Prólogo
O amor é sofredor, é benigno, o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não ensoberbece. (1 Corintios 13:4)
Capítulo Único
Eu acho que a saudade me encontrou...
Podia dizer que não sentia mais nada por aos quatro ventos. Podia dizer que se sentia “a desapegada” do grupo de amigas, podia dizer que não queria que tivessem dado certo. Mas não era assim, não quando o assunto envolvia . Seu primeiro amor.
Moravam no mesmo prédio, apenas em apartamentos diferentes. E o que antes era lucro, já que facilitava o convívio de ambos. Agora era uma tortura. Desde que terminou com , há nove meses, evitava todos os lugares no qual sabia que ele estava. Pelos três anos de namoro sério e todos os outros de convivência, ela sabia o horário em que ele chegava do trabalho e todas as outras coisas. Então respirou fundo e encarou as escadas. Evitando de pegar o elevador. Sabia que o elevador causaria um encontro e ela e no mesmo ambiente - tão pequeno e quente - não daria coisa boa, ou talvez a coisa seria boa. Entretanto, não tão certa, pelo menos não para o momento. Encontrou Senhor Lorenzo na portaria, o porteiro do prédio era um senhor de 62 anos. Simpatia em pessoa e uma das pessoas com quem mais amava conversar. Eram inúmeras as vezes em que eles conversavam e brincavam. Ou ele dava alguma lição de vida para . Tanto que, quando terminou com , ele foi a primeira pessoa que a ouviu.
- Menina, como você está?
- Cansada e o senhor?
- E ainda vai enfrentar tantas escadas? Deveria parar de evitá-lo.
- Não estou evitando ninguém, Lore.
- Imagine, está ignorando o elevador desde que sabe que o pega nos mesmos horários do que os seus.
- Eu não faço isso.
- Então suba de elevador. Ou não confia em si mesma?
- Não confio em mim e nem ele, Lore.
- E isso é ruim? Não acho que a palavra seja confiança, você o ama e não consegue esconder isso o encarando num local no qual só estão vocês dois.
- Eu não escondo sentimentos, somente finjo que eles não existem.
- Deveria tomar atitudes de uma mulher, menina. Você já tem 24 anos.
- Eu vou de elevador, Lore. Mas se acontecer algo eu culpo você! – Ela riu e chamou o elevador. Ele vinha do estacionamento do prédio e pretendia que ninguém estivesse ali dentro. Por mais que soubesse que fosse o encontrar ali. Era óbvio.
Dito e feito.
Quando o elevador abriu as portas encontrou mexendo no celular, mas parou ao vê-la entrar no cubículo. Somente ele e uma outra adolescente estavam no elevador. Tudo bem, precisava respirar. Entrou e nem se deu o trabalho de ir para a parede de fundo. Virou-se de costas e tentou controlar a respiração. Ele não havia tirado o olhar dela desde que a viu e ela não sabia se isso era bom ou ruim.
Por que morava no décimo andar? E por que ele morava dois andares depois do dela? – Ela só sabia praguejar tal fato.
Primeiro andar.
E o silêncio permaneceu até a adolescente deixar o fone de ouvido cair e a música sair pelos autofalantes do celular. Foram poucos minutos, mas o trecho da música de Jorge e Matheus ecoou pelo elevador e fez e congelarem.
Eu to tentando te encontrar
Mas não consigo achar você. (...)
Segundo andar
E a jovem desceu em seu andar, deixando apenas os dois ali. O silêncio parecia ensurdecedor, eles queriam falar algo, mas ao mesmo tempo preferiam manter o silêncio e ao mesmo tempo queriam falar algo e acabar com aquela tensão.
Terceiro andar.
Ela sentiu uma aproximação e deu um passo pra frente, mas se arrependeu no segundo seguinte e voltou pra trás escorando-se.
Quinto andar.
Faltavam apenas cinco e não sabia se podia se responsabilizar por tais atos dali pra frente. Queria sair daquele compartimento pequeno que fazia tudo voltar com toda força possível. A saudade parecia estar aparente, os sentimentos a flor da pele. A tensão e o tesão apareceriam logo em seguida. E por fim a atitude de ambos, porém o orgulho era mais forte. Pelo menos da parte dela.
Sexto andar.
- Quanto tempo... – Ele pronunciou-se e ela gelou, vacilou entre respondê-lo ou ignorar tal fato pois aquilo iria desencadear algo. Mas ela não conseguia ficar na dela quando assunto era ele.
Sétimo andar
- A vida anda corrida... – Ótimo, ela fingia que não ficava sentada em algumas noites enquanto revivia lembranças em flashbacks dos dois.
- Nós moramos no mesmo prédio, pensei que fosse te encontrar mais vezes.
- Eu tenho tido turno até mais tarde.
Oitavo andar
- Achei até que tivesse se mudado.
- Não compensaria.
Nono andar
- É verdade...
- Pois é.
Décimo andar.
suspirou de alívio ao lembrar-se de que podia sair dali e parar de enfrentar toda aquela bolha de saudade entre ela e
- É meu andar, até mais.
- Até mais, . E eu vejo você subindo pelas escadas. – Ar? Era a última coisa que tinha no corredor de . O elevador fechou e ela não se deu o trabalho de olhar pra trás. Ela sabia que não devia ter entrado ali e nem estar tão próxima de . E ele ainda não tinha cooperado. O combinado era aquele, pelo menos na sua cabeça. Ele não falava e a evitava e ela igualmente, mas isso não tinha acontecido. Havia encontrado e ele havia puxado papo e ainda sabia da sua forma de escapar dele todos os dias. Não parecia certo. Mas ela não sabia se considerava aquilo uma boa ideia. Dessa vez, trocou a noitada de quinta-feira por seu chuveiro. Precisava relaxar. Precisava parar de pensar em .
Encarou a cama totalmente arrumada e lembrou-se das diversas vezes que encontrou a cama revirada. Porque ela e simplesmente não deixavam a cama arrumada. Por um motivo ou outro os lençóis sempre estavam revirados.
- Nós precisamos levantar, .
- Não quero levantar.
- São duas da tarde, quem acorda às duas?
- Nós dois.
- Eu estava cansada.
- Mas nós nem fizemos nada ontem. – Ele riu debochado.
- Eu sei, eu cheguei e dormi.
- E me deixou na mão. – Ele fez uma carinha triste, simulando decepção. E ela riu ao olhar pra ele.
- Mas agora temos que levantar. – Ela disse e sentiu a aproximação dele e uma das mãos em sua cintura enquanto a outra tirava seus cabelos do pescoço.
- Temos mesmo? – Ele depositou beijos descendo para o ombro.
- Talvez.
- Não acho que essa é a resposta certa. – Ele repetiu o ato, porém dessa vez abaixando a alça da camiseta que ela usava. E deixando o sutiã rosa de renda a mostra e procurando o fecho da peça íntima.
- Nós definitivamente não precisamos levantar. – Ela riu ao dizer a frase na qual ele queria escutar e os lençóis foram revirados durante a tarde inteira.
A saudade chegava a judiar. Fazia a moça virar doses e doses de qualquer coisa que a fizesse esquecer momentaneamente, mas nada parecia funcionar. A saudade sempre voltava. Estava desgastada de todas essas noites, dessa bagunça e de bocas que só duravam uma noite. Estava enjoada de bocas que não fossem a de . Pareciam despedidas, só que de alguma forma, sempre. No fim da noite ela lembrava de quem ela realmente amava e isso era algo natural. O único medo era amar a pessoa errada. Depois de tanto tempo, não sabia se sentia a mesma falta. Ela não o via postar fotos em mil baladas. Ou qualquer outro tipo de lugares regados a pessoas que queriam beber e dançar até não aguentarem. Ele sempre fora reservado e ela também, então de alguma forma ela havia se tornado alguém que ela nunca foi. Ela se fantasiou de uma garota desapegada, que segue a vida, para alguém que só trabalhava e bebia. Mas de duas semanas pra cá, ela seguia quase ao pé da letra músicas sertanejas. Ultimamente ficava mal à toa, sobrava apego, faltava entendimento. A ficha havia caído que ela não conseguia não sentir falta de . Sabia que viveria sem ele, ele não era tudo. Ela sabia ser tudo sem ele, mas não queria. O queria perto dela. Porque ele a transbordava. E isso sempre tinha sido suficiente. Não sabia o que o amor dos dois tinha de tão diferente, mas a prendia e a fazia querer reatar com o homem desde o exato minuto que ele saiu do apartamento dela. Lembrou-se da quantidade de coisas de que estavam em seu apartamento. Cada mínimo detalhe daquele apartamento tinha . E ela se odiava por isso, odiava-se por sentir a falta que ele provavelmente não estava sentido. Devia estar sentado conversando com qualquer amiga, ou até atual namorada no outro apartamento e ela simplesmente estava sentada na própria cama analisando as lembranças que tinha com o ex-namorado.
Ouviu dizer algumas vezes que pra desapegar precisava desapegar-se das coisas da pessoa. Então decidiu pegar tudo que tinha dele naquele lugar e sair. Abriu as portas do guarda-roupa pegando as roupas que viu ali e as colocou em cima da cama. Indo em direção a uma sacola para colocá-las ali. Olhou para os porta-retratos na cabeceira da cama e deu um meio sorriso ao lembrar-se dos momentos da foto. Tudo tinha ele. Parecia que qualquer coisa a faria o lembrar. O apartamento parecia um campo minado, haviam portas retratos, roupas, o cheiro dele. Uma saudade que não passava. Havia um campo minado de lembranças, já havia sido feliz com ele.
Sempre foram diretos um com outro, ambos sempre se entendiam. Então ignorou a saudade que estava quase transbordando pelos olhos. Pegou a caixa e saiu do apartamento chamando o elevador.
Décimo primeiro andar.
Décimo segundo andar.
Bateu na porta antes de perder a coragem insana que havia conseguido e respirou fundo quando viu abrir a porta do apartamento sem camisa e com uma bermuda jeans. As malditas tatuagens ficaram mais aparentes e a forma na qual ele estava com os braços cruzados e um semblante completamente malicioso. Não malicioso no sentido sexual, mas com um meio sorriso, como se entendesse aquela cena.
- Eu ia jogar todas essas coisas fora e queria saber se você quer algo. Você sabe, são coisas suas. Então eu achei que pudesse querer algumas coisas.
- O que tem aí, ?
- Roupas suas, fotos, presentes.
- E está jogando fora porque leu algum texto daquela Isabela Freitas e decidiu que tá na hora de desapegar?
- Pare de bancar o engraçadinho, eu só quero que diga. Se quiser algo eu te entrego a caixa e o restante você joga fora.
- Está jogando tudo fora por?
- Porquê terminamos.
- Deixe a caixa comigo.
- Vai ficar com alguma coisa?
- Tudo.
- Qual a necessidade de ficar com as fotos?
- Você me perguntou o que eu iria ficar e quero tudo. – Fingiu indiferença e não entendeu tal ato então ignorou o meio sorriso que ele não tirava do rosto. Então virou-se de costas e apertou o botão do elevador. E o maldito estava no térreo. Por que diabos tinham que chamar a merda do elevador àquela hora. Tudo bem, respire. ainda estava na porta a analisando.
- Pode fechar.
- Não quero.
- Por quê?
- Estou te observando.
- Pare de ser infantil.
- Você devolveu tudo que passamos e eu sou infantil? – Podia ter ficado sem aquela.
- Eu devolvi os pertences materiais, as lembranças não inventaram alguma maneira de devolver.
- Não precisava jogar tudo que tivemos fora, .
- Não foi só culpa minha.
- Eu não disse que foi, mas você está inventando alguma maneira de me arrancar de você.
- É necessário, .
- Não é. – Ela cogitou a possibilidade de virar-se, mas viu que o elevador já estava no sétimo andar. – Não é e você e eu sabemos. Nunca foi necessário. – Ela o sentiu se aproximar e se manteve quase congelada. – Você não precisa me arrancar de você, . Nem as lembranças e nem eu mesmo.
- Nós não estamos mais juntos.
- Porque você não quer. – Aquele você veio regado de malícia e foi falado ao pé do ouvido de , o que só fez com que cada pelo de si se arrepiasse. Sabia do efeito que ele tinha sobre ela.
- Nós dois não queremos.
- Se você quiser, eu quero sim. – Ele dedilhou sua cintura e ela já não sabia se ia conseguir escapar do jogo de . – Quero muito. – Ele continuou subindo com os dedos e alcançou seus ombros fazendo carinho em seus ombros e aproximou a boca dali respirando forte. – Eu quero uma única coisa em específico que vai resolver tudo isso. – Ele finalmente encostou a boca em seu ombro depositando pequenos beijos até chegar em seu pescoço e ela acabou começando a ceder e curvou o pescoço liberando o local para que ele prosseguisse com os carinhos. – Quero você e nunca deixei de querer. – Ele segurou levemente o rosto da moça pelo queixo e a virou de lado deixando as bocas próximas. – E eu sei que você nunca deixou de me querer também. – Ele encostou as mãos em sua cintura e a virou de frente. o encarava com as íris totalmente escuras e o desejo era aparente entre ambos. – Você quer, não quer, ? – Ele sussurrou encostando a testa na dela. E só recebeu o olhar dela cada vez mais intenso. – Diz pra mim que quer? – Ele esperava que nesse momento ela respondesse e afirmasse que sim. Ele esperava que ela somente o beijasse. Ele esperava tudo isso, mas ela ignorou todo esse desejo e vontade e virou-se entrando no elevador - Se você me quiser mesmo, vai lutar por isso.- E fechou o elevador sem nem pensar no que aquilo traria pra sua vida. A insegurança e o orgulho ganharam mais uma vez. E ela deixou ali, pensando que a noite terminaria igual mais uma vez. Era sempre assim. Sua cabeça pensava que ele não lutaria por ela. Não lutou durante todos os meses, por que logo agora?
ainda parado na frente do seu apartamento encarou a caixa e olhou para o elevador pensando que a havia deixado escapar mais uma vez. Diante de poucas oportunidades, ele havia perdido mais uma. Mas não pretendia deixar as coisas como estavam. Tinha um plano em mente e, mesmo que isso custasse várias coisas, o cumpriria. Se queria que ele lutasse por tudo que tiveram, ele iria lutar.
Duas semanas haviam se passado desde aquele reencontro que poderia ter resolvido toda situação entre o casal. Entretanto, continuava fugindo. Evitava chegar nos mesmos horários, evitava encontrar , evitava os mesmos lugares e qualquer coisa que o envolvia. Sentia-se mal por isso, mas para esquecê-lo precisava continuar com tal comportamento. Era sábado, dia vinte e quatro de dezembro. Desde que se mudou pra filial da empresa em Belo Horizonte, não conseguia passar o natal com a família. Eram raras as datas, geralmente comemorava com , mas dessa vez não aconteceria também. Então havia saído e comprado algumas besteiras e passaria a noite no apartamento vendo Netflix e alguns filmes natalinos. Pelo menos na ficção podia se iludir.
- Não vai pra casa, Lore? - Ela questionou o amigo passando pela portaria.
- Já devia ter ido, mas tinha que lhe entregar algo.
- Me entregar?
- Sim, me pediu pra te entregar isso. – Ele estendeu uma caixa vermelha em tamanho grande e ela o olhou confusa.
- Ele disse algo?
- Somente pediu pra te entregar.
- Aham. Obrigada, Lore.
- ?
- Sim?
- Não desperdice a chance que o destino deu pra vocês. – Ela não quis responder apenas assentiu, agradeceu e lhe deu um abraço de feliz natal. Queria saber o que levou a comprar-lhe um presente. Mas pegou a caixa e entrou no elevador.
Não esperou nada pra chegar e abrir a caixa que havia lhe enviado. Encontrou dentro da caixa grande, diversas caixas. No início não entendeu, mas começou a abrir cada uma. Uma tinha uma árvore de natal pequena em pé, completamente montada. E sorriu sem perceber, não entendia o intuito do presente, mas já estava gostando. Na segunda caixa tinham DVD s com a lista de filmes que costumavam ver juntos. Ele se lembrava de cada detalhe e isso a deixava feliz de alguma forma.
A terceira caixa tinham cartas, o que a deixou confusa. Não eram uma ou duas cartas, chegavam a pelo menos dez. O que, de fato, não entendeu. Foi até a cozinha e pegou alguns chocolates e sentou-se no tapete novamente. Se tinha que ler aquelas cartas, seria naquela hora. Percebeu que as cartas eram numeradas do 1 ao 10.
Não sei se está lendo essa carta, já que você é imensamente orgulhosa, e, se está lendo, deve conseguir entender minha letra. Eu espero que sim. Se você venceu sua insegurança e orgulho e a abriu, não deixe de abrir as outras. Não deve estar entendendo o intuito desses presentes. Tampouco dessas cartas, mas tudo vai fazer sentido um dia desses. Ou quem sabe nas próximas cartas. Eu não devia sentir tais coisas e nem te escrever. Eu errei e você também, mas nós dois precisávamos de uma conversa. Mas ela não aconteceu e tudo acabou da forma mais cruel possível. Faz um mês que não te vejo, você me ignora inteiramente, muda os lugares em que passa, parou de frequentar a mesma cafeteria e até não vai nos shows que íamos em comum. Um dia desses achei seu CD do Jorge e Matheus e deixei no meu carro. Me fez lembrar de você e isso é bom. Sabe, você foi a melhor parte da minha vida e eu não queria perdê-la assim; contudo não depende só de mim. E então, eu espero que um dia você me perdoe, mesmo que indiretamente eu possa a ter de volta. E que essas cartas ajudem nisso.
Deitou-se com a cabeça no sofá e mentalizou o que estava acontecendo, ele escrevia pra ela? Até hoje? Lembrou-se das cartas que havia devolvido pra ele e praguejou-se por isso. Parecia realmente uma atitude infantil. Maldição. Tomou um gole do chocolate quente e pegou a segunda carta. Podia imaginar que choraria rios naquela noite, mas não imaginou que contribuiria com isso.
Hoje sou um misto de solidão e necessidade de companhia. Confesso que há dias em que agradeço aos céus por estar sozinho, brincando com as loucuras do meu mundo interno, cozinhando o que me vem à mente, ouvindo as músicas que me tocam o coração, mas há dias em que abro a janela somente para ouvir os carros passarem ou me entrego a uma simples televisão ligada, só para me sentir menos sozinho. Esse misto de solidão, que tanto gosto, com essa saudade de companhia, que tanto preciso, é uma linda história de anos... Uma história que você fez parte. E que, por mim, ainda poderia fazer. Mas agora eu desfruto da solidão dos meus dias, com a esperança que um dia desses você vai aparecer na minha porta dizendo que foi um mal-entendido e que não queria me dar adeus. Que era só um até mais e que estava comigo de novo.
Será que você ainda pensa em mim? Será que ainda guarda as nossas fotos em algum lugar, usa algum dos presentes que eu te dei? Será que você, às vezes, se pega pensando onde eu estou, o que estou fazendo, se está tudo bem?
Sabe, eu fico aqui, depois desse tempo todo, ainda me questionando sobre isso. Não é possível que não exista mais nada meu aí do seu lado de dentro. É? Pelo menos do lado daqui tem muita coisa sua, mas não fui eu que disse adeus. Talvez isso influencie, não sei. Eu ainda sei o som da sua voz, da sua risada, eu me pergunto onde você está, se mudou de casa, e se ainda vai ao cinema. E, se vai, se pensa em mim e em como fui eu que te “ensinei” a amar cinema... É difícil, entende? Um amor tão grande acabar assim, feito dente-de-leão voando por aí, sem rumo. Eu queria saber se você ainda pensa em mim ou se não, queria aprender como se esquece alguém assim. Porque, olha, dói pensar em você, saber seu número de cor e não poder ligar, saber o seu endereço e não poder aparecer. Aliás, eu nem sei se eles são os mesmos ainda. Tá vendo? Essa incerteza do que sobrou dói tanto. Será que você também se sente assim ou com você a vida pegou mais leve? Eu queria um sinal qualquer de que você não me esqueceu. Só para eu saber que não tô sozinho nessa. Mas, tudo bem. Talvez, sinal nenhum também seja alguma coisa, não é?
Ela realmente estava começando a questionar os sentimentos que estavam renascendo com aquelas cartas. E perceber como ele se sentia todos esses meses que ela se afundou em bebidas e beijou outras bocas a fim de esquecê-lo. Mas não havia funcionado e sabia que cada um criou uma maneira de lidar com a solidão, já que ela estaria ali de qualquer forma. Ela se rodeou de pessoas, mas continuou se sentido vazia. Ele enfrentou a solidão e a esperou. Às vezes relacionamentos terminam sem ter um motivo em específico. Fica complicado lidar com todas as coisas e não dá pra segurar a barra. E foi o que aconteceu com os dois e o que restou foi a saudade. Respirou fundo antes de abrir a terceira carta, não achava que ia conseguir ser forte a tal ponto, mas precisava disso.
Sempre fui minha maior decepção, sabe? Eu sempre perdi tudo que eu amava e isso incluiu você. Quando te perdi foi estranho, no início parecia o fim do mundo e agora, com três meses, eu tenho certeza que foi o fim do meu mundo. Perder você me fez mudar, sofrer tua ausência me fez crescer e perceber o quanto o mundo é pequeno sem você. Me desculpa por ser meio tolo, ciumento e por não ter conseguido segurar a famosa barra, (já diria raça negra) me ajude a segurar essa barra que é gostar de você. E deixando as brincadeiras de lado, ou não, eu realmente sei que preciso te esquecer. Eu só não quero, não quero perdê-la. Pelo menos não de dentro de mim, eu tenho você guardada, sabe? Bem no fundo de mim. Você me disse uma vez que não existia dor que uma melodia não pudesse curar. Mas pra quem amava aqueles internacionais eles não têm me curado. Virei fã de sertanejo. Eu nem me reconheço, esses dias ouvi “Seu Polícia” com um copo de whisky na mão - seria engraçado, se não fosse trágico. Seu CD do Jorge e Matheus fazem minhas noites serem doídas. E você deixou os antigos aqui, mas eu comprei os novos. E ando vivendo um dos trechos. Fico conversando com as paredes e elas me relembram tudo que passamos aqui, os travesseiros falam das noites de amor que tivemos aqui e o espelho parece que me mostra você saindo da porta do quarto e sumindo pelo mundo. Você está a dois andares de mim, mas parece um abismo. É difícil demais te trazer de volta?
Riu ao ver as referências as músicas preferidas dela e ao pensar nele sendo o típico sertanejo que ele tanto falava. Sabia do seu amor por músicas sertanejas e vê-lo começar a gostar por ela foi sensacional. Ela tinha começado a sorrir e percebeu que, diretamente ou não, passou o natal com ela.
Eu procurei milhões de motivos pra conseguir te ver hoje. Eu queria até sumir, ou dizer que você quem me perdeu, sabe? E me perder em qualquer paixão, só que eu te amo demais pra isso. Eu te quero tanto que chega a doer. E a saudade não deixa de conversar comigo em nenhum dia, parece que virou minha melhor amiga. E minha melhor amiga era você. E eu ia fazer um questionamento bobo, mas será que dá pra gente voltar naquele dia? Ultimamente sobra apego, falta entendimento, e eu só queria te impedir de sair daqui de casa. Eu só queria você aqui de novo. A saudade tem sido covarde, tem pegado pesado e me mostrado em cada detalhe dessa casa que tem você. Eu voltei aos velhos vícios também, sabe? Tenho bebido. E eu fico me perguntando quando é que essa saudade vai passar, mas parece que nunca. O problema é que eu errei de ter deixado você ir e agora eu não sei o que fazer pra você voltar.
Não queria parar de ler as cartas, tudo parecia querer levá-la de volta pra ele. Queria fazer com que ela largasse tudo ali e fosse pra porta do apartamento dele e simplesmente dizer que o queria de volta, mas precisava de mais coragem pra isso.
Essa carta é um pouco diferente. Eu não quero escrever, quero que você ouça e aí vai entender tudo que eu disse - e pra te provar que meu vício em sertanejo só tem fluido.
1- De trás pra frente
Essa música me lembra você de alguma forma. Me faz perceber que independente de tudo, talvez se fizéssemos as coisas de uma forma diferente, sabe? Do avesso. Eu teria você aqui de novo.
2- Você faz falta aqui.
É que eu te vejo em tudo, em cada canto dessa casa, nos cabides e nas gavetas e na cama bagunçada. O seu cheiro está grudado em cada roupa que eu usava, você foi e se esqueceu de levar a saudade na mala...
3 – De quem é a culpa?
Minha cabeça não ajuda, loucura, tortura. E que se dane a minha postura e se eu mudei você não viu, eu só queria ter você por perto, mas você sumiu. A culpa é sua por ter esse sorriso? Ou a culpa é minha por me apaixonar por ele? Só isso...
4- A gente não tá junto...
Ninguém me reconhece sem você, num canto jogado cheio de gente pra todo lado, a música alta é ruim, conhecer gente nova eu não quero e me perguntam o que aconteceu e se o culpado fui eu?
5- Beber com emergência.
Não tá fácil ficar sem você, minha menina. Eu to procurando um posto é o conveniente, eu to precisando beber com emergência e to remoendo o que ela me falou. Dessa vez, acabou. Essa moda tocando e me acabo na pinga...
Pegou o celular na mesinha de centro e selecionou as músicas no spotify criando uma playlist e iniciou as músicas, lembrando de detalhes dos dois em cada detalhe de cada música. A solidão tinha chegado e a famosa sofrência ia voltar. Ao iniciar a primeira música lembrou de que as coisas entre os dois sempre foram boas. Nunca tinham brigado por traições ou qualquer coisa grave. Todas as brigas terminavam em beijos e outras coisas na cama. Eles sempre terminavam juntos. E pensou que realmente se na última briga tivessem feito diferente, poderia ter terminado de forma diferente. Ou nem terminado.
A segunda música a fez rir vendo que ele estava se tornando realmente um viciado em sertanejo. Os trechos detalhavam cada detalhe da vida dela nos últimos meses, até o fato de vê-lo em cada canto. Tudo parecia lembrá-lo e ela parecia se afundar em um abismo cada vez mais e não o tinha ali. Mas sabia que, ao menos, ele estava no mesmo barco. E só existiam duas barreiras que os separavam: orgulho e insegurança. E não sabia como mudar aquilo, ou até sabia. Mas não tinha criado coragem pra tal fato ainda.
Te notei um dia desses, sabe... Você estava sentada na praça do condomínio e observava o nada. Olhava algo no celular e sorria. Esse sorriso era pra mim. Honestamente, a saudade desperta em mim momentos de grande imaturidade, logo eu, que sempre fui o mais maduro, o mais pé no chão. Eu não sei bem o que fazer e, no impulso, tomo atitudes das quais me envergonharia em meus momentos de lucidez. Mesmo sabendo que irei me entristecer, procuro mensagens antigas que trocávamos e leio vagarosamente relembrando o quão amor nós tínhamos. Eu procuro sinais, sintomas e brinco com as esperanças a fim de perceber que você tá na mesma. Mas volta e meia eu te vejo sorriso pra esse telefone e penso que, de alguma forma. Você tem alguém novo e que não precisa mais de mim. Isso é torturante, sabe? Pensar que você tem alguém novo. Mas enquanto eu não posso saber, enquanto isso eu fico aqui de canto apenas observando você. E cruzando os dedos pra você não encontrar outro alguém, outro beijo e qualquer outra coisa que te faça se apaixonar novamente.
Os textos ficavam cada vez mais sentimentais, deixando-a assim também. A saudade apertava e faltavam apenas três cartas. O receio e a ansiedade se misturavam causando um revertério no seu estômago e uma sensação boa no seu coração. Ele sentia o mesmo que ela. E isso já era reconfortante.
Aos poucos as palavras vão ficando escassas. Eu não tenho muito o que dizer nessa carta, só uma forma de te pedir de volta tudo que tivemos. Todas as tardes de domingo, as viagens pra fora, nosso aniversário. Aquelas ligações no meio do dia. Eu quero você de volta, mas não é como se eu fosse chegar na sua porta e te pedir isso. Essas cartas tem um plano e se por acaso eu chegar a te reencontrar, qualquer dia desses, elas serão entregues. Mas você ao menos quer me ver. O Lorenzo disse um dia desses que você não sobe o elevador em horário nenhum que eu também vá subir e que trocou até de padaria. Às vezes me questiono se todo esse amor acabou pra você.
Não conseguia imaginar o porquê dele pensar que o sentimento não fosse recíproco. Ela o amava e esperava que ele soubesse disso, mas ele não sabia. E ela queria dizer. Somente mais duas cartas.
Eu desisti.
Desisti de te esquecer, desisti de parar de pensar em você, desisti de desistir de você. Isso sequer fez sentido? Eu acho que não, mas você me entendeu. Eu tentei de diversas formas, . Eu tentei te esquecer, eu tentei parar de pensar em você e eu pensei até em beijar outras bocas por aí, como você anda fazendo. Mas é uma semana a mais que quero te ver, meu coração anda sentindo sua falta. Fiquei sabendo um dia desses que você não estava bem e que andava sentindo minha falta também. A Yasmin me disse, e você deve estar querendo matá-la agora, eu sei. Pensando bem eu sei que pra você não foi um bom negócio andar de boca em boca por aí, mas eu nem to aqui pra te julgar, já que nesse tempo, eu também me diverti. Só que acho que já deu, que a gente se ama não dá pra negar, então peço desculpas se eu te fiz chorar. Porque longe de você eu peço socorro, sabe? E ao te ver naquele bar sexta-feira passada o tempo parou e deu uma sensação que o peito apertou e eu tive a sensação que eu ia te perder, mas só queria que soubesse que comigo, de alguma forma, você nunca perdeu seu lugar.
Ele estava praticamente adaptando Matheus e Kauan nas cartas. E isso era hilário. Se ele queria conquistá-la com isso, iria conseguir. Não que ele tivesse a perdido, já que ele não perdeu o lugar que ele tinha. Olhou pra última carta na caixa e suspirou, sabe-se lá o que tinha ali, mas ela estava com uma sensação boa. Como se tudo estivesse se resolvendo.
Quero começar essa carta assumindo que nenhum de nós dois teve culpa. Ou, na verdade, não existe mocinha e bandido ou vice-versa nessa história. Eu errei e você também, mas a gente estava tentando ser feliz e esse é um patamar difícil de se alcançar. Mas a gente já tinha chegado nela, não? Em cada reencontro é uma história nova entre nós. E agora, mesmo que pareça o fim, eu não quero que seja. Nosso amor não tem padrão e nem roteiro. Eu só peço pra você voltar e ficar comigo, aqui dentro. O mundo aí fora é tão gelado, mas hoje quando o sol acordou eu parei pra pensar, que se eu não tivesse te deixado ir e fizesse você ficar aqui. Quando a noite chegou eu parei pra pensar e se eu tivesse feito diferente? Estaria tudo bem com a gente? Mas eu não vou desistir porque se me deixar eu vou me perder. Aliás, eu nem sei se eu sei quem sou eu. Só que continuo te amando sem parar. Só eu sei as noites que eu não dormi pensando em você, eu precisei tanto do seu abraço, . Hoje eu não sai de casa e nem quero ver nada, a porta está fechada e eu só queria ver você voltar. Pra ver se ainda tem paixão no seu coração. E se tiver, . Abre a última caixa e lembra que tudo que eu fiz aqui tem um significado. É minha forma de dizer que eu te amo e quero você de volta, mas se não quiser me diz um tchau, ao menos, e me fala que não vai rolar mais.
A última caixa era menor. Bem pequena, valia ressaltar, mas parecia que o coração estava gelando, prolongar a espera parecia ser pior. Não duvidava do próprio sentimento em momento algum, mas sabia que o amava e, se ela estava disposta a tentar entender tudo aquilo, precisava abrir aquilo.
A caixa era vermelha e o laço também. Podia ser algo pequeno, ou médio. Balançou a caixa tentando sentir algo, mas não fez barulho algum. Desfez o laço e abriu a última caixa. Tinha um envelope. Uma última carta e uma caixinha que parecia ser de anel ou colar, mas o que encontrou lá dentro foi surpresa: uma chave. A chave do apartamento de . Abriu o envelope e encontrou um ingresso do seu show favorito. O show era na virada do ano. No estádio da cidade e envolvia todos seus cantores sertanejos favoritos. Sorriu com o convite, mas precisava entender o resto, mesmo que tudo parecesse bem claro ali.
Eu não preciso falar muito, você provavelmente riu ao ver o ingresso. Você já tinha planos para o ano novo? Imaginei que não, é seu feriado preferido e seus cantores preferidos também. Só que tem um porém: esse show é meu pedido de chance. Então, se quiser pensar, tudo bem. Se sua resposta for sim e quiser nos dar uma nova chance, eu te espero lá. Você sabe como me encontrar porque, no fundo, a gente sempre se encontra. A chave? Me encontra pra descobrir. Eu espero uma resposta e espero que não me deixe morrer de ansiedade. Eu amo você, morena.
Um segundo encontro para conversar...
Os dias passaram lentamente. Era dia trinta do mês de dezembro, o penúltimo dia do ano e estava pegando as correspondências. Havia voltado a pegar o elevador, mas não o encontrou nenhum dos dias. Colocou as correspondências dentro da bolsa. Totalmente atrapalhada. Era um dos seus defeitos, mais lerda do que devia. Mal de ser pisciana. E a lua também em peixes. Ou seja, ela tinha tudo pra ser lerda. E o mal ainda era de família. Entrou no elevador procurando as chaves na bolsa. Ela sempre perdia as malditas chaves ali. Algumas pessoas entraram e ela finalmente encontrou a chave. E olhou pra cima. Encontrando parado em sua frente e um senhor de idade ao lado dele que desceu no segundo andar e ficaram os dois. deu licença para o homem e isso fez ele olhar para o lado e encontrar o olhar de . Não hesitaram ou fugiram como todas as vezes, só sorriram e ele sabia que as coisas estavam ficando bem. Não queriam falar nada pra não estragar, queriam apenas olhar um para o outro. Aquilo era o suficiente. desviou o olhar em segundos e pegou um papel dentro da bolsa e estendeu ele pra que olhou sem entender.
- Eu não fiz cartas todas os meses, porém essa descreve o que você quer saber. Lê quando chegar em casa. – Seu andar chegou e ela sorriu saindo do elevador. – Até amanhã. – Ela disse e sem tempo do elevador.
Ela não havia dito tchau, bye bye ou qualquer coisa do gênero. Era um até amanhâ. E isso significava uma nova chance. Depois de longos dez meses, ela havia dado uma nova chance para os dois.
adentrou seu apartamento e deixou a mochila jogada na sala. Não parava de sorrir e aquilo não parecia nada do tipo “gay”. Aliás, detestava quem rotulava momentos assim como “eu estou parecendo meio gay”. Por Deus, se ser sincero, se sentir ou se apaixonar era algo de homossexual, preferia que todos fossem. O mundo parecia escasso de pessoas que sentiam de verdade e quem rotulava momento assim, nem homem deveria ser considerado. Abriu a carta e viu a letra detalhada de . Ela amava escrever e ali não tinha sido diferente.
Sem você passei a ver o que nunca enxerguei e me dei um tempo, e repensei. Eu te vi naquelas folhas de outra estação que sem vida são varridas secas pelo chão. Acredito em tudo que me ensinou e que dias melhores estão por vir na nossa vida. E que a gente possa ser feliz. Desculpa escrever e não dizer, mas não achei que fosse se importar. Pensei em mil coisas pra falar, pra mim são difíceis de dizer, mas sei que todo esse clichê é pra dizer que preciso de você. Eu tive que perder e provar desse mundo aí fora pra perceber que eu não quero outras bocas, eu andei amargando a solidão. E sem você eu senti meu coração se esfriar e ele andava aquecido há tanto tempo com você, mas eu calculei o tempo de escrever essa carta e sei que agora deu exatos um minuto e sei que você olhou o relógio do celular pra confirmar. E sei que agora você vai se levantar também e abrir a porta ou simplesmente me explicar o porquê dessa chave estar comigo. Eu não queria esperar o ano novo. Não queria esperar mais uma noite. Ou um minuto sequer. Então se não for pedir muito, abre essa porta pra eu dizer que...
Ele então se levantou e abriu a porta num impulso e encontrou parada e encostada na porta.
- Pra me dizer o quê?
- Que eu te amo e eu quero uma nova chance pra nós dois.
- Eu também te amo, pequena, mais do que você imagina.
Epílogo
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. (1 Corintios 13:6)