Capítulo 1
Eu não deveria me lembrar de null.
A lógica era simples: uma sessão, algumas horas sob a máquina, e todas as lembranças seriam apagadas como se nunca tivessem existido. Era para ser um alívio, um recomeço. Mas então, na primeira noite após o procedimento, sonhei com ele.
No sonho, estávamos em nosso apartamento, embalados pela luz dourada do pôr do sol. null ria de algo que eu disse, aquele riso torto, sempre um pouco mais alto do que deveria. Sua mão segurava a minha, quente, real. Mas então algo mudou. O sorriso dele vacilou, e seus olhos me encararam com uma intensidade que gelou minha espinha.
— null – ele disse, e a voz dele ecoou como um chamado distante.
Acordei ofegante, o coração martelando contra o peito. O nome dele ainda pairava no ar da minha mente, como um sussurro insistente.
Isso não era possível.
Levantei da cama e fui até o espelho, observando meu reflexo pálido sob a luz fria do quarto. O procedimento não falha. Trabalhei anos neste laboratório, desenvolvendo a tecnologia que apaga dores indesejadas. Fiz questão de assinar os papéis, de seguir cada protocolo. Mas então, por que null ainda estava lá, enterrado nos cantos da minha consciência?
E, pior ainda… por que eu sentia que ele estava tentando me dizer algo?
A segunda noite foi diferente. Desta vez, o sonho veio de uma forma mais intensa, mais vívida. null estava na cozinha, preparando algo que eu não conseguia identificar. O som de uma panela sendo mexida, o cheiro que nunca se fazia presente quando ele estava realmente lá, mas que naquele instante era inconfundível. Eu podia sentir até o calor da sua presença.
— Você ainda está aqui. – disse ele, sem virar para me olhar. As palavras saíram de sua boca com uma serenidade desconcertante.
— Eu... eu apaguei tudo! – respondi, sem entender por que ainda o via ali. Minha voz tremia, e, por um momento, a sensação de que não estávamos em um sonho me envolveu. Era como se ele estivesse realmente ali, no lugar onde, de fato, nunca deveria estar.
null se virou, com os olhos iluminados pela luz suave da manhã que entrava pela janela. Ele sorria, mas algo estava errado. Seu sorriso era quase como um aviso.
— Você fez isso, null. Apagou tudo. Mas não pode apagar o que foi real. – disse ele. – A memória não vai embora. Nunca vai.
Acordei novamente, dessa vez com o rosto molhado de lágrimas. O quarto estava silencioso, mas a sensação de que ele ainda estava ali, ao meu lado, persistia. Eu sabia o que o laboratório me dizia. O procedimento era definitivo. Mas a mente, ao que parece, não obedece com tanta facilidade. Algo estava resistindo, como se as memórias tivessem uma força própria, querendo se agarrar a mim.
Quando olhei para o relógio, o tempo parecia distorcido, como se eu tivesse dormido por apenas minutos, mas ao mesmo tempo tivesse passado horas. A sensação de desorientação me invadiu. Eu não sabia mais em quem confiar — no laboratório, que me garantia que minhas memórias estavam "limpas", ou nas memórias que continuavam a se infiltrar no meu inconsciente, cada vez mais fortes.
Parte 3 - Memórias Profundas
Na terceira noite, eu estava em um jardim muito bonito O cheiro do pólen das flores preenchia minhas narinas, me fazendo inspirar cada vez mais forte. Eu sempre amei flores, facilmente montaria um jardim na minha casa, se pudesse.
Ergui a cabeça e olhei a multidão que estava ali, como se também estivesse admirando a paisagem e ali estava ele. null. Se destacando no meio da multidão com seus olhos azuis e seus quase dois metros de altura, chamando atenção para si.
Eu não conseguia desviar o olhar. Era como se meus olhos fossem atraídos por ele. Que besteira, eu sempre fora atraída por ele inteiro.
Seus passos eram tão rápidos que, antes que eu pudesse ter alguma ação, ele está parado à minha frente, com seu lindo sorriso de lado.
— null.
— null…
— Por quê?
— O quê?
— Por que quer apagar nossas memórias, null?
— Eu preciso, null.
— Por quê? – ele pergunta novamente.
— É necessário.
— Por quê?
— Quero esquecer você para sempre.
Acordei — mais uma vez — assustada. Estava cada vez mais real, mas vivo. Como isso é possível?
Parte 04 - Revelações
A quarta noite. Eu já não estava sendo pega de surpresa. Eu sabia o que iria acontecer, então apenas respirei fundo e abri os olhos.
Era um parque de diversões. Não um parque qualquer, mas a Disney em Paris, nossa primeira viagem como um casal.
Abaixei a cabeça, olhando para o que eu estava vestindo. Franzi o cenho. Não acho que era esse vestido que eu usava. Lembro bem que usava um vestido branco com pequenas flores vermelhas, uma sapatilha da mesma cor que o vestido.
No sonho eu vestia um vestido lavando de poá branco e um allstar branco de cano médio.
Se eu pudesse ter escolhido esse look na época, com certeza teria feito. Era lindíssimo.
Levantei os olhos e soltei um suspiro. null era o homem mais lindo que eu já vira. Ele estava vestindo uma camisa social branca, com as mangas dobradas até o antebraço, uma calça jeans e vans.
“Meu Deus, como ele é lindo!”, foi o que consegui pensar ao vê-lo aqui.
O homem deixou uma risada frouxa escapar pelos lábios e minha reação foi arquear uma sobrancelha em resposta.
— Você pensou alto, null. – ele disse, risonho. Senti as maçãs do meu rosto esquentar e eu sabia que estava tão vermelha quanto um tomate. – Você fica adorável quando está envergonhada, sabia? Seu rosto fica vermelho, destacando suas sardas. – soltei um suspiro.
Não aguentava mais encontrá-lo todas as noites. Já estava sendo bastante difícil com meus pensamentos pairando sobre ele durante o dia, também tinha que vê-lo em meus sonhos?
— Por que você não vai embora, null?
— Não entendi, null. Estou do outro lado do mundo agora.
— Não. Você está aqui na minha frente, porque não vai embora dos meus pensamentos, sonhos e coração?
— Não posso fazer nada a respeito.
— Pode, sim! Pode deixar com que eu te apague das minhas memórias e toda essa dor, essa saudade, esse sentimento possa sair de vez! Mas você sempre dificulta, não é mesmo?
— Calma, null! Eu não estou aqui. É só um sonho.
— Calma nada, null! Você não acha que já destruiu minha vida? Por que insiste em ficar?
— null, não é bem…
— NÃO ME CHAMA ASSIM! VOCÊ NÃO TEM O DIREITO! – esbravejei.
— Por favor…
— Eu não quero mais ter nenhuma lembrança de você, entendeu? Você foi embora! Foi você que terminou e me deixou, como se eu fosse um nada, lembra? Eu odeio você! Quero que você suma de vez!
Abri os olhos. Suor escorria da minha testa, juntamente com lágrimas que jorravam dos meus olhos. Não acredito que eu estava chorando. Não acredito que null me fez chorar através de um sonho.
Parte 5 - Terceira Lei de Newton: Toda Ação Gera Uma Reação
Tenho duas escolhas. Foi isso que o dr. Charles Smith falara há pouco mais de meia hora.
Desde que eu havia tentado sozinha — e sem sucesso — apagar minhas memórias com null, eu sentia dores de cabeça constantes. Todos os dias desde então. Acho que sou eu lutando contra a IA, que eu instalara para apagar minhas memórias.
O tique-taque do relógio da sala gélida estava no mesmo compasso que os latejos que minha cabeça dava e procurei um remédio para aliviar.
Eu tinha que tomar uma decisão. Mas será que eu estava preparada, seja qual for ela?
Dr. Smith foi direto ao ponto, dizendo que eu não deveria ter feito o procedimento sem ajuda, principalmente sem a ajuda dele.
Também disse que eu precisava pensar, pois essas dores de cabeça só iriam aumentar a cada dia, ao ponto que eu pediria a morte e não é isso que quero. Ou talvez seja?
Enfim, ele foi claro: ou iria me dar um choque neural de eletrodos e as memórias ficariam límpidas e sem dores de cabeça ou iria reinstalar a IA de forma correta e com ele no comando. Mas essa segunda opção era pra valer. Eu não poderia voltar atrás. Iria esquecer tudo que eu vivi na parte sentimental, incluindo outros relacionamentos. Porém, esses outros não faziam diferença, poderiam ser exterminados para todo sempre.
Mas será que eu realmente queria esquecer null? O grande amor da minha vida?
Parte 6 - Memórias Quebradas
Respirei fundo. Não queria abrir os olhos e ver null mais uma vez. Não queria ouvir sua voz e nem sentir o calor de seu corpo próximo ao meu.
Mas assim eu fiz. Abri os olhos. Estava um pouco escuro, porém eu conhecia bem o lugar. Era o apartamento de null, na Inglaterra.
Ouvi passos e me preparei para vê-lo e para ser confrontada por ele mais uma vez, para que eu não apagasse nossas memórias, porque elas fazem parte de quem somos. Já até estava me acostumando com isso.
Contudo, junto com os passos, ouvi vozes. Uma masculina e uma feminina. Claramente a voz masculina era de null e a feminina era… Minha?
Pisquei confusa e continuei parada, ouvindo as vozes ficando ainda mais altas.
null e eu — era estranho me ver desse jeito — estávamos discutindo. Parei para analisar os dois ali, quer dizer, nós ali. Então, minhas pernas falharam e eu entendi o que era aquele sonho.
Senti o baque dos meus joelhos contra o carpete preto da sala de estar e não fiz nenhum movimento para levantar, apenas continuei ali, esperando as palavras que tanto martelavam minha mente há semanas.
— Eu não te amo mais, null. — O quê?! — exclamei. Eu já sabia o que viria a seguir. Quis fechar os olhos, mas eu precisava ver.
— É isso que você ouviu, null. Eu não te amo mais.
— Do nada isso? Como pode?
— Não foi do nada… Aconteceu.
— Não, não. Não é simplesmente “aconteceu”.
— Às vezes, é sim, null. — minha expressão dizia tudo. Naquele momento, eu havia entendido o que “aconteceu”.
— Você se apaixonou, não foi?
— null…
— Seja sincero, caralho! Melhor do que inventar historinha. Não sou criança, null! – esbravejei. null baixou a cabeça e ouvi-o soluçar.
— Não sei como explicar.
— Então, é verdade? Quem é?
— Você não conhece. Desculpa, null.
— Não me chama assim, porra! Você estragou tudo. Como pode trocar a gente por algo passageiro?
— Não é passageiro.
— Como você sabe que não? Nós estamos juntos há quatro anos!
— Eu estou com ela há quase dois anos. – minha expressão era de espanto. Não conseguia ver mais. Aquela cena estava me deixando enojada.
— O QUÊ!? Você tem me traído há dois anos?
— Desculpa, null. Aconteceu. Começou pequeno, apenas flertes. Então, começamos a sair. Você mora no outro lado do mundo e eu estava me sentindo sozinho, ela também… só que quando percebi, estar com você era apenas conveniência e com ela é paixão, é fogo, é amor. E disso gerou um bebê.
— Você engravidou outra?
— Mais uma vez, peço desculpas. Espero que você seja tão feliz quanto eu estou sendo.
— Você só pode estar de brincadeira. Me diz que é uma de suas piadas!
— null, é melhor você ir embora.
Acordei. Eu chorava como uma criança. Chorava por todos esses meses que eu não derramara uma lágrima. Chorei porque eu não deveria amá-lo ainda mais do que eu o amei antes. Chorei porque ele não merecia meu amor e muito menos minhas lágrimas. Chorei até perder minhas forças e não sair mais uma gota de lágrima.
Lavei meu rosto. A decisão estava tomada.
Parte Final - O Apagamento Completo
O laboratório estava em silêncio absoluto, exceto pelo som suave dos monitores ao fundo, que continuavam emitindo suas luzes azuis e verdes. null estava deitada na maca, os olhos fechados, a mente prestes a ser apagada. Ela tinha feito essa escolha, tomado a decisão de deletar todas as memórias de null. Sua razão? A dor, a saudade, a agonia constante de lembranças que a consumiam. Ela queria paz, uma vida sem o peso de um amor perdido.
O processo começou, e ela foi lentamente submersa na escuridão, como se estivesse afundando em um vazio sem fim. As memórias de null, fragmentadas e caóticas, começaram a desaparecer, uma por uma. Ela sentiu sua mente sendo apagada, uma sensação fria e distante, mas também libertadora. A última coisa que passou pela sua cabeça foi o desejo de que tudo aquilo finalmente tivesse um fim.
No entanto, quando null acordou, algo não estava certo. O laboratório estava vazio, e ela estava sozinha, de volta ao seu apartamento. O silêncio era opressor. Ela tentou se concentrar, mas as lembranças de null pareciam resistir ao apagamento. Algo dentro dela ainda se ressentia da ausência dele, uma sensação de perda que não podia ser explicada. Mesmo sem saber exatamente o que era, ela sentia que ele ainda estava ali, de alguma forma.
null tentou se convencer de que estava tudo bem. Ela começou a sair com outras pessoas, tentando preencher o vazio com novas experiências. Mas a sensação de ausência não ia embora. Cada novo rosto que surgia em sua vida parecia uma tentativa fracassada de substituir o que ela já havia perdido. E em cada momento, mesmo ao lado de outras pessoas, a lembrança de null parecia surgir, como uma sombra que nunca se afastava.
Era como se uma parte dela estivesse faltando, um pedaço irremediável que não podia ser recuperado. Ela sabia que tentara seguir em frente, mas algo a impedia. null não estava mais presente em suas memórias conscientes, mas de alguma forma, ele ainda ocupava um lugar profundo dentro dela.
Numa noite silenciosa, null sentou-se sozinha em sua varanda, olhando para as estrelas. Ela tinha apagado todas as memórias. Ela não lembrava dos beijos, das conversas, dos planos feitos. Mas sentia a saudade, como um buraco em seu peito. E, mais do que isso, ela sentia que aquela ausência não poderia ser preenchida por ninguém. Mesmo com o tempo, ninguém mais seria capaz de ocupar o espaço que null deixou, porque, por mais que ela tentasse esquecer, ele sempre estaria ali, como uma parte eterna de quem ela era.
As memórias desapareceram, mas o amor que ela sentia por null nunca se foi.
Fim...
Nota da autora: Mais uma fanfic no ar, espero que gostem!
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Feche a Porta
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