Capítulo Único
Era sem sombra de dúvidas um dos dias mais bizarros da minha vida. Tudo que poderia dar errado havia dado errado. Primeiro? Esqueci de fazer compras durante a semana e não tinha nada na geladeira. Gastei dinheiro em uma padaria. Segundo? Meu carro demorou alguns minutos pra ligar, me atrasei novamente no trabalho e não recebi uma advertência, e sim uma dispensa.
Demitida.
D-E-M-I-T-I-D-A.
Como vou me sustentar e ao Sr Frodo agora? É a única coisa que consigo pensar. Como vou sustentar a mim e ao meu cachorro, que teoricamente, depende de mim?
As lágrimas começaram a rolar pela minha bochecha sem pedir licença, minhas mãos estavam suadas na direção e o trânsito de São Paulo caótico como sempre. Liguei uma rádio qualquer e como por um milagre, algo de bom aconteceu, uma das minhas músicas favoritas da minha banda favorita começou a tocar.
Isso seria um aviso que as coisas iriam melhorar?
Comecei a cantarolar distraída, mexer as mãos e o corpo, pois o transito estava parado, então poderia fazer isso. Ok, um minuto de paz nesse dia infernal, que ótimo. Realmente precisava disso. Cantei a plenos pulmões por minutos e me senti muito melhor depois.
Após alguns bons minutos, o transito começou a fluir, aos poucos. Fui dirigindo e pensando que sim, meu dia poderia terminar bem. Eu pediria uma pizza e veria o meu seriado favorito em plena quarta-feira a noite. Atividade que não fazia há algum tempo por conta do trabalho.
Até que...
Freei do nada. Simplesmente enfiei meus dois pés no freio e nada aconteceu. A colisão com o carro da frente em uma rua movimentada foi inevitável. Dei um grito com o susto e senti meu corpo inteiro tremer, demorei alguns segundos para conseguir soltar a direção e entender realmente o que havia acontecido.
Olhei para o carro da frente e o rapaz já saia pela porta do motorista. Respirei fundo, ok, só mais um acontecimento bizarro no meu dia, que diferença faz? A diferença de que eu vou ter que pagar a merda de um estrago em um carro de luxo. Parabéns, Li. Olha, parabéns!
Assim que coloquei os pés para fora do meu carro, senti como o dia estava realmente frio. Uma rajada mais intensa me atingiu, fazendo com que meu corpo se estremecesse de leve e fiz uma careta com isso. Odiava frio. E os dias frios em São Paulo eram horríveis, sempre nublados, tristes.
Caminhei uns passos para frente e vi o rapaz curvado e olhando para o próprio automóvel, sim, foi feio. Bem feio preciso admitir.
— Tá tudo bem com você? — perguntei com receio, afinal, e se ele tivesse se machucado? Não. Não. Quero nem pensar nisso.
— Comigo sim. — Ele finalmente se virou para mim e me olhou. — Diferente do meu carro. — seu tom de voz parecia triste e eu entendia. Balancei a cabeça positivamente.
— Sinto muito. — foi a primeira coisa que saiu da minha boca. — Eu vou arcar com tudo. Bati no seu carro. Você poderia, por favor...
Bati minhas mãos nos bolsos do agasalho que usava e nada. Nos bolsos da minha calça jeans e nada. O desespero tomou conta do meu corpo e percebi o rapaz na minha frente acompanhando meus movimentos.
— Merda! Merda! Merda! Só espera...
Corri até o carro, abrindo a porta ansiosamente e sentindo meu coração bater forte naquele momento, minha boca estava seca e peguei a minha bolsa que se encontrava no banco de passageiro de qualquer jeito e revirei ela ali mesmo. E nada.
— Algum problema? — ouvi uma voz próxima a mim e me sobressaltei. Bati a cabeça no teto do carro e gemi, levando uma das minhas mãos até o local.
— Merda.
Fui saindo do carro e o olhei com o cenho franzido e certa dor predominando na região em que eu estava com a mão.
— Acho que larguei meu celular no meu ex trabalho. Antigo trabalho. Último trabalho. — neguei com a cabeça. — Faz assim.
Voltei pra dentro do carro e peguei uma caneta que deixava no painel, suspirei aliviada por isso estar dando certo e sai novamente o olhando.
— Anota o seu número e eu te ligo amanhã no máximo para marcarmos o conserto do seu carro. — entreguei a caneta nas mãos dele.
Notei ele hesitar um pouco, no entanto pegar a caneta das minhas mãos. Quando o fez, senti o calor da sua pele, mas certeza que era pelo frio idiota que fazia em São Paulo. Ele então segurou a minha mão e um arrepio estranho percorreu meu corpo por inteiro, culpo novamente o frio dessa cidade!
O olhei e percebi como ele colocava os números na palma da minha mão de um jeito concentrado e acabei rindo fraco disso, até que chamei a atenção dele.
— Tá tudo bem?
— Você todo concentrado é engraçado.
— Sou um pouco ruim em guardar números.
— Ainda bem que você não é da área de exatas, então.
Rimos juntos da minha piada idiota. Meu Deus, Li. Qual é o seu problema? É uma ótima pergunta.
— Te ligo, tá? Juro. Juro pelo que é mais sagrado.
— O que é mais sagrado pra você?
Estranhei a sua pergunta, no entanto, imediatamente só veio meu cachorro em minha mente.
— Eu juro pelo cachorro Frodo. Acho que deve ser pecado jurar por pessoas. — dei de ombros e o ouvi rir fraco.
— Você está certa. Eu também juraria pelo meu cachorro.
Senti minhas bochechas corarem de leve e obviamente era culpa do frio de São Paulo. Concordei com a cabeça e apontei para o meu carro antes de me aproximar.
— Desculpa mesmo pelo seu carro.
— Tudo bem.
Não que eu não tivesse percebido antes, mas ele era muito bonito. Bonito mesmo. Moreno. Com um sorriso lindo. Parecia ter porte de alguém que frequentava academia ou praticava esportes. Todavia não era hora de pensar nisso. Entrei no meu carro rumo ao meu antigo trabalho.
Algumas horas depois eu havia resolvido o problema do celular. Consegui pegá-lo na portaria do prédio onde trabalhava com um dos meus colegas e assim que estava com o aparelho em mãos quase pulei de felicidade. Entrei no meu carro e ligeiramente marquei o número na memória.
Espera.
Eu não perguntei o nome dele.
Li. Você não perguntou o nome dele.
Bati a minha testa por diversas vezes no volante e me xinguei mentalmente. Como poderia ser tão lerda? Como?
Tentaria deixar aquilo pra lá e ligaria pra ele. Meu celular estava em mãos, e eu pronta pra começar a chamada, no entanto, do nada ele começou a tocar. Tomei um susto e quase deixei o aparelho cair.
No visor aparecia o nome de um dos meus melhores amigos. Pensei em ignorar.
— Oi. — falei assim que atendi.
— Oi, meu amor. Sinto muito pelo trabalho.
— Como você ficou sabendo?
Até que lembrei que a minha pergunta era inútil, pois ele ficava com um garoto que trabalhava comigo.
Fofoqueiros.
— Deixa pra lá. Agora me lembrei. — ri fraco de mim mesma.
— Tenho um plano B pra você. — ele disse empolgado.
— Envolve eu ganhar dinheiro?
— Sim.
— Honestamente?
— Sim, idiota. Claro! — o ouvi gargalhar.
— Então, conta logo!
Terminei uma das manhãs mais caóticas do ano comendo um Mc Donald´s sozinha no carro. Tem coisa melhor? Não. Depois de tudo que aconteceu, eu merecia sim. E ainda pedi um milkshake de chocolate pra molhar as fritas.
Meu celular vibrou no painel do carro e vi uma mensagem de Caio:
“Mandou o seu currículo? Eles estão procurando uma pessoa exatamente como você!”
Fiz uma careta com isso e dei mais uma mordida no meu hamburguer. Estavam, será?
Neguei com a cabeça e decidi resolver isso quando chegasse em casa daqui a alguns minutos. Naquele momento, eu queria paz para desfrutar da minha própria companhia.
Um estalo brotou em minha mente.
E a oficina pra cuidar do carro do...
Droga! Por que raios não perguntei o nome dele?
Terminei de comer em algumas mordidas e dei a partida do carro, saindo de lá velozmente para que pudesse chegar ao apartamento o mais rápido possível. Foi o que aconteceu. Assim que adentrei, Frodo, um caramelo vira-lata se aproximou de mim abanando o rabo e prontamente lhe dei atenção.
— Oi filho. Mamãe tem tantas novidades. — suspirei.
Coloquei tudo que carregava, do meu antigo trabalho, em cima da mesa que tinha por ali e já estava igualmente bagunçada. Tirei meu celular do bolso da minha calça e resolvi mandar uma mensagem para o tal rapaz primeiro.
Abri a conversa e mordi o meu próprio lábio inferior nervosamente.
— Que merda...
“Oi. Tudo bem? Hm. Aqui é a moça que bateu no seu carro mais cedo. Você poderia me dizer o seu nome? Não perguntei”
Soltei uma grande quantidade de ar do meu pulmão quando enviei a mensagem. Me sentei no sofá e senti Frodo vir até mim e apoiar o focinho na minha perna.
Deixei o celular de lado por alguns segundos, apenas para dar o carinho que o cachorro merecia, até ouvir o barulho da notificação.
“Você não me disse seu nome também.”
Acabei rindo fraco e mordi meu lábio inferior com isso.
“Pois bem. Me chamo Lia. E você?”
Dessa vez acompanhei os pontinhos aparecerem quando ele estava digitando e senti uma ansiedade predominar em meu corpo.
“Raphael”
Arqueei uma sobrancelha e me apressei para escrever, no entanto esperei, pois apareceu que ele estava digitando.
“Eu sei o que você vai perguntar. Por que o ph, né?”
Gargalhei de um jeito gostoso como achei que não faria hoje.
“Você lê mentes, uau! Estou impressionada!”
Ainda rindo enviei aquela mensagem e neguei com a cabeça.
Abri o google e digitei oficinas e mentalizei que as que aparecessem fossem boas, mesmo eu não entendendo nada disso. E várias apareceram em um raio de pouco menos de 2 km de onde morava. Isso era bom, será?
Acabei pedindo opinião para Caio em relação a isso, onde ele normalmente levava o carro quando precisava e os dias foram passando. Eu e Raphael trocávamos mensagens praticamente o dia inteiro, perguntei o que ele fazia, ele disse que trabalhava no ramo esportivo e fiquei empolgada com isso, afinal havia me formado e especializado em jornalismo esportivo.
Seria o destino?
Só o tempo dirá.
O carro dele foi para conserto, demorou uns dias, mas ele disse que não tinha problema. Que eram bem os dias que ele tinha que ficar fora por conta do trabalho.
Passaram-se mais algumas semanas e em um sábado de folga, ele me chamou para tomar um sorvete em um local próximo a casa dele. Prontamente aceitei. Nossas conversas eram ótimas e estávamos sempre rindo um com o outro. Ainda bem que nesse dia em especifico o frio havia diminuído, apesar que desde pequena eu adorava sorvete em dias frios.
Andamos pelo parque juntos, trocamos nossos sorvetes, desviamos de alguns cachorros que passavam correndo fugindo dos seus donos e quase nos enrolamos em uma guia de um labrador. Rimos até a barriga doer.
Quando o Sol estava se pondo era a minha hora de ir e mordi o lábio inferior ao falar isso pra ele, senti meu coração ficar triste ao pensar em deixá-lo.
— Eu te levo em casa. E não aceito não como resposta. — ele disse ao me olhar.
No instante em que ele pegou na minha mão e entrelaçou nossos dedos não tive como negar. Não tive como falar nada. Fiquei sem saber como falar. Não saiam palavras da minha boca. Aquela pele quentinha em contato com a minha deixava meu coração calmo.
Memórias ruins passaram como um flash em minha mente com o meu último relacionamento. Alguém que não lembrava dos aniversários, alguém que sempre me pedia desculpas pelas coisas absurdas que fazia. Nunca mudava. Eram sempre as mesmas desculpas.
A calmaria do meu coração sobrepôs todo esse sentimento ruim, e ele estava ficando, cada vez mais lá pra trás.
Fomos ouvindo uma música divertida na rádio, olhei pelo vidro do carro e notei que o céu já estava tomando cores alaranjadas. Lindo. Falei pra ele que meu prédio era logo o do meio da quadra e ele conseguiu uma vaga na frente. Me virei, mesmo de cinto e sorri.
Me sentia feliz, plenamente, depois de muito tempo.
— Eu ador...
Ele se aproximou tão rápido de mim e uniu nossos lábios que mal tive tempo de reagir. Quando entendi o que estava acontecendo, fechei meus olhos e levei uma das minhas mãos até a sua nuca e acariciei a região. Abri mais a minha boca e permiti que o nosso beijo se tornasse intenso. A mão dele foi até a minha cintura e apertou a região fortemente.
Sua mordida de leve no meu lábio inferior fez com que eu soltasse uma arfada baixa, mas meu corpo se arrepiou inteiramente com isso. Movi a minha cabeça para um lado e o beijo se desenvolveu como se tivéssemos feito isso um milhão de vezes.
Era bom demais.
Ao nos separarmos, abri os olhos enquanto passava a língua de leve pelo meu lábio superior e notei que ele estava com um olhar de quem queria mais, de quem queria aquilo mais do que tudo naquele momento, e me sentia da mesma forma. Tanto que dei risada e acariciei seu rosto.
Aproximei meu rosto do dele e lhe dei um selinho de leve e mantive nossas testas encostadas e um sorriso voltou a brotar em meus lábios. Senti a sua mão pegar na minha e entrelaçar nossos dedos.
Até que ouvi uma notificação do meu celular, e ele estava dentro do bolso do meu casaco. Pedi licença e me afastei um pouco, pegando o aparelho e vendo uma mensagem na tela de bloqueio:
“Boa tarde, Srta. Silva. É com muita satisfação que lhe informamos que você conseguiu o trabalho. Você foi aceita no nosso time como social media e trabalhará conosco a partir de Segunda-feira. Ser parte da família Palmeiras é muito importante e esperamos que juntos tenhamos os melhores dias.”
Como a minha mão ainda estava entrelaçada com a dele, apertei fortemente e dei um gritinho, me movendo no banco e o olhei.
— O Palmeiras me aceitou como social media! — sorri e mostrei meu celular pra ele.
O vi pegar o aparelho e ler a mensagem, percebi como ele engoliu e sorriu, mas seu sorriso não parecia ser de quem estava completamente feliz. Ou eu estava enganada?
— Preciso te contar uma coisa, Li...