Finalizada: 13/03/2018

A Renegade Story

O barulho característico da máquina de tatuagem era, junto a qualquer canção do Def Leppard, a única coisa que soava no espaço apertado do estúdio de tatuagem. hyung) não parecia se importar muito com a dor de ter aquela pequena agulha pigmentada, perfurando sua pele em diversos pontos para formar um desenho que ele havia escolhido previamente. A pele morena de suas costelas, na lateral direita de seu corpo, formigava e ardia conforme a tatuagem crescia, marcando-o, de alguma forma, como singular.
“Por que um tigre?”, , o tatuador, perguntou com sua voz abafada pela máscara cirúrgica e pelo zunido que preenchia o ambiente. Os dois eram amigos de infância, uma amizade que era afluente de outra amizade – a de seus pais – e hyung) sempre o procurava quando sentia a necessidade de marcar sua pele. “Outro sonho?”, perguntou, mais uma vez, referindo-se aos motivos que sempre levavam o mais novo a procurá-lo.
“Daqueles...”, a voz grave do garoto soou assim que seus dentes frontais soltaram seu lábio inferior como forma de resistir à dorzinha de ser tatuado. olhou o mais velho por cima de seu ombro esquerdo e soprou brevemente por sua boca entreaberta, sabendo que havia sido encurralado e que teria que falar sobre aquilo, afinal, era a terceira vez no mês que os dois gastavam uma madrugada inteira naquela sina de marcar e ser marcado. desligou a máquina e abaixou sua máscara, deixando-a pousada em seu queixo enquanto relaxava sua postura na cadeira e estendia uma garrafa de cerveja ao garoto à sua frente, esperando o desabafo do mesmo.
e hyung) fugiam às regras convencionais da sociedade, bem como seus pais e todo mundo ao seu redor, todo mundo de sua tribo. As vestes escuras, coturnos, sobretudos e semblante fechados era como uma estigma pra ele e suas famílias. Bem como os punks encontraram, nos anos sessenta, nesses mesmos itens um modo de autoidentificação, os renegados também o faziam. O pequeno grupo se recusava a seguir o padrão de alma gêmea ao qual todo mundo adorava e idolatrava. O padrão que uma tatuagem em qualquer canto da pele, designava uma pessoa à outra, com uma ligação que fugia às explicações cientificas ou lógica: o destino. As pessoas podem falar o que bem entenderem sobre soulmates. E elas podem acreditar também, afinal, a humanidade é uma raça embasada no livre arbítrio e na racionalidade de suas escolhas. Todo mundo, no entanto, acreditava que aquela marca em seu corpo, subjetiva em suas singularidades e particularidades, definia quem era sua soulmate. Não havia uma idade certa para a tatuagem aparecer no corpo das pessoas, carregando consigo o prenuncio de sua metade e plenitude, de seu amor e todo o resto, mas a regra geral – e fisiológica – era de que isso apareceria em algum momento entre os doze e os vinte e um anos, na adolescência, para que a sua alma gêmea fosse encontrada na fase adulta.
Na cidade, os pais de hyung) haviam sido os primeiros a serem renegados pelo padrão, que não esconderam isso como as gerações anteriores, fadando-se à infelicidade e a relacionamentos fadados ao fracasso desde antes de começarem. O nome que havia sido marcado na pele de sua mãe, na extremidade de seu ombro esquerdo, havia sido prometido a uma outra pessoa e, assim, ela fora condenada à solidão eterna, à sina de nunca poder viver o amor prometido pelas estrelas. Envergonhada pela humilhação que isso traria ao nome de sua família, uma vez que a renegação era tida como uma patologia e seu sintoma mais evidente era a heterocromia nos olhos de seus portadores, onde uma de suas íris se tornariam avermelhadas no momento em que a pessoa que deveria ser sua soulmate fosse marcada pelo nome de uma terceira, deixando de enxergar toda a gama de cores que pertencia ao vermelho pelo resto da sua vida – um daltonismo singular, patológico e que dava um aporte cientifico à importância das almas gêmeas na sociedade.
Os renegados eram estigmatizados e estereotipados por aquela sociedade que acreditava e buscava o amor perfeito e, onde quer que eles vivessem, eles acabavam sendo marginalizados caso não se disfarçassem ou mentissem para adequarem-se às regras. A mãe de hyung) recusou-se a esconder seu verdadeiro eu ao negar operar seu olho heterocromático ou escondê-lo fazendo uso de artifícios como lentes, buscando a libertação de poder ser quem era e, aos dezenove anos, fugiu de casa, largando o conforto do subúrbio de Seul, onde vivia com sua família, para entregar-se ao desconhecido, ao acaso. Em uma de suas viagens pela costa do pequeno país, acabou encontrando um grupo de pessoas igualmente renegadas e, pela primeira vez em anos, encontrou-se abrigada, encontrou um lugar para chamar de casa, mesmo que casa fosse, para ela, sinônimo de um grupo de pessoas, não um edifício em si.
Os renegados, no entanto, acreditavam que o amor podia ir muito além do que uma destinação alinhada pelas estrelas, com uma astrologia milimetricamente calculada pelo destino e afins. Claro que era inegável o que acontecia quando almas gêmeas se encontravam e o enlevo de sensações e sentimentos que rodeavam esse encontro era tão intenso que, em alguns momentos, poderia ser considerado palpável, mas, para os renegados, o amor podia ser cultivado entre dois desconhecidos marcados com nomes de terceiros em uma reciprocidade inexistente. Era questão de convívio, de conhecimento, de confiança. Não era tão arrebatador quanto o que acontecia com soulmates, mas, ainda assim, era amor. E isso aconteceu com os pais de hyung). Após alguns anos juntos, depois do momento em que a mãe do menino uniu-se ao grupo de renegados, ambos compartilhavam algum tipo de conexão que havia sido cultivada, de forma equilibrada, mutuamente e, para eles, aquilo era amor. Não só para eles, no entanto. Os pais de e os pais de muitos outros meninos e meninas haviam conhecido aquele tipo de sentimento e, para eles, bastava. Era tudo o que bastava.
nie) e , entretanto, eram parte da segunda geração de renegados em Seul. A crença de que o alinhamento de duas constelações no céu ou de que qualquer evento astrológico e/ou astronômico, como o cometa que visitava a orbita terrestre a cada quatro anos, marcaria, de forma permanente, o amor de sua vida em sua pele sem que isso partilhasse de um aviso prévio, não era compartilhada por ambos – pelo contrário, seu ciclo de convívio social passara a fazer, com o passar dos anos, a desconstrução do conceito de almas gêmeas, levando a um ceticismo por parte dos mais novos, algo como um pavor de ter sua pele marcada e ter de experimentar uma forma de amor que não fosse aquela cultivada, que funcionava como representatividade para eles, um ponto de partida.
No entanto, ambos eram muito diferentes de seus pais, apesar dos esforços constantes para manter as semelhanças. hyung) sentia em seu âmago que não era um renegado e que sua condição, talvez, se resumisse a um rebelde que, por osmose, ia contra todo um sistema. Ele havia escolhido aderir ao movimento de seus pais porque julgava que ali era sua casa, seu alicerce – julgava que era o certo. Mas sua lucidez e racionalidade sempre o levavam à constatação de que ele era como todo mundo que ele aprendera a odiar.
“Você não vai poder fugir disso pra sempre, ” a voz de era um tanto sábia e paciente e fizera o mais novo manear a cabeça em negativa, a fim de dispersar seus pensamentos e as imagens que seu subconsciente lhe lançava em seus sonhos. “Você acha que vai conseguir fugir delas pra sempre?”, ie olhou pra cima ao terminar sua indagação, referindo-se às estrelas com o queixo erguido.
“Qual é, ? Nós somos renegados, hyung. Nosso destino não é selado por qualquer evento astronômico que se conjugue à astrologia e todas essas baboseiras.”
“Nós não.” foi categórico “E você sabe que renegado é a última coisa que você vai ser. As estrelas têm algo pra você.”
hyung) franziu o cenho e cerrou os punhos, apertando o destro com força o suficiente para sentir suas unhas, curtas e asseadas, incomodarem a palma de sua mão. “O que você quis dizer com isso?” ele perguntou, tragando seco logo em seguida.
“Não é óbvio?” nie) arqueou suas sobrancelhas, deixando com que seus lábios se estalassem em um som que afirmava, ainda mais, a obviedade em seu tom de voz. “Não somos renegados como nossos pais. Eu sempre soube do meu destino, você também. E eu nem preciso ditar, em voz alta, a diferença entre nós, preciso?”
“Sempre soube, ?” a voz de o cortou como um fio de navalha afiado. Seu tom grave havia ficado mais grave ainda por conta do nervosismo. “Que papo é esse, hyung?” o mais novo maneou a cabeça em negativa, tentando assimilar tudo.
“Seus sonhos. Me conte sobre eles.” disse de forma simplista, jogando para o mais novo a responsabilidade da resposta, esquivando da pergunta do amigo com destreza. hyung) respirou fundo e fechou os olhos, desviando do olhar inquisidor do . Merda, merda, merda. Ele sabia também. Era claro que ele sabia. Era tão óbvio.
“E-eu... Hyung, porra, eles tem ficado piores. Mais intensos. Tem uma voz... A porra de uma voz que não sai da minha cabeça! É doce, suave, calma. É acolhedora mesmo quando, em um dos sonhos, eu estou em problemas ou causando problemas, como sempre. É tão bizarro que se eu estou com problemas aqui, ela aparece só pra me acalmar e me reconfortar. Mas não tem rosto algum e eu não consigo, por nada nesse mundo, descrever como é. Pensei que pudesse ser o reflexo involuntário e inconsciente de uma voz que esteve em algum momento da minha vida, como o da Hyolin, mas... não. É inédita. E sempre que ela aparece, as pontas dos meus dedos formigam. E eu sinto...”
“Sente que vai ser marcado, não é?” interrompeu, sabendo exatamente a sensação que corria o corpo de hyung), sem disfarçar o sorriso sabichão que começava a despontar em seus lábios.
hyung) suspirou pesadamente, deixando todo o ar que havia prendido em seus pulmões de forma involuntária e inconsciente exaurir. O olhar inquisidor de queimava sua pele e ele sabia que o mais velho tinha razão.
“É por isso que eu venho aqui, hyung” falou, numa confissão baixa que havia feito poucas vezes até mesmo para seu melhor amigo. Tinha a sensação de que quanto mais falava sobre, mais real todo o pesadelo ficava. “Eu me marco antes que essa maldita tatuagem o faça. Primeiro a coral, depois a adaga, agora o tigre...”
“Elas têm ficado maiores...” falou, contemplando o esboço do tigre que permanecia inacabado nas costelas do amigo. Antes que hyung) conseguisse responder, subiu a manga de seu casaco até a altura do cotovelo e mostrou a parte interna de seu pulso. Os olhos de captaram, na hora, a pequena tatuagem no pulso de seu amigo e não precisou de mais de duas sinapses de seu cérebro para que ele entendesse toda a subjetividade ali.
Não era a caligrafia de .
Não era um trabalho de algum tatuador profissional.
A caligrafia gorda, espaçada era infantil e doce.
Era a caligrafia de sua alma gêmea. De sua metade prometida às estrelas.
havia sido agraciado pelos eventos astronômicos e astrológicos daquela noite.
Ele havia sido marcado por sua soulmate.
hyung) sequer percebeu que havia prendido sua respiração desde o momento em que percebeu o destino do seu amigo. Só percebeu quando um suspiro longo escapou por entre seus lábios, fazendo com que sua postura relaxasse e seus pulmões diminuíssem o tamanho. Sua postura tornou-se diminuta e, por um momento, pensou estar experimentando algum pico de vertigem.
“Omo...” a exclamação saiu sussurrada de sua boca. Encontrava-se oco. Não sabia se devia felicitar o amigo por, agora, ser socialmente aceito ou se sentia pena de sua condição que limava seu livre arbítrio e resumia suas escolhas à torcer para que o destino selasse sua sorte.
“Não diga nada, dongsaeng pediu com a voz baixa, mantendo seu pulso à mostra.
“E-Eu... Não sei o que dizer, nie).” a voz do mais novo soou baixa e defensiva. Sentia-se tão perdido e acuado. Sabia que não estava, mas sentia-se sozinho também.
“Não precisa, huh? Mas eu quero te propor algo, .” hyung) erguei seu olhar para , deixando que a confusão em seu semblante ficasse ainda mais presente. O garoto murmurou algo como “hm”, indicando que o garoto continuasse. “Vá ao festival hoje. Você sabe porque eu fui marcado. Você sente tanto quanto eu.”
“E-Eu não...”
“Só vá, hyung). Se eu estiver errado, você pode voltar e socar minha cara.”
Traído.
Essa era a palavra certa que Kim hyung) custou a achar.
Sentia-se traído.
Traído pelo movimento que o abraçara desde bebê. Traído pelo melhor amigo. Traído pelo destino. Traído pelas tatuagens. Traído pelas estrelas.
hyung) maneou a cabeça em negativa e saltou da maca, ajeitando sua camiseta e jogando sua jaqueta de couro por cima de seus ombros, cruzando a porta do pequeno estúdio de apressado, sem destino algum.

***

Não havia tantas estrelas no céu naquela noite e hyung) ainda não compreendia a fascinação e adoração das pessoas por aqueles corpos celestes – ou por qualquer outro. Nem criaturas vivas eram, apesar de nascerem e morrerem, então... pra quê tanto alarde? Nem pra iluminar o azul escuro que pintava a atmosfera elas serviam, ele havia notado. Uma leve neblina pairava sobre o centro da cidade, indicando as temperaturas ainda baixas do último dia de inverno e uma fumacinha saía pela boca e narinas de qualquer pessoa ali, indicando as tentativas – muitas vezes falhas – de todo mundo em se manter aquecido. Ele esfregou suas mãos uma à outra, rolando os olhos para si mesmo e perguntando-se, pela milésima vez, o que fazia ali. Seu corpo inteiro formigava, mas ele mantinha-se convicto de que aquela sensação de milhares de micro pontos pinicando sua derme era apenas uma reação à sua mais recente tatuagem, afinal, ele sabia que o tigre em suas costelas lhe daria mais trabalho para cicatrizar. O festival começaria em poucos minutos, podia notar pela forma com que as pessoas deixavam de circular pelo parque e passavam a se aglomerar em discretos assentos ao redor das árvores de cerejeira dispostas no centro do parque. Todo mundo ali, exceto , rezava para que sua alma gêmea estivesse sob aquele céu, compartilhando aquele clima e que ambos fossem marcados pelo evento que só acontecia a cada três anos.
As vestes escuras do garoto o ajudavam a se misturar com a sombra dos locais mal iluminados, em um desejo inconsciente de que não fosse visto ali, afinal, aquilo ia totalmente contra sua ideologia e contra a postura que ele adquiria para todo mundo, inclusive seu melhor amigo – a postura que definia quem ele era, afinal.
Ele não sabia explicar direito o que estava acontecendo em seu ser. Tragou seco, tentando desfazer o nó em sua garganta que se forma em súbito enquanto suas mãos suavam e mantinham-se gélidas, acompanhando a temperatura ambiente. A melodia voltara a ecoar em sua cabeça e hyung) remexeu-se sobre o banco de concreto, resiliente ao fato de seu subconsciente lançar aquela música em todas as partes de seu cérebro, fazendo com que cada sinapse nervosa estremecesse conforme a melodia do violão. O garoto esfregou o rosto, bagunçando os cabelos que caíam por sua testa e cobriam seus olhos enquanto ele pontilhava seus lábios com a ponta da língua. Sentiu vontade de gritar ao mirar o céu e ver um clarão rasgar o azul escuro numa velocidade que, pelo que ele havia constatado, era maior do que qualquer motor terrestre. Engoliu um bolo de saliva e fechou os olhos, tentando se concentrar em um pedido, mas tendo sua concentração barrada enquanto parte de seu cérebro, acesa pelo déficit de atenção, debatia, numa infinita curiosidade, se aquilo havia sido uma estrela cadente ou um cometa, afinal, nunca havia se interessado por astrofísica e corpos celestes em geral.
"Foi uma estrela cadente, certamente", a resposta à sua indagação interna ecoou pela madrugada, sobressaindo-se ao burburinho no centro do parque em um tom de voz conhecido, mas, ao mesmo tempo, novo. Suave, baixo, delicado. Feminino. O movimento de sua cabeça para de onde a voz emergia fora lento, acompanhado de um cenho franzido em dúvida. Como?
"Cometas são mais lentos e não caem" a voz continuou, mordendo o lábio inferior na intenção de postergar sua excitação e empolgação diante do assunto. Era real?
"C-como você...?" hyung) deixou a indagação morrer antes que sua voz alcançasse uma oitava maior do que o sussurro rouco e calmo ao qual sua pergunta havia escapado.
Uma menina deu de ombros.
A dona da voz deu de ombros.
"Todo mundo se pergunta isso... Principalmente em noites como essa, onde todo mundo espera o cometa. Acho que um pouco de solidariedade a uma alma curiosa como a sua me dão uns pontos para garantir a passagem ao paraíso, não?" ela sorriu, divertida. O menino olhou ao redor, constatando o fato de que só havia eles dois ali.
E então ele permitiu-se prestar atenção na menina, instigado por sua petulância involuntária em invadir seu espaço e romper sua barreira naquela noite, conferindo sua derrota na aposta que havia feito a na madrugada anterior. Seus olhos eram grandes e curiosos, além de cintilantes. hyung) tinha certeza de que aquele brilho era reflexo do céu acima de ambos. Seus traços eram finos e delicados, num contraste opulento à figura sobressalente da menina.
"Hm..." Ele atestou, procurando as palavras certas enquanto vasculhava seu interior em busca da resposta para a indecisão entre ser furtivo e evasivo para sair dali, ou criar uma brecha para uma conversa que preencheria o relógio nos próximos instantes. "Obrigado! Eu nunca saberia distinguir um cometa de uma estrela cadente de qualquer forma, mas eu não..." sorriu sem jeito e coçou a parte de trás do pescoço, sentindo-se pequeno.
"Liga para o cometa? Não achei que um renegado ligaria." ela falou num tom delicado, as palavras escorrendo por sua língua como se fosse mel. "Eu sou !" a menina, agora devidamente nomeada, estendeu a mão, fugindo das convenções de apresentação e saudações que regiam aquela cultura e esperou que ele a cumprimentasse também. hyung) franziu seu cenho e umedeceu seus lábios utilizando-se da ponta de sua língua mais uma vez.
"hyung)." ele falou simplista, fazendo sua voz soar rouca e imponente na noite silenciosa. Tomou a mão da menina com a sua, apertando-a e sentiu todas as terminações nervosas na ponta de seus dedos formigarem com o toque. "Como sabe que eu sou um?" não mencionou a palavra renegado com receio de que a repetição do verbete aumentaria ainda mais a estigma negativa de seu significado. Pela primeira vez, sentiu-se desprotegido, como se as vestes escuras e a biqueira de metal em suas botas militares não protegessem sua nudez e o deixasse com sua carne ali, exposta e nua para julgamentos e olhares, na forma humana mais vulnerável.
"Digamos que eu sei um pouquinho de tudo..." ela riu, doce e nervosa ao mesmo tempo enquanto apertava a mão do rapaz. “Brincadeira! Suas roupas... Qual é? É meio na cara!” ela confessa, sentindo suas bochechas queimarem. Como ela o deixaria saber sobre sua fascinação pela coisa toda da alma gêmea se ele era o completo e total oposto de sua crença? Se fôssemos entrar em um comparativo, ela seria a católica fiel e fervorosa e ele o ateu acadêmico, polos contrários de uma bateria. “Só não sei o que um renegado faz por aqui na noite de hoje...” ela trouxe sua duvida à tona, encolhendo-se pelo frio que parecia aumentar conforme o ponteiro movia-se no relógio.
"Hmmm..." hyung) coçou o queixo, vasculhando sua mente em busca de qualquer desculpa para tal feito. Era óbvio que alguém notaria sua presença ali. Era óbvio que a presença de um renegado num evento destinado às almas gêmeas não ia passar desapercebida. O garoto estalou sua língua no palato mais uma vez e respirou fundo, confessando com a voz algumas oitavas mais baixa do que o habitual. “Nem eu sei. Eu não deveria estar aqui”.
“Mas...?” ela encorajou, prevendo a vírgula e a preposição de adversidade que permanecera oculta na frase do menino.
“Hm?”
“Tem um porém na sua frase, não tem? Você não deveria estar aqui, mas...” deu ênfase na preposição mais uma vez e hyung) não conseguiu conter o sorriso divertido em seu rosto. Garotinha petulante. Graciosa, mas petulante.
“Eu fui desafiado. A estar aqui, hoje. Not a big deal
“E o que você vai ganhar desse desafio, hyung)?”
“Uma tatuagem” o menino sorriu abertamente ao falar. Sentia as veias de seu pulso esquerdo – as diretamente ligadas ao coração – pulsarem e latejarem sob sua pele tal qual se estivesse sendo tatuado, mas de dentro pra fora.
Uma tatuagem que mudaria sua vida.
Uma tatuagem prometida pelo cometa.
Uma tatuagem igual a de .


Continua...



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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