorme cama, de volta à minha casa, eu o abracei sob o edredom macio. A sensação de lar que ele me causava era ainda melhor. Estar com ele ali era bem melhor do que estar sozinha.
— Que tal morarmos na sua antiga casa, ? — perguntei. — Onde tudo começou.
— Tenho uma ideia melhor — ele respondeu. — Há outra casa na história. A minha casa. A que eu comprei assim que me formei.
— Vou adorar conhecer. — respondi, acariciando seu rosto e beijando suavemente os lábios do meu .

Com os olhos fechados, ele me guiou para fora do Monte Carlo. Viramos para a direita enquanto ele me guiava. Eu sentia seu braço ao redor do meu ombro.
— Estamos chegando, minha . Acho que você vai gostar daqui. — ele sussurrou.
Continuamos a caminhar, agora mais lentamente. Eu ouvia os pássaros cantando e o vento beijando minha pele, além da agradável temperatura de calor. Eu sentia que gostaria dali. parecia ainda mais animado.
Mais alguns passos e paramos, ele me virou de frente para onde imaginei que estivesse a casa. Então retirou a venda.
Era uma linda casa amarela com um telhado gracioso. Parecia uma casa de bonecas, mas sem o tom infantil, é claro. Era perfeita.
— Vem comigo. — ele falou, me guiando pela mão.
Seguimos pela lateral do lindo quintal com um jardim florido. Era tão bonita que nem parecia de verdade, nem parecia nossa. Senti que estava sonhando, então respirei fundo, aquela era realmente a realidade, o aperto da mão dele na minha me lembrava disto a todo momento, a cada passo que dávamos para os fundos da casa.
Ao chegarmos, vi que, atrás da casa, era uma espécie de “colina”, um lindo gramado e, ao fundo, completando aquela linda paisagem, aquilo que nos era tão querido.
Deitamos e, juntos, em nossa nova realidade, ficamos a assistir o pôr do sol, como nos velhos tempos. Daquela forma, eu sabia que era real. Bem, talvez fosse um sonho, ou devaneio. Ou nenhum de nós dois fosse real.
Eu estava enganada.
Aquela era a realidade que havíamos construído para nós dois, não foi fácil, mas se tornou ainda mais verdadeiro.
Apenas ele e eu.
Então o fitei.
— A distância nunca foi um problema, porque, no final, eu tenho você — falei.
sorriu, da maneira como sempre fazia quando concordava comigo.
E, desta vez, eu estava certa.
Para sempre.



Fim.



Nota da autora: Para quem não me conhece, prazer, sou a autora que odeia matar personagens. E adoro finais felizes também. Desculpa, gente! xD Eu fiquei tão triste em matar Amelie e James, pensei até em escrever uma história-trapaça em que eles não morreriam com o veneno, só que Violet pensaria que sim, só para poder continuar a história deles. Meu Deus, e odeio a morte, matar personagens é algo que eu detesto fazer, principalmente quando estes são do bem. Matar JaMelie (James e Amelie hahahaha) foi uma dor horrível.
Eu sei, principalmente no começo da fic, eu misturei fatos do presente com narrações do passado. Optei por esta construção para dar a sensação de que as lembranças e o presente estavam sempre se misturando na cabeça da pp, como se ela estivesse contando a um amigo também (no caso, você que está lendo hehe). Tentei criar uma metáfora em cima da música, mas não sei se funcionou muito bem. xD
Espero que tenham gostado. Tentei fazer jus a esse musicão da porra da querida Riri. Beijos e vejo vocês por aí! ;D





Outras Fanfics:
02. James Joint (Ficstape)
06. Down & Dirty (Ficstape)
Princípios de Outrem (Outros/Restrita/Em Andamento)
Seus Lados Opostos (Femslash/Em Andamento)



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