Capítulo Único
Listen, honey, to every word I say
I know that you don't trust me
But I'm better than the stories about me
A professora apoiou delicadamente a folha, com a parte impressa para baixo, em cima da minha mesa e me olhou como quem pedia desculpas. Logo eu soube o que viria pela frente. Desvirei e imaginei um palavrão. Outra nota baixa.
— Merda — eu murmurei baixinho, passando a mão pelos meus cabelos curtos.
A prova mais importante do ano e lá estava meu D+ muito bem exposto, em caneta tinteiro vermelha. Eu precisava de pelo menos um B- pra passar direto e, apesar de ter estudado durante todo o fim de semana, eu simplesmente não conseguia entender por que a Alemanha fora comandada por Hitler por tantos anos. Agora, eu provavelmente só entenderia no ano seguinte. Já podia me imaginar andando pelos corredores do colégio de novo, e todos me olhando por ser o garoto que reprovou em História Geral. E, fala sério, quem reprova em História Geral?
Era meu último ano em Horton High, ou eu esperava que fosse. Afinal, minha vaga no IIT esperava por mim. A carta tinha chegado há algumas semanas, e eu estava radiante desde então. Quem não estaria, afinal? Eu tinha conseguido uma bolsa pequena graças aos projetos da aula de astronomia e cálculo avançado e às minhas boas notas em Matemática e Física. Além disso, o lacrosse me ajudou um bocado, eu não podia negar. Eu era bom. Nisso e em cálculos. Números eram a minha paixão. Palavras e acontecimentos históricos nunca foram meu ponto forte.
— Provas entregues, turma. Boas férias, pessoal. — disse a professora, liberando a classe poucos minutos antes do sinal tocar, indicando a hora do almoço. Com pressa, eu me juntei à massa de pessoas que saía, mas, ao me ver, a professora disse meu nome em alto e bom som, em um tom cheio de preocupação e piedade, o qual eu não consegui ignorar. Parei em frente à sua mesa enquanto todos passavam e fingi chutar algo no chão enquanto ela aparentemente esperava todos deixarem a sala. Quando isso aconteceu e o último “boas férias, professora” foi ouvido ainda na sala, a senhorita Martin sentou-se e lançou a mim um olhar maternal.
— Um D+. — ela começou.
— Eu precisava de um B-. Eu sei. Estudei durante todo o fim de semana. Faltei o churrasco da turma e a dois dos treinos extras de lacrosse. Nem a academia eu fui. Eu não consigo.
— Não diga que não consegue. Talvez ainda não tenha encontrado sua melhor forma de estudar.
— Bem, talvez seja melhor eu descobrir logo. Vou ter que fazer tudo isso de novo no ano que vem. Eu repeti. Precisava desse B-. Agora já era.
— Eu conversei com o diretor sobre suas notas. Estou preocupada, . É óbvio que estamos muito orgulhosos com sua conquista no IIT e com seu desempenho no lacrosse. Nem todos conseguem, nem todos têm habilidade. Você sabe disso.
Eu suspirei e pensei comigo mesmo: é uma pena que não estarei lá no outono, então. Pelo menos continuarei defendendo o time na próxima temporada.
— E nós pensamos em te dar uma última chance. Uma prova final. Uma nova. Totalmente substitutiva. Com todos os conteúdos do ano.
Meus olhos se iluminaram. Essa professora era realmente uma santa. Aquela era a minha chance! Não dava para perder uma coisa assim!
— No entanto...
Nada pode ser tão perfeito, não é mesmo?
— Nós também pensamos que você pode precisar de ajuda. Pode ser que talvez essa seja a sua maneira de estudar. Uma das minhas melhores alunas concordou em ajudar, a meu pedido. Vocês terão o verão todo pela frente, mas ela sugeriu que vocês começassem logo. Hoje logo após a última aula é a sugestão dela. Se lhe convier, é claro. Nós só queremos te ajudar, .
— Onde posso encontrá-la? — eu perguntei, sorrindo.
Tempos difíceis requerem medidas desesperadas.
*
O último sinal bateu e eu finalmente me livrei da aula de francês, da qual eu já estava passado, basicamente porque colei em todas as provas, e a qual eu realmente não sabia por que ainda estava assistindo, talvez por desencargo de consciência. Eu estava quase pegando no sono, com a cabeça escorada contra a parede, e Andrew, meu melhor amigo, praticamente babava na carteira ao meu lado.
— Vai para a academia agora? — ele perguntou, jogando a mochila nas costas e bocejando de novo, pela quinta vez em minutos.
— Aula de história. Academia fica para quando eu finalmente passar de ano e minha vaga na faculdade estiver garantida. — eu dei de ombros.
— Você é um filho da puta sortudo para caramba por ter conseguido essa chance. Eu precisava de algo assim para Química. Preciso de um C+ pra passar — ele disse, passando a mão pelos cabelos.
— Eu já te falei mil vezes que eu só não te ajudo porque você é um idiota orgulhoso e não aceita.
— Não preciso de ajuda. Preciso estudar, isso sim.
— E o que falta pra você fazer isso?
— Vontade. — ele disse, completamente indiferente, e eu soltei uma gargalhada.
*
A biblioteca, lugar marcado para as aulas, estava vazia quando eu cheguei, faltando quinze minutos para o horário marcado com a garota. Segundo a professora, seu nome era e estava no segundo ano, mas já frequentava aulas avançadas de História e Literatura. Escolhi uma mesa qualquer, sentei-me e abri a mochila, tirando de lá a prova e o livro de História. Peguei meu celular e apertei qualquer botão, com o intuito de olhar o relógio, mas acabei me distraindo olhando a tela de bloqueio. Minha mãe tinha tirado aquela foto algumas semanas antes, ao final do jogo que nos classificou para final da temporada. Era todo o time, reunido, e nós todos estávamos uniformizados, sorrindo com a vitória conquistada. Tudo que eu conseguia sentir naquele momento era felicidade.
Eu jogava no time de lacrosse desde o primeiro ano. Era o goleiro titular e amava aquilo de todo o meu coração. Não conseguia me imaginar longe do campo. Além disso, meus primeiros amigos em Horton High foram graças ao time e às líderes de torcida. Fui às minhas primeiras festas, beijei a primeira garota, tudo graças ao lacrosse. Era mais do que só uma posição para mim, diferente do que era para alguns dos garotos do time. Éramos populares, claro, sempre fazíamos festas e coisas do tipo, mas eu sabia que muita gente continuava no time pela jaqueta e a badalação. Não era o meu caso.
Desbloqueei o celular e escolhi uma música qualquer, colocando os fones já plugados ao celular e abrindo o livro de história na primeira página, suspirando, aliviado pela segunda chance que ganhei.
— Então, você é o famoso . — uma voz, que eu não sabia se era muito baixa ou se estava abafada pelo som alto saindo dos meus fones, disse ao meu lado. Ao desviar o olhar, pude ver uma garota com um sorrisinho de lado, carregando um fichário colorido nos braços junto com um livro de História igual ao meu, e outro diferente.
— E você, a , quem vai salvar minha vaga na faculdade? — eu disse, com um sorriso.
— Prometo me esforçar ao máximo. — ela falou, com o mesmo sorriso de lado.
era uma garota baixinha, de cabelos na altura do meio das costas. Olhos brilhantes e de um bem vivo. Parecia ser a queridinha de todos os professores, apesar da cara meio torta com a qual me olhou.
— B-, então? — ela disse, se sentando enquanto citava a nota que eu precisava.
— Infelizmente. Era muito para prova final, não é?
— Acontece bastante. As pessoas não costumam valorizar matérias como História, Literatura e Inglês. Importam-se mais com Química, Biologia e Matemática. Talvez seja esse o seu caso.
— Não é. Eu realmente não sei História. Não gosto. Não consigo.
— Não achei que existisse a expressão “não consigo” no vocabulário de jogadores em geral.
— Existe no meu quando se trata de História. Nunca atinjo meus objetivos, mesmo me dedicando ao máximo.
— Dedicando ao máximo mesmo? — ela questionou como se desdenhasse meu esforço.
— Me dedicando ao máximo — eu repeti. — Eu sei que existe esse estereótipo, . De que todo atleta não liga para escola, e que só quer festa e tudo. Fique sabendo que esse estereótipo não se aplica a mim. Eu não sou o que dizem sobre mim.
— Sei. — ela disse, ainda com a mesma voz de desdém. — Vamos logo, dedicado, vamos começar.
Aquele seria um LONGO verão.
Baby girl with the broken smile
Would you mind if I stayed awhile?
And if you're cold I could light your fire
If that's what you want, if that's what you want
era uma ótima professora. Em algumas semanas, acabamos com a primeira parte dos assuntos, e eu recebi uma mini provinha. Me saí melhor do que o esperado, recebendo um B+ como resultado. Ela pareceu satisfeita com a nota, e depois disso pareceu confiar mais em mim e na minha dedicação.
Nosso tema seguinte era Primeira Guerra Mundial, e eu temia, já pensando no teste seguinte. Ao mesmo tempo, continuava me explicando, mexendo os braços freneticamente e com um sorriso no rosto sempre. Como ela conseguia tornar tudo tão mais simples e compreensível?
Ela era definitivamente uma das pessoas mais inteligentes que eu já tinha conhecido. Sabia um pouco sobre tudo, desde conhecimentos básicos de Física Moderna e Astronomia, até curiosidades, peculiaridades e teorias dentro da História e da Literatura. Lembrava-se de tudo com muita facilidade. Sabia um porquê para tudo e tinha me explicado várias de suas técnicas de memorização, as quais eu já estava usando.
— Então, a Europa queria expandir seus domínios, buscando novos mercados consumidores e produtores de matéria-prima por meio da política do Imperialismo. Lembra-se disso, te expliquei na semana passada.
— Um país dominando o outro economicamente, e investimento de capital em outros países. Certo? — eu disse, puxando da memória.
Ela abriu o maior sorriso que eu já tinha a visto dar.
— Certo. O Imperialismo então estava provocando descontentamento em inúmeros países, como Itália e Alemanha, que não participaram da partilha da África e da Ásia, por causa das...
— Dos processos de unificação — eu respondi baixinho enquanto fazia a anotação da última informação que ela tinha dito.
— Exatamente. Você estudou mais sobre isso em casa?
— Posso ter assistido a uma vídeo aula, ou duas, ou seis.
Ela deu uma risadinha, e eu ri também.
— Continuando. Além disso, a França também já estava irada com a Alemanha, que, durante a Guerra Franco Prussiana, perdeu o território...
— Da Alsácia Lorena — eu respondi baixinho de novo.
Ela sorriu de novo e me lançou um desafio:
— Que tal você me explicar, agora?
Eu olhei para ela com cara de “você só pode estar brincando”. Ela provavelmente leu meus pensamentos, porque riu e disse:
— Vamos, tente.
— Tudo bem. A Alsácia Lorena era um território rico e uma grande perda para França. Isso causou um sentimento de revanchismo nos franceses.
— Alguém andou estudando em casa!
— Nada que seis vídeo aulas não te façam aprender.
— E o que mais? — ela apoiou os cotovelos sobre a mesa e o queixo sobre as mãos abertas.
— Não espere tanto assim de mim, . Minhas habilidades já se esgotaram para lembrar de tudo isso.
— Já está ótimo, . De verdade. Você é realmente dedicado. Eu subestimei seu interesse. Me deixei levar pelo estereótipo.
— Nem todos os jogadores são idiotas babacas, .
— Todos os que eu conheço são. Todos os que já conheci.
— Você conheceu algum de perto?
— Eu namorei um por quase dois anos.
Se eu estivesse bebendo água no momento, com certeza aquela cena clássica de filme seria recriada.
— Eu conheço? — eu perguntei, tentando descobrir quem era.
— Melhor do que você imagina — ela disse, a voz tristonha e um olhar de mágoa.
— Não é o Andrew. Andrew nunca namorou. Ele me contaria. Ele me conta tudo.
— Bom, não tudo, talvez. Está tudo bem, . Eu sofri, mas já superei. Pronta para seguir em frente.
— O que aconteceu?
— O que acontece sempre, ? As namoradinhas ficam para trás quando o cara se torna todo popular e desejado por metade da equipe de líderes de torcida.
— Eu sinto muito.
— Está tudo bem, . Eu sofri, mas já superei. Pronta para seguir em frente. — ela disse de novo.
— Quantas vezes você já repetiu isso?
— Muitas. É discurso ensaiado.
— E quantas dessas vezes foram verdade?
— Sinceramente? Poucas. As últimas vezes.
Senti meu coração pesado e podia ver a tristeza em seus olhos. Seu sorriso provavelmente também era afetado por aquilo, pois estava diferente. estava quebrada por dentro. E eu, por algum motivo, me sentia na obrigação de consertá-la.
I admit that I've done some wrong
But those wrongs helped me write this song
And through it all I figured out where I belong
Right by your side, right by your side
— Você quer ir a uma festa esse final de semana? — eu perguntei a enquanto fazíamos um intervalo de nossos estudos. A Primeira Guerra Mundial se estendeu mais do que o desejado por nós, então ainda estávamos estudando isso naquela semana. Era um tema interessante, no fim das contas, e parecia ser um dos preferidos de . Ela exalava empolgação ao falar sobre os tratados e termos da guerra, e seus olhos brilhavam. Acho que isso era algo que eu nunca conseguiria ter.
— Festa? É do time? — ela me perguntou, sem tirar os olhos do pote de iogurte, agora quase vazio, que tinha levado como lanche.
— É. Estamos comemorando o fim da temporada. Não sei por quê, afinal, temos mais um jogo. Mas você sabe como são jogadores. — eu comentei, sorrindo de leve e olhando para ela, que soltou um sorrisinho de lado, como sempre fazia quando eu tocava no assunto.
— Prometo pensar na sua proposta. — ela disse, comendo a última colherada do potinho.
— Tudo bem. — eu falei, olhando fundo em seus olhos, que brilhavam de leve.
Há algumas semanas eu tinha começado a reparar no quanto era bonita. Seus cabelos caíam pelos ombros enquanto estávamos estudando, e seus sorrisos eram quase impossíveis de ignorar. Seus olhos por trás das lentes dos seus óculos de leitura brilhavam ao me contar sobre o atentado de Sarajevo e ao citar detalhes sobre o mesmo, desde o nome do assassino do arquiduque até a hora precisa – segundo ela, mas quem era eu para duvidar? – em que o atentado aconteceu. Sua voz era doce e soava quase como melodia aos meus ouvidos enquanto ela citava os países das Tríplices Aliança e Entente.
Eu não estava me apaixonando por ela. Estava enfeitiçado. A garota entrava na minha vida, tornava meu pior pesadelo algo quase acessível a mim e ainda era gentil comigo. É incrível como o ser humano passa a desenvolver sentimentos em questão de apenas alguns momentos de convivência. Eu não conseguia entender o que eu sentia por , mas definitivamente era uma coisa boa.
— Podemos recomeçar? — ela disse, sorrindo, recebendo um menear de cabeça meu como resposta. — Ótimo. Onde paramos?
— Fase de trincheiras.
— Ah, certo. O que foi a última coisa que eu falei?
— Durou de 1915 a 1917, teve esse nome pelo estilo dos campos de batalhas na Frente Oriental. Foi a fase mais mortal da guerra.
— Vejam só, o gafanhoto está melhorando. — ela disse, com um sorriso orgulhoso, e eu sorri, feliz ao ver seu sorriso que eu sabia que era sincero.
— Acho que é você que é uma boa professora. Já pensou em seguir carreira nisso?
— Como professora de história, não. De Literatura é quase meta. — ela respondeu, levemente corada, mas sorrindo.
— Sério? Que droga, queria precisar de pontos sem Literatura agora. — eu falei, em tom de brincadeira, e corou de novo. Era engraçada e fofa a maneira como suas bochechas ficavam vermelhas quando eu a elogiava ou algo do tipo. Definitivamente, ela era muito tímida!
— Posso te dar umas aulas, se você quiser.
Foi a minha vez de sorrir e de voltar ao assunto. Quem diria, eu queria voltar a estudar História!
— Mas então, a fase das trincheiras foi a mais mortal de todas? — eu perguntei a ela.
— Certo. As trincheiras eram então buracos fundos, de metros e metros de comprimento. O que separavam as trincheiras de exércitos inimigos era a chamada “terra de ninguém”. Cerca de duzentos metros de um terreno neutro, onde ninguém se arriscava a atravessar, e os que tentavam a sorte morriam pelo caminho, deixando seus corpos para trás. Imagine então o estado em que viviam os soldados.
Eu não quis imaginar. Devo ter feito uma careta, porque ela soltou uma leve risadinha e continuou.
Tentei pensar no que fazia com que eu gostasse tanto de estudar com . Minha mente estava tão longe quanto os campos de batalha da primeira guerra. Eu passei então a olhar os detalhes de . Ela tinha leves sardinhas na bochecha, e seus cabelos estavam por trás da orelha. Alguns fios caíam sobre a testa e sobre os olhos. Ela fechava os olhos enquanto explicava, e, por um minuto, eu desejei ler a mente dela para saber no que pensava. Provavelmente em alguma curiosidade sobre a guerra de trincheiras.
Sua boca se movia de leve e de lá saíam muitas palavras, tantas de uma vez só! Eu poderia dizer que ela estava tagarelando todo o tempo. Era uma característica dela, eu tinha reparado nas semanas anteriores. Apesar de tímida, quando o assunto lhe interessava, tal qual agora, ela falava até que alguém a interrompesse. Talvez existisse uma maneira melhor de fazer com que ela se calasse, mas eu ainda não tinha testado.
— ? — ela me chamou — ? — ela me chamou de novo, colocando um ar de melodia ao meu nome. — ! — ela me chamou pela última vez e eu finalmente acordei e percebi que a estava encarando. Ou melhor, a sua boca.
— Desculpa, eu viajei um minuto — eu disse, balançando a cabeça. — O que foi?
— O quanto você prestou atenção ao que eu disse? — ela perguntou, quase rindo.
— Quer que eu seja sincero ou dedicado?
Ela gargalhou.
— Sincero, por favor.
— Quase nada. — ela riu de novo. — Desculpa. Eu me distraí. Eu estava olhando suas sardinhas. Você fica adorável com elas.
Ela ruborizou, e eu sorri, abaixando a cabeça, depois olhando para ela de novo, que ainda estava vermelha.
— Sua boca também é linda. Ela fala muito, mas é muito bonita — estava cada vez mais vermelha, e eu cada vez mais próximo dela. — Eu me perguntei se teria alguma coisa que a calasse. Não consegui pensar em nada melhor do que isso. — e então a distância entre nós acabou. Nossos lábios unidos em um doce beijo tomaram o lugar dela. Minha mão direita estava na bochecha esquerda de , e ela quase parecia sorrir, apesar de aquilo não ser mais do que um longo selinho. Por fim, eu finalmente percebi que eu gostaria que aquilo tivesse acontecido há mais tempo. E que, ao contrário do que eu pensava, eu estava me apaixonando por . Ela nos separou, sorrindo de leve.
— Acho que vou aceitar seu convite para a festa do time.
Eu sorri e deu um beijo em sua testa.
*
A música tocava alto, e todos já estavam meio bêbados, mesmo ainda não sendo nem meia noite. Quem não estava na piscina estava dançando ao redor da mesma, derramando cerveja e destilados uns nos outros. Eu tinha uma lata de cerveja na mão, que já estava quente, apesar de ainda estar cheia. Eu não tinha bebido nada naquela noite, apenas um copo de energético e alguns golpes de água da garrafa que entreguei a Andrew para que ele bebesse, antes que ele passasse mal.
Perguntei-me onde estaria , já que eu não tinha visto ela chegar ainda. Nós tínhamos trocado algumas mensagens na última semana. Se eu já achava que ela era incrível, fora da escola e da rigidez das aulas extras ela era ainda mais fantástica. Tinha assunto para todos os dias e andava me indicando filmes e séries sobre história. Eu, como bom aluno, assisti a todos, sem pestanejar, e até tinha convidado-a para assistir a um deles comigo, mas ela alegou que tinha alguns trabalhos de última hora para entregar. Com a mesma resposta, ela desmarcou a aula dessa semana, mas mesmo assim me enviou o teste sobre Primeira Guerra Mundial em anexo a um e-mail, que dizia: “Não vale colar! Eu vou saber se você o fizer. Confio em você. Xx ”. Eu ri e imediatamente comecei a responder o teste. Demorei quase uma hora, mas terminei e anexei meu arquivo com as respostas, comentando no corpo do e-mail: “Sem colar. Que bom que confia em mim (: Xx ”. Ela só voltou a entrar em contato na noite do dia seguinte, quando me mandou uma foto do meu teste corrigido, exibindo um A- em caneta rosa, e a legenda dizendo: “Estou orgulhosa, gafanhoto. Te vejo no sábado”. Eu estava nas nuvens com a nossa convivência. Eu queria vê-la todo dia, conversar com ela todo o tempo, e eu simplesmente não conseguia pensar em mais nada, só nela.
— Oi, — alguém me chamou pelas costas, me tirando dos pensamentos em . Virei-me e encontrei Gabrielle, a capitã das líderes de torcida.
— Oi, Gabrielle — eu fui gentil, sorrindo.
— Está sozinho hoje? Que coincidência, eu também! — ela disse, claramente bêbada e quase se jogando em cima de mim, rindo muito.
— Eu estou esperando uma pessoa — eu disse, tirando os braços dela dos meus ombros enquanto ela tentava me abraçar de novo.
— Nós podemos nos divertir enquanto ela não chega, então. — ela disse, chegando perto demais do meu rosto. — Vamos lá, , você também quer isso, que eu sei. — então ela me beijou, a força. Sua boca tinha cheiro e gosto de muitas bebidas misturadas, e Gabrielle estava jogando todo o seu peso contra mim, o que logo nos derrubou no sofá da casa de Toby, o capitão do time, onde era a festa. A única coisa que passava na minha cabeça naquele momento era que eu precisava tirar Gabrielle de cima de mim, poderia chegar a qualquer momento. Porém, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, eu ouvi a porta da frente bater e sabia muito bem quem era. Deixei Gabrielle no sofá, tirando-a de cima de mim sem muita delicadeza. Eu não me importava no momento. Tudo o que eu queria era achar . Eu precisava explicar tudo. Não dava para ficar sem ela. Não mais.
They say that hearts don't lie
The head might try but it won't be right
You tell me what you feel inside
Tonight, tonight, tonight, tonight
— ! — eu gritei e corri, sem pensar muito. Ela estava quase atravessando a rua, na esquina, e eu estava esbaforido quando cheguei lá. — , por favor! — eu disse, me recompondo, até que ela se virou.
— O que é, ? Vai tentar se explicar agora? — ela perguntou, com os braços cruzados e os olhos um tanto vermelhos. Eu nem precisava conhecê-la tão bem assim para saber que aquilo era cara de choro. — Vai dizer que ela que se jogou em cima de você e que você até tentou sair? Eu já caí nessa uma vez, não vou cair de novo! — ela gritava, lágrimas escorrendo de seus olhos, e eu só conseguia pensar que tinha estragado tudo, e que agora ela estava ali, gritando comigo, e tão linda, num vestido colorido, de jaqueta jeans e all star.
— Mas foi exatamente isso que aconteceu! Ela estava bêbada, ! — eu falei, me aproximando cada vez mais dela.
— E, pelo jeito, você também. — ela disse, se virando de novo.
— ! — eu gritei. Ela estava atravessando a rua e eu corri atrás dela, sem pensar duas vezes.
— Se você está achando que eu vou me virar de novo, você está enganado! — ela respondeu. Então, parou na esquina seguinte, suspirou e se virou, contrariando o que tinha acabado de dizer. — , eu te dei uma chance. Eu conheci você, me encantei por você, você fez com que eu me encantasse por você! Eu me apaixonei por você, e então você repete o erro do Andrew! Eu não tenho palavras para dizer o que eu estou sentindo por você agora. — ela disse, e escorriam lágrimas e mais lágrimas dos seus olhos. — Eu não sei mais o que pensar. Eu tinha razão. Você me fez pensar o contrário, mas depois dessa noite eu tenho certeza: jogadores de futebol são todos iguais.
Ela se virou e continuou seu caminho, me deixando ali, com os olhos marejados e o coração partido. Eu perdi .
— Ah — ela disse, e meu coração deu um pulo — Nem pense em pedir minha ajuda para a prova de História. — mas a prova de História era a última coisa que eu estava pensando naquele momento. — Se vira sozinho. Ou melhor, pede ajuda para a Gabrielle! — ela voltou a caminhar.
— Eu também me apaixonei por você — eu disse, com um resquício de voz, antes de sentar no meio fio e chorar.
Everybody messes up some days
Ain't got no rhyme or reason
A prova de História se aproximava, e eu não conseguia mais tocar em nenhum dos meus livros ou filmes ou seriados. Tudo me lembrava , e lembrar me deixava triste e sem vontade de mais nada.
Todos tinham reparado que eu estava diferente. Minha mãe me perguntou se estava tudo bem, e eu automaticamente respondi que sim. Andrew também perguntou e disse que eu estava estranho desde a festa. Ele não sabia sobre e eu, então contei tudo.
Gabrielle veio tentar se desculpar e disse que não lembrava o que tinha acontecido naquele dia, mas eu apenas a ignorei. Eu mal conseguia olhar para ela sem pensar em chorando. E lembrar de chorando me fazia chorar.
Minha mãe um dia chegou em casa e eu estava chorando. Na televisão da sala, passava um documentário sobre a Primeira Guerra Mundial, e se eu conhecia e tinha ideia do que estava acontecendo ali, era graças a . Minha mãe se sentou ao meu lado, passou a mão nos meus cabelos, e eu tentei parar de chorar e lhe contar tudo.
— Não precisa, . Eu sei de tudo. Eu te conheço tão bem, meu filho — ela disse com um suave sorriso. Eu pensei no quanto o sorriso de parecia com o dela. E, então, sorri. — Você gostava dela, não era? — perguntou.
— Mais do que de qualquer outra garota, mãe.
— E eu tenho certeza de que ela sentia o mesmo, meu amor — ela falou, beijando minhas bochechas. — Vocês vão conseguir se acertar. Está tudo bem.
Depois disso, eu fui ao meu quarto e dormi. Era sexta-feira, então dormi até o meio-dia do sábado. Acordei e tudo parecia mais claro. Tomei um banho. Pensei em mim mesmo em vez de em . Pensei na prova de História, que aconteceria na semana seguinte, e no quanto eu ainda precisaria estudar. Pensei em tudo que deveria ter pensado durante a semana anterior, e, então, pela primeira vez em dias, eu me senti realmente bem. Ou quase. Meu coração continuava em pedaços.
Meus livros de História, que eu tinha praticamente escondido, voltaram a aparecer, bem como as vídeo aulas. Eu assistia a tantas e de tantos assuntos que as informações se misturavam em minha mente. Porém, quando eu consegui responder a última questão proposta pelo livro e ela estava correta, eu suspirei aliviado. Eu podia ter perdido para sempre, mas guardaria comigo um pedacinho dela comigo: tinha sido ela quem me ensinara História.
*
A prova tinha sido marcada para às 16 horas naquela quinta-feira, que amanheceu chuvosa e nebulosa, atípica para o verão de nossa cidade, este que costumava ser sempre abafado e ensolarado. Eu tinha passado todo o dia ansioso, pronto para fazer a prova, mas sempre revisando e assistindo a um pedacinho importante de uma vídeo aula ou outra. Era a última semana de aula, e Horton High estava caótica. Os veteranos já aprovados estavam levando toda a direção à loucura, e quem ainda tinha ficado com provas ou trabalhos pendentes andava pelos corredores com a cabeça nos livros, sem se incomodar com possíveis esbarrões e acidentes. As aulas remanescentes eram interrompidas a todo o momento pelas garotas responsáveis pelos Prom Cupid, que ficaram incumbidas de ajudar os garotos que desejassem convidar alguém para o baile de início de outono a preparar o pedido perfeito. Eu sorria a cada pedido, obviamente imaginando eu e juntos. Ela não estava mais indo à escola, ou pelo menos, se estivesse, eu não a via. Talvez fosse melhor assim.
Pontualmente às 16 horas, o sinal tocou, e eu, ansioso, que já aguardava na sala desde o sinal da última aula, às 15:35, comecei a prova. Sorri ao ler uma ou outra questão que eu saberia responder com clareza. Comecei a ler a prova e murmurava sozinho, me lembrando das técnicas de memorização de e das explicações dos professores nas vídeo aulas. Quando eu finalmente cheguei à questão de número 20 e encontrei nas opções a resposta que eu acreditava ser a certa, suspirei aliviado, marcando um círculo ao redor da alternativa na prova, e marcando a bolinha correspondente à mesma no gabarito. Estava feito. A prova que definiria meu destino estava, finalmente, terminada.
— Terminei — eu disse, sorrindo, e estendendo o gabarito à professora, que sorriu de volta para mim, deixando de lado por um instante a correção dos trabalhos de sua turma avançada. Perguntei-me quanto teria tirado, e imediatamente um A+ me veio à mente, o que me fez sorrir.
— Está tudo bem, ? — a professora perguntou, já começando a corrigir minha prova. Eu preferi não olhar, então me afastei alguns metros e sentei sobre a carteira mais próxima.
— Eu acho que sim.
— Você e se deram bem, pelo que eu soube. — ela falou, parando por um minuto, e me olhou, sorrindo.
— É, podemos dizer que sim. — eu dei uma risadinha lembrando de nossos momentos juntos.
— Ela gosta muito de você, sabia? — a senhorita Martin disse, voltando ao meu teste, mas ainda com um sorrisinho no rosto. — Pense nisso. — Passando a caneta pelo papel uma última vez, ela me estendeu o mesmo. — Meus parabéns, . Você merece — ela falou, com um grande sorriso, e se levantou.
E só então eu tive coragem de olhar para o papel.
Winter, summer, spring, or fall
I'll be on the line waiting for your call
Faltavam alguns minutos para o último jogo acabar, e eu permanecia em meu posto, na frente do gol, pela última vez. Quatro anos de jogos, vitórias e derrotas chegariam ao fim com uma última vitória, se dependesse de mim. O atacante do time da Preston Preparatory Academy corria em minha direção, numa velocidade que nenhum de nossos jogadores alcançaria a tempo. A vinte metros do gol, ele arrisca o lançamento...
Que falha miseravelmente!
A bola fica presa à rede do meu taco, e, da mesma maneira que eu comemoro, o garoto da Preston se joga de joelhos no gramado, levando as mãos ao rosto. No instante seguinte, o apito final soa e toda a torcida da Horton High vai à loucura. A vitória era nossa!
Ao mesmo tempo, todos os jogadores do time se reuniram ao meu redor e me levantaram, me entregando à taça e me jogando de leve para cima. Eu não conseguia parar de sorrir, apesar de meu pensamento ainda estar preso em . Era impossível não pensar nela naquele momento. Tudo levava a ela. Meu desempenho estava bom no lacrosse graças ao meu bom desempenho na prova, que era consequência de nossos estudos. Tudo levava a ela.
Os garotos pararam por um minuto, e então me desceram do alto e saíram dos arredores. Eu estava de costas e não entendi nada, até que me virei.
estava ali.
Sorrindo para mim.
Na minha frente.
— Oi, campeão. — ela disse, ainda com seu lindo sorriso no rosto. Meu coração dava voltas em meu peito, não sei se pela presença dela ou por toda a adrenalina do jogo, e eu imediatamente comecei a sorrir.
— ...
— Eu tenho muita coisa para te falar, então fique quieto por pelo menos um segundo. Depois dizem que eu é que sou a tagarela... — ela falou, e eu gargalhei. — Escute, eu sei o que aconteceu. Tudo. A festa, nossas aulas, sua semana ruim, tudo. Andrew me contou tudo. Se estou aqui hoje, você deve a ele.
Eu virei para trás, e meu melhor amigo piscou para mim enquanto deixava o campo abraçado a um de nossos companheiros de equipe.
— Ele não é tão ruim quanto eu pensava, no fim das contas — ela disse, e eu me virei para ela, que ainda sorria. Meu coração continuava a dar voltas em meu peito. E, dessa vez, eu sabia que era por causa dela.
— , você me fez sentir o que ninguém, em alguns anos, me fez sentir. Você me fez sentir tudo. Tudo ao mesmo tempo. Alegria, orgulho, satisfação, realização. Você me realizou. Você me trouxe de volta ao que eu era. A minha vida costumava ser uma linda primavera, e então tudo aconteceu. Andrew, meu coração partido. Tudo isso transformou meu coração em um grande bloco de gelo, como os que nós vemos durante o inverno. Mas aí você e o nosso verão de estudos chegou, e tudo voltou ao que era. A primavera que eu costumava ser, que a minha vida era, voltou. Sei que isso não faz sentido algum, e que essa também não é a sequência correta das estações, mas nada disso importa agora. O que importa é que você é como o verão para mim. Você é a primavera. Você é o inverno também, não podemos negar que temos invernos e verões dentro de nós. Mas você também é o outono. Porque você é o outono, e ele é a minha estação preferida.
E, então, eu simplesmente a puxei pela cintura, e nosso beijo foi uma mistura de todas as estações do ano.
All I know is I'm yours, yours, yours, for every season
Yours, yours, yours, for every season
O outono começava de novo, e, com ele, as folhas das árvores caíam secas e cobriam as calçadas e as ruas. Nossa cidade estava tão fria quanto nos anos anteriores, e eu imaginava que Chicago não seria muito diferente.
A última caixa foi para o porta-malas, e eu sorri ao ver que tinha sido a colocá-la lá. Eram meus últimos dias em nossa pequena cidade, e eu e ela estávamos mais inseparáveis do que nunca. Tomávamos café da manhã juntos no diner, eu a deixava na escola e buscava de volta às 15h, e então íamos a casa dela, onde, enquanto eu inventava alguma coisa nova para o lanche, ela abria os cadernos e livros e estudava. Ela estava mais uma vez nas aulas avançadas de História e Literatura e tinha adicionado Inglês Avançado ao currículo também. Eu estava orgulhoso da minha garota, que sorria para mim enquanto eu fechava o porta-malas.
— Você nunca vai me contar qual foi a sua nota na prova final de História? — ela disse, sentando no chão da varanda da minha casa, e eu a acompanhei, passando minhas mãos por sua cintura e a puxando para mais perto, deixando um beijo no topo da sua cabeça.
— Nunca é muito tempo.
— Qual é, ? Você sabe que eu sou muito curiosa. Me conte ou eu vou perguntar a sua nota à professora Martin.
— Ela não vai lhe contar. Nós dois temos um pacto.
— Droga! Acho que vou ter que me contentar em nunca saber o seu desempenho naquela prova.
— Eu já disse que nunca é muito tempo.
— E para sempre, também é?
— Depende. Para sempre o quê?
— Nós dois ficaremos juntos para sempre? — ela me perguntou, olhando fundo nos meus olhos, e eu sorri.
— Nesse caso, eu acho até pouco tempo. — eu a beijei.
e eu passamos mais muitos outonos juntos. E verões. E invernos. E primaveras. Eu nunca contei a ela a minha nota na prova final. No fim das contas, ela acabou descobrindo pela minha mãe que eu tinha tirado um A+. E eu fui muito bem recompensado por aquele A+.
I know that you don't trust me
But I'm better than the stories about me
A professora apoiou delicadamente a folha, com a parte impressa para baixo, em cima da minha mesa e me olhou como quem pedia desculpas. Logo eu soube o que viria pela frente. Desvirei e imaginei um palavrão. Outra nota baixa.
— Merda — eu murmurei baixinho, passando a mão pelos meus cabelos curtos.
A prova mais importante do ano e lá estava meu D+ muito bem exposto, em caneta tinteiro vermelha. Eu precisava de pelo menos um B- pra passar direto e, apesar de ter estudado durante todo o fim de semana, eu simplesmente não conseguia entender por que a Alemanha fora comandada por Hitler por tantos anos. Agora, eu provavelmente só entenderia no ano seguinte. Já podia me imaginar andando pelos corredores do colégio de novo, e todos me olhando por ser o garoto que reprovou em História Geral. E, fala sério, quem reprova em História Geral?
Era meu último ano em Horton High, ou eu esperava que fosse. Afinal, minha vaga no IIT esperava por mim. A carta tinha chegado há algumas semanas, e eu estava radiante desde então. Quem não estaria, afinal? Eu tinha conseguido uma bolsa pequena graças aos projetos da aula de astronomia e cálculo avançado e às minhas boas notas em Matemática e Física. Além disso, o lacrosse me ajudou um bocado, eu não podia negar. Eu era bom. Nisso e em cálculos. Números eram a minha paixão. Palavras e acontecimentos históricos nunca foram meu ponto forte.
— Provas entregues, turma. Boas férias, pessoal. — disse a professora, liberando a classe poucos minutos antes do sinal tocar, indicando a hora do almoço. Com pressa, eu me juntei à massa de pessoas que saía, mas, ao me ver, a professora disse meu nome em alto e bom som, em um tom cheio de preocupação e piedade, o qual eu não consegui ignorar. Parei em frente à sua mesa enquanto todos passavam e fingi chutar algo no chão enquanto ela aparentemente esperava todos deixarem a sala. Quando isso aconteceu e o último “boas férias, professora” foi ouvido ainda na sala, a senhorita Martin sentou-se e lançou a mim um olhar maternal.
— Um D+. — ela começou.
— Eu precisava de um B-. Eu sei. Estudei durante todo o fim de semana. Faltei o churrasco da turma e a dois dos treinos extras de lacrosse. Nem a academia eu fui. Eu não consigo.
— Não diga que não consegue. Talvez ainda não tenha encontrado sua melhor forma de estudar.
— Bem, talvez seja melhor eu descobrir logo. Vou ter que fazer tudo isso de novo no ano que vem. Eu repeti. Precisava desse B-. Agora já era.
— Eu conversei com o diretor sobre suas notas. Estou preocupada, . É óbvio que estamos muito orgulhosos com sua conquista no IIT e com seu desempenho no lacrosse. Nem todos conseguem, nem todos têm habilidade. Você sabe disso.
Eu suspirei e pensei comigo mesmo: é uma pena que não estarei lá no outono, então. Pelo menos continuarei defendendo o time na próxima temporada.
— E nós pensamos em te dar uma última chance. Uma prova final. Uma nova. Totalmente substitutiva. Com todos os conteúdos do ano.
Meus olhos se iluminaram. Essa professora era realmente uma santa. Aquela era a minha chance! Não dava para perder uma coisa assim!
— No entanto...
Nada pode ser tão perfeito, não é mesmo?
— Nós também pensamos que você pode precisar de ajuda. Pode ser que talvez essa seja a sua maneira de estudar. Uma das minhas melhores alunas concordou em ajudar, a meu pedido. Vocês terão o verão todo pela frente, mas ela sugeriu que vocês começassem logo. Hoje logo após a última aula é a sugestão dela. Se lhe convier, é claro. Nós só queremos te ajudar, .
— Onde posso encontrá-la? — eu perguntei, sorrindo.
Tempos difíceis requerem medidas desesperadas.
O último sinal bateu e eu finalmente me livrei da aula de francês, da qual eu já estava passado, basicamente porque colei em todas as provas, e a qual eu realmente não sabia por que ainda estava assistindo, talvez por desencargo de consciência. Eu estava quase pegando no sono, com a cabeça escorada contra a parede, e Andrew, meu melhor amigo, praticamente babava na carteira ao meu lado.
— Vai para a academia agora? — ele perguntou, jogando a mochila nas costas e bocejando de novo, pela quinta vez em minutos.
— Aula de história. Academia fica para quando eu finalmente passar de ano e minha vaga na faculdade estiver garantida. — eu dei de ombros.
— Você é um filho da puta sortudo para caramba por ter conseguido essa chance. Eu precisava de algo assim para Química. Preciso de um C+ pra passar — ele disse, passando a mão pelos cabelos.
— Eu já te falei mil vezes que eu só não te ajudo porque você é um idiota orgulhoso e não aceita.
— Não preciso de ajuda. Preciso estudar, isso sim.
— E o que falta pra você fazer isso?
— Vontade. — ele disse, completamente indiferente, e eu soltei uma gargalhada.
A biblioteca, lugar marcado para as aulas, estava vazia quando eu cheguei, faltando quinze minutos para o horário marcado com a garota. Segundo a professora, seu nome era e estava no segundo ano, mas já frequentava aulas avançadas de História e Literatura. Escolhi uma mesa qualquer, sentei-me e abri a mochila, tirando de lá a prova e o livro de História. Peguei meu celular e apertei qualquer botão, com o intuito de olhar o relógio, mas acabei me distraindo olhando a tela de bloqueio. Minha mãe tinha tirado aquela foto algumas semanas antes, ao final do jogo que nos classificou para final da temporada. Era todo o time, reunido, e nós todos estávamos uniformizados, sorrindo com a vitória conquistada. Tudo que eu conseguia sentir naquele momento era felicidade.
Eu jogava no time de lacrosse desde o primeiro ano. Era o goleiro titular e amava aquilo de todo o meu coração. Não conseguia me imaginar longe do campo. Além disso, meus primeiros amigos em Horton High foram graças ao time e às líderes de torcida. Fui às minhas primeiras festas, beijei a primeira garota, tudo graças ao lacrosse. Era mais do que só uma posição para mim, diferente do que era para alguns dos garotos do time. Éramos populares, claro, sempre fazíamos festas e coisas do tipo, mas eu sabia que muita gente continuava no time pela jaqueta e a badalação. Não era o meu caso.
Desbloqueei o celular e escolhi uma música qualquer, colocando os fones já plugados ao celular e abrindo o livro de história na primeira página, suspirando, aliviado pela segunda chance que ganhei.
— Então, você é o famoso . — uma voz, que eu não sabia se era muito baixa ou se estava abafada pelo som alto saindo dos meus fones, disse ao meu lado. Ao desviar o olhar, pude ver uma garota com um sorrisinho de lado, carregando um fichário colorido nos braços junto com um livro de História igual ao meu, e outro diferente.
— E você, a , quem vai salvar minha vaga na faculdade? — eu disse, com um sorriso.
— Prometo me esforçar ao máximo. — ela falou, com o mesmo sorriso de lado.
era uma garota baixinha, de cabelos na altura do meio das costas. Olhos brilhantes e de um bem vivo. Parecia ser a queridinha de todos os professores, apesar da cara meio torta com a qual me olhou.
— B-, então? — ela disse, se sentando enquanto citava a nota que eu precisava.
— Infelizmente. Era muito para prova final, não é?
— Acontece bastante. As pessoas não costumam valorizar matérias como História, Literatura e Inglês. Importam-se mais com Química, Biologia e Matemática. Talvez seja esse o seu caso.
— Não é. Eu realmente não sei História. Não gosto. Não consigo.
— Não achei que existisse a expressão “não consigo” no vocabulário de jogadores em geral.
— Existe no meu quando se trata de História. Nunca atinjo meus objetivos, mesmo me dedicando ao máximo.
— Dedicando ao máximo mesmo? — ela questionou como se desdenhasse meu esforço.
— Me dedicando ao máximo — eu repeti. — Eu sei que existe esse estereótipo, . De que todo atleta não liga para escola, e que só quer festa e tudo. Fique sabendo que esse estereótipo não se aplica a mim. Eu não sou o que dizem sobre mim.
— Sei. — ela disse, ainda com a mesma voz de desdém. — Vamos logo, dedicado, vamos começar.
Aquele seria um LONGO verão.
Baby girl with the broken smile
Would you mind if I stayed awhile?
And if you're cold I could light your fire
If that's what you want, if that's what you want
era uma ótima professora. Em algumas semanas, acabamos com a primeira parte dos assuntos, e eu recebi uma mini provinha. Me saí melhor do que o esperado, recebendo um B+ como resultado. Ela pareceu satisfeita com a nota, e depois disso pareceu confiar mais em mim e na minha dedicação.
Nosso tema seguinte era Primeira Guerra Mundial, e eu temia, já pensando no teste seguinte. Ao mesmo tempo, continuava me explicando, mexendo os braços freneticamente e com um sorriso no rosto sempre. Como ela conseguia tornar tudo tão mais simples e compreensível?
Ela era definitivamente uma das pessoas mais inteligentes que eu já tinha conhecido. Sabia um pouco sobre tudo, desde conhecimentos básicos de Física Moderna e Astronomia, até curiosidades, peculiaridades e teorias dentro da História e da Literatura. Lembrava-se de tudo com muita facilidade. Sabia um porquê para tudo e tinha me explicado várias de suas técnicas de memorização, as quais eu já estava usando.
— Então, a Europa queria expandir seus domínios, buscando novos mercados consumidores e produtores de matéria-prima por meio da política do Imperialismo. Lembra-se disso, te expliquei na semana passada.
— Um país dominando o outro economicamente, e investimento de capital em outros países. Certo? — eu disse, puxando da memória.
Ela abriu o maior sorriso que eu já tinha a visto dar.
— Certo. O Imperialismo então estava provocando descontentamento em inúmeros países, como Itália e Alemanha, que não participaram da partilha da África e da Ásia, por causa das...
— Dos processos de unificação — eu respondi baixinho enquanto fazia a anotação da última informação que ela tinha dito.
— Exatamente. Você estudou mais sobre isso em casa?
— Posso ter assistido a uma vídeo aula, ou duas, ou seis.
Ela deu uma risadinha, e eu ri também.
— Continuando. Além disso, a França também já estava irada com a Alemanha, que, durante a Guerra Franco Prussiana, perdeu o território...
— Da Alsácia Lorena — eu respondi baixinho de novo.
Ela sorriu de novo e me lançou um desafio:
— Que tal você me explicar, agora?
Eu olhei para ela com cara de “você só pode estar brincando”. Ela provavelmente leu meus pensamentos, porque riu e disse:
— Vamos, tente.
— Tudo bem. A Alsácia Lorena era um território rico e uma grande perda para França. Isso causou um sentimento de revanchismo nos franceses.
— Alguém andou estudando em casa!
— Nada que seis vídeo aulas não te façam aprender.
— E o que mais? — ela apoiou os cotovelos sobre a mesa e o queixo sobre as mãos abertas.
— Não espere tanto assim de mim, . Minhas habilidades já se esgotaram para lembrar de tudo isso.
— Já está ótimo, . De verdade. Você é realmente dedicado. Eu subestimei seu interesse. Me deixei levar pelo estereótipo.
— Nem todos os jogadores são idiotas babacas, .
— Todos os que eu conheço são. Todos os que já conheci.
— Você conheceu algum de perto?
— Eu namorei um por quase dois anos.
Se eu estivesse bebendo água no momento, com certeza aquela cena clássica de filme seria recriada.
— Eu conheço? — eu perguntei, tentando descobrir quem era.
— Melhor do que você imagina — ela disse, a voz tristonha e um olhar de mágoa.
— Não é o Andrew. Andrew nunca namorou. Ele me contaria. Ele me conta tudo.
— Bom, não tudo, talvez. Está tudo bem, . Eu sofri, mas já superei. Pronta para seguir em frente.
— O que aconteceu?
— O que acontece sempre, ? As namoradinhas ficam para trás quando o cara se torna todo popular e desejado por metade da equipe de líderes de torcida.
— Eu sinto muito.
— Está tudo bem, . Eu sofri, mas já superei. Pronta para seguir em frente. — ela disse de novo.
— Quantas vezes você já repetiu isso?
— Muitas. É discurso ensaiado.
— E quantas dessas vezes foram verdade?
— Sinceramente? Poucas. As últimas vezes.
Senti meu coração pesado e podia ver a tristeza em seus olhos. Seu sorriso provavelmente também era afetado por aquilo, pois estava diferente. estava quebrada por dentro. E eu, por algum motivo, me sentia na obrigação de consertá-la.
I admit that I've done some wrong
But those wrongs helped me write this song
And through it all I figured out where I belong
Right by your side, right by your side
— Você quer ir a uma festa esse final de semana? — eu perguntei a enquanto fazíamos um intervalo de nossos estudos. A Primeira Guerra Mundial se estendeu mais do que o desejado por nós, então ainda estávamos estudando isso naquela semana. Era um tema interessante, no fim das contas, e parecia ser um dos preferidos de . Ela exalava empolgação ao falar sobre os tratados e termos da guerra, e seus olhos brilhavam. Acho que isso era algo que eu nunca conseguiria ter.
— Festa? É do time? — ela me perguntou, sem tirar os olhos do pote de iogurte, agora quase vazio, que tinha levado como lanche.
— É. Estamos comemorando o fim da temporada. Não sei por quê, afinal, temos mais um jogo. Mas você sabe como são jogadores. — eu comentei, sorrindo de leve e olhando para ela, que soltou um sorrisinho de lado, como sempre fazia quando eu tocava no assunto.
— Prometo pensar na sua proposta. — ela disse, comendo a última colherada do potinho.
— Tudo bem. — eu falei, olhando fundo em seus olhos, que brilhavam de leve.
Há algumas semanas eu tinha começado a reparar no quanto era bonita. Seus cabelos caíam pelos ombros enquanto estávamos estudando, e seus sorrisos eram quase impossíveis de ignorar. Seus olhos por trás das lentes dos seus óculos de leitura brilhavam ao me contar sobre o atentado de Sarajevo e ao citar detalhes sobre o mesmo, desde o nome do assassino do arquiduque até a hora precisa – segundo ela, mas quem era eu para duvidar? – em que o atentado aconteceu. Sua voz era doce e soava quase como melodia aos meus ouvidos enquanto ela citava os países das Tríplices Aliança e Entente.
Eu não estava me apaixonando por ela. Estava enfeitiçado. A garota entrava na minha vida, tornava meu pior pesadelo algo quase acessível a mim e ainda era gentil comigo. É incrível como o ser humano passa a desenvolver sentimentos em questão de apenas alguns momentos de convivência. Eu não conseguia entender o que eu sentia por , mas definitivamente era uma coisa boa.
— Podemos recomeçar? — ela disse, sorrindo, recebendo um menear de cabeça meu como resposta. — Ótimo. Onde paramos?
— Fase de trincheiras.
— Ah, certo. O que foi a última coisa que eu falei?
— Durou de 1915 a 1917, teve esse nome pelo estilo dos campos de batalhas na Frente Oriental. Foi a fase mais mortal da guerra.
— Vejam só, o gafanhoto está melhorando. — ela disse, com um sorriso orgulhoso, e eu sorri, feliz ao ver seu sorriso que eu sabia que era sincero.
— Acho que é você que é uma boa professora. Já pensou em seguir carreira nisso?
— Como professora de história, não. De Literatura é quase meta. — ela respondeu, levemente corada, mas sorrindo.
— Sério? Que droga, queria precisar de pontos sem Literatura agora. — eu falei, em tom de brincadeira, e corou de novo. Era engraçada e fofa a maneira como suas bochechas ficavam vermelhas quando eu a elogiava ou algo do tipo. Definitivamente, ela era muito tímida!
— Posso te dar umas aulas, se você quiser.
Foi a minha vez de sorrir e de voltar ao assunto. Quem diria, eu queria voltar a estudar História!
— Mas então, a fase das trincheiras foi a mais mortal de todas? — eu perguntei a ela.
— Certo. As trincheiras eram então buracos fundos, de metros e metros de comprimento. O que separavam as trincheiras de exércitos inimigos era a chamada “terra de ninguém”. Cerca de duzentos metros de um terreno neutro, onde ninguém se arriscava a atravessar, e os que tentavam a sorte morriam pelo caminho, deixando seus corpos para trás. Imagine então o estado em que viviam os soldados.
Eu não quis imaginar. Devo ter feito uma careta, porque ela soltou uma leve risadinha e continuou.
Tentei pensar no que fazia com que eu gostasse tanto de estudar com . Minha mente estava tão longe quanto os campos de batalha da primeira guerra. Eu passei então a olhar os detalhes de . Ela tinha leves sardinhas na bochecha, e seus cabelos estavam por trás da orelha. Alguns fios caíam sobre a testa e sobre os olhos. Ela fechava os olhos enquanto explicava, e, por um minuto, eu desejei ler a mente dela para saber no que pensava. Provavelmente em alguma curiosidade sobre a guerra de trincheiras.
Sua boca se movia de leve e de lá saíam muitas palavras, tantas de uma vez só! Eu poderia dizer que ela estava tagarelando todo o tempo. Era uma característica dela, eu tinha reparado nas semanas anteriores. Apesar de tímida, quando o assunto lhe interessava, tal qual agora, ela falava até que alguém a interrompesse. Talvez existisse uma maneira melhor de fazer com que ela se calasse, mas eu ainda não tinha testado.
— ? — ela me chamou — ? — ela me chamou de novo, colocando um ar de melodia ao meu nome. — ! — ela me chamou pela última vez e eu finalmente acordei e percebi que a estava encarando. Ou melhor, a sua boca.
— Desculpa, eu viajei um minuto — eu disse, balançando a cabeça. — O que foi?
— O quanto você prestou atenção ao que eu disse? — ela perguntou, quase rindo.
— Quer que eu seja sincero ou dedicado?
Ela gargalhou.
— Sincero, por favor.
— Quase nada. — ela riu de novo. — Desculpa. Eu me distraí. Eu estava olhando suas sardinhas. Você fica adorável com elas.
Ela ruborizou, e eu sorri, abaixando a cabeça, depois olhando para ela de novo, que ainda estava vermelha.
— Sua boca também é linda. Ela fala muito, mas é muito bonita — estava cada vez mais vermelha, e eu cada vez mais próximo dela. — Eu me perguntei se teria alguma coisa que a calasse. Não consegui pensar em nada melhor do que isso. — e então a distância entre nós acabou. Nossos lábios unidos em um doce beijo tomaram o lugar dela. Minha mão direita estava na bochecha esquerda de , e ela quase parecia sorrir, apesar de aquilo não ser mais do que um longo selinho. Por fim, eu finalmente percebi que eu gostaria que aquilo tivesse acontecido há mais tempo. E que, ao contrário do que eu pensava, eu estava me apaixonando por . Ela nos separou, sorrindo de leve.
— Acho que vou aceitar seu convite para a festa do time.
Eu sorri e deu um beijo em sua testa.
A música tocava alto, e todos já estavam meio bêbados, mesmo ainda não sendo nem meia noite. Quem não estava na piscina estava dançando ao redor da mesma, derramando cerveja e destilados uns nos outros. Eu tinha uma lata de cerveja na mão, que já estava quente, apesar de ainda estar cheia. Eu não tinha bebido nada naquela noite, apenas um copo de energético e alguns golpes de água da garrafa que entreguei a Andrew para que ele bebesse, antes que ele passasse mal.
Perguntei-me onde estaria , já que eu não tinha visto ela chegar ainda. Nós tínhamos trocado algumas mensagens na última semana. Se eu já achava que ela era incrível, fora da escola e da rigidez das aulas extras ela era ainda mais fantástica. Tinha assunto para todos os dias e andava me indicando filmes e séries sobre história. Eu, como bom aluno, assisti a todos, sem pestanejar, e até tinha convidado-a para assistir a um deles comigo, mas ela alegou que tinha alguns trabalhos de última hora para entregar. Com a mesma resposta, ela desmarcou a aula dessa semana, mas mesmo assim me enviou o teste sobre Primeira Guerra Mundial em anexo a um e-mail, que dizia: “Não vale colar! Eu vou saber se você o fizer. Confio em você. Xx ”. Eu ri e imediatamente comecei a responder o teste. Demorei quase uma hora, mas terminei e anexei meu arquivo com as respostas, comentando no corpo do e-mail: “Sem colar. Que bom que confia em mim (: Xx ”. Ela só voltou a entrar em contato na noite do dia seguinte, quando me mandou uma foto do meu teste corrigido, exibindo um A- em caneta rosa, e a legenda dizendo: “Estou orgulhosa, gafanhoto. Te vejo no sábado”. Eu estava nas nuvens com a nossa convivência. Eu queria vê-la todo dia, conversar com ela todo o tempo, e eu simplesmente não conseguia pensar em mais nada, só nela.
— Oi, — alguém me chamou pelas costas, me tirando dos pensamentos em . Virei-me e encontrei Gabrielle, a capitã das líderes de torcida.
— Oi, Gabrielle — eu fui gentil, sorrindo.
— Está sozinho hoje? Que coincidência, eu também! — ela disse, claramente bêbada e quase se jogando em cima de mim, rindo muito.
— Eu estou esperando uma pessoa — eu disse, tirando os braços dela dos meus ombros enquanto ela tentava me abraçar de novo.
— Nós podemos nos divertir enquanto ela não chega, então. — ela disse, chegando perto demais do meu rosto. — Vamos lá, , você também quer isso, que eu sei. — então ela me beijou, a força. Sua boca tinha cheiro e gosto de muitas bebidas misturadas, e Gabrielle estava jogando todo o seu peso contra mim, o que logo nos derrubou no sofá da casa de Toby, o capitão do time, onde era a festa. A única coisa que passava na minha cabeça naquele momento era que eu precisava tirar Gabrielle de cima de mim, poderia chegar a qualquer momento. Porém, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, eu ouvi a porta da frente bater e sabia muito bem quem era. Deixei Gabrielle no sofá, tirando-a de cima de mim sem muita delicadeza. Eu não me importava no momento. Tudo o que eu queria era achar . Eu precisava explicar tudo. Não dava para ficar sem ela. Não mais.
They say that hearts don't lie
The head might try but it won't be right
You tell me what you feel inside
Tonight, tonight, tonight, tonight
— ! — eu gritei e corri, sem pensar muito. Ela estava quase atravessando a rua, na esquina, e eu estava esbaforido quando cheguei lá. — , por favor! — eu disse, me recompondo, até que ela se virou.
— O que é, ? Vai tentar se explicar agora? — ela perguntou, com os braços cruzados e os olhos um tanto vermelhos. Eu nem precisava conhecê-la tão bem assim para saber que aquilo era cara de choro. — Vai dizer que ela que se jogou em cima de você e que você até tentou sair? Eu já caí nessa uma vez, não vou cair de novo! — ela gritava, lágrimas escorrendo de seus olhos, e eu só conseguia pensar que tinha estragado tudo, e que agora ela estava ali, gritando comigo, e tão linda, num vestido colorido, de jaqueta jeans e all star.
— Mas foi exatamente isso que aconteceu! Ela estava bêbada, ! — eu falei, me aproximando cada vez mais dela.
— E, pelo jeito, você também. — ela disse, se virando de novo.
— ! — eu gritei. Ela estava atravessando a rua e eu corri atrás dela, sem pensar duas vezes.
— Se você está achando que eu vou me virar de novo, você está enganado! — ela respondeu. Então, parou na esquina seguinte, suspirou e se virou, contrariando o que tinha acabado de dizer. — , eu te dei uma chance. Eu conheci você, me encantei por você, você fez com que eu me encantasse por você! Eu me apaixonei por você, e então você repete o erro do Andrew! Eu não tenho palavras para dizer o que eu estou sentindo por você agora. — ela disse, e escorriam lágrimas e mais lágrimas dos seus olhos. — Eu não sei mais o que pensar. Eu tinha razão. Você me fez pensar o contrário, mas depois dessa noite eu tenho certeza: jogadores de futebol são todos iguais.
Ela se virou e continuou seu caminho, me deixando ali, com os olhos marejados e o coração partido. Eu perdi .
— Ah — ela disse, e meu coração deu um pulo — Nem pense em pedir minha ajuda para a prova de História. — mas a prova de História era a última coisa que eu estava pensando naquele momento. — Se vira sozinho. Ou melhor, pede ajuda para a Gabrielle! — ela voltou a caminhar.
— Eu também me apaixonei por você — eu disse, com um resquício de voz, antes de sentar no meio fio e chorar.
Everybody messes up some days
Ain't got no rhyme or reason
A prova de História se aproximava, e eu não conseguia mais tocar em nenhum dos meus livros ou filmes ou seriados. Tudo me lembrava , e lembrar me deixava triste e sem vontade de mais nada.
Todos tinham reparado que eu estava diferente. Minha mãe me perguntou se estava tudo bem, e eu automaticamente respondi que sim. Andrew também perguntou e disse que eu estava estranho desde a festa. Ele não sabia sobre e eu, então contei tudo.
Gabrielle veio tentar se desculpar e disse que não lembrava o que tinha acontecido naquele dia, mas eu apenas a ignorei. Eu mal conseguia olhar para ela sem pensar em chorando. E lembrar de chorando me fazia chorar.
Minha mãe um dia chegou em casa e eu estava chorando. Na televisão da sala, passava um documentário sobre a Primeira Guerra Mundial, e se eu conhecia e tinha ideia do que estava acontecendo ali, era graças a . Minha mãe se sentou ao meu lado, passou a mão nos meus cabelos, e eu tentei parar de chorar e lhe contar tudo.
— Não precisa, . Eu sei de tudo. Eu te conheço tão bem, meu filho — ela disse com um suave sorriso. Eu pensei no quanto o sorriso de parecia com o dela. E, então, sorri. — Você gostava dela, não era? — perguntou.
— Mais do que de qualquer outra garota, mãe.
— E eu tenho certeza de que ela sentia o mesmo, meu amor — ela falou, beijando minhas bochechas. — Vocês vão conseguir se acertar. Está tudo bem.
Depois disso, eu fui ao meu quarto e dormi. Era sexta-feira, então dormi até o meio-dia do sábado. Acordei e tudo parecia mais claro. Tomei um banho. Pensei em mim mesmo em vez de em . Pensei na prova de História, que aconteceria na semana seguinte, e no quanto eu ainda precisaria estudar. Pensei em tudo que deveria ter pensado durante a semana anterior, e, então, pela primeira vez em dias, eu me senti realmente bem. Ou quase. Meu coração continuava em pedaços.
Meus livros de História, que eu tinha praticamente escondido, voltaram a aparecer, bem como as vídeo aulas. Eu assistia a tantas e de tantos assuntos que as informações se misturavam em minha mente. Porém, quando eu consegui responder a última questão proposta pelo livro e ela estava correta, eu suspirei aliviado. Eu podia ter perdido para sempre, mas guardaria comigo um pedacinho dela comigo: tinha sido ela quem me ensinara História.
A prova tinha sido marcada para às 16 horas naquela quinta-feira, que amanheceu chuvosa e nebulosa, atípica para o verão de nossa cidade, este que costumava ser sempre abafado e ensolarado. Eu tinha passado todo o dia ansioso, pronto para fazer a prova, mas sempre revisando e assistindo a um pedacinho importante de uma vídeo aula ou outra. Era a última semana de aula, e Horton High estava caótica. Os veteranos já aprovados estavam levando toda a direção à loucura, e quem ainda tinha ficado com provas ou trabalhos pendentes andava pelos corredores com a cabeça nos livros, sem se incomodar com possíveis esbarrões e acidentes. As aulas remanescentes eram interrompidas a todo o momento pelas garotas responsáveis pelos Prom Cupid, que ficaram incumbidas de ajudar os garotos que desejassem convidar alguém para o baile de início de outono a preparar o pedido perfeito. Eu sorria a cada pedido, obviamente imaginando eu e juntos. Ela não estava mais indo à escola, ou pelo menos, se estivesse, eu não a via. Talvez fosse melhor assim.
Pontualmente às 16 horas, o sinal tocou, e eu, ansioso, que já aguardava na sala desde o sinal da última aula, às 15:35, comecei a prova. Sorri ao ler uma ou outra questão que eu saberia responder com clareza. Comecei a ler a prova e murmurava sozinho, me lembrando das técnicas de memorização de e das explicações dos professores nas vídeo aulas. Quando eu finalmente cheguei à questão de número 20 e encontrei nas opções a resposta que eu acreditava ser a certa, suspirei aliviado, marcando um círculo ao redor da alternativa na prova, e marcando a bolinha correspondente à mesma no gabarito. Estava feito. A prova que definiria meu destino estava, finalmente, terminada.
— Terminei — eu disse, sorrindo, e estendendo o gabarito à professora, que sorriu de volta para mim, deixando de lado por um instante a correção dos trabalhos de sua turma avançada. Perguntei-me quanto teria tirado, e imediatamente um A+ me veio à mente, o que me fez sorrir.
— Está tudo bem, ? — a professora perguntou, já começando a corrigir minha prova. Eu preferi não olhar, então me afastei alguns metros e sentei sobre a carteira mais próxima.
— Eu acho que sim.
— Você e se deram bem, pelo que eu soube. — ela falou, parando por um minuto, e me olhou, sorrindo.
— É, podemos dizer que sim. — eu dei uma risadinha lembrando de nossos momentos juntos.
— Ela gosta muito de você, sabia? — a senhorita Martin disse, voltando ao meu teste, mas ainda com um sorrisinho no rosto. — Pense nisso. — Passando a caneta pelo papel uma última vez, ela me estendeu o mesmo. — Meus parabéns, . Você merece — ela falou, com um grande sorriso, e se levantou.
E só então eu tive coragem de olhar para o papel.
Winter, summer, spring, or fall
I'll be on the line waiting for your call
Faltavam alguns minutos para o último jogo acabar, e eu permanecia em meu posto, na frente do gol, pela última vez. Quatro anos de jogos, vitórias e derrotas chegariam ao fim com uma última vitória, se dependesse de mim. O atacante do time da Preston Preparatory Academy corria em minha direção, numa velocidade que nenhum de nossos jogadores alcançaria a tempo. A vinte metros do gol, ele arrisca o lançamento...
Que falha miseravelmente!
A bola fica presa à rede do meu taco, e, da mesma maneira que eu comemoro, o garoto da Preston se joga de joelhos no gramado, levando as mãos ao rosto. No instante seguinte, o apito final soa e toda a torcida da Horton High vai à loucura. A vitória era nossa!
Ao mesmo tempo, todos os jogadores do time se reuniram ao meu redor e me levantaram, me entregando à taça e me jogando de leve para cima. Eu não conseguia parar de sorrir, apesar de meu pensamento ainda estar preso em . Era impossível não pensar nela naquele momento. Tudo levava a ela. Meu desempenho estava bom no lacrosse graças ao meu bom desempenho na prova, que era consequência de nossos estudos. Tudo levava a ela.
Os garotos pararam por um minuto, e então me desceram do alto e saíram dos arredores. Eu estava de costas e não entendi nada, até que me virei.
estava ali.
Sorrindo para mim.
Na minha frente.
— Oi, campeão. — ela disse, ainda com seu lindo sorriso no rosto. Meu coração dava voltas em meu peito, não sei se pela presença dela ou por toda a adrenalina do jogo, e eu imediatamente comecei a sorrir.
— ...
— Eu tenho muita coisa para te falar, então fique quieto por pelo menos um segundo. Depois dizem que eu é que sou a tagarela... — ela falou, e eu gargalhei. — Escute, eu sei o que aconteceu. Tudo. A festa, nossas aulas, sua semana ruim, tudo. Andrew me contou tudo. Se estou aqui hoje, você deve a ele.
Eu virei para trás, e meu melhor amigo piscou para mim enquanto deixava o campo abraçado a um de nossos companheiros de equipe.
— Ele não é tão ruim quanto eu pensava, no fim das contas — ela disse, e eu me virei para ela, que ainda sorria. Meu coração continuava a dar voltas em meu peito. E, dessa vez, eu sabia que era por causa dela.
— , você me fez sentir o que ninguém, em alguns anos, me fez sentir. Você me fez sentir tudo. Tudo ao mesmo tempo. Alegria, orgulho, satisfação, realização. Você me realizou. Você me trouxe de volta ao que eu era. A minha vida costumava ser uma linda primavera, e então tudo aconteceu. Andrew, meu coração partido. Tudo isso transformou meu coração em um grande bloco de gelo, como os que nós vemos durante o inverno. Mas aí você e o nosso verão de estudos chegou, e tudo voltou ao que era. A primavera que eu costumava ser, que a minha vida era, voltou. Sei que isso não faz sentido algum, e que essa também não é a sequência correta das estações, mas nada disso importa agora. O que importa é que você é como o verão para mim. Você é a primavera. Você é o inverno também, não podemos negar que temos invernos e verões dentro de nós. Mas você também é o outono. Porque você é o outono, e ele é a minha estação preferida.
E, então, eu simplesmente a puxei pela cintura, e nosso beijo foi uma mistura de todas as estações do ano.
All I know is I'm yours, yours, yours, for every season
Yours, yours, yours, for every season
O outono começava de novo, e, com ele, as folhas das árvores caíam secas e cobriam as calçadas e as ruas. Nossa cidade estava tão fria quanto nos anos anteriores, e eu imaginava que Chicago não seria muito diferente.
A última caixa foi para o porta-malas, e eu sorri ao ver que tinha sido a colocá-la lá. Eram meus últimos dias em nossa pequena cidade, e eu e ela estávamos mais inseparáveis do que nunca. Tomávamos café da manhã juntos no diner, eu a deixava na escola e buscava de volta às 15h, e então íamos a casa dela, onde, enquanto eu inventava alguma coisa nova para o lanche, ela abria os cadernos e livros e estudava. Ela estava mais uma vez nas aulas avançadas de História e Literatura e tinha adicionado Inglês Avançado ao currículo também. Eu estava orgulhoso da minha garota, que sorria para mim enquanto eu fechava o porta-malas.
— Você nunca vai me contar qual foi a sua nota na prova final de História? — ela disse, sentando no chão da varanda da minha casa, e eu a acompanhei, passando minhas mãos por sua cintura e a puxando para mais perto, deixando um beijo no topo da sua cabeça.
— Nunca é muito tempo.
— Qual é, ? Você sabe que eu sou muito curiosa. Me conte ou eu vou perguntar a sua nota à professora Martin.
— Ela não vai lhe contar. Nós dois temos um pacto.
— Droga! Acho que vou ter que me contentar em nunca saber o seu desempenho naquela prova.
— Eu já disse que nunca é muito tempo.
— E para sempre, também é?
— Depende. Para sempre o quê?
— Nós dois ficaremos juntos para sempre? — ela me perguntou, olhando fundo nos meus olhos, e eu sorri.
— Nesse caso, eu acho até pouco tempo. — eu a beijei.
e eu passamos mais muitos outonos juntos. E verões. E invernos. E primaveras. Eu nunca contei a ela a minha nota na prova final. No fim das contas, ela acabou descobrindo pela minha mãe que eu tinha tirado um A+. E eu fui muito bem recompensado por aquele A+.
Fim
Nota da autora: Antes de qualquer coisa, preciso dizer: OBRIGADA, OBRIGADA, OBRIGADAAAAAA! Muito obrigada primeiramente a você, por ler tudo isso e se jogar de cabeça comigo nessa linda história que foi Seasons. Eu amei escrever cada palavra dessa shortfic, apesar de tudo. Foi, definitivamente uma das melhores e maiores fics que eu já escrevi, e eu já a amo de paixão!
Segundo, quero agradecer a Ju e a todas as meninas envolvidas no ficstape por todo o apoio, orientações, tudo mesmo! Adorei conhecer todas vocês, espero que possamos nos reencontrar nos ficstapes da vida! HAHAHAHS
Terceiro, ao cantor maravilhoso dessa música que tem tanto significado pra mim. Mesmo que ele não saiba e nem leia isso, me sinto super na obrigação de agradecer. Obrigada, Olly!
E é isso, espero que vocês tenham gostado, que amem a história de nossos personagens tanto quanto eu já amo.
Beijinhos de caramelo!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Segundo, quero agradecer a Ju e a todas as meninas envolvidas no ficstape por todo o apoio, orientações, tudo mesmo! Adorei conhecer todas vocês, espero que possamos nos reencontrar nos ficstapes da vida! HAHAHAHS
Terceiro, ao cantor maravilhoso dessa música que tem tanto significado pra mim. Mesmo que ele não saiba e nem leia isso, me sinto super na obrigação de agradecer. Obrigada, Olly!
E é isso, espero que vocês tenham gostado, que amem a história de nossos personagens tanto quanto eu já amo.
Beijinhos de caramelo!
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