Capítulo único
Eram quase 19h30 quando minha amiga e colega de apartamento Sona chegou em casa, esbaforida e com as bochechas rosadas. Eu estava na cozinha fazendo pipoca e me preparando para assistir qualquer coisa na Netflix.
− O elevador quebrou de novo? – perguntei cínica.
− Não... – Ela sorriu feliz, não conseguindo manter a seriedade. – É o Viktor.
− Será que finalmente você vai se apegar a alguém por mais de 3 encontros? – eu provoquei.
− Não perderei a nossa aposta. Quem vai se apegar primeiro é você. Aliás, você não estava saindo com aquele seu colega do filme?
− Qual? – eu perguntei rindo enquanto pegava duas garrafinhas de água na geladeira. – E vai sonhando, eu não me apego, não!
− Mudando de assunto, trouxe nossa correspondência. – Ela falou me entregando um grande envelope.
Rasguei a lateral daquele papel pardo e puxei de dentro uma cópia da revista Cosmopolitan que seria lançada dentro de alguns dias. Já tinha me acostumado a me ver na capa das revistas, mas temia que meu sucesso acabasse tão repentinamente quanto havia surgido, há apenas 1 ano e meio.
− Deixe-me ver – disse Sona animada e curiosa. – Seu olhar está lindo nessa foto. Mas que manchete mais sem criatividade é essa? Abre isso logo, vamos ler sua entrevista.
Por Morgana Ward
Hollywood está fervendo com tantas denúncias de assédio sexual e estupro surgindo praticamente toda semana. Celebridades estão sendo expostas e, felizmente, pagando pelos seus atos. Apesar das controvérsias, dúvidas e o famoso “ela disse, ele disse” ou, no caso de Melanie Martinez e sua ex-melhor amiga Timothy em 2017, “ela disse, ela disse”; as pessoas finalmente parecem estar acreditando nas vítimas e dando-lhes suporte, diferentemente do caso Amber Heard e Johnny Depp, no qual os fãs do eterno Jack Sparrow pareciam achar toda e qualquer desculpa para descreditarem a atriz.
Com tanta repercussão nas redes sociais, mais celebridades foram se pronunciando sobre o assunto e um tweet em questão não pôde ser ignorado. Em ascensão desde o filme sucesso na TV “Time Bomb”, a mais nova queridinha de Hollywood, , postou em sua conta do Twitter que gostaria de ter a mesma coragem de todas as mulheres que estavam contando suas histórias, e que ela sentia muito orgulho de vê-las não se calando por medo.
Os fãs e colegas da indústria foram à loucura. O que teria, então, sofrido? Ao aceitar o convite de nossa redação, fomos ao Central Park no coração de Manhattan para uma sessão de fotos clicada por Lee Seyoon, e só depois nos preparamos para ter a conversa de verdade.
COSMOPOLITAN: Boa noite, ! Primeiramente gostaria de agradecer pela oportunidade dessa entrevista, abordando um tema tão importante. Mas agora conta pra gente! Essa pessoa que você citou supostamente te manter num relacionamento abusivo chegou a ser seu namorado?
: Boa noite, Morgana. Eu que agradeço pelo convite. Acho que eu precisava de um “empurrãozinho”, e agora parece que é a hora certa de botar essa angústia pra fora. Bom, vamos lá. Eu tive um relacionamento com um homem bem mais velho quando fazia aulas de teatro. Oficialmente não éramos namorados, mas é difícil de explicar... pra mim era como se fosse um namoro escondido, algo proibido. O meu contato não estava salvo no celular dele com o meu nome, era “Lolita”. Acredito que é o que ele faz com a “garota” da vez. Mas eu não era tão jovem quanto a Lolita do Vladimir Nabokov, graças a Deus.
C: Uau. Um homem mais velho! Alguém sabia desse relacionamento escondido? Ele era da companhia de teatro também?
: Ele era sócio da companhia, eu acho. Passava por lá toda semana, e foi assim que nos esbarramos algumas vezes. Umas conversas aqui e ali, uns elogios e foi como tudo começou. Depois que começamos a ficar, a gente tentava disfarçar e ele brincava, flertava com outras atrizes na minha frente enquanto me ignorava. Eu achava que era só um disfarce, mas pensando bem, talvez não fosse.
C: Isso parece ter sido horrível. Ele chegou a fazer coisas estranhas como ameaças, abuso físico, além do emocional? Você poderia citar exemplos do comportamento dele?
: Puxa, isso escalou rápido! [Risos]. Ele dizia que uma boa atriz saberia disfarçar seus ciúmes, e Nova York não tinha espaço para mais aspirantes medíocres. Ele também dizia que era bom ter o máximo de experiências novas possíveis, para as emoções e caracterizações serem mais fiéis. Por exemplo, ele disse que preferia dar o papel de um personagem na reabilitação para alguém que pelo menos já usou [drogas]. Não sei se pra você faz sentido, mas tudo o que saía da boca dele tinha lógica pra mim. Ele me apresentou às drogas, mas não sei dizer se no fundo eu não quis, ou se ele me fez querer com todos aqueles discursos dele. Desculpe, não sei. Algumas pessoas têm mais força em suas convicções, minha idade jovem na época pode não ser uma “desculpa” aceitável para todos. Mas não é só isso. Era um misto de medo de nunca me tornar uma boa atriz, ou dele desistir de ser meu mentor; queria deixá-lo orgulhoso, sabia que ele não era bom pra mim quando me machucava, mas eu o queria. Às vezes ele me batia, mas eu “gostava”. Achava que isso significava que ele me amava.
C: Então esse relacionamento foi literalmente alguém te usando e você confiando, na esperança de alavancar sua carreira com os conselhos de alguém mais "experiente". Você acha que o contato com as drogas mudou algo em você? Ou a sua volta, de alguma maneira?
: Atuar é a minha paixão, e no começo, apenas nas aulas de teatro, você sabe que está perseguindo seu sonho, mas que também é o de milhares de outras pessoas. Eu achava que tinha muita sorte por alguém com tantos contatos na indústria do cinema ter me notado e gostado de mim. Quando ele me contava dos problemas dele, eu me sentia importante, como se ele confiasse em mim e buscasse meus conselhos. Usamos cocaína juntos algumas vezes, mas eu não queria “envelhecer” e muito menos me viciar. Sabe que é fundamental para conseguir papeis não só sua atuação, mas também sua imagem como um todo. Aparência e reputação, principalmente se você for aspirante. Nenhum diretor quer uma atriz com problemas. Ninguém quer.
C: Sinto muito que você tenha passado por isso. Quando foi o momento do "click", que abriu seus olhos para enxergar a situação que você se encontrava?
: Quando somos mais jovens, o que importa é a eternidade que um momento passageiro proporciona. É como andar de montanha russa, a adrenalina impede que você enxergue os altos e baixos que está tendo. Ele não me fazia bem, mas todo o cenário me fazia querê-lo: o romance proibido, a sina de alguém, até então especial e superior mostrar interesse por mim. Seu charme foi como uma lente que me cegava pra real situação. Tive sorte das minhas amigas me alertarem a tempo. Bom, não a tempo o suficiente pra evitar que eu me estilhaçasse.
C: Anteriormente você mencionou que ele te batia. Você não prestou queixa para a polícia, não pensou em terminar o relacionamento?
: No momento não. Me sentia tão pequena que na minha cabeça ia ser uma luta perdida, o sentimento de incapacidade me fazia pensar que não valia a pena, ele era conhecido, eu era "apenas mais uma". Mas depois de um tempo me arrependi, não podia ter deixado barato. Por isso admiro as meninas que foram à luta, se tem uma coisa que você não pode fazer, é se calar. Não está sendo fácil me abrir sobre esse assunto aqui... Porque contar é reviver, sabe? [suspiro]. Eu conto e as imagens vão passando na minha cabeça como cenas de um filme. Dói. Por isso é importante focar no presente e lutar por um futuro iluminado.
C: Você não quer aproveitar a chance para denunciá-lo?
: Não... Seria a minha palavra contra a dele, já faz alguns anos e eu não tenho como provar as agressões, tanto físicas quanto psicológicas. Deletei todas as nossas conversas. Só queria dizer que nem sempre é fácil enxergar as coisas erradas quando é você quem está dentro do relacionamento. As coisas vividas só a dois, as mentiras, ilusões, toques, abusos romantizados. O que antes as pessoas retratavam como amor e na verdade é abuso, e infelizmente crescemos acreditando nelas. Ele me assustava, mas ainda assim eu o considerava divino. O nosso relacionamento só acabou mesmo quando ele enjoou de mim e arranjou outra pessoa para corromper.
C: Entendo. Realmente seria uma luta praticamente sem fim, e além do mais, é necessário desconstruir a visão que as pessoas têm das vítimas como aproveitadoras ou tiradoras de vantagem. O que você diria para as meninas que já passaram por isso, e para os futuros homens do nosso país?
: A minha mensagem vem do meu aprendizado. Primeiramente gostaria de dar um recado para os meninos, adolescentes e futuros homens. Apesar da sociedade ter construído uma imagem de como vocês devem se portar, lembre-se de sempre ser uma boa pessoa, respeitando suas companheiras acima de tudo. Para as meninas que infelizmente passaram por isso também, queria dizer que não, não é uma coisa que simplesmente "passa". Vocês provavelmente vão se lembrar para o resto da vida, e não se calem como eu fiz. Levem como um ensinamento de coisas que não deveriam existir num relacionamento, e coloquem a si mesmas como prioridade. Um dia a ferida vai fechar, e a cicatriz será uma lembrança de um combate, que espero eu, seja um combate vencido. Se você perceber só agora que se encontra num relacionamento tóxico, (por mais medo que você tenha e que pareça uma situação sem saída), não hesite em pedir ajuda. A sua paz de espírito é a coisa mais preciosa que você tem. Agradeço pela atenção e pela oportunidade!
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Assim encerramos nossa entrevista com a querida . Se quiserem ver o vídeo e os bastidores na íntegra, entrem no nosso site!
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Entreguei a revista para Sona. Ela me olhou por um segundo, suspirou e me deu um abraço.
− Isso tudo que você falou é verdade? Ele te batia? Quem é ele? – sua voz saía mais exaltada a cada pergunta.
− Eu não posso dizer. É passado, e de qualquer forma, você não o conhece. Só digo isto: não se envolva se o cara tiver um Pontiac Heaven e te chamar de Lolita.
− Ah, amiga. Queria poder fazer mais por você. Eu felizmente nunca vivi nada tão horrível assim, mas sei que é sorte.
− Fico feliz por ti, Sona. Agora, vamos ver Netflix?
− Vamos!
Fim
Nota da autora:Olá pessoas, muito obrigada por lerem nossa fic! Minha amiga Vixen que me ajudou a terminar a história a tempo. Super me salvou. Caso tenham interesse em ler mais sobre sua personagem, leiam a fanfic “Party Song – The walk of shame” do Ficstape do All Time Low. Um beijo no coração de vocês e feliz 2018!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.