05. Falling in love

Última atualização: 14/03/2019

Capítulo Único

Quatro anos atrás…

O coração apertou mais uma vez quando olhou ao redor da sala de embarque. Ela sabia desde o começo, desde o momento que o conheceu na casa do primo e o observou falando em um inglês que nem mesmo seus anos de estudos acompanharam, teve certeza que não iria dar certo quando ele desviou o olhar e saiu no meio da chuva deixando apenas o eco da porta que ele mesmo bateu com força. Respirou fundo, tão fundo que doeu até a alma quando engoliu o último gole do café para afogar o cubo de gelo que estava parado na garganta desde que ele a permitiu ir embora. Olhou para todos os rostos esperando ver ali, em meio a eles, os olhos curiosos e engraçados, o sorriso tímido ao fazer as mil perguntas e os dedos que insistiam em ficar entre seus cabelos quando ele sentia vontade de se esconder do mundo. Nesse momento ela mesma queria ser a ponta dos dedos dele pra se esconder entre seus cabelos e não ser nada. Além disso, ser qualquer coisa que não fosse uma humana estúpida cheia de mágoa no peito.
Partidas sempre são difíceis, mas ela sabia que aquilo era um adeus silencioso de dois covardes. Ele nem teve a coragem de ir olhar em seus olhos pra dizer adeus. Bem no subconsciente a garota desconfiava que fosse apenas um rosto na multidão pra ele, e ele não aparecer só confirmava que sim, era isso que ela seria, apenas um rosto em meio a todos, um pontinho de erro em meio a todo um mundo. Se permitiu a idiotice de se torturar uma última vez e colocou play na única voz capaz de fazer cada parte de si se esparramar em pedacinhos quebrados pelo chão. A música em versão acústica gravada por ela mesma começou. Checou o Twitter e o Instagram dele, mas nenhuma postagem nova tinha aparecido, nada de diferente pra fazer com que um por cento de esperança surgisse. Olhou pela última vez a foto que tirou dele sentado no chão e depois de memorizar cada detalhezinho, deletou a imagem. Era isso... E assim que chegasse ao seu destino, iria apagar todas as músicas que ele havia passado.
O embrulho no peito finalmente se manifestou em direção aos seus olhos e formou pequenas lágrimas que se a própria não controlasse, teria certeza que iria virar um choro feio e cheio de soluços, pequenos momentos de lembranças navegaram em sua memória.
Engoliu em seco e colocou os óculos escuros. As pessoas sentadas em frente ao portão de embarque começaram a se levantar e, mesmo com o som da voz dele estourando os tímpanos pelos fones, não precisou de muito tempo pra se dar conta de que atravessando o portão agora aberto, seria oficialmente o adeus.
Arrastou a mala de rodinhas e contou mentalmente cada passo. Entregou seus documentos para o balconista que verificou e os entregou de volta. Olhou para trás, para a imensa fila de pessoas atrás de si, para o sol que ultrapassava as barreiras de vidro. Deu seu primeiro passo em direção ao portão e a música conhecida preencheu seus fones "Stay for tonight If you want to i can show you..." Que ironia! Sorriu amarga, era apenas isso, seria assim dali pra frente, escutaria sua voz apenas pelos fones, e foi assim que ultrapassou o portão de embarque e se despediu de .


Agora…

se viu mais uma vez sentada em frente as caixas de papelão em frente a antiga casa de suas férias de verão. O que antes era um lugar cheio de vozes e risadas altas até amanhecer, agora era apenas uma casa grande de dois andares totalmente vazia e fria com caixas de papelão espalhadas por todo canto. Poucas coisas haviam sido abandonadas e uma delas era um criado mudo azul esverdeado o qual se lembrava tão bem. Nunca, em anos, ela havia se imaginado assim, sozinha, uma das coisas a qual ela sempre se prometera era que nunca iria morar sozinha, mas o destino brincou com a rotina e agora ela estava sentada no chão frio, com apenas uma taça de vinho ao seu lado e caixas transbordando passado.
Decidiu finalmente se levantar, não esquecendo antes de prender os cabelos com uma caneta a qual ela estava usando para fazer desenhos sem sentido nas pernas enquanto conversava com seu primo por telefone. Andou até o criado mudo e se esforçou um pouco para desemperrar a gaveta de cima onde encontrou alguns objetos inutilizáveis, fotos antigas e manchadas, mas sabia que na segunda gaveta que estavam todos os motivos para ter ido embora a anos atrás. mexeu em seu colar e retirou dele o pingente pendurado, uma pequena chave redonda com detalhes pretos, encaixou e girou e ali se permitiu reviver sua maior dor até aquele momento.

Quatros anos atrás...

! — sentou na ponta de sua cama. Seu tom era apreensivo e seu olhar cauteloso — Hey, espera! Espera, você não pode ver o que eu comprei pra você — a menina se jogou em cima de um dos presentes não embrulhados e recolheu rapidamente escondendo embaixo do travesseiro, depois pegou com carinho a camiseta recém comprada e o pequeno chaveiro em forma de clave de sol — Olha! — ela ergueu o chaveiro em frente ao rosto do primo . — Esse é pra ele?
— É exatamente sobre ele que eu tenho que falar, ! — os olhos de seu primo dançavam em todas as direções e isso era um sinal claro de que algo estava muito errado. — Aliás, ele quer te falar uma coisa — se levantou e abriu um pouco mais a porta revelando um cabisbaixo — Entra.
O menino de cabelos bagunçados, úmidos e recém cortados adentrou o cômodo como alguém entrando no próprio velório. fez sinal de se levantar mas o primo fez sinal para que continuasse sentada. Um momento de silêncio permaneceu até pigarrear e finalmente erguer o olhar com um tom nervoso.
, eu... — ele olhou em um sinal claro de desespero.
— Conta a verdade pra ela , olhando nos olhos dela.
À essa altura a menina já sentia o coração despencar em direção aos pés e gelo percorrer todas suas veias, não sentia nem vontade de perguntar o porque daquela cena. Seus olhos se mantinham firmes sustentando o olhar do menino a sua frente
— Quando você chegou, eu te achei linda, não tinha como alguém não achar...
— Sem essa —   exclamou fazendo virar em sua direção de punhos fechados.
—Por favor, me deixa falar! — e virou novamente para a garota — Então, quando você disse que nunca tinha tido um amor de verão, todos nós achamos engraçado como você parecia achar que tudo era um filme perfeito americano — ele sabia o quanto cada palavra a seguir iria quebrar cada parte de sua menina, mas não podia se permitir apenas a abraçar — Então eles me desafiaram a te provar que você estava fazendo papel de idiota.
nunca havia sido uma menina idiota. Enquanto contava ela já calculava cada memória dos dois: a tarde na piscina onde o amigo do primo misteriosamente foi mais gentil que o habitual, a noite no cinema onde ele brigou para sentar ao lado dela e quando ao amanhecer ele a beijou. Cada lembrança se juntou em sua cabeça, fazendo com que seus olhos se enchessem de lágrimas.
— Seu primo não sabia de nada, mas eu juro, , eu juro que comecei a sentir. Só demorou um pouco pra eu poder admitir que sentia.
! — mais uma vez interrompeu.
— CALMA, CARALHO. Eu, eu não ganhei nada em troca, a ideia era apenas.... — sua voz morreu aos poucos enquanto a menina se levantava.
sentia o peito apertar tão forte que não sabia se era capaz de respirar, pegou a camiseta e o chaveiro que havia comprado de presente de natal para , juntou os dois calmamente e andou até o menino, passando os braços ao redor de sua cintura como tinha se acostumado a fazer a pouco tempo. Os lábios de se encostaram no topo de sua cabeça e a menina foi espremida em um abraço infinito onde ela se permitiu chorar.
— Isso é pra você — sua voz saiu baixa e rouca, lágrimas ainda escorriam enquanto ela se desfazia do abraço e entregava os presentes para o menino — Era pra ser de natal, mas considere um presente de despedida.
... —   não estava entendendo nada mas pegou o presente mesmo assim.
, está tudo bem — ela sorriu — Obrigada por toda a paciência, mas agora eu preciso que você vá embora e esqueça que qualquer coisa aconteceu entre a gente.
... — a menina suspirou pesadamente
— Eu quero que você vá embora , é o mínimo que você pode fazer por mim — ela observou quando ele socou a parede e marchou para a porta, mas não antes de olhar uma última vez em sua direção e bater à porta com força, deixando apenas o eco de um coração quebrado para trás.

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Mais uma vez ele estava atrasado, não poderia dizer que dia era, pois todos os dias se pareciam segunda pra ele, mas sabia muito bem que estava atrasado para entregar o dinheiro da pensão de sua filha.
, pelo amor de deus, acelera essa praga que você chama de carro! — ele tentava assinar o cheque mas o seu relógio insistia em atrapalhar, então como um louco ele tirou o objeto dourado e arremessou janela a fora.
, A SUA EX TEM PERFEITAS CONDIÇÕES DE ESPERAR UM POUCO.
— MAS EU NÃO! — berrou de volta deixando escapar o último ponto de calma dentro de si — ELA ME INFERNIZOU A MADRUGADA INTEIRA PARA EU CHEGAR ADIANTADO E ESTOU UMA HORA ATRASADO!
— Fala com minha mão que ela te dá mais atenção, mostrou o dedo do meio e aumentou o volume do som.
Duas músicas, o carro foi estacionado em frente ao jardim da enorme casa da ex-mulher de que, no momento, esperava irritada de pé na enorme varanda frontal com a pequena em seus braços. não de seu o trabalho de descer do carro pois sabia o quanto a ex-mulher de seu melhor amigo o odiava, já correu alcançando a varanda em poucos passos largos.
— Mais atrasado que a noiva, como sempre, !
— Bom dia, Kate.
Antes que fosse tomado pelo mau humor de estar na presença de sua ex, a pequena grande humana se pronunciou ao escutar a voz de seu pai, a tiara ao meio dos fios lisos, a deixava muito mais encantadora. ergueu os braços em direção ao mais velho, mas sua mãe virou o corpo a impossibilitando de atingir seu objetivo.
— O cheque primeiro, , depois a .
O homem entregou o papel para a mulher e pegou sua filha no colo, sentindo depois de semanas, finalmente, toda a paz que almejava. A menina sorriu e passou os dedinhos pela barba do pai que, por sinal, precisava ser retirada. Enroscou os dedos nos cabelos de que estavam quatro dedos abaixo da orelha e encostou os lábios em sua bochecha, depois no ouvido da filha.
— Oi, meu amor, papai sentiu sua falta — não esperou a autorização de sua ex-mulher, apenas recolheu a mochila lilás de sua pequena e deixou que o resto fosse apanhado por seu amigo enquanto ele mesmo ajeitava a bebê na cadeirinha do banco traseiro do carro — Pronto, . Agora podemos ir.

***


recolheu os brinquedos jogados na sala de seu apartamento. tinha dormido a poucos minutos depois de tomar banho e passar a tarde brincando e vendo desenhos. Mesmo com quatro anos sua filha já era uma menina decidida, escolhia as próprias roupas, falava quase como uma criança de 6 anos, podia formar frases coerentes e completas mas ainda era uma bebê sonolenta o que permitiu que seu pai, após dias trabalhando, pudesse ascender um cigarro e sentar na cadeira da varanda para observar as luzes da Califórnia. As coisas não haviam sido como ele havia planejado, nada havia sido como ele havia planejado na realidade, não desde que ele desconfiava que tinha perdido alguém importante.
Desde aquela época, tentava esquecer a grande droga que havia feito. Era um adolescente, mas mesmo agora que já era um homem e pai  ainda se perguntava sobre a dimensão de seus verdadeiros sentimentos quando contou para a prima de seu melhor amigo que tudo que haviam passado era apenas uma ilusão. Percebeu que o único iludido havia sido ele em acreditar que nada havia acontecido. Depois daquela noite, a garota foi embora. Ele ainda á tinha em redes sociais antigas, já havia até acompanhado uma vídeo chamada dela com o primo, onde ela agiu normalmente o enchendo de dúvidas. Então ela foi cursar inglês, ele virou pai, se casou, desfez o sonho de ser músico e começou a trabalhar com a empresa de seu pai, depois se separou e agora morava em um apartamento grande e os únicos momentos de felicidade eram quando sua filha estava com ele.
Enquanto se lembrava de todas as merdas pelas quais havia passado, seu celular tocou ao seu lado indicando ser seu único e melhor amigo.
—  O que você quer?
—  Bom humor é mato por aí, hein! — respondeu irônico — Preciso de um favor. Você lembra da minha prima, né?
quase revirou os olhos. Como ele poderia esquecer? Deixar de lado? Talvez, mas esquecer jamais.
— O que tem?
— Ela voltou a morar aqui na minha antiga casa e eu esqueci de abastecer a cozinha, a minha casa está uma zona e devem ter umas duas ou três mulheres que eu não sei nem o nome.
— Isso tem uma cara de problema seu, Dude — ironizou.
— Me deixa levar ela pra jantar na sua casa, eu prometo que é rápido, ela come mais rápido do que eu e você juntos.
—  Não sei não,  — se controlou para não aceitar logo de cara.
— Me ajuda cara, ela está toda tristonha que o pai dela a expulsou de casa.
se lembrou do quanto odiava ficar sozinha e com fome e deu risada antes de concordar. Afinal, já haviam se passado anos, ambos eram adolescentes e agora iriam se ver como adultos resolvidos e crescidos. Foi isso o que ele pensou, até a chave reserva girar e a porta se abrir.

:

Seu coração subiu para a boca e depois decolou até seus pés. Ele estava parado com os cabelos maiores e mais desorganizados. Havia uma sombra de barba em seu rosto que havia o envelhecido pouca coisa. Ele certamente ainda poderia se passar por um adolescente, como isso era possível? As calças jeans ainda eram pretas e rasgadas e ele usava a camisa social dobrada nos cotovelos, e os olhos... Os olhos ainda prendiam toda a atenção da agora mulher, antes menina, .
— Entra, .
— Ah, claro, eu trouxe... — ela indicou o pote de sorvete — disse que você sabia, mas eu conheço ele, então perdão por ele ser um babaca e esquecer que a única coisa que eu sei fazer é comer.
sorriu aliviado. Ela ainda era a mesma, na verdade não havia mudado quase nada, continuava como há anos atrás, um pouco mais mulher, com os cabelos mais longos e com a cor mais normal, mas ainda sim era a mesma menina com senso de moda peculiar.
— A cozinha é ali — ele indicou — A casa é sua.
Ela concordou com a cabeça e seguiu quase correndo para dentro da cozinha, observando cada canto. A cozinha possuía detalhes pratas e estava totalmente limpa Nunca na vida imaginaria que teria um apartamento daquele, não nas tardes em que ficavam deitados no tapete do quarto conversando sobre o quanto ele queria ser músico e passar suas noites dormindo em ônibus de cidade em cidade e, por um momento, seu coração apertou de saudade daquele menino com a cabeça nas nuvens e pés em Nárnia.
Quando voltou para a sala, estava esparramado no sofá, descalço, engolindo um pedaço de pizza e estava sentado no tapete, de pernas cruzadas bebendo cerveja.
chamou-a e lançou a lata de cerveja em sua direção — É da que você gosta.
sorriu agradecida e se uniu aos dois enquanto começaram a falar sobre o quanto o looping da vida os havia atingido.

Quase uma hora depois, todos já sabiam que continuava pegando todas, entrando e saindo de faculdades e não pode deixar de notar o quanto ainda era . Quanto mais os minutos se passavam, mais ela constatava que ele ainda tinha o mesmo sorriso e a mesma facilidade em usurpar toda a atenção do ambiente, isso até o barulho de algo incomum surgir do corredor o fazendo arregalar os olhos e correr. encarou o primo que sorriu.
— Oi, mocinha do tio.
A mulher virou rapidamente e viu a cena mais improvável. Se alguém dissesse que ela veria essa cena há anos atrás, ela se contorceria de gargalhar, mas agora era a coisa mais linda da face da terra. segurava a pequena no colo, com a mão livre arrumava o vestidinho de oncinha e com outra apontava para .
— Olha seu tio bobão. , essa é a amiga do papai, a . Ela está com vergonha, provavelmente não vai falar nada.
E isso foi o suficiente para se derreter totalmente enquanto a criança era entregue ao seu primo. Quando notou a ausência do calor de seu pai, começou a chorar. , afobado, correu para a entregar para que, percebendo o que estava prestes a acontecer, correu ao redor da mesa de madeira no hall do apartamento.
, segura que a cria é sua! — apressava os passos fuzilando o amigo com o olhar.
— Se você derrubar minha filha eu te mando pra Saturno, advertia o amigo dando risada e continuava chorando.
— Vocês dois deveriam ser estudados, vem com a titia minha flor — pegou carinhosamente o corpo da menininha e a balançou gentilmente a levando para a sacada e a fazendo olhar para as luzes — Olha só como tudo é lindo aqui de cima, é tudo tão lindo que deveria se chamar não é?
Os olhos amendoados da menina observaram a mais velha, que continuou falando sobre como cada luz era bonita. Ambas entraram em uma conversa esquecendo de reparar no homem um pouco mais atrás que observava tudo com todo carinho do mundo.

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Ele não conseguia mais desviar o olhar, não enquanto aquela mulher desfilava em sua sala, com sua filha no colo, conversando pacientemente e brincando até a pequenina cair no sono.
, onde eu coloco ela?
, eu vou tirando o carro. , obrigado por esse favor — disse saindo do apartamento.
seguiu até o quarto lilás com pisca-piscas na parede e a depositou na cama, arrumando as coisas ao redor do corpo adormecido da pequena . Nunca havia compreendido quando os mais velhos diziam que uma criança parecia com os pais, mas com era totalmente evidente, embora a cor dos olhos fosse diferente, o formato era o mesmo, até as expressões e espessura do cabelo ela era inteiramente .
— Ela é toda você, .
— Coitada — ele sorriu ainda encarando sua criança.
Ambos fizeram silêncio até quando fez o sinal de dar o primeiro passo para longe o homem a segurou pelo braço e ela agradeceu por nunca precisar de entrelinhas com , ambos se abraçaram sem dizer nada, era um abraço de saudade e perdão, afinal não havia mais o porque de alimentar assuntos do passado.
— Senti sua falta, babaca — ela foi a primeira a falar.
— Você nunca disse se me perdoava por aquele erro.
Os olhares se sustentaram por segundos que pareciam minutos. Ela ainda lembrava-se da sensação de ter ele pra sí, ter aqueles lábios encostando nos seus. Sentiu a respiração dele e orou para todos os seres cósmicos possíveis não o permitirem de escutar o barulho que seu coração começou a fazer. Ela nunca foi essas garotas que se podavam sobre algo que queria, nunca teve paciência em pessoas que romantizam perdões demorados ou amores impossíveis, então lembrou do menino de anos atrás descansando a cabeça em suas pernas, após passarem o dia na praia onde ele a levou no píer e fez uma música tentando rimar tudo. E foi o bastante para ela finalmente fazer o beijo acontecer, e foi exatamente uma explosão de estrelas e constelações que ela se lembrava tão bem, mas dessa vez era melhor pois tinha uma dose de saudade e assunto mal resolvido entre eles, e por um segundo ela pensou que talvez aquele fosse o beijo de despedida de anos atrás. Quando o beijo se interrompeu, encarou os olhos brilhantes a sua frente, não deixando de reparar nos movimentos carinhosos das mãos do homem.
— Eu realmente queria ficar, , mas tenho que organizar minha vida — ela deu passos apressados para fora do quarto e, dessa vez, se virou para a figura parada não esquecendo de lhe oferecer um sorriso culpado — Eu não vou embora dessa vez, rockstar.
E tão rápido quanto comeu a pizza aquela noite, ela se foi, deixando apenas um homem confuso e desconfiado para trás.

Quase uma semana havia se passado e ainda não tinha ido até a praia na luz do dia. Uma noite depois, e a peguete dele beberam em um barzinho e fumaram quase dois maços de cigarros. Ela e o primo correram pela areia gelada enquanto segurava as blusas sentada na grama baixa. Tudo o que conseguiram foi com que ficasse gripado a ponto de não conseguir levantar da cama, então aproveitaram para fazer coisas longe da água, como compras, shopping, ir no parque da cidade e tentarem mobiliar decentemente a casa da garota. Porém, depois de dias, o primo finalmente a levaria pra tomar sol na praia. Ambos estavam sentados na varanda da frente, esperando ficar pronta. estava sentada com os pés em cima das pernas de que tocava violão pacientemente. Ele até puxou algumas músicas que costumavam cantar quando mais novos.
— Pronto — apareceu com os cabelos artisticamente presos em um coque, óculos escuros, saída de banho preta e chinelos brilhantes.
— É fashion week estilo piranha? — perguntou divertida.
— Você tá uma free Willy ótima. — apontou para a menina que teve que pegar um biquíni emprestado por o seu ser pequeno demais.
— Eu ainda quero pegar um sol, se as bonitas não se importarem. Ou podem ir a pé, eu não ligo —   empurrou as pernas da prima, se levantou e girou as chaves do carro no dedo indicador.
lançou um olhar divertido pra e as duas mostraram a língua para o menino alto.
correu em direção a água como uma criança, mergulhou na segunda onda e emergiu olhando pra trás onde também mergulhava. gritava na beira da água de como a temperatura estava gelada.
— Relaxa, , merda bóia — gritou antes de outra onda a atropelar e a fazer engolir litros de água. Passou as mãos aflita em frente aos olhos e nem notou quando o primo a segurou pela cintura e a puxou para baixo de outra gigantesca onda — Caralho, preciso de ar!
— Mas não era você a sereia da família? — ele nadou em braçadas longas mais para o fundo onde as ondas se transformavam em ondulações, o seguiu tentando nada como um cachorrinho. — Boia e fecha os olhos songa monga.
Ela deixou o corpo leve e boiou até avisar que iria sair da água. Estendeu a toalha na areia e deitou, agradecendo por sua pele pegar bronze fácil. Observou por trás das lentes escuras quando um dos amigos do primo apareceu com uma bola e, para a surpresa de , a menina que estava sentada na areia parecendo um bife à milanesa se levantou sorridente e deu a idéia de jogarem vôlei. pegou o celular e fez o que se prometeu não fazer: entrou no perfil dele. Mas não havia nada de novo além da última foto de um milk-shake em frente ao lado interno do para-brisa do carro. Respirou decepcionada e se virou de costas fechando os olhos. Isso durou tempo o suficiente para ouvir quando cumprimentou mais alguém e ela não demorou para reconhecer a voz do homem que segurava uma criança falante.
, lembra da “titia” ? — a garotinha acenou ainda tímida e correu para perto de que a entregou a bola.

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enrolou a filha em uma toalha que havia levado para a hora que a temperatura caísse. ofereceu levar para o carro e ajudar a trocá-la e se aproximou do amigo observando a cena divertido.
— Se você não fosse meu melhor amigo, eu diria que você é um marica, .
revirou os olhos e mostrou o dedo do meio
— O marica da história é você, !
— Eu não sou marica — o homem lançou a bola na cabeça do amigo.
— Você é marica — apareceu agora com uma saída de praia por cima do biquíni e chinelos em uma das mãos, na outra segurava a mãozinha da pequena faladora.
— E você é uma sereia orca — mostrou o dedo do meio — Girls, os meninos querem ir beber uma cerveja, ali no barzinho da esquina, vocês querem?
— Ah, cerveja... Como eu te quero — ergueu as mãos pro alto em sinal de prece e saiu correndo para agarrar o braço do ruivo tatuado com qual passou a tarde flertando. apontou em direção ao bar e saiu andando recolhendo as coisas da areia.
olhou para que se divertia olhando toda a cena. Alguém lá de cima deveria estar atacando sinais em sua cara, porque não era possível, aquilo só podia significar que o homem deveria criar vergonha na cara e marcar realmente um dia para encontrar a menina, já que por gozação divina seu inferno astral estava na mesma cidade que ele provando que karma era sim existente.
— Eu vou no píer, estou paquerando ele há dias.
— Quero algodão doce, papai — se pronunciou quando lembrou que em cima da ponte de madeira havia barraquinhas cheias de doces.

Obrigado por lembrar a que colesterol existe, .
estendeu a mão em direção a e ignorou .
— Deixa esse palhaço pra trás, sereia, ele não sabe que pra nossas caudas ficarem bonitas, temos que comer algodão doce.
— Sério? — agarrou a mão da mulher e nem se lembrou de olhar para trás.
— Mas só de vez em quando não é, ? — ressaltou correndo um pouco para alcançar as duas
— É, só de vez em quando.

admirava sem fôlego o reflexo do pôr do sol sobre o horizonte. Já havia terminado seu algodão doce e estava inclinada sobre a grade, com os braços apoiados na borda, onde ao seu lado estava sentada, de costas para todo aquele espetáculo comendo e se lambuzando de açúcar doce, os braços de a seguravam protetoramente.
— Tia ? — enfiou um pedaço de doce na boca do pai — Por que não podemos comer doce sempre?
sorriu e tirou os óculos, sentindo os olhos do homem ao seu lado, caírem sobre ela.
— Porque se não nossas caudas ficam feias e sebosas.
— Eca — balançou a cabeça e lambeu os dedos enquanto gargalhava da conversa das duas — Papai, vou jogar o pauzinho no lixo.
Era um sinal de que ela queria ir para o chão e foi assim que fez, a colocou no chão e continuou virado de costas mantendo os olhos na pequena que corria até a lixeira.
— Obrigada, , pelas coisas não ficarem estranhas — encarava a extensão do mar e se xingou quando o coração disparou vendo pelo canto dos olhos quando os cabelos de se desorganizaram por conta do vento — Você é quase o cara que pensei que você seria.
— Eu sei — riu e depois ficou sério — É bom ter você de volta... Por aqui. Minha filha gostou de você, sabe... Ela é a coisa mais importante da minha vida.
Dessa vez se virou também, vendo sentada no banquinho de madeira no meio da ponte.
— Ela é maravilhosa.
— É bom pra ela ter uma amiga também, a mãe dela anda meio preocupada demais com as coisas ao redor — não queria falar sobre Kate então deixou seus olhos se encontrarem com os da mulher descabelada ao seu lado.
limpou as mãos e se desencostou no parapeito da ponte, pronta para fugir daquele vento gélido.
— A gente poderia ter se apaixonado — soltou aleatoriamente.
— Este foi meu erro, , eu me apaixonei — ela sorriu e virou de costas.
— Eu ainda estou — sussurrou baixo, indo em direção a filha, dando as costas para o pôr-do-sol e decidido a dar mais passos para a frente em direção ao seu, talvez, novo amanhecer.

deixou a filha com a mãe após ir embora do píer. Foi difícil pra ele se despedir de e mais difícil ainda quando teve que deixar sua pequena de volta, isso sempre o fazia querer quase chorar ou algo do tipo. Chegou em seu apartamento com a cabeça rodando de pensamentos sobre passado e presente, tomou banho lembrando-se da adolescente que conheceu e da mulher que apareceu novamente em sua vida. Apesar de ser noite, estava calor e os relâmpagos indicavam a chuva que estava por vir, como naquela noite... Deitou-se lembrando de como se sentiu quando deixou ir embora a melhor coisa que o havia acontecido naquela época e, tirando o sentimento que sentia por sua filha, a única pessoa pela qual chegou a sentir algo era a própria .
O trovão cortou o céu fazendo tudo estremecer no apartamento, isso não o impediu de correr até a sala e pegar o telefone. Ficou ali, parado, organizando tudo que estava preso em seu peito e em sua garganta há anos. Não era à que ele precisava provar alguma coisa, mas a si mesmo. Provar que ele merecia o troféu de idiota das galáxias. Discou o número que havia o passado e ao primeiro sinal outro estrondo no céu fez com que as luzes se apagassem.
— Droga! Não, não, eu preciso dizer a ela…
Deu uma espiada rápida no cenário fora de sua janela. O mundo estava caindo, o céu colidindo com tudo e mesmo assim o calor insuportável continuava o rodeando. Pegou a chave do carro e esqueceu até mesmo de colocar o tênis, girou a maçaneta no mesmo instante em que a porta se abriu revelando uma descabelada e ensopada.
— Por que você me deixou ir embora? — a menina perguntou desesperada.
— Porque eu tive medo — ele respondeu com o mesmo tom de voz antes de dar um passo para frente a encostando na parede — Eu tinha medo de dizer que eu estava me apaixonando, eu tive medo de ter que provar a mim mesmo que eu finalmente estava amando e não teve um maldito dia em que eu não senti a droga da sua falta, eu nem lembrava como respirar depois que você sumiu da cidade.
Um beijo calmo foi depositado em seu pescoço como resposta, causando arrepio que o fez se desmanchar.
— Eu te perdoo, . Eu juro que te perdoo — ela sorriu.
— Você não precisa fazer nada que não queira — ele disse sorrindo bobo.
— Mas eu quero!
E ele a beijou novamente, dessa vez um pouco mais agridoce entre a doçura e a violência, a ergueu no colo a levando em direção a cama. E na cabeça da menina, a única coisa que passava era a letra de umas das suas novas frases preferidas: We could´ve fallen in love…




Fim.





Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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