Capítulo Um - Aquele do Homem Drag
Balancei os quadris ao som do ritmo cubano que tocava de minha playlist no Spotify enquanto dava os últimos retoques na maquiagem. Estava pronta para acabar com a raça de meu noivo traidor. Estava armada para ir à guerra e todos sabiam que soldados pintavam o rosto, no meu caso, eu usava a base mais cara da Dior que comprara com o cartão de crédito do infeliz. Ele teria uma surpresa no final do mês. Terminei de passar o batom vinho e abri um sorriso gélido.
Depois de três anos de namoro e dois de noivado, através de uma mensagem anônima no WhatsApp, observei meu atual - futuramente ex-noivo nu em uma posição sexual nada comum com Martinez, ninguém mais do que minha antiga sócia e amiga de faculdade.
Respirei alto e peguei meu celular, verifiquei as horas e abri a conversa com o número anônimo, vendo a foto comprometedora uma última vez. Os tabloides amariam ver um dos reis do estrelato das passarelas transando para conseguir um trabalho na próxima Algo Fashion Week. A pior parte é que não é ironia. Caso as fotos do traidor fossem publicadas, nada além de elogios surgiriam e o contexto da foto seria ignorada, por isso, resolvi fazer vingança com minhas próprias mãos.
- Morte a um pênis específico. - Murmurei em frente ao espelho e balancei os ombros. Agarrei minha bolsa, meu sobretudo e saí em direção à garagem. Dirigi até o restaurante em que Gabriel e eu jantamos pela primeira vez. Faltava uma semana para nosso aniversário de noivado e 10 meses para nosso casamento, mas como ele havia ensaios e eu tinha desfiles para frequentar, não teríamos tempo. Quer dizer, talvez Gabriel tenha liberado um espaço na agenda dele para dormir com Martinez, mas isso já não era mais da minha conta.
Estacionei o carro na entrada no restaurante e um valet veio correndo pegar a chave do conversível vermelho, também comprado com o dinheiro de meu querido noivo. Eu jamais gastaria meu dinheiro com um carro desses, por favor.
- Posso te pedir um favor? Eu comprei hoje esse carro, mas preciso dele brilhando ainda mais. Poderia fazer isso por mim? Vou te dar 200 dólares de gorjeta. - O valet arregalou os olhos e assentiu rapidamente. Abri um sorriso largo e aprumei-me em meu sobretudo. Estava uma noite relativamente fria, e isso conta muito ao falarmos do Canadá.
O restaurante era tão lindo, uma cantina italiana incrível que servia a melhor massa que já havia comido na vida. Não era um lugar grande, mas era frequentado pelo pessoal da alta sociedade. Venho aqui uma vez a cada semestre. Prefiro muito mais uma churrascaria brasileira.
- Boa noite, em que posso ajudar? - Uma moça linda de olhos verdes me recepcionou.
- Estou procurando Gabriel Crocco. Reserva para dois. - A mulher assentiu e checou seu pequeno iPad.
- Acompanhe-me, senhorita . - Senti-me estremecer ao entrarmos no restaurante. De repente, senti um âmbito repentino de chorar e sair gritando, destruindo tudo. A dor da traição me comia por dentro. Por quê? Eu não era o suficiente? Por que ir atrás de outra? Por que não ser sincero comigo, quando eu era transparente com ele sobre tudo? Por que pisar em mim quando tudo o que eu queria era que pudéssemos crescer juntos? Não faz sentido. Entendo que nossa relação tem esfriado no último ano, mas não é como se não pudesse ser consertada! - Aqui está. Bom jantar. - Abri um sorriso tímido e sentei-me na cadeira, encarando o lugar vago em minha frente. Dali pouco tempo, Gabriel estaria ali e eu teria que usar todas as minhas forças para não desabar.
- Uau, você chegou cedo! - A voz de meu noivo ressoou atrás de mim. Um beijo foi depositado em meu pescoço. Precisei controlar o asco e os arrepios, então abri o sorriso mais tranquilo que consegui.
Gabriel é tão lindo. Absorvi sua beleza por uma última vez, seus olhos claros, cabelo preto sedoso e traços de sua ascendência do Oriente Médio e italiana. Usava um blazer preto e havia um fio de seu cabelo fora do lugar, seu charme, sem sombra de dúvidas. Jamais imaginaria que este homem me trairia.
- Pois é, milagres acontecem. - Respondi com um sorriso forçado - O que quer comer? - Peguei meu cardápio desesperadamente para esconder a careta involuntária que surgia em meu rosto. Não aguentaria aquilo por mais de quinze minutos.
- Acho que o de sempre. E você?
- Também.
- Somos muito previsíveis, hum?
- Um de nós é bem imprevisível, pelo visto. - Murmurei ao parar meus olhos na cartela de vinho.
- O que disse?
- Nada. - Coloquei o cardápio na mesa e encarei os olhos claros que amei na primeira vez em que pus meus olhos neles. Senti meu peito apertar e minha mente foi levada àquela foto. Apertei meus pulsos em cima do vestido e suspirei.
- Tem algo errado, jujubinha?
Eu preciso gritar e jogar uma garrafa de vinho na cabeça dele, urgentemente!
- Já decidiram? - Um garçom apareceu rapidamente e me impediu de voar elegantemente na cara de Gabriel. As coisas sairiam mais rápidas do que imaginei.
- Sim. Gostaria do especial do chefe à moda da casa e, hum… O que vai querer beber, jujubinha? - O vinho mais caro da cartela.
- Que tal o vinho que bebemos no nosso primeiro encontro? - Segurei sua mão por cima da mesa e abri um sorriso tímido. Eu deveria ser atriz, estava me aguentando por mais tempo do que acharia que poderia.
- Um Domaine de la Romanée ‘93, por favor. - O garçom assentiu e se retirou com nossos cardápios. Quase implorei para que o homem voltasse - Então, não vamos nos ver no nosso aniversário, hum? Vou morrer de saudades. - Abri meu melhor sorriso triste e assenti como um cachorrinho que não ganhou seu biscoito.
- É verdade. Quais são seus planos nos seus dias livres? - Gabriel desviou o olhar de meu rosto antes de responder.
- Não sei, acho que passear por Paris depois do desfile da Dior. Nada demais. - Ele não conseguia me olhar nos olhos enquanto mentia! Pelo menos isso.
- Queria estar lá para te fazer companhia, mas fui convidada para alguns outros desfiles em Nova Iorque. Vou sentir sua falta também. Espero que aproveite muito sua estadia em Paris. - Mal pude esconder a ironia, mas Gabriel não pareceu notar enquanto seu olhar se dirigia diretamente ao decote de meu vestido amarelo. Sério? Eu só consegui sentir nojo. Ele estava planejando estar com outra mulher em nosso jantar de aniversário, mentiu para mim e ainda tinha a coragem de me sexualizar?! Meus ancestrais cuspiram na cara de alguma bruxa vingativa, não é possível.
- Vou tentar, mas não consigo sem você. - Ah, por favor.
- Preciso ir ao banheiro, ursinho. - Levantei-me e praticamente corri até o toalete. Não havia espaço dentro de mim para mais daquilo. Meu coração não conseguiria aguentar muito tempo. Todo o plano estava pronto, mas a execução estava falha. Parei na porta do banheiro e encarei as costas de Gabriel. Tão lindo, mas tão canalha. Eu deveria fazer uma lista de nomes para xingá-lo depois de terminar com ele, certo? Vamos pensar… Covarde, desgraçado, bast-- mal pude concluir meus pensamentos antes de sentir algo bater fortemente contra minhas costas e quando percebi, já estava de quatro com as mãos suportando minha queda. Senti meus joelhos reclamarem ao atingirem o chão com força.
- Ai! - Exclamei de dor e tentei me colocar de pé, sentindo meu tornozelo arder.
- Minha nossa! Moça, você precisa olhar por onde anda! - Arquejei e fiz uma careta de dor.
- Por que você não abre a porta com cuidado? - Virei-me para encarar o dono da voz. Uau, que gato.
- Porque eu não espero que alguém esteja de costas pra porta do banheiro masculino. Especialmente alguém do sexo feminino!
- Eu poderia ser uma drag queen, o uso do gênero pronominal estaria errado. - O homem de olhos castanhos arqueou as sobrancelhas grossas e cruzou os braços.
- Por acaso você é drag queen?
- Poderia ser.
- Mas não é.
- Você ainda sim bateu com a porta nas minhas costas! Meu joelho está doendo! - Comecei a gesticular com as mãos e o estresse de todo aquele dia caiu diretamente em minhas costas. Só sentia vontade de chorar e gritar.
- Quer que eu compre uma pomadinha para a madame? Muitas pessoas ficam na posição em que você estava e não reclamam. - Aquilo já era demais.
- Sinto pena da pessoa que estiver nessa posição com você, isso sim. Agora, poderia vazar da minha frente antes que eu bata com essa porta em você? - O homem de olhos castanhos e ombros enormes revirou os olhos e abriu espaço para o banheiro masculino.
- Pode usar. Mas estou confuso, drag queens usam qual banheiro quando estão montadas? - Tenho certeza de que meu rosto estava vermelho e meus pulsos fechados. Díos mio, voy matar este cabrón comemierda.
- Pergunte ao seu pai, ele deve responder essa. - Não fiquei para ver a resposta do homem, virei-me de costas e corri para entrar no banheiro. Sim, eu fugi da briga e não, não estava arrependida. Ele poderia muito bem me bater ali mesmo. Eu havia acabado de insinuar que o pai de um homem aleatório é uma drag queen e não aguentei permanecer ali para ouvir ele insinuar que eu era um homem. Coragem não está sendo o meu mantra do dia, definitivamente.
Lavei as mãos e encarei-me no espelho. Aquela mulher estava passando por um mini inferno particular, mas ainda tinha a capacidade de ser linda e livre. Não deixaria que um homem me tornasse menos completa, mas a traição não doía menos. Respirei fundo e encarei meus olhos escuros, cabelos volumosos e boca marcada pelo batom. O vestido amarelo acentuou minha pele escura e meus seios. Estava linda. Terminaria a noite linda também.
Abri levemente a porta do banheiro e suspirei ao me certificar de que o homem drag não estava ali. Arrumei minha postura e caminhei novamente até minha mesa. Gabriel estava ao celular e bisbilhotei trás de seus ombros.
“Estou com saudades também. Estou ansioso para pôr minhas mãos em se--”
- Hm, que fome! - Exclamei um pouco alto demais, já que cinco mesas ao nosso redor me encararam com olhares de reprovação. Ah, grande merda, eles fariam o mesmo se estivessem no meu lugar. Gabriel bloqueou o celular rapidamente e o guardou no bolso do blazer. Já estava espumando de raiva - Quem era?
- Uma cliente, estava mandando as informações do voo, nada demais. - Assenti roboticamente e mal encarei o garçom quando ele apareceu com nossos pedidos. A garrafa de vinho acompanhou as taças e não pude estar mais grata. O garçom colocou pouco vinho em minha taça, então encarreguei-me de enchê-la até a beirada, assustando Gabriel um pouco - Jujubinha, você não é de beber. Está mesmo tudo bem? - Assenti debilmente enquanto bebia goles seguidos do vinho. Dane-se a degustação, ninguém tinha tempo para aquela merda.
- Estou ótima, só quero ficar um pouco selvagem hoje. - Comentei com um sorriso de lado. Alcancei a coxa de Gabriel por baixo da mesa e apertei levemente, fazendo-o sorrir e esquecer a minha estranheza.
Homens, além de previsíveis, são estúpidos. Completamente estúpidos. Eles não podem ver um par de seios na frente deles, e ficam de quatro exatamente como eu estava quando o estranho bateu com a porta em minhas costas. O sexo se tornou uma moeda de troca, sempre foi, na verdade. É triste que isso funcione. Na verdade, o contexto da prostituição é uma própria moeda de troca. A forma como o sexo foi banalizado é simplesmente triste. Triste.
- Eu acho que nunca te vi realmente selvagem. Gosto desse seu novo lado. - Por isso você me traiu? Por que não sou selvagem o suficiente?
- Ah, quero inovar. - Comentei e comecei a comer. Hum, tão bom. Gabriel comia e bebia como um louco. Deveria estar com muita fome. Aprumei-me na cadeira, cruzei as pernas e tomei mais um gole de vinho antes de dizer: - Quando você ia me dizer que está pondo um par de chifres em mim?
De repente, observei Gabriel se tornar estátua. Ele parou com o garfo no meio do caminho, seus lábios estavam abertos e permaneceram assim durante alguns segundos antes que ele largasse o garfo com um ruído no prato. Percebi que dois casais ao nosso lado estavam escutando atentamente nossa conversa. Ótimo, audiência.
- Do que você está falando? Eu não te traio. - Tomei outro gole de vinho e fingi a melhor cara de paisagem possível.
- Martinez te traz algo à memória? - Eu vi a cor sumir do rosto de Gabriel e o prazer que senti com isso foi esmagado por suas mentiras seguintes.
- Ela é só uma amiga.
- Você acha que sou estúpida? - Perguntei com frieza descomunal. Peguei meu celular e o desbloqueei bem na foto. Mostrei para Gabriel com um sorriso torto - Porque você é, claramente. Deixar-se colocar nessa situação, Gabriel? Tenha a decência de pelo menos fechar as janelas. Qualquer hotel em Nova Iorque está virado para outros hotéis, é de se esperar que haja audiência, não é? Mas você não pensou nisso, talvez porque estivesse muito ocupado estando de quatro e levando um dildo azul no meio do seu--
- Eu já entendi, ! - Sua voz aumentou uma oitava e percebi que o havia atingido - Mas este não sou eu!
- Gabriel, assuma de uma vez, por favor! Não torne isso mais vergonhoso do que já é. - Dei de ombros e recostei-me na cadeira enquanto deliciava-me com o vinho caro que meu ex-noivo pagaria. Perco o homem, mas não saio de barriga vazia. Dei outra mordida em minha massa e suspirei com o prazer em comer algo tão bom.
- Você é louca. Acredita em qualquer coisa. Você sempre foi muito ciumenta, não é? Está procurando formas de terminar comigo. - Oi?
- Oi?
- É isso mesmo. Acha que eu não sei? Você é obcecada por mim, não me dá descanso. E além disso, o motivo de eu ter ido procurar sexo selvagem em outro lugar, é porque você é um saco na cama!
Espera aí, o quê?
- Eu já fiz cada loucura com você! Pelo amor de Deus, o que você quer fazer? Ir a uma casa de swing, que eu cague na sua cara? Que eu enfie um butt plug em você e que você passe um dia inteiro usando? Pode ir, você está livre para fazer o que quiser, porque o nosso noivado, tudo o que a gente tem, está acabado. - Balbuciei alguns xingamentos enquanto me levantava.
- Você vai embora assim? - Percebi que havíamos atraído uma pequena audiência. Coloquei-me em pé e abri um sorriso cordial para os telespectadores, estes voltaram a encarar seus pratos com incomum interesse. Passei meus olhos por todo o restaurante até meus olhos encararem diretamente os olhos castanhos do homem do banheiro. Ele tinha um sorriso irônico no rosto e parecia deliciado com a cena que presenciara. Que bueno. Morte a mais um pênis na lista.
- Vou, porque eu não te devo mais nada.
- Mas você não tem carro, !
- Tenho. Comprei hoje. - Abri um sorriso malicioso. Os olhos de Gabriel arregalaram ao perceber o que eu havia feito.
- Sua vadiazinha de merda.
- Essa vadiazinha de merda estourou o limite de seu cartão de crédito e doou 200 mil dólares anonimamente para ajudar pessoas com HIV, deve fazer algo digno com o dinheiro sujo que você ganha. - Abri um sorriso largo e prazeroso ao ver Gabriel engolir em seco e fechar os punhos sobre a mesa.
- Você está blefando. E além do mais, posso devolver o carro e alegar furto. - Dei de ombros e virei-me de costas.
- Pode checar, noivinho. Estou indo embora, seja um bom capacho e pague a conta. - Sorri de lado e estava quase saindo do restaurante quando suas mãos agarraram fortemente meu braço. Arquejei de dor e tentei desvencilhar-me do seu aperto, mas era forte demais. Uma pontada de medo surgiu em meu peito ao encarar seus olhos transtornados.
- Eu vou te pegar sua vadia e você vai pagar tão caro por isso. - Soltei-me a muito custo de seu aperto e encarei alguns garçons que observavam a cena sem saber o que fazer.
- Acho que você não pode sair daqui sem pagar, querido. - Encarei os garçons e Gabriel me soltou a contragosto.
- Isso não acabou, .
- Ah, acabou sim. Se voltar a me procurar, farei questão de divulgar sua foto autodepreciativa pela internet.
- Você não ousaria.
- Você me subestima, Gabriel. A minha selvageria te assustaria. - Abri um sorriso mordaz. Gabriel foi ao encontro de um dos garçons e eu decidi dar no pé antes que algo mais grave acontecesse. Encontrei o valet na saída e pedi que ele apenas desse a chave de meu carro. Entreguei a gorjeta - também cortesia de meu ex-noivo - e corri até um elevador que levava ao subsolo. Batuquei meus dedos contra a bolsa de couro e suspirei aliviada ao perceber que Gabriel não havia me alcançado.
O conversível vermelho realmente estava lustrado e ainda mais belo do que quando saiu da concessionária hoje mais cedo. Joguei minha bolsa no banco do passageiro e peguei um bastão de basebol que havia vindo de brinde, tecnicamente, com o carro. Tecnicamente.
Segurei o bastão em minhas mãos e o passei pela lateral do carro. Não havia nenhum veículo ao lado do conversível, exatamente como havia pedido ao valet. O primeiro baque foi contra o retrovisor, o segundo destroçou o vidro do para-brisa, o terceiro baque foi no capô e a finalização, com o quarto baque, foi nos faróis do carro. Gabriel não poderia devolver aquele carro infinitamente caro. Alguns valets vieram correndo e apenas os encarei seriamente.
- Tenho direito de destroçar meu carro, não? - Vociferei e os homens apenas assentiram - Saiam daqui e fiquem lá em cima por três minutos e dou 200 dólares a cada um. Juro não destruir nenhum outro carro além do meu e do meu noivo. - Os homens ponderaram por dois segundos e subiram correndo. Caramba, valets ganham tão mal? Balancei a cabeça e procurei o carro de Gabriel pelo estacionamento. Achei a Rover estacionada e abri um sorriso maligno ao começar a destroçar o carro com o bastão. Sabia que Gabriel queria mudar de seguro, portanto ele não estava assegurado na última semana. Que timing perfeito.
- ! - A voz de Gabriel se fez ouvida no local. Abri um sorriso mordaz e o encarei com o bastão de basebol evidente em minhas mãos. Já havia feito um estrago digno em seu carro.
- Oi, meu bem? Estou incomodando? - Perguntei falsamente e apoiei-me no capô destruído da Rover.
- Só queria dizer que esse não é o meu carro.
- Uhum, até parece.
- Você não serve nem para destruir o carro certo. Impressionante. - Virei-me injuriada e encarei a placa do carro. Ah não.
- Eu sirvo para destruir um conversível de mais de 300 mil dólares, não? - Apontei com o bastão para o conversível vermelho - Um ícone de colecionador. Infelizmente, o prazo de devolução era de uma hora. E sem seguro, fiz questão de pedir ao vendedor. - Dei de ombros e observei os olhos de Gabriel se transtornarem mais uma vez.
- Eu vou te matar, ! - Gabriel avançou em minha direção e preparei o bastão em minhas mãos. O que eu faria? Bateria nele?
- Que merda está acontecendo no meu estacionamento? - Uma voz berrou atrás de Gabriel no momento em que suas mãos encostaram em meu pescoço e eu levantava o bastão em mãos. Automaticamente senti as lágrimas subirem ao meu rosto. Ele realmente me enforcaria?
- M-me desculpe. - Murmurei ainda completamente estagnada. Gabriel realmente iria me agredir daquela forma? Ele iria me enforcar? Será que ele pararia antes que eu perdesse a consciência? - E-eu… - Virei meu olhar e mal pude engolir em seco ao observar quem se dirigia a nós dois. Ah, não.
- Você, grandalhão, fora. Saia daqui antes que eu chame a polícia e diga que você estava a um segundo de enforcar esta moça. Se eu te vir novamente no meu restaurante, vou te caçar até os confins da terra ou pior, cagar na sua comida. - Gabriel murmurou alguns xingamentos e se dirigiu até seu carro, localizado a apenas quatro carros de distância do que eu havia destruído. Ah, meu Deus! Eu estava encrencada.
Dois segundos depois, Gabriel estava voando para fora do estacionamento. Minhas pernas estavam tremendo, larguei o bastão no chão e me pus a chorar sem nem ao menos disfarçar o medo, a raiva e a mágoa que sentia. Principalmente medo. Com que dinheiro eu pagaria aquela Rover? Eu teria que tirar da poupança de mamãe.
- Te conheço há menos de meia hora e você já me causou tantos prejuízos que não posso contar! - O homem veio transtornado em minha direção. Encolhi-me automaticamente, ele pareceu perceber e apenas passou as mãos nos cabelos.
- De quem é o carro? Preciso conversar com o dono. Não queria causar tanto incômodo, eu só-
- Só gosta de dizer que os pais alheios são drag queens? É, só um dia normal na minha vida de quem realmente tem um pai que é drag queen. - Limpei as lágrimas e encarei estupefata o homem moreno.
- Seu pai é drag queen?
- Algum problema com isso?
- Não, nenhum. - Levantei as mãos em rendição e arquejei ao perceber que cacos de vidro cortaram meu pulso e minhas mãos.
- Você precisa limpar isso.
- Sério? Você jura de pé junto? - Não estava nem aí se estava sendo uma babaca. Eu não aguentaria mais dois segundos em pé.
- Moça, entendo que esteja em um dia ruim. A sua cena no restaurante foi o suficiente para que eu percebesse isso. Só gostaria de dizer que não sou realmente o dono daqui.
- O quê?
- Eu vi o sem noção do seu ex-noivo sair de lá correndo e imaginei que pudesse acabar em algo pior, então o segui e me intitulei dono deste lugar. Eu sou um fotógrafo e sou colombiano, não faz sentido ser dono de uma cantina italiana. - Arregalei meus olhos. Minha mãe jamais poderia descobrir que havia agredido o carro de outro latino. Ela me mataria, ou pior, me faria pedir desculpas ajoelhada e segurando um pano branco em sinal de paz.
- Obrigada, eu acho. - Abri um sorriso cansado e desencostei-me do carro - Então você não saberia de quem é este carro, não é?
- Na verdade, sei. - Sufoquei um xingamento quando o estranho colombiano apertou um botão em sua mão e as luzes do carro acenderam. Isso só poderia ser brincadeira.
- Alguma chance de você ser bilionário e nada disso passar de um dia normal na sua vida de playboy?
- Nope. Em todos estes anos, isso nunca me aconteceu. - Soltei uma risada fraca e assenti levemente. Eu precisava arranjar um jeito de me livrar dessa.
- Tem uma primeira vez para tudo, não é mesmo?
- Acho que ninguém quer ter uma primeira vez em que uma lunática destrói o seu carro, ou jujubinha? - Controlei uma pontada involuntária ao ouvi-lo dizer meu nome com um sotaque colombiano claramente proposital.
- Si hablas en español, deberias hablar conmigo en español. ¿Cuanto quieres por su coche? - O estranho apenas arqueou a sobrancelha e sorriu.
- Faltei às aulas de espanhol quando era pequeno, desculpa. Poderia traduzir?
- Um colombiano que não sabe sua língua materna…
- O carro custa 90 mil dólares. Quer pagar no cheque ou à vista? - Engoli em seco e senti o mundo cair completamente ao meu redor. Isso era muito mais até mesmo do que mami tinha na conta. Eu teria que tirar do meu salário e ainda faltaria muito dinheiro. Ter começado minha própria marca há pouco tempo tinha como consequência ainda estar na fase do prejuízo. Essa situação só agravaria ainda mais toda a situação.
- Hum, você parcela?
- Só para meus amigos. Levando em conta o que você fez aqui, não, eu não divido. E não confio em você, o que me garante que não vai sumir do mapa sem pagar o que me deve? - Vontade de fazer isso não me falta.
- Nada garante. Hum, calma. - Corri até meu carro e senti alguns pingos de sangue caírem em meu vestido. Droga. Peguei minha bolsa e voltei para o homem - Aqui, isso aqui é a minha garantia. - Estendi meu celular para o homem e ele apenas arqueou a sobrancelha - Eu sou analista de marcas, influencers e sou consultora de algumas marcas famosas, todo o meu trabalho está aí dentro. Vou tentar conseguir o dinheiro em três dias e aí pego meu celular de volta ao te entregar a bolada, que tal? - Havia apostado alto, mas o homem parecia ponderar. Suas sobrancelhas grossas arquearam e seus dedos circulavam seu lábio carnudo. Acho que era um costume involuntário dele. Possuía diversos anéis, mas nenhuma aliança.
- Pode ser. Mas como vai me ligar para combinarmos o local de entrega?
- Me dê o endereço de onde você trabalha e te entrego pessoalmente.
- Nem ferrando! Eu não vou dar meu endereço a uma doida que destruiu meu carro e ameaçou bater com uma porta de banheiro em mim!
- Ah, até parece que eu bateria de verdade. Eu corri pro banheiro porque fiquei com medo de que você me bateria.
- Eu jamais bateria em uma mulher.
- Meu ex-noivo dizia isso e você presenciou uma cena linda de quase enforcamento. Homens não são exatamente dignos de confiança.
- Não posso argumentar contra isso agora. Vou te dar o endereço de um café. Vou ter um trabalho ali por perto e te encontro. Moro em Nova Iorque, mas vim para Toronto a trabalho. Hoje é quarta, então sábado às quatro horas da tarde no Cafe Le Amoureux.
- Hum, também moro em Nova Iorque, não é mais fácil eu te pagar lá?
- Não mesmo! Eu não vou correr nenhum risco com você, querida. Então, sabe onde fica o café?
- Claro, claro. Combinado, então. Sábado as quatro. Qual o seu nome?
- Poncio. - Ali estava novamente o sotaque colombiano.
- Desculpa pelo carro, Poncio. Eu me chamo . Foi um imenso desprazer te conhecer. Te vejo sábado. - Virei-me e corri praticamente até o conversível, não sem antes pegar meu bastão de basebol. Ele poderia ser útil caso Gabriel aparecesse novamente. Peguei minha bolsa e minhas tralhas, dirigindo-me até a saída do estacionamento. Os valets me encararam quando perceberam que eu estava sangrando e carregava um bastão em mãos. - Meninos, um imprevisto surgiu e só vou conseguir dar 100 dólares para cada.
- Não precisa, moça. - O valet que eu havia pedido para estacionar meu carro afirmou seriamente. Parecia assustado.
- Bom, como você foi muito prestativo, eu vou te dar aquele conversível. Ele está bem destruído, mas ainda sim é valioso e acho que você pode mandá-lo para o conserto, não sei. Faça o que quiser, é seu. - O valet arregalou os olhos azuis.
- S-senhora, não posso aceitar.
- Pode, sim. O carro está em meu nome e eu posso dá-lo a quem eu quiser, eu quero dá-lo a você. Eu nem gosto de dirigir, sério. Aqui estão as chaves. - Entreguei o par de chaves para o valet. O chaveiro possuía uma foto de meu cachorro e um pen drive rosa que eu carregava para todos os lugares, apenas tirei o chaveiro e o pen drive e me despedi dos valets ainda estupefatos com a cena que presenciaram.
- O-obrigado, senhorita. Deveria ir ao hospital ver sua mão. - Assenti fracamente.
- Irei, obrigada. Bom trabalho para vocês. - Acenei com a mão e me dirigi até a calçada. Como chamaria um Uber se meu celular estava com Poncio? Soltei um grunhido de raiva e senti as lágrimas invadirem novamente meus olhos. Eu só queria gritar e espernear por meia hora até que o peso do mundo finalmente saísse de meus ombros. A frustração me preenchia por completo, já não conseguia distinguir a dor dos cortes com a dor em meu peito. Amar Gabriel me destruiu por completo.
- Sei que só deveríamos nos ver no sábado, mas eu não consigo presenciar uma cena patética dessas. - parou ao meu lado na calçada. Os faróis de seu carro estavam quebrados, a janela do motorista estava trincada, o capô estava parcialmente aberto pela força com que bati ali. Meu peito apertou ao pensar no dinheiro que gastaria.
- Não preciso da sua pena, obrigada. - Comentei rispidamente e virei-me de costas para o carro, encarando os valets na frente da cantina. Eles estavam entretidos demais contando suas gorjetas.
- Não é pena, é humanidade. Você está machucada e sem um celular para usar. Entre logo, o próximo ponto de táxi é longe demais para você ir andando com os braços de fora nesse frio. - Batuquei com as unhas contra meu vestido esvoaçante. Havia esquecido meu casaco no restaurante. poderia estar guardando rancor por eu ter destruído seu carro e iria me agredir no meio do caminho e roubar meu celular. Ele poderia me jogar no canto da estrada ou pior, em um rio. Pior ainda, me levar a um show do Chris Brown.
- Não, obrigada. Eu vou passar.
- Você vai andar até sua casa?
- Vou!
- E você mora perto?
- Não te interessa, sinceramente.
- Eu estou tentando te ajudar, ! Eu não vou deixar uma mulher sozinha no frio, pelo amor de Deus! - Bufei e balancei os ombros.
- Isso aqui é o Canadá! Estamos em clima para churrasco, sabia? Eu nem estou sentindo frio.
- Mentira, você está tremendo! Admita logo, você não é canadense, é latina. Latinos vivem no calor.
- Isso é um estereótipo, sabia?
- Você achou que eu falava espanhol porque pronunciei seu nome com sotaque.
- Você deu a entender que falava espanhol!
- Em que momento da nossa conversa superíntima você chegou a esta conclusão?
- Argh! Eu não vou pegar carona com você, eu mal te conheço. - Dei um ponto final e comecei a andar pela calçada. O vento bateu contra meu nariz e soltei um espirro, já estava doente há três dias, quando cheguei ao Canadá para visitar minha família.
- Mal me conhece, mas já destruiu meu carro, que legal!
- Ok, que droga. Eu vou entrar na merda do seu carro. Saiba apenas que eu vou lutar com toda a minha força caso você tente me sequestrar. Eu luto judô e muay thai. - Entrei no carro e tive que fazer um esforço para abrir a porta do carro sem me machucar mais.
Sobre as artes marciais, eu realmente luto muay thai, mas não tenho ideia de como lutar judô, só falei a primeira coisa que apareceu em minha mente.
- Para qual hospital?
- Para o Universitário, tenho uma prima que é residente lá. - assentiu. Sentei-me o mais próximo possível da porta e fiquei com a mão preparada para abrir a porta do carro e me jogar na rua, eu sobreviveria a um ataque. Coloquei o cinto rapidamente e encarei as ruas conforme passávamos silenciosamente por elas. Engoli em seco, não conseguia pronunciar uma palavra. Será que estava sendo dramática demais? - Desculpa por ter quebrado seu carro, de verdade. Eu não fiz de propósito.
- Você estava mirando no carro de seu noivo, não é? Eu o vi saindo com um modelo igual ao meu. - Assenti fracamente e abaixei a cabeça, impedindo ao máximo as lágrimas de caírem com força. Respirei fundo e encarei pela primeira vez desde que entrara no carro.
- Por que está sendo gentil quando eu destruí o seu carro e o ofendi no banheiro?
- Porque acredito que não se paga mal com mal, mas com bem. - O fotógrafo deu de ombros e não tive resposta digna para isso - Além do mais, eu não me ofendi por ter dito que meu pai era drag, ele realmente gosta do que faz e ganha uma boa grana nisso. Ele é dono de um cabaré.
- Ah.
- Estranho demais?
- Não, só é a primeira vez que acerto algo tão íntimo sobre alguém sem ao menos conhecer a pessoa. - soltou uma risada e balançou a cabeça.
- Você deve ter muitos problemas.
- E você não tem?
- Cruzes, mulher. Menos defensiva.
- Eu tenho todo o direito de estar na defensiva, .
- Por quê?
- Porque eu fui traída e ao invés de atingir o carro certo, eu atingi o seu. Vou ter que desembolsar uma grana que eu não tenho no momento e isso significa corte nas próximas coleções, isso significa empréstimo. Empréstimo significa dívida sem fim, o que significa que eu nunca vou poder acabar com a raça de Martinez, a mulher com quem meu ex-noivo me traiu, no próximo desfile. - batucou os dedos no volante. Olhei para a estrada e hospital universitário apareceu em minha visão - Pode me deixar aqui, por favor. Vou entrar pela entrada de pedestres. - Murmurei e abri a porta do carro quando este parou no semáforo vermelho - Até sábado e obrigada pela carona. - Despedi-me e fechei a porta do carro antes que ele dissesse algo. Atravessei a faixa de pedestres correndo em direção à entrada do hospital. Ouvi gritar algo da janela do carro, mas apenas ignorei e continuei andando.
Esperava nunca mais encará-lo depois de sábado, e eu não estava brincando.
Depois de três anos de namoro e dois de noivado, através de uma mensagem anônima no WhatsApp, observei meu atual - futuramente ex-noivo nu em uma posição sexual nada comum com Martinez, ninguém mais do que minha antiga sócia e amiga de faculdade.
Respirei alto e peguei meu celular, verifiquei as horas e abri a conversa com o número anônimo, vendo a foto comprometedora uma última vez. Os tabloides amariam ver um dos reis do estrelato das passarelas transando para conseguir um trabalho na próxima Algo Fashion Week. A pior parte é que não é ironia. Caso as fotos do traidor fossem publicadas, nada além de elogios surgiriam e o contexto da foto seria ignorada, por isso, resolvi fazer vingança com minhas próprias mãos.
- Morte a um pênis específico. - Murmurei em frente ao espelho e balancei os ombros. Agarrei minha bolsa, meu sobretudo e saí em direção à garagem. Dirigi até o restaurante em que Gabriel e eu jantamos pela primeira vez. Faltava uma semana para nosso aniversário de noivado e 10 meses para nosso casamento, mas como ele havia ensaios e eu tinha desfiles para frequentar, não teríamos tempo. Quer dizer, talvez Gabriel tenha liberado um espaço na agenda dele para dormir com Martinez, mas isso já não era mais da minha conta.
Estacionei o carro na entrada no restaurante e um valet veio correndo pegar a chave do conversível vermelho, também comprado com o dinheiro de meu querido noivo. Eu jamais gastaria meu dinheiro com um carro desses, por favor.
- Posso te pedir um favor? Eu comprei hoje esse carro, mas preciso dele brilhando ainda mais. Poderia fazer isso por mim? Vou te dar 200 dólares de gorjeta. - O valet arregalou os olhos e assentiu rapidamente. Abri um sorriso largo e aprumei-me em meu sobretudo. Estava uma noite relativamente fria, e isso conta muito ao falarmos do Canadá.
O restaurante era tão lindo, uma cantina italiana incrível que servia a melhor massa que já havia comido na vida. Não era um lugar grande, mas era frequentado pelo pessoal da alta sociedade. Venho aqui uma vez a cada semestre. Prefiro muito mais uma churrascaria brasileira.
- Boa noite, em que posso ajudar? - Uma moça linda de olhos verdes me recepcionou.
- Estou procurando Gabriel Crocco. Reserva para dois. - A mulher assentiu e checou seu pequeno iPad.
- Acompanhe-me, senhorita . - Senti-me estremecer ao entrarmos no restaurante. De repente, senti um âmbito repentino de chorar e sair gritando, destruindo tudo. A dor da traição me comia por dentro. Por quê? Eu não era o suficiente? Por que ir atrás de outra? Por que não ser sincero comigo, quando eu era transparente com ele sobre tudo? Por que pisar em mim quando tudo o que eu queria era que pudéssemos crescer juntos? Não faz sentido. Entendo que nossa relação tem esfriado no último ano, mas não é como se não pudesse ser consertada! - Aqui está. Bom jantar. - Abri um sorriso tímido e sentei-me na cadeira, encarando o lugar vago em minha frente. Dali pouco tempo, Gabriel estaria ali e eu teria que usar todas as minhas forças para não desabar.
- Uau, você chegou cedo! - A voz de meu noivo ressoou atrás de mim. Um beijo foi depositado em meu pescoço. Precisei controlar o asco e os arrepios, então abri o sorriso mais tranquilo que consegui.
Gabriel é tão lindo. Absorvi sua beleza por uma última vez, seus olhos claros, cabelo preto sedoso e traços de sua ascendência do Oriente Médio e italiana. Usava um blazer preto e havia um fio de seu cabelo fora do lugar, seu charme, sem sombra de dúvidas. Jamais imaginaria que este homem me trairia.
- Pois é, milagres acontecem. - Respondi com um sorriso forçado - O que quer comer? - Peguei meu cardápio desesperadamente para esconder a careta involuntária que surgia em meu rosto. Não aguentaria aquilo por mais de quinze minutos.
- Acho que o de sempre. E você?
- Também.
- Somos muito previsíveis, hum?
- Um de nós é bem imprevisível, pelo visto. - Murmurei ao parar meus olhos na cartela de vinho.
- O que disse?
- Nada. - Coloquei o cardápio na mesa e encarei os olhos claros que amei na primeira vez em que pus meus olhos neles. Senti meu peito apertar e minha mente foi levada àquela foto. Apertei meus pulsos em cima do vestido e suspirei.
- Tem algo errado, jujubinha?
Eu preciso gritar e jogar uma garrafa de vinho na cabeça dele, urgentemente!
- Já decidiram? - Um garçom apareceu rapidamente e me impediu de voar elegantemente na cara de Gabriel. As coisas sairiam mais rápidas do que imaginei.
- Sim. Gostaria do especial do chefe à moda da casa e, hum… O que vai querer beber, jujubinha? - O vinho mais caro da cartela.
- Que tal o vinho que bebemos no nosso primeiro encontro? - Segurei sua mão por cima da mesa e abri um sorriso tímido. Eu deveria ser atriz, estava me aguentando por mais tempo do que acharia que poderia.
- Um Domaine de la Romanée ‘93, por favor. - O garçom assentiu e se retirou com nossos cardápios. Quase implorei para que o homem voltasse - Então, não vamos nos ver no nosso aniversário, hum? Vou morrer de saudades. - Abri meu melhor sorriso triste e assenti como um cachorrinho que não ganhou seu biscoito.
- É verdade. Quais são seus planos nos seus dias livres? - Gabriel desviou o olhar de meu rosto antes de responder.
- Não sei, acho que passear por Paris depois do desfile da Dior. Nada demais. - Ele não conseguia me olhar nos olhos enquanto mentia! Pelo menos isso.
- Queria estar lá para te fazer companhia, mas fui convidada para alguns outros desfiles em Nova Iorque. Vou sentir sua falta também. Espero que aproveite muito sua estadia em Paris. - Mal pude esconder a ironia, mas Gabriel não pareceu notar enquanto seu olhar se dirigia diretamente ao decote de meu vestido amarelo. Sério? Eu só consegui sentir nojo. Ele estava planejando estar com outra mulher em nosso jantar de aniversário, mentiu para mim e ainda tinha a coragem de me sexualizar?! Meus ancestrais cuspiram na cara de alguma bruxa vingativa, não é possível.
- Vou tentar, mas não consigo sem você. - Ah, por favor.
- Preciso ir ao banheiro, ursinho. - Levantei-me e praticamente corri até o toalete. Não havia espaço dentro de mim para mais daquilo. Meu coração não conseguiria aguentar muito tempo. Todo o plano estava pronto, mas a execução estava falha. Parei na porta do banheiro e encarei as costas de Gabriel. Tão lindo, mas tão canalha. Eu deveria fazer uma lista de nomes para xingá-lo depois de terminar com ele, certo? Vamos pensar… Covarde, desgraçado, bast-- mal pude concluir meus pensamentos antes de sentir algo bater fortemente contra minhas costas e quando percebi, já estava de quatro com as mãos suportando minha queda. Senti meus joelhos reclamarem ao atingirem o chão com força.
- Ai! - Exclamei de dor e tentei me colocar de pé, sentindo meu tornozelo arder.
- Minha nossa! Moça, você precisa olhar por onde anda! - Arquejei e fiz uma careta de dor.
- Por que você não abre a porta com cuidado? - Virei-me para encarar o dono da voz. Uau, que gato.
- Porque eu não espero que alguém esteja de costas pra porta do banheiro masculino. Especialmente alguém do sexo feminino!
- Eu poderia ser uma drag queen, o uso do gênero pronominal estaria errado. - O homem de olhos castanhos arqueou as sobrancelhas grossas e cruzou os braços.
- Por acaso você é drag queen?
- Poderia ser.
- Mas não é.
- Você ainda sim bateu com a porta nas minhas costas! Meu joelho está doendo! - Comecei a gesticular com as mãos e o estresse de todo aquele dia caiu diretamente em minhas costas. Só sentia vontade de chorar e gritar.
- Quer que eu compre uma pomadinha para a madame? Muitas pessoas ficam na posição em que você estava e não reclamam. - Aquilo já era demais.
- Sinto pena da pessoa que estiver nessa posição com você, isso sim. Agora, poderia vazar da minha frente antes que eu bata com essa porta em você? - O homem de olhos castanhos e ombros enormes revirou os olhos e abriu espaço para o banheiro masculino.
- Pode usar. Mas estou confuso, drag queens usam qual banheiro quando estão montadas? - Tenho certeza de que meu rosto estava vermelho e meus pulsos fechados. Díos mio, voy matar este cabrón comemierda.
- Pergunte ao seu pai, ele deve responder essa. - Não fiquei para ver a resposta do homem, virei-me de costas e corri para entrar no banheiro. Sim, eu fugi da briga e não, não estava arrependida. Ele poderia muito bem me bater ali mesmo. Eu havia acabado de insinuar que o pai de um homem aleatório é uma drag queen e não aguentei permanecer ali para ouvir ele insinuar que eu era um homem. Coragem não está sendo o meu mantra do dia, definitivamente.
Lavei as mãos e encarei-me no espelho. Aquela mulher estava passando por um mini inferno particular, mas ainda tinha a capacidade de ser linda e livre. Não deixaria que um homem me tornasse menos completa, mas a traição não doía menos. Respirei fundo e encarei meus olhos escuros, cabelos volumosos e boca marcada pelo batom. O vestido amarelo acentuou minha pele escura e meus seios. Estava linda. Terminaria a noite linda também.
Abri levemente a porta do banheiro e suspirei ao me certificar de que o homem drag não estava ali. Arrumei minha postura e caminhei novamente até minha mesa. Gabriel estava ao celular e bisbilhotei trás de seus ombros.
“Estou com saudades também. Estou ansioso para pôr minhas mãos em se--”
- Hm, que fome! - Exclamei um pouco alto demais, já que cinco mesas ao nosso redor me encararam com olhares de reprovação. Ah, grande merda, eles fariam o mesmo se estivessem no meu lugar. Gabriel bloqueou o celular rapidamente e o guardou no bolso do blazer. Já estava espumando de raiva - Quem era?
- Uma cliente, estava mandando as informações do voo, nada demais. - Assenti roboticamente e mal encarei o garçom quando ele apareceu com nossos pedidos. A garrafa de vinho acompanhou as taças e não pude estar mais grata. O garçom colocou pouco vinho em minha taça, então encarreguei-me de enchê-la até a beirada, assustando Gabriel um pouco - Jujubinha, você não é de beber. Está mesmo tudo bem? - Assenti debilmente enquanto bebia goles seguidos do vinho. Dane-se a degustação, ninguém tinha tempo para aquela merda.
- Estou ótima, só quero ficar um pouco selvagem hoje. - Comentei com um sorriso de lado. Alcancei a coxa de Gabriel por baixo da mesa e apertei levemente, fazendo-o sorrir e esquecer a minha estranheza.
Homens, além de previsíveis, são estúpidos. Completamente estúpidos. Eles não podem ver um par de seios na frente deles, e ficam de quatro exatamente como eu estava quando o estranho bateu com a porta em minhas costas. O sexo se tornou uma moeda de troca, sempre foi, na verdade. É triste que isso funcione. Na verdade, o contexto da prostituição é uma própria moeda de troca. A forma como o sexo foi banalizado é simplesmente triste. Triste.
- Eu acho que nunca te vi realmente selvagem. Gosto desse seu novo lado. - Por isso você me traiu? Por que não sou selvagem o suficiente?
- Ah, quero inovar. - Comentei e comecei a comer. Hum, tão bom. Gabriel comia e bebia como um louco. Deveria estar com muita fome. Aprumei-me na cadeira, cruzei as pernas e tomei mais um gole de vinho antes de dizer: - Quando você ia me dizer que está pondo um par de chifres em mim?
De repente, observei Gabriel se tornar estátua. Ele parou com o garfo no meio do caminho, seus lábios estavam abertos e permaneceram assim durante alguns segundos antes que ele largasse o garfo com um ruído no prato. Percebi que dois casais ao nosso lado estavam escutando atentamente nossa conversa. Ótimo, audiência.
- Do que você está falando? Eu não te traio. - Tomei outro gole de vinho e fingi a melhor cara de paisagem possível.
- Martinez te traz algo à memória? - Eu vi a cor sumir do rosto de Gabriel e o prazer que senti com isso foi esmagado por suas mentiras seguintes.
- Ela é só uma amiga.
- Você acha que sou estúpida? - Perguntei com frieza descomunal. Peguei meu celular e o desbloqueei bem na foto. Mostrei para Gabriel com um sorriso torto - Porque você é, claramente. Deixar-se colocar nessa situação, Gabriel? Tenha a decência de pelo menos fechar as janelas. Qualquer hotel em Nova Iorque está virado para outros hotéis, é de se esperar que haja audiência, não é? Mas você não pensou nisso, talvez porque estivesse muito ocupado estando de quatro e levando um dildo azul no meio do seu--
- Eu já entendi, ! - Sua voz aumentou uma oitava e percebi que o havia atingido - Mas este não sou eu!
- Gabriel, assuma de uma vez, por favor! Não torne isso mais vergonhoso do que já é. - Dei de ombros e recostei-me na cadeira enquanto deliciava-me com o vinho caro que meu ex-noivo pagaria. Perco o homem, mas não saio de barriga vazia. Dei outra mordida em minha massa e suspirei com o prazer em comer algo tão bom.
- Você é louca. Acredita em qualquer coisa. Você sempre foi muito ciumenta, não é? Está procurando formas de terminar comigo. - Oi?
- Oi?
- É isso mesmo. Acha que eu não sei? Você é obcecada por mim, não me dá descanso. E além disso, o motivo de eu ter ido procurar sexo selvagem em outro lugar, é porque você é um saco na cama!
Espera aí, o quê?
- Eu já fiz cada loucura com você! Pelo amor de Deus, o que você quer fazer? Ir a uma casa de swing, que eu cague na sua cara? Que eu enfie um butt plug em você e que você passe um dia inteiro usando? Pode ir, você está livre para fazer o que quiser, porque o nosso noivado, tudo o que a gente tem, está acabado. - Balbuciei alguns xingamentos enquanto me levantava.
- Você vai embora assim? - Percebi que havíamos atraído uma pequena audiência. Coloquei-me em pé e abri um sorriso cordial para os telespectadores, estes voltaram a encarar seus pratos com incomum interesse. Passei meus olhos por todo o restaurante até meus olhos encararem diretamente os olhos castanhos do homem do banheiro. Ele tinha um sorriso irônico no rosto e parecia deliciado com a cena que presenciara. Que bueno. Morte a mais um pênis na lista.
- Vou, porque eu não te devo mais nada.
- Mas você não tem carro, !
- Tenho. Comprei hoje. - Abri um sorriso malicioso. Os olhos de Gabriel arregalaram ao perceber o que eu havia feito.
- Sua vadiazinha de merda.
- Essa vadiazinha de merda estourou o limite de seu cartão de crédito e doou 200 mil dólares anonimamente para ajudar pessoas com HIV, deve fazer algo digno com o dinheiro sujo que você ganha. - Abri um sorriso largo e prazeroso ao ver Gabriel engolir em seco e fechar os punhos sobre a mesa.
- Você está blefando. E além do mais, posso devolver o carro e alegar furto. - Dei de ombros e virei-me de costas.
- Pode checar, noivinho. Estou indo embora, seja um bom capacho e pague a conta. - Sorri de lado e estava quase saindo do restaurante quando suas mãos agarraram fortemente meu braço. Arquejei de dor e tentei desvencilhar-me do seu aperto, mas era forte demais. Uma pontada de medo surgiu em meu peito ao encarar seus olhos transtornados.
- Eu vou te pegar sua vadia e você vai pagar tão caro por isso. - Soltei-me a muito custo de seu aperto e encarei alguns garçons que observavam a cena sem saber o que fazer.
- Acho que você não pode sair daqui sem pagar, querido. - Encarei os garçons e Gabriel me soltou a contragosto.
- Isso não acabou, .
- Ah, acabou sim. Se voltar a me procurar, farei questão de divulgar sua foto autodepreciativa pela internet.
- Você não ousaria.
- Você me subestima, Gabriel. A minha selvageria te assustaria. - Abri um sorriso mordaz. Gabriel foi ao encontro de um dos garçons e eu decidi dar no pé antes que algo mais grave acontecesse. Encontrei o valet na saída e pedi que ele apenas desse a chave de meu carro. Entreguei a gorjeta - também cortesia de meu ex-noivo - e corri até um elevador que levava ao subsolo. Batuquei meus dedos contra a bolsa de couro e suspirei aliviada ao perceber que Gabriel não havia me alcançado.
O conversível vermelho realmente estava lustrado e ainda mais belo do que quando saiu da concessionária hoje mais cedo. Joguei minha bolsa no banco do passageiro e peguei um bastão de basebol que havia vindo de brinde, tecnicamente, com o carro. Tecnicamente.
Segurei o bastão em minhas mãos e o passei pela lateral do carro. Não havia nenhum veículo ao lado do conversível, exatamente como havia pedido ao valet. O primeiro baque foi contra o retrovisor, o segundo destroçou o vidro do para-brisa, o terceiro baque foi no capô e a finalização, com o quarto baque, foi nos faróis do carro. Gabriel não poderia devolver aquele carro infinitamente caro. Alguns valets vieram correndo e apenas os encarei seriamente.
- Tenho direito de destroçar meu carro, não? - Vociferei e os homens apenas assentiram - Saiam daqui e fiquem lá em cima por três minutos e dou 200 dólares a cada um. Juro não destruir nenhum outro carro além do meu e do meu noivo. - Os homens ponderaram por dois segundos e subiram correndo. Caramba, valets ganham tão mal? Balancei a cabeça e procurei o carro de Gabriel pelo estacionamento. Achei a Rover estacionada e abri um sorriso maligno ao começar a destroçar o carro com o bastão. Sabia que Gabriel queria mudar de seguro, portanto ele não estava assegurado na última semana. Que timing perfeito.
- ! - A voz de Gabriel se fez ouvida no local. Abri um sorriso mordaz e o encarei com o bastão de basebol evidente em minhas mãos. Já havia feito um estrago digno em seu carro.
- Oi, meu bem? Estou incomodando? - Perguntei falsamente e apoiei-me no capô destruído da Rover.
- Só queria dizer que esse não é o meu carro.
- Uhum, até parece.
- Você não serve nem para destruir o carro certo. Impressionante. - Virei-me injuriada e encarei a placa do carro. Ah não.
- Eu sirvo para destruir um conversível de mais de 300 mil dólares, não? - Apontei com o bastão para o conversível vermelho - Um ícone de colecionador. Infelizmente, o prazo de devolução era de uma hora. E sem seguro, fiz questão de pedir ao vendedor. - Dei de ombros e observei os olhos de Gabriel se transtornarem mais uma vez.
- Eu vou te matar, ! - Gabriel avançou em minha direção e preparei o bastão em minhas mãos. O que eu faria? Bateria nele?
- Que merda está acontecendo no meu estacionamento? - Uma voz berrou atrás de Gabriel no momento em que suas mãos encostaram em meu pescoço e eu levantava o bastão em mãos. Automaticamente senti as lágrimas subirem ao meu rosto. Ele realmente me enforcaria?
- M-me desculpe. - Murmurei ainda completamente estagnada. Gabriel realmente iria me agredir daquela forma? Ele iria me enforcar? Será que ele pararia antes que eu perdesse a consciência? - E-eu… - Virei meu olhar e mal pude engolir em seco ao observar quem se dirigia a nós dois. Ah, não.
- Você, grandalhão, fora. Saia daqui antes que eu chame a polícia e diga que você estava a um segundo de enforcar esta moça. Se eu te vir novamente no meu restaurante, vou te caçar até os confins da terra ou pior, cagar na sua comida. - Gabriel murmurou alguns xingamentos e se dirigiu até seu carro, localizado a apenas quatro carros de distância do que eu havia destruído. Ah, meu Deus! Eu estava encrencada.
Dois segundos depois, Gabriel estava voando para fora do estacionamento. Minhas pernas estavam tremendo, larguei o bastão no chão e me pus a chorar sem nem ao menos disfarçar o medo, a raiva e a mágoa que sentia. Principalmente medo. Com que dinheiro eu pagaria aquela Rover? Eu teria que tirar da poupança de mamãe.
- Te conheço há menos de meia hora e você já me causou tantos prejuízos que não posso contar! - O homem veio transtornado em minha direção. Encolhi-me automaticamente, ele pareceu perceber e apenas passou as mãos nos cabelos.
- De quem é o carro? Preciso conversar com o dono. Não queria causar tanto incômodo, eu só-
- Só gosta de dizer que os pais alheios são drag queens? É, só um dia normal na minha vida de quem realmente tem um pai que é drag queen. - Limpei as lágrimas e encarei estupefata o homem moreno.
- Seu pai é drag queen?
- Algum problema com isso?
- Não, nenhum. - Levantei as mãos em rendição e arquejei ao perceber que cacos de vidro cortaram meu pulso e minhas mãos.
- Você precisa limpar isso.
- Sério? Você jura de pé junto? - Não estava nem aí se estava sendo uma babaca. Eu não aguentaria mais dois segundos em pé.
- Moça, entendo que esteja em um dia ruim. A sua cena no restaurante foi o suficiente para que eu percebesse isso. Só gostaria de dizer que não sou realmente o dono daqui.
- O quê?
- Eu vi o sem noção do seu ex-noivo sair de lá correndo e imaginei que pudesse acabar em algo pior, então o segui e me intitulei dono deste lugar. Eu sou um fotógrafo e sou colombiano, não faz sentido ser dono de uma cantina italiana. - Arregalei meus olhos. Minha mãe jamais poderia descobrir que havia agredido o carro de outro latino. Ela me mataria, ou pior, me faria pedir desculpas ajoelhada e segurando um pano branco em sinal de paz.
- Obrigada, eu acho. - Abri um sorriso cansado e desencostei-me do carro - Então você não saberia de quem é este carro, não é?
- Na verdade, sei. - Sufoquei um xingamento quando o estranho colombiano apertou um botão em sua mão e as luzes do carro acenderam. Isso só poderia ser brincadeira.
- Alguma chance de você ser bilionário e nada disso passar de um dia normal na sua vida de playboy?
- Nope. Em todos estes anos, isso nunca me aconteceu. - Soltei uma risada fraca e assenti levemente. Eu precisava arranjar um jeito de me livrar dessa.
- Tem uma primeira vez para tudo, não é mesmo?
- Acho que ninguém quer ter uma primeira vez em que uma lunática destrói o seu carro, ou jujubinha? - Controlei uma pontada involuntária ao ouvi-lo dizer meu nome com um sotaque colombiano claramente proposital.
- Si hablas en español, deberias hablar conmigo en español. ¿Cuanto quieres por su coche? - O estranho apenas arqueou a sobrancelha e sorriu.
- Faltei às aulas de espanhol quando era pequeno, desculpa. Poderia traduzir?
- Um colombiano que não sabe sua língua materna…
- O carro custa 90 mil dólares. Quer pagar no cheque ou à vista? - Engoli em seco e senti o mundo cair completamente ao meu redor. Isso era muito mais até mesmo do que mami tinha na conta. Eu teria que tirar do meu salário e ainda faltaria muito dinheiro. Ter começado minha própria marca há pouco tempo tinha como consequência ainda estar na fase do prejuízo. Essa situação só agravaria ainda mais toda a situação.
- Hum, você parcela?
- Só para meus amigos. Levando em conta o que você fez aqui, não, eu não divido. E não confio em você, o que me garante que não vai sumir do mapa sem pagar o que me deve? - Vontade de fazer isso não me falta.
- Nada garante. Hum, calma. - Corri até meu carro e senti alguns pingos de sangue caírem em meu vestido. Droga. Peguei minha bolsa e voltei para o homem - Aqui, isso aqui é a minha garantia. - Estendi meu celular para o homem e ele apenas arqueou a sobrancelha - Eu sou analista de marcas, influencers e sou consultora de algumas marcas famosas, todo o meu trabalho está aí dentro. Vou tentar conseguir o dinheiro em três dias e aí pego meu celular de volta ao te entregar a bolada, que tal? - Havia apostado alto, mas o homem parecia ponderar. Suas sobrancelhas grossas arquearam e seus dedos circulavam seu lábio carnudo. Acho que era um costume involuntário dele. Possuía diversos anéis, mas nenhuma aliança.
- Pode ser. Mas como vai me ligar para combinarmos o local de entrega?
- Me dê o endereço de onde você trabalha e te entrego pessoalmente.
- Nem ferrando! Eu não vou dar meu endereço a uma doida que destruiu meu carro e ameaçou bater com uma porta de banheiro em mim!
- Ah, até parece que eu bateria de verdade. Eu corri pro banheiro porque fiquei com medo de que você me bateria.
- Eu jamais bateria em uma mulher.
- Meu ex-noivo dizia isso e você presenciou uma cena linda de quase enforcamento. Homens não são exatamente dignos de confiança.
- Não posso argumentar contra isso agora. Vou te dar o endereço de um café. Vou ter um trabalho ali por perto e te encontro. Moro em Nova Iorque, mas vim para Toronto a trabalho. Hoje é quarta, então sábado às quatro horas da tarde no Cafe Le Amoureux.
- Hum, também moro em Nova Iorque, não é mais fácil eu te pagar lá?
- Não mesmo! Eu não vou correr nenhum risco com você, querida. Então, sabe onde fica o café?
- Claro, claro. Combinado, então. Sábado as quatro. Qual o seu nome?
- Poncio. - Ali estava novamente o sotaque colombiano.
- Desculpa pelo carro, Poncio. Eu me chamo . Foi um imenso desprazer te conhecer. Te vejo sábado. - Virei-me e corri praticamente até o conversível, não sem antes pegar meu bastão de basebol. Ele poderia ser útil caso Gabriel aparecesse novamente. Peguei minha bolsa e minhas tralhas, dirigindo-me até a saída do estacionamento. Os valets me encararam quando perceberam que eu estava sangrando e carregava um bastão em mãos. - Meninos, um imprevisto surgiu e só vou conseguir dar 100 dólares para cada.
- Não precisa, moça. - O valet que eu havia pedido para estacionar meu carro afirmou seriamente. Parecia assustado.
- Bom, como você foi muito prestativo, eu vou te dar aquele conversível. Ele está bem destruído, mas ainda sim é valioso e acho que você pode mandá-lo para o conserto, não sei. Faça o que quiser, é seu. - O valet arregalou os olhos azuis.
- S-senhora, não posso aceitar.
- Pode, sim. O carro está em meu nome e eu posso dá-lo a quem eu quiser, eu quero dá-lo a você. Eu nem gosto de dirigir, sério. Aqui estão as chaves. - Entreguei o par de chaves para o valet. O chaveiro possuía uma foto de meu cachorro e um pen drive rosa que eu carregava para todos os lugares, apenas tirei o chaveiro e o pen drive e me despedi dos valets ainda estupefatos com a cena que presenciaram.
- O-obrigado, senhorita. Deveria ir ao hospital ver sua mão. - Assenti fracamente.
- Irei, obrigada. Bom trabalho para vocês. - Acenei com a mão e me dirigi até a calçada. Como chamaria um Uber se meu celular estava com Poncio? Soltei um grunhido de raiva e senti as lágrimas invadirem novamente meus olhos. Eu só queria gritar e espernear por meia hora até que o peso do mundo finalmente saísse de meus ombros. A frustração me preenchia por completo, já não conseguia distinguir a dor dos cortes com a dor em meu peito. Amar Gabriel me destruiu por completo.
- Sei que só deveríamos nos ver no sábado, mas eu não consigo presenciar uma cena patética dessas. - parou ao meu lado na calçada. Os faróis de seu carro estavam quebrados, a janela do motorista estava trincada, o capô estava parcialmente aberto pela força com que bati ali. Meu peito apertou ao pensar no dinheiro que gastaria.
- Não preciso da sua pena, obrigada. - Comentei rispidamente e virei-me de costas para o carro, encarando os valets na frente da cantina. Eles estavam entretidos demais contando suas gorjetas.
- Não é pena, é humanidade. Você está machucada e sem um celular para usar. Entre logo, o próximo ponto de táxi é longe demais para você ir andando com os braços de fora nesse frio. - Batuquei com as unhas contra meu vestido esvoaçante. Havia esquecido meu casaco no restaurante. poderia estar guardando rancor por eu ter destruído seu carro e iria me agredir no meio do caminho e roubar meu celular. Ele poderia me jogar no canto da estrada ou pior, em um rio. Pior ainda, me levar a um show do Chris Brown.
- Não, obrigada. Eu vou passar.
- Você vai andar até sua casa?
- Vou!
- E você mora perto?
- Não te interessa, sinceramente.
- Eu estou tentando te ajudar, ! Eu não vou deixar uma mulher sozinha no frio, pelo amor de Deus! - Bufei e balancei os ombros.
- Isso aqui é o Canadá! Estamos em clima para churrasco, sabia? Eu nem estou sentindo frio.
- Mentira, você está tremendo! Admita logo, você não é canadense, é latina. Latinos vivem no calor.
- Isso é um estereótipo, sabia?
- Você achou que eu falava espanhol porque pronunciei seu nome com sotaque.
- Você deu a entender que falava espanhol!
- Em que momento da nossa conversa superíntima você chegou a esta conclusão?
- Argh! Eu não vou pegar carona com você, eu mal te conheço. - Dei um ponto final e comecei a andar pela calçada. O vento bateu contra meu nariz e soltei um espirro, já estava doente há três dias, quando cheguei ao Canadá para visitar minha família.
- Mal me conhece, mas já destruiu meu carro, que legal!
- Ok, que droga. Eu vou entrar na merda do seu carro. Saiba apenas que eu vou lutar com toda a minha força caso você tente me sequestrar. Eu luto judô e muay thai. - Entrei no carro e tive que fazer um esforço para abrir a porta do carro sem me machucar mais.
Sobre as artes marciais, eu realmente luto muay thai, mas não tenho ideia de como lutar judô, só falei a primeira coisa que apareceu em minha mente.
- Para qual hospital?
- Para o Universitário, tenho uma prima que é residente lá. - assentiu. Sentei-me o mais próximo possível da porta e fiquei com a mão preparada para abrir a porta do carro e me jogar na rua, eu sobreviveria a um ataque. Coloquei o cinto rapidamente e encarei as ruas conforme passávamos silenciosamente por elas. Engoli em seco, não conseguia pronunciar uma palavra. Será que estava sendo dramática demais? - Desculpa por ter quebrado seu carro, de verdade. Eu não fiz de propósito.
- Você estava mirando no carro de seu noivo, não é? Eu o vi saindo com um modelo igual ao meu. - Assenti fracamente e abaixei a cabeça, impedindo ao máximo as lágrimas de caírem com força. Respirei fundo e encarei pela primeira vez desde que entrara no carro.
- Por que está sendo gentil quando eu destruí o seu carro e o ofendi no banheiro?
- Porque acredito que não se paga mal com mal, mas com bem. - O fotógrafo deu de ombros e não tive resposta digna para isso - Além do mais, eu não me ofendi por ter dito que meu pai era drag, ele realmente gosta do que faz e ganha uma boa grana nisso. Ele é dono de um cabaré.
- Ah.
- Estranho demais?
- Não, só é a primeira vez que acerto algo tão íntimo sobre alguém sem ao menos conhecer a pessoa. - soltou uma risada e balançou a cabeça.
- Você deve ter muitos problemas.
- E você não tem?
- Cruzes, mulher. Menos defensiva.
- Eu tenho todo o direito de estar na defensiva, .
- Por quê?
- Porque eu fui traída e ao invés de atingir o carro certo, eu atingi o seu. Vou ter que desembolsar uma grana que eu não tenho no momento e isso significa corte nas próximas coleções, isso significa empréstimo. Empréstimo significa dívida sem fim, o que significa que eu nunca vou poder acabar com a raça de Martinez, a mulher com quem meu ex-noivo me traiu, no próximo desfile. - batucou os dedos no volante. Olhei para a estrada e hospital universitário apareceu em minha visão - Pode me deixar aqui, por favor. Vou entrar pela entrada de pedestres. - Murmurei e abri a porta do carro quando este parou no semáforo vermelho - Até sábado e obrigada pela carona. - Despedi-me e fechei a porta do carro antes que ele dissesse algo. Atravessei a faixa de pedestres correndo em direção à entrada do hospital. Ouvi gritar algo da janela do carro, mas apenas ignorei e continuei andando.
Esperava nunca mais encará-lo depois de sábado, e eu não estava brincando.
Capítulo Dois - Aquele do Bolo Red Velvet
- Você fez o quê?! - Mamãe estava gritando diversas frase entrecortadas em espanhol enquanto gesticulava incansavelmente.
- Mãe, foi um acidente.
- Você DESTRUIU um carro por ACIDENTE?! O que você não faria por querer, não é? Isso é vandalismo, mija. No puedo creer en eso. No puedo.
- Mami, vou pagar o moço, fique calma.
- Você tem dinheiro para isso, ? Porque eu tenho visto os recibos do banco e você gastou quase tudo o que tem na sua marca, não é?
- Eu peço um empréstimo, mami, não sei! Vou dar um jeito. - Massageei as têmporas, sem saber ainda o que me fez falar para minha mãe que havia quebrado um carro.
- Olha, eu estou odiando Gabriel tanto quanto você, mija, mas destruir o carro dele não era a solução!
- O que eu iria fazer, mamãe? Eu estava, ainda estou, destruída! Ele estava me traindo com a , tem ideia disso?
- Oh, meu bem. - Mamãe me abraçou e deixei que as lágrimas caíssem livremente. Dali três horas, deveria ir me encontrar com . Já havia ligado no banco e pedido para liberarem o dinheiro. Apenas 200 dólares sobrariam em minha conta após este pagamento. 200 dólares para pagar fornecedores, materiais, anúncios no Instagram e merchandise. Eu estou tão ferrada. Papai deixara este valor como herança para mim antes de ir para Cuba, eu não havia tocado em um centavo a fim de economizar para meu primeiro desfile solo, sem estar no backstage ou como sócia minoritária de alguém. Que beleza.
- Está tudo bem. Vou passar na loja e depois vou para um compromisso. - Mamãe assentiu e passou as mãos por meus cabelos. Peguei minha bolsa em cima da mesa e acenei para mamãe ao fechar a porta atrás de mim. Suspirei e arrumei meus cabelos no elevador. O caminho até a loja de mamãe foi silenciosa, mas meus pensamentos estavam a mil por hora.
Ontem à noite, tentei descobrir quem havia mandado a mensagem com a foto de Gabriel pelo WhatsApp, mas não houve resposta até agora e não acho que haverá. Passei minha mão por meus cachos tempestuosos e suspirei alto.
- Que merda. - Resmunguei ao olhar as horas no relógio do carro de mamãe. Teria pouco tempo para separar os materiais e enviar para o pessoal da produção, vulgo três estagiárias de moda que queriam trabalhar com produção.
- Boa tarde, Srta. . Veio buscar os tecidos? - Assenti para a vendedora quando entrei na loja de mamãe. Observei o pequeno ateliê e sorri. Passei parte de minha vida ali, revirando os tecidos e costurando roupas para as minhas Barbies. Suspirei ao observar que a loja estava caindo aos pedaços, mas mamãe disfarçava bem. Ela perdera contato com algumas lojas anos atrás após apoiar os movimentos para pararem de fazer roupas com peles de animais, mas desde que o veganismo virou febre na alta costura, ela não havia restabelecido o contato com as marcas, então estava se aguentando como podia.
Verdade seja dita, eu tenho o dinheiro para pagar o carro de Gabriel, mas eu teria que tirar parte da grana de uma poupança que estava montando para mamãe construir o ateliê em outra localização mais privilegiada, mais especificamente, em Londres. Mamãe sempre amou Londres e sonha em ter um pequeno ateliê para expor suas roupas feitas à mão. Eu estava com o dinheiro quase completo, mas vou ter que recomeçar e torcer para que eu consiga me estabelecer no mercado em pelo menos dois anos. Só de pensar nas possibilidades, meu estômago embrulhava.
- Os tecidos estão separados. - Sorri ao dirigir-me para o espaço atrás do balcão gasto. Peguei as seis sacolas enormes as arrastei até o carro com muito esforço. Minhas mãos enfaixadas clamavam por um descanso quando coloquei a última sacola no banco da frente. Não havia espaço o suficiente naquele carro para tanto tecido. Mais uma sacola, e eu teria que empurrar o carro até a casa de mamãe.
Olhei para o relógio mais uma vez, três e meia, tinha apenas meia hora para encontrar . Senti um arrepio percorrer minha espinha ao pensar em encontrá-lo novamente, apenas não sabia se o arrepio era de medo ou excitação.
Gabriel provavelmente faria algum comentário maldoso sobre como não era musculoso, mas sim gordinho. Falando no abençoado, ele tentou me ligar diversas vezes desde quarta-feira, mas eu ignorava belamente suas ligações por puro ódio. Gabriel iria me agredir fisicamente, me traiu, me culpou pela traição e me agrediu verbalmente. Eu estava pronta para fingir que ele estava morto.
Ao chegar na frente do café, esperei por alguns minutos antes de me certificar que Poncio não havia mandado alguma artilharia me matar ou algo do tipo. Precaução nunca é demais, ele ainda poderia estar magoado pelo carro.
Estiquei as pernas ao sair do carro e apoiei-me contra a porta do motorista, encarando diretamente o café. O clima estava ameno e vi muitas mulheres passando de shorts, o que considerei absurdo levando em conta que estava apenas 16° graus.
- Você está parecendo uma personagem de 007. - Ouvi a voz de Poncio ao meu lado e surpreendi-me ao vê-lo, dando um tapa sem querer na janela do carro, causando uma risada imediata no moço - Você seria a pior 007 da história!
- Ah, cale a boca. - Resmunguei e cruzei os braços. Meu sobretudo rosa era bem chamativo, deveria imaginar que me veria primeiro - Trouxe meu celular?
- Depende, trouxe meu dinheiro?
- Depende.
- Trouxe ou não, ? - Dei de ombros e estiquei meus braços para cima, tentando irritá-lo propositalmente. encarou-me e abriu um sorriso de lado, parecia mais entretido do que irritado. Seus cabelos castanhos estavam bagunçados, os olhos verdes me fitavam como se eu fosse algum rato de laboratório prestes a explodir e seu corpo estava incrivelmente relaxado sob uma camiseta esportiva da Calvin Klein e uma calça jeans preta. Caramba, eu não tinha percebido que ele tinha uma barriguinha superfofa. Ele parecia um ursinho, só que com mais músculos. Acho que ele estava em processo de emagrecimento - Por que você está me encarando desse jeito?
- Hum, que jeito?
- Como se fosse me jogar em uma mesa e me dissecar.
- Uhum, você sonha com isso. - Comentei contrariada e pigarreei para mudar de assunto rapidamente - Enfim, trouxe o dinheiro.
- Vamos para o café, lá você me dá o dinheiro.
- Mas eu posso te dar aqui! - Fiz uma careta ao vê-lo revirar os olhos.
- Vamos parecer dois traficantes. São dois latinos conversando encostados em um carro, . Isso é quase uma cena de Narcos.
- Estereótipo.
- E daí? A polícia não vai pensar nisso. - Mordi o lábio fracamente, ponderando minhas opções.
- Ok. - Caminhamos lado a lado até chegarmos em uma mesa do lado de dentro do café. Acho que nenhum de nós dois queria estar do lado de fora naquele momento. Sentei-me de frente para , ele mal me encarou antes de pedir dois cappuccinos, um bolo red velvet e uma cheesecake de frutas vermelhas. Minha barriga roncou ao pensar no red velvet - Você está com tanta fome? Acho que vou querer um red velvet também… - Ponderei enquanto pensava se valia a pena gastar meu dinheiro quase inexistente naquilo. Talvez seja melhor comer em casa.
- O red velvet e o cappuccino que eu pedi são para você. - Disfarcei o choque ao perceber que ele acertara em cheio o que eu gosto de comer. Que pretensioso.
- E se eu não gostasse?
- Não tem chance, você tem muita cara de quem come bolo red velvet.
- Que? Isso não existe. Lá vem você novamente com estereótipos! - Por dentro, senti meu estômago revirar quando abriu um sorriso perverso.
- , que legal encontrar você por aqui! - Meu estômago embrulhou e senti meu rosto ficar verde. Poncio captou imediatamente minha reação, mas foi impedido de dizer algo quando Martinez se jogou nos braços do homem e o abraçou fortemente.
Deus, por favor, não!
- Oh, oi, . - Não me dei o trabalho de sorrir - Pensei que estaria em casa chorando, mas vejo que está bem mais ocupada. - desviou seus olhos azuis na direção de , arqueando a sobrancelha em seguida.
- Eu estou, mas você, claramente não está. Acho que passa muito tempo transando com noivos alheios para se ocupar com sua própria vida, não é? - O fotógrafo parecia completamente chocado com a conversa. Alguns garçons apontavam para nós e colocavam algumas notas em cima do balcão. Eles estavam apostando?
- Não é como se ele estivesse reclamando, não é? O que ele não achou em casa, procurou em outro lugar.
- Procurou na primeira esquina que achou, isso que quer dizer? - fechou a cara e arrumou a alça de sua bolsa Louis Vuitton. Seus cabelos ruivos emolduravam seu rosto sardento e saudável. Ela parecia muito bem, se não fosse pela escama de cobra que cobria a superfície seu caráter.
- Você e ele já deveriam ter terminado há muito tempo.
- Esse foi o motivo da nossa amizade acabar, . Você é manipuladora e acha que sabe o que é melhor para todos, quando não consegue ficar cinco minutos sem cuidar de sua própria vida. Você vive para os outros, isso é triste demais. - Finalizei meu mini discurso. parecia explodir.
- Nossa amizade acabou porque você é fraca, porque você é ingênua e sonsa. E espero que você saiba disso, , eu e Gabriel estamos juntos há dois anos. Quando você foi para Londres e ele ficou em Nova Iorque na sua casa, transamos em todos os lugares que você pode imaginar, até mesmo em cima da sua coleção de verão para a Body to All. Você sabe por que Gabriel saiu sorrindo e rindo com você no desfile? Porque ele olhava para aquelas peças e se lembrava do quanto ele gostou de estar comigo e não com você, uma velha sem graça que mal sabe como fazer um oral direito.
Ok, as próximas cenas são difíceis de serem explicadas, mas vou tentar ao máximo. Olhei para uma última vez, mas antes que ele pudesse me impedir, agarrei o prato com o bolo red velvet que o garçom havia deixado em nossa mesa no meio do auê e o esfreguei na cara branca de . Enquanto ela gritava sobre bolo em seus olhos, peguei o cappuccino e joguei no topo de sua cabeça. Em algum momento, tentou segurar minha cintura, mas eu apenas o afastei e enfiei a mão no outro pedaço de red velvet, passando toda a massa nas costas e cintura da mulher. Abri um sorriso satisfeito quando ela gritava de raiva e tentava me alcançar, mesmo sem enxergar direito pela quantidade de bolo em sua franja.
- Gabriel sempre gostou de sexo com comida, talvez dessa forma você o consiga manter, com sexo, porque seu conteúdo interior é podre. Eu não ligo para Gabriel, ele se revelou pior do que você. Vocês dois podem transar até para um site pornô, se quiserem, eu não me importo, eu me amo demais para lidar com vocês.
- Sua vadiazinha de merda.
- Uh, Gabriel te chama assim na cama também? - Quando percebi, se encontrava em cima de mim, puxando meus cabelos. Não gritei de dor, apenas segurei suas mãos com força e a virei de costas para mim, segurando sua mão em uma posição que havia aprendido na aula experimental de jiu jitsu, anos antes. resmungava de dor enquanto eu a levava para fora do café - Agora você vai embora, . Vai viver a sua vida, garota. Pare de tentar destruir a minha, você já tem meu noivo, já roubou minha marca, aprenda a viver por si mesma. Tudo o que eu sinto por você é pena, não é raiva, é pura e simples pena. - Larguei na calçada e observei um paparazzi no final da rua. Aquela seria uma ótima foto pros tabloides.
Corri de volta para dentro do café e observei um chocado conversando com os garçons. Assim que entrei, todos no café começaram a aplaudir, mas me senti suja. Aquilo não estava certo, eu não havia reagido de forma adulta, fui apenas primitiva e completamente imatura.
- O que diabos foi aquilo? - perguntou quando voltou para perto de mim. Dei de ombros e estendi a mão.
- Meu celular, por favor. Preciso dele para ativar o pagamento do banco. - Minha voz estava entrecortada, eu precisava ir embora dali logo.
- Você precisa se acalmar, . Você sujou toda a sua mão enfaixada de bolo! - Assenti mecanicamente.
- Eu me viro, . Obrigada, mesmo. Preciso só da sua conta bancária para enviar o dinheiro.
- Que merda, ! Vamos embora. - Ele resmungou quando viu alguns adolescentes no fundo do café tirando fotos com seus celulares. Deixei que me guiasse para fora do café, até um Rover completamente novinho em folha, igualzinho ao que eu havia destruído.
- Pensei que você não fosse rico!
- Eu não sou.
- Uhum, claramente.
- , me ouve primeiro, ok? - passou as mãos pelos cabelos castanhos, parecia nervoso.
- Calma, só uma pergunta, como você conhece ?
- Ela é a cliente para quem eu estava trabalhando hoje! Sou fotógrafo, ela me chamou para acompanhar a campanha publicitária da S.I.B.E. - Abri minha boca em choque puro ao perceber que ele era o fotógrafo da marca que havia roubado de mim.
- Você é o Stark? O Stark? O fotógrafo que exige um contrato restrito para que seus clientes não divulguem imagens ou comentem sobre quem você é? O Stark que eu tentei contratar para fazer as fotos da minha marca, mas roubou? Eu não acredito!
- Pois é, eu meio que juntei os pontos enquanto você colocava bolo nos bolsos da calça jeans da Martinez e lá no restaurante quando você disse o nome dela. Ela me contratou meses atrás dizendo que era a responsável oficial pela S.I.B.E. e que queria fazer um contrato. Eu te reconheci na noite do restaurante, mas não fiz nenhum comentário. O único motivo que me fez aceitar o seu primeiro contato por e-mail, antes de sair da diretoria da marca, é porque você é colombiana.
- Isso é loucura, . Você sabe então pelo o que eu passei com essa mulher, não sabe? Ela roubou a S.I.B.E. de mim enquanto eu estava montando uma coleção para a Body to All!
- Não posso me envolver nisso, . É meu trabalho.
- Eu entendo, fica tranquilo. Obrigada por dizer. Pode me passar sua conta bancária agora?
- Mas eu não disse o que queria ainda! Eu não quero seu dinheiro, , eu só queria uma chance de te ver de novo.
Oi?
- É o quê? - Balancei a cabeça em descrença - Você fez o que, ?
- Calma, não é dessa forma! Quando me contratou, meses atrás, difamou a antiga sócia dela, você, no caso. Eu sabia quem era você, mas foi pura coincidência trombarmos no restaurante. Pedi para que você me encontrasse aqui hoje para confirmar que você tem caráter e que, mesmo sem o seu dinheiro, tentaria me pagar de todas as formas, porque é honesta.
- Hã?
Pelo amor de Deus, uma ameba seria melhor do que eu neste momento.
- O que eu quero dizer, , é que eu decidi fazer as fotografias da sua marca para divulgação e tudo mais.
- Isso foi tudo um teste?! - Minha voz subiu uma oitava, Poncio mal vacilou - Você é doido! E se eu tivesse pegado um empréstimo?
- Você pegou um empréstimo?
- Não.
- Ótimo. Não quero seu dinheiro, , não preciso dele. Esse carro é emprestado do meu irmão, o meu está na oficina.
As informações ainda estavam sendo processadas devagar em minha mente. Poncio é, na verdade, um dos fotógrafos mais concorridos do mundo da moda atual. Eu o havia contatado meses atrás, antes de patentear nossa marca em seu nome e me tirar completamente da jogada, e ela terminou o contrato depois que eu havia saído. começou a trabalhar para achando que estaria trabalhando para mim. Ele havia descoberto agora a minha relação direta com . Eu ainda estou perdida, mas acho que devo fazer cara de intelectual madura para que ele não ache que eu sou uma completa retardada.
- Ah, entendi. Posso pegar meu celular? - Nada retardada, , parabéns.
- Você não vai dizer nada?
- , não tenho o que dizer. Você me manipulou para vir aqui e achou que eu o aplaudiria? - Arqueei a sobrancelha e sorri - Você já sabia que meu sabor favorito de bolo era red velvet, não é? Eu o chamei para tomar um café no primeiro e-mail que eu mandei e falei que meu bolo favorito era de red velvet. - assentiu fracamente e passou a mão na nuca, revelando parte de sua linha pélvica sob a camiseta.
- Desculpe, .
- Tudo bem. Boa sorte com , ela vai vir igual um leão em cima de você. - Murmurei e peguei meu celular de sua mão estendida. Virei-me de costas e fui até o carro. Foram emoções demais por um dia.
Liguei o carro e me dirigi até o parque mais próximo. Precisava de um tempo para mim mesma, tempo esse que não tinha há tempos. Sentei-me em um dos bancos e deitei-me. Inspirei o cheiro da natureza, o aroma gélido das árvores, a umidade e o cheiro do pólen das flores. Abri um sorriso discreto. Havia tanta beleza ao meu redor, mas as últimas semanas me têm feito olhar tudo sob uma perspectiva de tristeza e pessimismo. Na verdade, tudo daria certo, eu tinha certeza daquilo.
Dali um mês, a Body to All seria lançada, a coleção de outono estava quase pronta e o foco nas roupas Plus Size seria um diferencial, a aposta havia sido alta, mas parecia ser a aposta certa, eu precisava que fosse. Dali três dias eu voltaria para os Estados Unidos e iria terminar a coleção com as meninas, eu havia lhes dado uma semana de folga para adiantarem seus estudos. Olhei para minhas mãos enfaixadas todas melecadas de bolo, mas apenas sorri ao lembrar da cara de choque no rosto de no café. Agradeci a Deus por ter me livrado de Gabriel mais uma vez e resolvi voltar para casa, precisava arrumar minhas tralhas antes de voltar para Nova Iorque.
Naquela noite, sonhei com os cabelos castanhos de , foi meu único sonho bom em meses.
*
Três semanas depois
- Meninas, sei que estão cansadas, mas eu também estou! Vamos conseguir, só mais duas semanas e então poderemos respirar mais um pouco. - Isis assentiu calmamente enquanto ajustava os últimos detalhes na modelo que viera fazer a última prova das roupas. Havíamos chamado sete modelos. Graças ao dinheiro que eu não precisara desembolsar, conseguimos montar toda a agenda dentro do prazo e ainda sobraram alguns mil dólares para respirarmos por um tempo.
- Vai dar tudo certo, chefe! Você tem as melhores estilistas e costureiras ao seu lado. - Dei uma risada alta quando Francisca piscou para mim. Meu escritório - que era uma garagem vintage alugada de uma antiga colega minha - havia se transformado em um pré-desfile, diversas modelos seminuas espalhadas provando diversas roupas enquanto as estilistas se desesperavam para que tudo estivesse no lugar.
Observei as peças de nossa coleção e sorri alegremente ao perceber que havíamos combinado tudo. O street style estava na moda, assim como os babados e o tecido liso. Observei os tênis que as modelos usavam e mordi os lábios ao pensar no favor que estava devendo aos meus fornecedores. Aqueles tênis eram todos amadores, feitos por estilistas pequenos que tentavam entrar no mundo da moda e aceitaram fazer parte do desfile de graça, contanto que pudessem desfilar comigo pela passarela no final. Além disso, os acessórios vinham todos de minha coleção particular, muitos foram comprados em brechós e outros eu havia feito, especialmente as bijuterias com material similar a chifre de boi, mas tudo sintético.
- Caramba, isso está incrível. - Francisca comentou ao ver nossa primeira modelo plus size pronta. Sorri largamente ao vê-la se admirando no espelho. Ela fazia parte da nossa linha de lingeries. Estávamos com quatro frentes prontas para o desfile. Noite, dia, street e lingeries. Começaríamos com o básico, não tem como errar.
- Isso é representatividade. - Argumentei com um sorriso. Me ver representada nas modelos era maravilhoso, por isso resolvi recriar minha marca com um diferencial da que desenvolvera, a minha marca teria a minha cara, meu tipo corpóreo representado. Ali estaria a realidade das mulheres, diferentes tamanhos, cores e etnias, todas belas a seu próprio modo. Mesmo que a marca não fizesse sucesso na alta sociedade, ficaria feliz se pudesse ficar reconhecida entre os mais populares, criando um sentimento de amizade entre a marca e as clientes.
- Chefe, tem alguém aqui para te ver. Alguém muito gato, pelo amor de Deus. - Arqueei a sobrancelha ao pensar que Gabriel havia vindo, mais uma vez, encher o saco das minhas funcionárias, mas creio que Isis não o descreveria de outra forma que não fosse “o babaca comedor de merda ambulante”.
- Disse o nome? - Perguntei enquanto colocava o resto dos alfinetes em uma almofadinha amarrada ao meu pulso. Arrumei meus cabelos rebeldes em uma bandana azul, mas não parecia muito melhor.
- Não, mas é bem bonito.
- Obrigada, Isis. - Soltei uma risada e arrumei minha roupa, virando em um corredor estreito até a saída da garagem. Fechei os olhos ao abrir a porta florida, o sol invadindo meus olhos. Há quanto tempo eu já estava dentro daquele lugar? - ? - Arregalei os olhos ao ver o homem parado ali. Ele estava ainda mais magro e musculoso que antes, sua barriga fofa havia sumido. Não pude deixar de me sentir um pouco decepcionada. Ele estava lindo gordinho.
- Sei que não nos despedimos em bons termos, mas eu voltei para cá e resolvi te ver. Fiquei incomodado com a forma que você foi embora e sinto muito. - Arqueei a sobrancelha e encostei-me contra o batente.
- Ah, é? Sobre como você me manipulou?
- Sim.
- E o que mais?
- Tem mais alguma coisa? - Comecei a me afastar e fechar a porta da garagem - Eu quero te fazer um convite, . - O jeito como meu nome era pronunciado, até mesmo isso ficara na minha cabeça pelas últimas semanas. Devo admitir que Gabriel e lutavam constantemente em meus pensamentos. Enquanto eu tentava esquecer Poncio, eu me convencia que deveria ter Gabriel em meus pensamentos, afinal de contas, ele era meu noivo até um mês atrás.
O que percebi nestes últimos dias é que, por mais que eu odiasse admitir, estava certa. Eu e Gabriel jamais daríamos certo e só me dei conta quando notei que estava com ele por conforto, amor confortável e preguiçoso. Eu iria me casar porque estava confortável e cômoda. Cada dia mais me parecia errado ter aceitado o pedido de noivado de Gabriel.
- Convite? Que tipo de convite?
- Hoje vai haver uma reunião de alguns influencers underground, eles são muito ligados em street style e inclusão social. Tenho acompanhado seu Instagram, e sua prévia das coleções tem chamado atenção de alguns deles, então o que acha de dar um gostinho da sua coleção? Pode levar algumas de suas peças para desfilar só entre eles, por enquanto. O que acha? É a minha forma de recompensar você por ter sido um babaca. - Ponderei por alguns segundos. Hm, não me parecia a pior das ideias.
- Me mande o endereço e vou estar lá.
- Ótimo! Se quiser levar mais alguém, é bem-vinda.
- Como um acompanhante? - Uma sombra passou pelos olhos de , mas ele sorriu e assentiu.
- Sim, pode levar.
- Ok, farei isso, então. Um pouco de apoio moral é bom. - Comentei mais para mim do que para .
- Combinado, então. Preciso do seu número de telefone, .
- Como você me achou?
- Google.
- Meu número de telefone está lá, . - Comentei com um sorriso levemente mordaz. engoliu em seco e assentiu.
- Ok, daqui uns 15 minutos eu te mando o endereço e as informações certas. Até te daria agora, mas faltam alguns detalhes.
- A vai estar lá?
- Não, esse é um evento exclusivo. - sorriu e se aproximou rapidamente, dando-me um beijo na bochecha antes de voar para o outro lado da rua, até seu carro. Abri e fechei a boca várias vezes antes de abrir um sorriso. Mordi levemente meus lábios e observei Poncio arrancar com o carro para longe, em direção ao horizonte.
*
- Meninas, temos um evento hoje. - Anunciei quando as modelos foram embora e nos encontramos sozinhas sentadas nas cadeiras de madeira. Todo o local estava uma bagunça, mas os manequins e as pilhas de roupas estavam prontos para serem comercializados. A única coisa que faltava era a preparação final para o desfile, com três semanas de distância.
- Ah, é? Nós temos ou você e o gato de hoje mais cedo têm? - Arqueei a sobrancelha para Isis.
- Ele é apenas um colega de profissão, mas nos chamou para irmos a uma reunião de alguns influencers. Vamos apresentar seis das 28 peças de mostruário. Amanhã vou mandar o resto das roupas para a fábrica e vão terminar a produção final. Vamos ter um bom mostruário e, caso possamos fazer alguns acordos com os influencers, podemos conseguir uma boa divulgação. - As três jovens assentiram rapidamente, provavelmente lembrando das aulas da faculdade em que aprenderam sobre merchandise.
- E onde vai ser? - Enquanto Francisca falava, o telefone fixo (uma raridade, devo dizer, mas não arriscaria colocar meu número de celular na internet) tocou. Corri desembestada até o aparelho.
- Oi, ?
- Oi, meu amor.
- Que merda, Gabriel! Sai do meu pé, que cara chato! - Desliguei o telefone na cara de meu ex-noivo e suspirei. O telefone tocou novamente e o peguei completamente raivosa. Gabriel atrapalharia a ligação de ! - Para de me ligar, seu traíra ridículo. Vai chupar limão, que inferno! Estou esperando uma ligação importante.
- Ah, quer dizer que sou uma ligação importante? - Engoli em seco ao ouvir a voz de e sua risada logo em seguida.
- Não, não é.
- Você acabou de dizer!
- Eu estava doida. Chapei o coco todo.
- Acho que você morreria antes de usar drogas, não parece ser desse tipo.
- E não sou mesmo.
- Ainda bem. Bom, , anota o endereço aí. Sabe aquele local onde foi a última gravação do clipe da Rihanna? Aquele estúdio?
- Claro, lembro sim. Você que tirou as fotos, não foi?
- Hum, alguém acompanha meu trabalho.
- Foco, .
- Ok, desculpa. Enfim, esse mesmo. Vai ser lá. Vamos nos encontrar na frente do local às sete e meia, pode ser? Hoje é um dia em que não vai haver imprensa, apenas os influencers com suas câmeras belas que vão mostrar ao mundo seus produtos. Agora são duas e meia, acha que dá tempo?
- Sim, já estamos com tudo pronto.
- Ah, mas tem uma condição. Você precisa usar sua roupa favorita da coleção.
- O quê? Não vou fazer isso.
- Vai, sim. Faz bem para a marca quando o criador gosta tanto da coleção que o próprio sente vontade de usar. Pegue algo mais simples, se quiser.
- Ok. Nos encontramos às sete e meia. Obrigada, .
- Hm, … - Isis fez uma cara maliciosa quando desliguei o telefone.
- Meninas - Ignorei Isis, lidaria com aquilo depois -, preciso que vocês estejam aqui às seis horas de maquiagem pronta, unhas feitas, cabelos impecáveis. Vamos usar as roupas da nossa marca, ok?
- Sua marca, você quer dizer. - Francisca comentou.
- Eu não teria conseguido sem vocês, então essa marca é nossa, por mais que a patente seja minha. - Isis arregalou os olhos e deixou enchessem de lágrimas.
- Você é a melhor chefe do universo, meu Deus! - Abracei minhas meninas e sorri. Eu havia achado verdadeiros tesouros.
- Vão para casa, rápido! Hoje é sábado, o trânsito está melhor, aproveitem. - Quando pisquei, as três já estavam correndo apressadamente para fora da garagem. Ao me ver sozinha, abri um sorriso sincero. Tudo estava caminhando para a direção certa. Eu ainda sentia uma pontada em meu peito toda vez que pensava em Gabriel, mas sentia uma pontada ainda maior ao pensar em , eu a havia irritado para valer dessa vez.
Os tablides foram à loucura com a fofoca quente da vez, ex-sócias brigando em um café em Toronto. Rapidamente, as notícias de que Gabriel havia me traído com se espalharam. Imediatamente, muitas pessoas foram em minha defesa, mas algumas outras haviam me condenado por não ter penalizado Gabriel e me chamaram de machista. Bom, eles não acompanharam a cena do restaurante, mas resolvi deixar a poeira abaixar, não valeria a pena falar que havia destruído o carro de Gabriel apenas para me sentir mais feminista, isso mal fazia sentido.
No geral, em ambos os cenários, havia sido também responsável. Vi muitas pessoas defendendo Gabriel, como já era de se esperar. Cheguei a sentir pena de , mas este escândalo foi esquecido dois dias depois, quando uma modelo foi pega usando drogas enquanto estava nua em um lago no Brasil. O mundo das fofocas é rápido demais, mal consigo acompanhar. De qualquer forma, havia desaparecido nas últimas semanas, isso não poderia significar coisa boa, já havia aprendido a esta altura do campeonato a nunca subestimar a víbora.
Arrumei o que conseguia entre os retalhos, as fotos das polaroids de Astrid e as caixas de pizza. Procurei pelo pen drive rosa com o material original, mas não o achei. Deveria estar jogado entre os retalhos no sofá. Coloquei Shawn Mendes para tocar e dancei pela sala enquanto jogava o lixo nas sacolas, separava os materiais e dava os retoques finais nas peças. Ao terminar, enquanto ouvia Lost in Japan, repousei meus olhos nas peças e lembrei-me do beijo que havia me dado na bochecha. Comecei a mover os ombros no ritmo da música, sentia-me leve e precisava que isso refletisse na minha escolha de roupas. Escolhi um vestido floral vermelho, preto com pássaros levemente dourados; esvoaçante com alguns babados e mangas três quartos; além disso, um tênis ADIDAS dourado, rosa e branco que estava largado em meio aos meus “mimos”; uma bolsa mini e acessórios diversos. Estava me sentindo bem e animada com minha escolha, não era algo muito chamativo. Ok, por mim eu iria de calça jeans e blusa florida, mas posso aguentar por uma noite.
Senti-me boba por pensar em como iria vestido. Provavelmente usaria algo para destacar seu novo físico malhado. Não que ele estivesse feio com músculos e tudo mais, ele era lindo de qualquer jeito. Ah, meu Deus, eu estou pensando em novamente. Ok, cérebro, vamos lá. Pense em Gabriel, em como ele te magoou, só faz um mês, não é possível que você já tenha superado!
- Nunca pensei que me forçaria a não superar alguém. - Resmunguei comigo mesma.
Ouvi o telefone tocar novamente. Abaixei o volume do rádio e suspirei ao ouvir o choro baixo de Gabriel.
- Eu te amo, jujubinha.
- Gabriel, você não me ama, apenas quer me ter para você. Aceita que não temos volta, quanto mais cedo você entender, mais fácil será para superar.
- Você já me superou? - Suspirei massageei as têmporas rapidamente.
- Não, Gabriel.
- Viu só? Eu também não te superei! Eu transei com sete mulheres nestas últimas semanas, mas nenhuma é você, jujubinha.
- Você quer tentar me reconquistar ao dizer que está transando com outras mulheres? Sua lógica é deturpada.
- Não, não é bem assim, jujubinha. Eu quis dizer que, não importa com quantas eu esteja, você não sai da minha cabeça. - Precisei controlar minha raiva crescente, será que ele realmente via sentido no que dizia?
- Gabriel, vou desligar a chamada e você vai tomar um banho gelado. Nós terminamos, você causou isso. A estava certa, nós jamais daríamos certo.
- A disse isso?
- Vocês não estão conversando?
- Não, terminamos no dia em que eu e você terminamos também. Ela me dispensou. Eu sou um imprestável. - Não pude evitar, realmente estava com Gabriel apenas porque ele estava comigo? Não é possível, ninguém é tão sem caráter dessa forma.
- Gabriel, eu vou desligar. Se cuida, toma um banho e pare de beber. Você fica incontrolável quando bebe. - Desliguei a chamada e larguei-me no sofá. Precisava começar a me arrumar. Hoje, a noite seria incrível, não deixaria que tirassem isso de mim.
- Mãe, foi um acidente.
- Você DESTRUIU um carro por ACIDENTE?! O que você não faria por querer, não é? Isso é vandalismo, mija. No puedo creer en eso. No puedo.
- Mami, vou pagar o moço, fique calma.
- Você tem dinheiro para isso, ? Porque eu tenho visto os recibos do banco e você gastou quase tudo o que tem na sua marca, não é?
- Eu peço um empréstimo, mami, não sei! Vou dar um jeito. - Massageei as têmporas, sem saber ainda o que me fez falar para minha mãe que havia quebrado um carro.
- Olha, eu estou odiando Gabriel tanto quanto você, mija, mas destruir o carro dele não era a solução!
- O que eu iria fazer, mamãe? Eu estava, ainda estou, destruída! Ele estava me traindo com a , tem ideia disso?
- Oh, meu bem. - Mamãe me abraçou e deixei que as lágrimas caíssem livremente. Dali três horas, deveria ir me encontrar com . Já havia ligado no banco e pedido para liberarem o dinheiro. Apenas 200 dólares sobrariam em minha conta após este pagamento. 200 dólares para pagar fornecedores, materiais, anúncios no Instagram e merchandise. Eu estou tão ferrada. Papai deixara este valor como herança para mim antes de ir para Cuba, eu não havia tocado em um centavo a fim de economizar para meu primeiro desfile solo, sem estar no backstage ou como sócia minoritária de alguém. Que beleza.
- Está tudo bem. Vou passar na loja e depois vou para um compromisso. - Mamãe assentiu e passou as mãos por meus cabelos. Peguei minha bolsa em cima da mesa e acenei para mamãe ao fechar a porta atrás de mim. Suspirei e arrumei meus cabelos no elevador. O caminho até a loja de mamãe foi silenciosa, mas meus pensamentos estavam a mil por hora.
Ontem à noite, tentei descobrir quem havia mandado a mensagem com a foto de Gabriel pelo WhatsApp, mas não houve resposta até agora e não acho que haverá. Passei minha mão por meus cachos tempestuosos e suspirei alto.
- Que merda. - Resmunguei ao olhar as horas no relógio do carro de mamãe. Teria pouco tempo para separar os materiais e enviar para o pessoal da produção, vulgo três estagiárias de moda que queriam trabalhar com produção.
- Boa tarde, Srta. . Veio buscar os tecidos? - Assenti para a vendedora quando entrei na loja de mamãe. Observei o pequeno ateliê e sorri. Passei parte de minha vida ali, revirando os tecidos e costurando roupas para as minhas Barbies. Suspirei ao observar que a loja estava caindo aos pedaços, mas mamãe disfarçava bem. Ela perdera contato com algumas lojas anos atrás após apoiar os movimentos para pararem de fazer roupas com peles de animais, mas desde que o veganismo virou febre na alta costura, ela não havia restabelecido o contato com as marcas, então estava se aguentando como podia.
Verdade seja dita, eu tenho o dinheiro para pagar o carro de Gabriel, mas eu teria que tirar parte da grana de uma poupança que estava montando para mamãe construir o ateliê em outra localização mais privilegiada, mais especificamente, em Londres. Mamãe sempre amou Londres e sonha em ter um pequeno ateliê para expor suas roupas feitas à mão. Eu estava com o dinheiro quase completo, mas vou ter que recomeçar e torcer para que eu consiga me estabelecer no mercado em pelo menos dois anos. Só de pensar nas possibilidades, meu estômago embrulhava.
- Os tecidos estão separados. - Sorri ao dirigir-me para o espaço atrás do balcão gasto. Peguei as seis sacolas enormes as arrastei até o carro com muito esforço. Minhas mãos enfaixadas clamavam por um descanso quando coloquei a última sacola no banco da frente. Não havia espaço o suficiente naquele carro para tanto tecido. Mais uma sacola, e eu teria que empurrar o carro até a casa de mamãe.
Olhei para o relógio mais uma vez, três e meia, tinha apenas meia hora para encontrar . Senti um arrepio percorrer minha espinha ao pensar em encontrá-lo novamente, apenas não sabia se o arrepio era de medo ou excitação.
Gabriel provavelmente faria algum comentário maldoso sobre como não era musculoso, mas sim gordinho. Falando no abençoado, ele tentou me ligar diversas vezes desde quarta-feira, mas eu ignorava belamente suas ligações por puro ódio. Gabriel iria me agredir fisicamente, me traiu, me culpou pela traição e me agrediu verbalmente. Eu estava pronta para fingir que ele estava morto.
Ao chegar na frente do café, esperei por alguns minutos antes de me certificar que Poncio não havia mandado alguma artilharia me matar ou algo do tipo. Precaução nunca é demais, ele ainda poderia estar magoado pelo carro.
Estiquei as pernas ao sair do carro e apoiei-me contra a porta do motorista, encarando diretamente o café. O clima estava ameno e vi muitas mulheres passando de shorts, o que considerei absurdo levando em conta que estava apenas 16° graus.
- Você está parecendo uma personagem de 007. - Ouvi a voz de Poncio ao meu lado e surpreendi-me ao vê-lo, dando um tapa sem querer na janela do carro, causando uma risada imediata no moço - Você seria a pior 007 da história!
- Ah, cale a boca. - Resmunguei e cruzei os braços. Meu sobretudo rosa era bem chamativo, deveria imaginar que me veria primeiro - Trouxe meu celular?
- Depende, trouxe meu dinheiro?
- Depende.
- Trouxe ou não, ? - Dei de ombros e estiquei meus braços para cima, tentando irritá-lo propositalmente. encarou-me e abriu um sorriso de lado, parecia mais entretido do que irritado. Seus cabelos castanhos estavam bagunçados, os olhos verdes me fitavam como se eu fosse algum rato de laboratório prestes a explodir e seu corpo estava incrivelmente relaxado sob uma camiseta esportiva da Calvin Klein e uma calça jeans preta. Caramba, eu não tinha percebido que ele tinha uma barriguinha superfofa. Ele parecia um ursinho, só que com mais músculos. Acho que ele estava em processo de emagrecimento - Por que você está me encarando desse jeito?
- Hum, que jeito?
- Como se fosse me jogar em uma mesa e me dissecar.
- Uhum, você sonha com isso. - Comentei contrariada e pigarreei para mudar de assunto rapidamente - Enfim, trouxe o dinheiro.
- Vamos para o café, lá você me dá o dinheiro.
- Mas eu posso te dar aqui! - Fiz uma careta ao vê-lo revirar os olhos.
- Vamos parecer dois traficantes. São dois latinos conversando encostados em um carro, . Isso é quase uma cena de Narcos.
- Estereótipo.
- E daí? A polícia não vai pensar nisso. - Mordi o lábio fracamente, ponderando minhas opções.
- Ok. - Caminhamos lado a lado até chegarmos em uma mesa do lado de dentro do café. Acho que nenhum de nós dois queria estar do lado de fora naquele momento. Sentei-me de frente para , ele mal me encarou antes de pedir dois cappuccinos, um bolo red velvet e uma cheesecake de frutas vermelhas. Minha barriga roncou ao pensar no red velvet - Você está com tanta fome? Acho que vou querer um red velvet também… - Ponderei enquanto pensava se valia a pena gastar meu dinheiro quase inexistente naquilo. Talvez seja melhor comer em casa.
- O red velvet e o cappuccino que eu pedi são para você. - Disfarcei o choque ao perceber que ele acertara em cheio o que eu gosto de comer. Que pretensioso.
- E se eu não gostasse?
- Não tem chance, você tem muita cara de quem come bolo red velvet.
- Que? Isso não existe. Lá vem você novamente com estereótipos! - Por dentro, senti meu estômago revirar quando abriu um sorriso perverso.
- , que legal encontrar você por aqui! - Meu estômago embrulhou e senti meu rosto ficar verde. Poncio captou imediatamente minha reação, mas foi impedido de dizer algo quando Martinez se jogou nos braços do homem e o abraçou fortemente.
Deus, por favor, não!
- Oh, oi, . - Não me dei o trabalho de sorrir - Pensei que estaria em casa chorando, mas vejo que está bem mais ocupada. - desviou seus olhos azuis na direção de , arqueando a sobrancelha em seguida.
- Eu estou, mas você, claramente não está. Acho que passa muito tempo transando com noivos alheios para se ocupar com sua própria vida, não é? - O fotógrafo parecia completamente chocado com a conversa. Alguns garçons apontavam para nós e colocavam algumas notas em cima do balcão. Eles estavam apostando?
- Não é como se ele estivesse reclamando, não é? O que ele não achou em casa, procurou em outro lugar.
- Procurou na primeira esquina que achou, isso que quer dizer? - fechou a cara e arrumou a alça de sua bolsa Louis Vuitton. Seus cabelos ruivos emolduravam seu rosto sardento e saudável. Ela parecia muito bem, se não fosse pela escama de cobra que cobria a superfície seu caráter.
- Você e ele já deveriam ter terminado há muito tempo.
- Esse foi o motivo da nossa amizade acabar, . Você é manipuladora e acha que sabe o que é melhor para todos, quando não consegue ficar cinco minutos sem cuidar de sua própria vida. Você vive para os outros, isso é triste demais. - Finalizei meu mini discurso. parecia explodir.
- Nossa amizade acabou porque você é fraca, porque você é ingênua e sonsa. E espero que você saiba disso, , eu e Gabriel estamos juntos há dois anos. Quando você foi para Londres e ele ficou em Nova Iorque na sua casa, transamos em todos os lugares que você pode imaginar, até mesmo em cima da sua coleção de verão para a Body to All. Você sabe por que Gabriel saiu sorrindo e rindo com você no desfile? Porque ele olhava para aquelas peças e se lembrava do quanto ele gostou de estar comigo e não com você, uma velha sem graça que mal sabe como fazer um oral direito.
Ok, as próximas cenas são difíceis de serem explicadas, mas vou tentar ao máximo. Olhei para uma última vez, mas antes que ele pudesse me impedir, agarrei o prato com o bolo red velvet que o garçom havia deixado em nossa mesa no meio do auê e o esfreguei na cara branca de . Enquanto ela gritava sobre bolo em seus olhos, peguei o cappuccino e joguei no topo de sua cabeça. Em algum momento, tentou segurar minha cintura, mas eu apenas o afastei e enfiei a mão no outro pedaço de red velvet, passando toda a massa nas costas e cintura da mulher. Abri um sorriso satisfeito quando ela gritava de raiva e tentava me alcançar, mesmo sem enxergar direito pela quantidade de bolo em sua franja.
- Gabriel sempre gostou de sexo com comida, talvez dessa forma você o consiga manter, com sexo, porque seu conteúdo interior é podre. Eu não ligo para Gabriel, ele se revelou pior do que você. Vocês dois podem transar até para um site pornô, se quiserem, eu não me importo, eu me amo demais para lidar com vocês.
- Sua vadiazinha de merda.
- Uh, Gabriel te chama assim na cama também? - Quando percebi, se encontrava em cima de mim, puxando meus cabelos. Não gritei de dor, apenas segurei suas mãos com força e a virei de costas para mim, segurando sua mão em uma posição que havia aprendido na aula experimental de jiu jitsu, anos antes. resmungava de dor enquanto eu a levava para fora do café - Agora você vai embora, . Vai viver a sua vida, garota. Pare de tentar destruir a minha, você já tem meu noivo, já roubou minha marca, aprenda a viver por si mesma. Tudo o que eu sinto por você é pena, não é raiva, é pura e simples pena. - Larguei na calçada e observei um paparazzi no final da rua. Aquela seria uma ótima foto pros tabloides.
Corri de volta para dentro do café e observei um chocado conversando com os garçons. Assim que entrei, todos no café começaram a aplaudir, mas me senti suja. Aquilo não estava certo, eu não havia reagido de forma adulta, fui apenas primitiva e completamente imatura.
- O que diabos foi aquilo? - perguntou quando voltou para perto de mim. Dei de ombros e estendi a mão.
- Meu celular, por favor. Preciso dele para ativar o pagamento do banco. - Minha voz estava entrecortada, eu precisava ir embora dali logo.
- Você precisa se acalmar, . Você sujou toda a sua mão enfaixada de bolo! - Assenti mecanicamente.
- Eu me viro, . Obrigada, mesmo. Preciso só da sua conta bancária para enviar o dinheiro.
- Que merda, ! Vamos embora. - Ele resmungou quando viu alguns adolescentes no fundo do café tirando fotos com seus celulares. Deixei que me guiasse para fora do café, até um Rover completamente novinho em folha, igualzinho ao que eu havia destruído.
- Pensei que você não fosse rico!
- Eu não sou.
- Uhum, claramente.
- , me ouve primeiro, ok? - passou as mãos pelos cabelos castanhos, parecia nervoso.
- Calma, só uma pergunta, como você conhece ?
- Ela é a cliente para quem eu estava trabalhando hoje! Sou fotógrafo, ela me chamou para acompanhar a campanha publicitária da S.I.B.E. - Abri minha boca em choque puro ao perceber que ele era o fotógrafo da marca que havia roubado de mim.
- Você é o Stark? O Stark? O fotógrafo que exige um contrato restrito para que seus clientes não divulguem imagens ou comentem sobre quem você é? O Stark que eu tentei contratar para fazer as fotos da minha marca, mas roubou? Eu não acredito!
- Pois é, eu meio que juntei os pontos enquanto você colocava bolo nos bolsos da calça jeans da Martinez e lá no restaurante quando você disse o nome dela. Ela me contratou meses atrás dizendo que era a responsável oficial pela S.I.B.E. e que queria fazer um contrato. Eu te reconheci na noite do restaurante, mas não fiz nenhum comentário. O único motivo que me fez aceitar o seu primeiro contato por e-mail, antes de sair da diretoria da marca, é porque você é colombiana.
- Isso é loucura, . Você sabe então pelo o que eu passei com essa mulher, não sabe? Ela roubou a S.I.B.E. de mim enquanto eu estava montando uma coleção para a Body to All!
- Não posso me envolver nisso, . É meu trabalho.
- Eu entendo, fica tranquilo. Obrigada por dizer. Pode me passar sua conta bancária agora?
- Mas eu não disse o que queria ainda! Eu não quero seu dinheiro, , eu só queria uma chance de te ver de novo.
Oi?
- É o quê? - Balancei a cabeça em descrença - Você fez o que, ?
- Calma, não é dessa forma! Quando me contratou, meses atrás, difamou a antiga sócia dela, você, no caso. Eu sabia quem era você, mas foi pura coincidência trombarmos no restaurante. Pedi para que você me encontrasse aqui hoje para confirmar que você tem caráter e que, mesmo sem o seu dinheiro, tentaria me pagar de todas as formas, porque é honesta.
- Hã?
Pelo amor de Deus, uma ameba seria melhor do que eu neste momento.
- O que eu quero dizer, , é que eu decidi fazer as fotografias da sua marca para divulgação e tudo mais.
- Isso foi tudo um teste?! - Minha voz subiu uma oitava, Poncio mal vacilou - Você é doido! E se eu tivesse pegado um empréstimo?
- Você pegou um empréstimo?
- Não.
- Ótimo. Não quero seu dinheiro, , não preciso dele. Esse carro é emprestado do meu irmão, o meu está na oficina.
As informações ainda estavam sendo processadas devagar em minha mente. Poncio é, na verdade, um dos fotógrafos mais concorridos do mundo da moda atual. Eu o havia contatado meses atrás, antes de patentear nossa marca em seu nome e me tirar completamente da jogada, e ela terminou o contrato depois que eu havia saído. começou a trabalhar para achando que estaria trabalhando para mim. Ele havia descoberto agora a minha relação direta com . Eu ainda estou perdida, mas acho que devo fazer cara de intelectual madura para que ele não ache que eu sou uma completa retardada.
- Ah, entendi. Posso pegar meu celular? - Nada retardada, , parabéns.
- Você não vai dizer nada?
- , não tenho o que dizer. Você me manipulou para vir aqui e achou que eu o aplaudiria? - Arqueei a sobrancelha e sorri - Você já sabia que meu sabor favorito de bolo era red velvet, não é? Eu o chamei para tomar um café no primeiro e-mail que eu mandei e falei que meu bolo favorito era de red velvet. - assentiu fracamente e passou a mão na nuca, revelando parte de sua linha pélvica sob a camiseta.
- Desculpe, .
- Tudo bem. Boa sorte com , ela vai vir igual um leão em cima de você. - Murmurei e peguei meu celular de sua mão estendida. Virei-me de costas e fui até o carro. Foram emoções demais por um dia.
Liguei o carro e me dirigi até o parque mais próximo. Precisava de um tempo para mim mesma, tempo esse que não tinha há tempos. Sentei-me em um dos bancos e deitei-me. Inspirei o cheiro da natureza, o aroma gélido das árvores, a umidade e o cheiro do pólen das flores. Abri um sorriso discreto. Havia tanta beleza ao meu redor, mas as últimas semanas me têm feito olhar tudo sob uma perspectiva de tristeza e pessimismo. Na verdade, tudo daria certo, eu tinha certeza daquilo.
Dali um mês, a Body to All seria lançada, a coleção de outono estava quase pronta e o foco nas roupas Plus Size seria um diferencial, a aposta havia sido alta, mas parecia ser a aposta certa, eu precisava que fosse. Dali três dias eu voltaria para os Estados Unidos e iria terminar a coleção com as meninas, eu havia lhes dado uma semana de folga para adiantarem seus estudos. Olhei para minhas mãos enfaixadas todas melecadas de bolo, mas apenas sorri ao lembrar da cara de choque no rosto de no café. Agradeci a Deus por ter me livrado de Gabriel mais uma vez e resolvi voltar para casa, precisava arrumar minhas tralhas antes de voltar para Nova Iorque.
Naquela noite, sonhei com os cabelos castanhos de , foi meu único sonho bom em meses.
Três semanas depois
- Meninas, sei que estão cansadas, mas eu também estou! Vamos conseguir, só mais duas semanas e então poderemos respirar mais um pouco. - Isis assentiu calmamente enquanto ajustava os últimos detalhes na modelo que viera fazer a última prova das roupas. Havíamos chamado sete modelos. Graças ao dinheiro que eu não precisara desembolsar, conseguimos montar toda a agenda dentro do prazo e ainda sobraram alguns mil dólares para respirarmos por um tempo.
- Vai dar tudo certo, chefe! Você tem as melhores estilistas e costureiras ao seu lado. - Dei uma risada alta quando Francisca piscou para mim. Meu escritório - que era uma garagem vintage alugada de uma antiga colega minha - havia se transformado em um pré-desfile, diversas modelos seminuas espalhadas provando diversas roupas enquanto as estilistas se desesperavam para que tudo estivesse no lugar.
Observei as peças de nossa coleção e sorri alegremente ao perceber que havíamos combinado tudo. O street style estava na moda, assim como os babados e o tecido liso. Observei os tênis que as modelos usavam e mordi os lábios ao pensar no favor que estava devendo aos meus fornecedores. Aqueles tênis eram todos amadores, feitos por estilistas pequenos que tentavam entrar no mundo da moda e aceitaram fazer parte do desfile de graça, contanto que pudessem desfilar comigo pela passarela no final. Além disso, os acessórios vinham todos de minha coleção particular, muitos foram comprados em brechós e outros eu havia feito, especialmente as bijuterias com material similar a chifre de boi, mas tudo sintético.
- Caramba, isso está incrível. - Francisca comentou ao ver nossa primeira modelo plus size pronta. Sorri largamente ao vê-la se admirando no espelho. Ela fazia parte da nossa linha de lingeries. Estávamos com quatro frentes prontas para o desfile. Noite, dia, street e lingeries. Começaríamos com o básico, não tem como errar.
- Isso é representatividade. - Argumentei com um sorriso. Me ver representada nas modelos era maravilhoso, por isso resolvi recriar minha marca com um diferencial da que desenvolvera, a minha marca teria a minha cara, meu tipo corpóreo representado. Ali estaria a realidade das mulheres, diferentes tamanhos, cores e etnias, todas belas a seu próprio modo. Mesmo que a marca não fizesse sucesso na alta sociedade, ficaria feliz se pudesse ficar reconhecida entre os mais populares, criando um sentimento de amizade entre a marca e as clientes.
- Chefe, tem alguém aqui para te ver. Alguém muito gato, pelo amor de Deus. - Arqueei a sobrancelha ao pensar que Gabriel havia vindo, mais uma vez, encher o saco das minhas funcionárias, mas creio que Isis não o descreveria de outra forma que não fosse “o babaca comedor de merda ambulante”.
- Disse o nome? - Perguntei enquanto colocava o resto dos alfinetes em uma almofadinha amarrada ao meu pulso. Arrumei meus cabelos rebeldes em uma bandana azul, mas não parecia muito melhor.
- Não, mas é bem bonito.
- Obrigada, Isis. - Soltei uma risada e arrumei minha roupa, virando em um corredor estreito até a saída da garagem. Fechei os olhos ao abrir a porta florida, o sol invadindo meus olhos. Há quanto tempo eu já estava dentro daquele lugar? - ? - Arregalei os olhos ao ver o homem parado ali. Ele estava ainda mais magro e musculoso que antes, sua barriga fofa havia sumido. Não pude deixar de me sentir um pouco decepcionada. Ele estava lindo gordinho.
- Sei que não nos despedimos em bons termos, mas eu voltei para cá e resolvi te ver. Fiquei incomodado com a forma que você foi embora e sinto muito. - Arqueei a sobrancelha e encostei-me contra o batente.
- Ah, é? Sobre como você me manipulou?
- Sim.
- E o que mais?
- Tem mais alguma coisa? - Comecei a me afastar e fechar a porta da garagem - Eu quero te fazer um convite, . - O jeito como meu nome era pronunciado, até mesmo isso ficara na minha cabeça pelas últimas semanas. Devo admitir que Gabriel e lutavam constantemente em meus pensamentos. Enquanto eu tentava esquecer Poncio, eu me convencia que deveria ter Gabriel em meus pensamentos, afinal de contas, ele era meu noivo até um mês atrás.
O que percebi nestes últimos dias é que, por mais que eu odiasse admitir, estava certa. Eu e Gabriel jamais daríamos certo e só me dei conta quando notei que estava com ele por conforto, amor confortável e preguiçoso. Eu iria me casar porque estava confortável e cômoda. Cada dia mais me parecia errado ter aceitado o pedido de noivado de Gabriel.
- Convite? Que tipo de convite?
- Hoje vai haver uma reunião de alguns influencers underground, eles são muito ligados em street style e inclusão social. Tenho acompanhado seu Instagram, e sua prévia das coleções tem chamado atenção de alguns deles, então o que acha de dar um gostinho da sua coleção? Pode levar algumas de suas peças para desfilar só entre eles, por enquanto. O que acha? É a minha forma de recompensar você por ter sido um babaca. - Ponderei por alguns segundos. Hm, não me parecia a pior das ideias.
- Me mande o endereço e vou estar lá.
- Ótimo! Se quiser levar mais alguém, é bem-vinda.
- Como um acompanhante? - Uma sombra passou pelos olhos de , mas ele sorriu e assentiu.
- Sim, pode levar.
- Ok, farei isso, então. Um pouco de apoio moral é bom. - Comentei mais para mim do que para .
- Combinado, então. Preciso do seu número de telefone, .
- Como você me achou?
- Google.
- Meu número de telefone está lá, . - Comentei com um sorriso levemente mordaz. engoliu em seco e assentiu.
- Ok, daqui uns 15 minutos eu te mando o endereço e as informações certas. Até te daria agora, mas faltam alguns detalhes.
- A vai estar lá?
- Não, esse é um evento exclusivo. - sorriu e se aproximou rapidamente, dando-me um beijo na bochecha antes de voar para o outro lado da rua, até seu carro. Abri e fechei a boca várias vezes antes de abrir um sorriso. Mordi levemente meus lábios e observei Poncio arrancar com o carro para longe, em direção ao horizonte.
- Meninas, temos um evento hoje. - Anunciei quando as modelos foram embora e nos encontramos sozinhas sentadas nas cadeiras de madeira. Todo o local estava uma bagunça, mas os manequins e as pilhas de roupas estavam prontos para serem comercializados. A única coisa que faltava era a preparação final para o desfile, com três semanas de distância.
- Ah, é? Nós temos ou você e o gato de hoje mais cedo têm? - Arqueei a sobrancelha para Isis.
- Ele é apenas um colega de profissão, mas nos chamou para irmos a uma reunião de alguns influencers. Vamos apresentar seis das 28 peças de mostruário. Amanhã vou mandar o resto das roupas para a fábrica e vão terminar a produção final. Vamos ter um bom mostruário e, caso possamos fazer alguns acordos com os influencers, podemos conseguir uma boa divulgação. - As três jovens assentiram rapidamente, provavelmente lembrando das aulas da faculdade em que aprenderam sobre merchandise.
- E onde vai ser? - Enquanto Francisca falava, o telefone fixo (uma raridade, devo dizer, mas não arriscaria colocar meu número de celular na internet) tocou. Corri desembestada até o aparelho.
- Oi, ?
- Oi, meu amor.
- Que merda, Gabriel! Sai do meu pé, que cara chato! - Desliguei o telefone na cara de meu ex-noivo e suspirei. O telefone tocou novamente e o peguei completamente raivosa. Gabriel atrapalharia a ligação de ! - Para de me ligar, seu traíra ridículo. Vai chupar limão, que inferno! Estou esperando uma ligação importante.
- Ah, quer dizer que sou uma ligação importante? - Engoli em seco ao ouvir a voz de e sua risada logo em seguida.
- Não, não é.
- Você acabou de dizer!
- Eu estava doida. Chapei o coco todo.
- Acho que você morreria antes de usar drogas, não parece ser desse tipo.
- E não sou mesmo.
- Ainda bem. Bom, , anota o endereço aí. Sabe aquele local onde foi a última gravação do clipe da Rihanna? Aquele estúdio?
- Claro, lembro sim. Você que tirou as fotos, não foi?
- Hum, alguém acompanha meu trabalho.
- Foco, .
- Ok, desculpa. Enfim, esse mesmo. Vai ser lá. Vamos nos encontrar na frente do local às sete e meia, pode ser? Hoje é um dia em que não vai haver imprensa, apenas os influencers com suas câmeras belas que vão mostrar ao mundo seus produtos. Agora são duas e meia, acha que dá tempo?
- Sim, já estamos com tudo pronto.
- Ah, mas tem uma condição. Você precisa usar sua roupa favorita da coleção.
- O quê? Não vou fazer isso.
- Vai, sim. Faz bem para a marca quando o criador gosta tanto da coleção que o próprio sente vontade de usar. Pegue algo mais simples, se quiser.
- Ok. Nos encontramos às sete e meia. Obrigada, .
- Hm, … - Isis fez uma cara maliciosa quando desliguei o telefone.
- Meninas - Ignorei Isis, lidaria com aquilo depois -, preciso que vocês estejam aqui às seis horas de maquiagem pronta, unhas feitas, cabelos impecáveis. Vamos usar as roupas da nossa marca, ok?
- Sua marca, você quer dizer. - Francisca comentou.
- Eu não teria conseguido sem vocês, então essa marca é nossa, por mais que a patente seja minha. - Isis arregalou os olhos e deixou enchessem de lágrimas.
- Você é a melhor chefe do universo, meu Deus! - Abracei minhas meninas e sorri. Eu havia achado verdadeiros tesouros.
- Vão para casa, rápido! Hoje é sábado, o trânsito está melhor, aproveitem. - Quando pisquei, as três já estavam correndo apressadamente para fora da garagem. Ao me ver sozinha, abri um sorriso sincero. Tudo estava caminhando para a direção certa. Eu ainda sentia uma pontada em meu peito toda vez que pensava em Gabriel, mas sentia uma pontada ainda maior ao pensar em , eu a havia irritado para valer dessa vez.
Os tablides foram à loucura com a fofoca quente da vez, ex-sócias brigando em um café em Toronto. Rapidamente, as notícias de que Gabriel havia me traído com se espalharam. Imediatamente, muitas pessoas foram em minha defesa, mas algumas outras haviam me condenado por não ter penalizado Gabriel e me chamaram de machista. Bom, eles não acompanharam a cena do restaurante, mas resolvi deixar a poeira abaixar, não valeria a pena falar que havia destruído o carro de Gabriel apenas para me sentir mais feminista, isso mal fazia sentido.
No geral, em ambos os cenários, havia sido também responsável. Vi muitas pessoas defendendo Gabriel, como já era de se esperar. Cheguei a sentir pena de , mas este escândalo foi esquecido dois dias depois, quando uma modelo foi pega usando drogas enquanto estava nua em um lago no Brasil. O mundo das fofocas é rápido demais, mal consigo acompanhar. De qualquer forma, havia desaparecido nas últimas semanas, isso não poderia significar coisa boa, já havia aprendido a esta altura do campeonato a nunca subestimar a víbora.
Arrumei o que conseguia entre os retalhos, as fotos das polaroids de Astrid e as caixas de pizza. Procurei pelo pen drive rosa com o material original, mas não o achei. Deveria estar jogado entre os retalhos no sofá. Coloquei Shawn Mendes para tocar e dancei pela sala enquanto jogava o lixo nas sacolas, separava os materiais e dava os retoques finais nas peças. Ao terminar, enquanto ouvia Lost in Japan, repousei meus olhos nas peças e lembrei-me do beijo que havia me dado na bochecha. Comecei a mover os ombros no ritmo da música, sentia-me leve e precisava que isso refletisse na minha escolha de roupas. Escolhi um vestido floral vermelho, preto com pássaros levemente dourados; esvoaçante com alguns babados e mangas três quartos; além disso, um tênis ADIDAS dourado, rosa e branco que estava largado em meio aos meus “mimos”; uma bolsa mini e acessórios diversos. Estava me sentindo bem e animada com minha escolha, não era algo muito chamativo. Ok, por mim eu iria de calça jeans e blusa florida, mas posso aguentar por uma noite.
Senti-me boba por pensar em como iria vestido. Provavelmente usaria algo para destacar seu novo físico malhado. Não que ele estivesse feio com músculos e tudo mais, ele era lindo de qualquer jeito. Ah, meu Deus, eu estou pensando em novamente. Ok, cérebro, vamos lá. Pense em Gabriel, em como ele te magoou, só faz um mês, não é possível que você já tenha superado!
- Nunca pensei que me forçaria a não superar alguém. - Resmunguei comigo mesma.
Ouvi o telefone tocar novamente. Abaixei o volume do rádio e suspirei ao ouvir o choro baixo de Gabriel.
- Eu te amo, jujubinha.
- Gabriel, você não me ama, apenas quer me ter para você. Aceita que não temos volta, quanto mais cedo você entender, mais fácil será para superar.
- Você já me superou? - Suspirei massageei as têmporas rapidamente.
- Não, Gabriel.
- Viu só? Eu também não te superei! Eu transei com sete mulheres nestas últimas semanas, mas nenhuma é você, jujubinha.
- Você quer tentar me reconquistar ao dizer que está transando com outras mulheres? Sua lógica é deturpada.
- Não, não é bem assim, jujubinha. Eu quis dizer que, não importa com quantas eu esteja, você não sai da minha cabeça. - Precisei controlar minha raiva crescente, será que ele realmente via sentido no que dizia?
- Gabriel, vou desligar a chamada e você vai tomar um banho gelado. Nós terminamos, você causou isso. A estava certa, nós jamais daríamos certo.
- A disse isso?
- Vocês não estão conversando?
- Não, terminamos no dia em que eu e você terminamos também. Ela me dispensou. Eu sou um imprestável. - Não pude evitar, realmente estava com Gabriel apenas porque ele estava comigo? Não é possível, ninguém é tão sem caráter dessa forma.
- Gabriel, eu vou desligar. Se cuida, toma um banho e pare de beber. Você fica incontrolável quando bebe. - Desliguei a chamada e larguei-me no sofá. Precisava começar a me arrumar. Hoje, a noite seria incrível, não deixaria que tirassem isso de mim.
Capítulo Três - Aquele do Policial
- Eu estou surtando completamente, acho que minha maquiagem inteira vai derreter. Moço, pode aumentar o ar condicionado? Obrigada! - Ri ao observar o nervosismo de Astrid. O motorista do Uber parecia animado com as quatro mulheres empolgadas em seu carro. Estávamos chegando ao local da festa, a cada segundo a animação das meninas me contagiava.
- Calma, sem derreter a maquiagem. Vai ter ar condicionado no lugar, não faz sentido dar uma festa com o tema outono em pleno verão se não houver algo que nos dê motivo para estarmos vestidos para o outono. - Todas assentiram levemente.
De todas, eu era a menos montada. Não queria chamar atenção, então deixei isso para minhas meninas. Elas estavam deslumbrantes nas roupas. As maquiagens também seguiam as tendências do mercado, assim como os cabelos. Isis havia feito pequenos coques em seu cabelo afro, enquanto Astrid trançara seus belos cabelos pretos e Francisca deixara suas madeixas loiras soltas, porém usava um lenço na cabeça. Eu havia deixado meus cabelos cacheados volumosos soltos. Novamente, básico.
- Obrigada, moço. - Agradeci ao chegarmos em frente ao enorme estúdio. Passei a mão uma última vez em meu vestido. Diversos carros estavam parados na frente da calçada. A música estava muito alta a decoração do local era street outonal. Haviam pintado as paredes do estúdio com diversos desenhos comuns por todas as ruas de Nova Iorque, havia folhas secas espalhadas pelo chão, criando uma sensação de Central Park no outono.
- Vocês chegaram na hora! - apareceu atrás de mim e abri um sorriso largo sem nem me importar com o que parecia. Uma música coreana tocava ao fundo quando ele nos alcançou. Os cabelos castanhos já estavam tão grandes que ele já conseguia fazer um pequeno rabo. Sorri ao ver que ele havia feito justamente isso. Estava ainda mais bonito. Sua barba também estava por fazer, os olhos verdes pareciam ainda mais intensos. Usava uma calça com estampa xadrez escura, moletom azul escuro e coturnos militares, além de um colar de peça única prateada em seu pescoço. Controlei o incômodo na boca do estômago ao vê-lo daquela forma.
- Claro! Somos sempre pontuais. - Pisquei para as meninas, estas deram uma risada comportada.
- Vamos entrar. - Ele indicou a entrada para o estúdio, guiando-me para dentro com a mão na base de minhas costas. Aconcheguei-me ao toque e contemplei o interior do local.
Todas as paredes estavam cheias de desenhos underground, havia diversos artistas expondo suas telas e suas esculturas. Todos os artistas eram jovens e estavam todos bem vestidos, exatamente no street style que eu amava tanto. Estralei com a língua no céu da boca ao perceber que havia um corredor aberto para o mini desfile que Poncio havia preparado para nós. Olhei para o lado e sorri diretamente para ele, que retribuiu o sorriso ao aproximar sua boca de minha orelha.
- Estás muy guapa hoy. - Ele sussurrou e estava pronta para responder ao perceber algo.
- Você sabe falar em espanhol! Eres un bobo! - Balancei a cabeça em descrença - Poderíamos ter conversado em espanhol todo esse tempo! Por que não me disse?
- Pareceu divertido te irritar naquele dia no restaurante, então a mentira ficou. - deu de ombros e sorriu descaradamente. Encarei seus lábios por um segundo e voltei meu olhar para seu rosto.
- Vamos hablar en español.
- Não, por mais tentador que seja te ouvir enrolando a língua desse jeito. Ainda sou tímido com meu espanhol.
- O quê? Você fala superbem!
- Ahã, você só diz isso porque quer me beijar. - Soltei uma risada incrédula.
- Você é ? - Virei-me e dei de cara com uma moça de, aparentemente, uns 20 anos.
- Sim, sou eu. - Sorri cordialmente e apertei a mão estendida da moça.
- Sou Lavinia, a anfitriã. Eu amei tanto a sua roupa! - Ela comentou com um sorriso enorme - Estou tão ansiosa para ver seu desfile! Já adiantei alguns stories e marquei a sua marca, ok? Só um aquecimento.
- Obrigada, Lavinia! Espero poder apresentar um bom projeto e que vocês apreciem. - Conversamos por mais um tempo sobre a nova coleção e quando me virei, tirou uma foto minha com a mão na frente do rosto, bloqueando o flash.
- Ah, por isso você está aqui.
- Não, estou fotografando hoje apenas o que eu quero. - Aquele papo estava ficando cada vez mais estranho. Não pude negar, estar perto de causava em mim um alvoroço que não sentia com Gabriel, isso me assusta. Estar perto de me excita e me apavora tanto quanto. Eu mal sabia seu número de celular.
- , vamos preparar as meninas para a apresentação, ok? O resto do pessoal chegou. - Isis comentou comigo e assenti. As meninas haviam chamado mais quatro amigas para completarem as peças de roupa do street. Sorri ao vê-las correndo animadas para o camarim improvisado.
- Já volto. Tire muitas fotos das minhas meninas. - levantou a câmera mais uma vez e tirou outra foto minha.
- Deixa comigo.
*
- A estilista por trás da coleção, ! - Entrei na passarela improvisada com um sorriso, agradecendo os aplausos dos influencers que assistiam sentados. Senti três flashes em meu rosto, mas não pude realmente enxergar os rostos dos que assistiam. Todos estavam focados em seus celulares, gravando, assistindo pela câmera o que poderia ser visto ao vivo se apenas levantassem um pouco as cabeças. Simplesmente assustador. Abracei minhas meninas e sorri largamente para , que logo liberou o flash em nossos rostos.
O desfile correu tranquilamente, e após a exposição, diversos influencers pediram algumas peças para divulgação. Duas irmãs vieram pedir roupas por encomenda, sorri largamente e comecei a combinar os detalhes, sentindo-me realizada. Abri meu celular e quase desmaiei de felicidade ao ver a quantidade de comentários e pedidos para liberação da coleção logo. Postei o informativo sobre o início de vendas da coleção e o desfile, que seria aberto ao público. O desfile ocorreria em um terraço em uma galeria. Todos os que quisessem assistir, poderiam.
- Quer ver as fotos? - praticamente enfiou a câmera na frente de meus olhos. Só consegui soltar gritinhos de felicidade ao observar todos os retratos. Meu coração se encheu de felicidade e não pude perder a oportunidade de retribuir o beijo na bochecha de Poncio.
- Obrigada, de verdade. Você ajudou tanto. - se virou para mim, deixando sua câmera pendendo em seu peitoral.
- É sempre um prazer com você, . - Assenti fracamente e abri um sorriso preguiçoso. “Lost in Japan” começou a tocar e lembrei-me do que havia pensado em casa.
- Você tem planos para mais tarde? - arqueou a sobrancelha.
- Não, não tenho. Por quê? Quer me sequestrar?
- Quero te levar a um lugar, uma comemoração pelo sucesso que está sendo o lançamento da minha nova marca. - pôs a mão no queixo, fingindo ponderar.
- Só se você pagar, acho que você me deve uma grana.
- Para de ser bobo! - Soltei uma risada sincera e toquei seu ombro levemente - E aí, aceita?
- Claro, por que não?
- Ok, salva meu número de celular. Vou precisar fazer umas ligações agora, então te mando uma mensagem quando tiver acabado e podemos ir, que tal?
- Perfeito. Tenho que ir tirar outras fotos, mas pega meu celular e anota. - saiu correndo para um grupo de influencers. Bati a mão na testa ao perceber que ele não havia posto a senha para mim. Bufei levemente e me dirigi para o lado exterior do estúdio. Fiz algumas ligações para fornecedores, postei alguns stories e respondi algumas pessoas, além de outros influencers que já pediam informações sobre a marca. Meu coração estava beirando à felicidade caleidoscópica. Mandei mensagem para alguns amigos jornalistas e editores de revistas digitais, convidando-os para o desfile. Senti-me eternamente agradecida por ter feito tantos amigos durante a faculdade e os estágios em revistas e lojas. Senti o celular de vibrar várias vezes. Peguei-o na mão e passei os olhos pelo número de chamada. Martinez. Essa mulher não some? Comecei a procurar pela festa, mas não o achei em canto algum. Finalmente o achei conversando com Isis e Francisca.
- Estão te ligando, . - Comentei e estendi o celular ao homem. Este apenas me encarou e suspirou.
- Já volto. - Assenti e encarei as meninas.
- O que houve? - Iris perguntou com certa preocupação.
- Nada, só alguém que me irrita apenas por ter seu nome pronunciado. - Comentei rapidamente, desconversando para como a festa estava boa e o ar condicionado estava perfeito, além dos aperitivos.
- , quer ir? - voltou rapidamente e sorria novamente. Assenti e encarei minhas estagiárias novamente.
- Podem voltar sozinhas?
- Claro, chefe. Temos 21 anos, pelo amor de Deus!
- Ok, se cuidem e me mandem mensagem quando chegarem em casa! Não peguem táxis ou Ubers sozinhas, estão me ouvindo? - Ambas assentiram dando risadas e se afastaram rapidamente - Está tudo bem? Desculpe, acabei vendo que ela era quem estava te ligando.
- Sim, tudo bem. Apenas estava confirmando as últimas sessões na terça. - Maneei levemente com a cabeça - Bom, para qual lugar a senhorita está me levando?
- Para uma cantina italiana. Sinto que estraguei seu jantar aquele dia e quero recompensá-lo. - gargalhou enquanto caminhávamos até a calçada - Eu estou sem carro, podemos ir de Uber?
- Relaxa, eu vim de carro. Vamos. - Acompanhei até sua Rover. Precisei dar um pulo para entrar no banco da frente - Você está linda hoje, sabia?
- Obrigada, .
- Hey, você nunca me chama de .
- Deu vontade. - Dei de ombros e o encarei de soslaio.
- Pode começar a me chamar mais assim. Seu sotaque colombiano fica bem nítido.
- Meu sotaque é feio.
- Ah, para! Vamos, pode falar comigo em espanhol, . - Senti meus olhos brilharem.
- Posso mesmo?
- Pode. Vou te usar para treinar meu espanhol.
- Auch, vou me sentir usada. - Paramos em um semáforo e me fitou seriamente, seu sorriso sumindo de seu rosto.
Não sei de onde surgiu a coragem, mas agradeço por ter ímpetos tão rápidos quanto aqueles. Quando percebi, meus braços estavam ao redor do pescoço de e estávamos nos beijando. Passei minhas mãos por sua nuca, beijei a linha de seu queixo e pescoço. suspirou e virou minha cabeça para o lado, passando sua barba por meu pescoço, deixando beijos espaçados na minha clavícula. Fomos interrompidos pelos carros buzinando atrás de nós dois. Eu estava ofegante quando voltei ao meu lugar no banco. O decote de meu vestido já estava aberto e meus lábios formigavam.
- Para o carro, . - Sussurrei cinco segundos depois. apenas assentiu e encostou o carro atrás de uma moto estacionada.
Encarei-o mais uma vez e coloquei minha mão em sua bochecha, acariciando sua barba. Aproximei-me devagar e mordi levemente seu lábio, dando-lhe um, dois, três selinhos enquanto acariciava seu pescoço. Ouvi um suspiro leve de , fazendo-me arquejar contra o banco, reclamando do pequeno espaço.
- Reclina o banco, preciso de espaço. - Murmurei contra seus lábios. Ambos fizemos uma pausa nada excitante para abaixar a inclinação do banco, deixando-nos com espaço suficiente. Não consegui esperar, me joguei em seus braços e deixei que seus lábios envolvessem os meus. Passei minhas mãos por seus cabelos, desfazendo o pequeno rabo de cavalo com as mãos. Puxei parte de seus cabelos levemente enquanto ele trilhava beijos quentes por todo meu colo exposto. Joguei a cabeça para trás quando ele me segurou pelos quadris, puxando-me para mais perto. Suspirei entre os beijos, sentindo-me ser consumida por todo o corpo de .
- Quer subir no meu colo? - Ele perguntou fracamente. Assenti, mas antes que pudesse realmente sentar no banco do motorista, soltei um grito assustado ao ouvir duas batidas na janela do motorista, ou seja, de . O susto foi tanto que esbarrei com o joelho no freio de mão, causando um barulho alto demais para ser normal - ! Tudo bem? - Novamente batidas na janela.
- Abre aí, relaxa.
- Boa noite. - Um policial sério nos encarava enquanto eu só queria enfiar minha cabeça no asfalto até que o aquecimento global acabasse.
- Boa noite, policial.
- O que vocês estavam fazendo?
- Nada, estávamos apenas nos conhecendo melhor. - Precisei segurar a gargalhada com a resposta descarada de .
- Façam isso em outro lugar, como um quarto. Vamos, circulando. - Assenti fracamente, ainda de cabeça baixa. esperou que o policial fosse embora com sua viatura antes de soltar uma gargalhada alta.
- Você ficou branca de medo, eu não acredito!
- Era um policial! Ele poderia ter nos prendido! - Falei com a voz esganiçada. não tinha medo do perigo?
- Não, ele não ia nos prender, . Como você é bobinha! - Soltei um suspiro e voltei o banco à posição normal.
- Por que esse tipo de coisa acontece comigo?
- Eu não sei, mas me divirto horrores. - Ele comentou com sinceridade e deu de ombros. Encarei os prédios do lado de fora da janela e suspirei.
- Você não beija mal.
- E você é muito modesta, sei que beijo maravilhosamente bem.
- Ahã, .
- Vai negar? Não era por isso que você estava me beijando? - Arqueou as sobrancelhas e roubou um selinho meu antes que eu pudesse começar a reclamar.
- Não, foi porque eu tive um lapso. Só isso.
- Esse lapso durou bastante tempo. - Peguei meu celular na bolsa, arrumando levemente meus cachos e tirando o borrado do batom.
- Esse lapso te fez pedir para que eu sentasse no seu colo. Acho que você aproveitou mais do que eu.
- Não vou negar. Se pudesse, estaria aproveitando até agora.
Ok, algo a se dizer, Gabriel não era tão direto ou sequer tão provocativo quanto . Meu ex-noivo provavelmente mal falaria comigo antes de me puxar para perto e me beijar, não que ele beijasse mal, Gabriel beijava bem, mas não era a mesma coisa. me fez querer mandar o policial ir à merda apenas para que eu pudesse continuar a beijá-lo.
- Ainda quer ir comer? - Ele me perguntou ao dar partida no carro.
- Sim, vamos!
- Põe o lugar no GPS, por favor. Não tenho ideia de onde fica essa cantina que você disse.
- Como você mora em Nova Iorque e não conhece a melhor cantina italiana do universo?
- Fica perto de Jersey! Não é exatamente um local que eu frequento muito.
- Esqueci que você é rico e não anda por essas bandas.
- Quê? Eu não sou rico, . Já disse. Meu irmão, ele sim é rico. Perdeu uma aposta comigo e o fiz comprar um carro para mim. - deu de ombros e soltou uma risada ao ver meu queixo praticamente encostado no escapamento do carro.
- Vocês apostam carros e diz que não é rico? No puedo creer en eso, sinceramente.
- Eu sabia que não ia perder, por isso apostei.
- Vou fingir que acredito, . - soltou uma risada gostosa e, ao pararmos em um outro semáforo, me encarou seriamente.
- , você precisa tomar cuidado com a . - Arqueei a sobrancelha e estreitei os olhos.
- Por quê? O que você está sabendo?
- Não sei, ela anda quieta. Em todas as nossas sessões de fotos, ela reclamava de você, mas agora está estranhamente silenciosa. Apenas fica encostada na parede e dá dicas para as modelos. - Estralei os dedos em sinal claro de nervosismo. Eu também estranhava o silêncio de , o que será que aquela mulher estava aprontando?
- Eu estava pensando nisso. é explosiva, e ficou silenciosa depois daqueles tabloides do café. Acha que ela vai tentar algo no meu desfile?! - Arregalei os olhos e senti o ímpeto de dar meia volta e correr para meu escritório, certificar-me de que tudo estava trancado e que não destruiria todas as minhas peças.
- Calma, ! Ela não faria isso, não é louca! - Murmurei algumas palavras desconexas e encostei minha cabeça no estofado.
- Não sei, . é vingativa, manipuladora e incansável. Não sei como não percebi quem ela realmente era na faculdade…
- Vocês duas eram muito amigas?
- Nós criamos uma marca juntas! Quando fomos patentear oficialmente a marca, eu fiquei doente, com intoxicação alimentar de um sushi que havíamos comido na noite anterior, então falei para ir sozinha. Quando ela voltou no dia seguinte, esfregou a patente que ela havia feito sozinha em seu nome na minha cara e me expulsou do seu estúdio. Neste meio tempo, pelo o que eu descobri, ela e Gabriel já estavam tendo um caso. - fez uma careta nojenta.
- Em que bela enrascada você se colocou, . - Dei de ombros.
- Já passou, mas é difícil conviver no mesmo meio de trabalho que ela, . É exaustivo. Preciso redobrar meu cuidado com minhas peças, faço uma pesquisa incansável com todos os meus fornecedores e minhas próprias estagiárias. É cansativo fugir de .
- Mas por que fugir? - Ele perguntou após ouvirmos a mulher do GPS com sua voz irritante nos mandar virar à direita.
- Porque, , eu não quero mal para a vida dela, só quero que ela me deixe em paz!
- Não foi o que pareceu no café.
- Claro! Ela estava me provocando e ainda por cima esfregou na minha cara que estava transando com meu ex-noivo. Você se controlaria se você com você?
- Bom, acho que eu não esfregaria bolo nos bolsos da calça da vaca que estivesse tendo um caso com meu noivo. - Gargalhei e precisei de um tempo até superar a imitação que havia feito da minha voz. Ficou incrivelmente parecido.
- O que vai querer comer? - Perguntei ao quando chegamos à cantina e sentamos em nossa mesa. O lugar pacato era incrivelmente familiar. As paredes laranjas não eram feias, mas destacavam ainda mais as pinturas europeias expostas por todo o local. Brasões de famílias e clãs antigos também jaziam na visão do visitante, dando a impressão de ser um local realmente antigo e muito patriota. A graça dos Estados Unidos, sem sombra de dúvida, patriotismo em país estrangeiro.
- Hum, essa massa parece boa. - Ele mostrou o cardápio e assenti.
- Acho que vou querer um molho diferente. Eu sempre pego a mesma coisa, quero inovar. - arqueou a sobrancelha e abriu um sorriso.
- Quer inovar sua vida amorosa ou apenas o que comer no jantar?
- Hum, depende. - O garçom nos atendeu e pedi licença assim que o moço anotou nossos pedidos.
Precisava de ar, urgentemente. O que estava insinuando era algo que apenas um mês de término não permitia. Eu poderia estar superando Gabriel mais rápido do que achava, mas ainda parecia errado. Beijar , nossa troca de flertes, tudo isso parecia muito belo, mas será que ele queria algo mais sério? Não estava pronta, não mesmo. Não quando Gabriel havia posto um par de chifres em mim e estava presente na vida de . Não sei se aguentaria outro baque daqueles.
Por mais que estivesse escondendo, eu chorei praticamente todas as últimas noites. Gabriel havia acabado com minha confiança, com meu amor próprio e eu estava aos poucos realocando as peças no lugar. Não querer usar minhas roupas no desfile foi um grande exemplo de como eu não estava pronta para deixar que outra pessoa estivesse na minha vida, eu não estava pronta nem mesmo para me olhar no espelho!
Não queria admitir, mas quando esfregou em minha cara o quanto ela e Gabriel estavam “se divertindo”, só consegui pensar na minha insuficiência em manter um homem comigo. Sei que esse pensamento foi errado, completamente machista e nada visionário, mas eu não consegui controlar o sentimento de insuficiência. Eu estou lutando contra isso, estou entendendo e absorvendo aos poucos que Gabriel nunca me mereceu, que ele teve uma chance de felicidade e jogou fora porque quis, não por minha causa, mas é mais fácil falar do que botar em prática.
- Você é uma mulher forte, é independente e vai arrasar com qualquer um que tentar te derrubar. - Olhei para minha imagem refletida no espelho do banheiro e senti meus lábios tremerem. Senti-me horrível em minha roupa, horrível em meu corpo enorme e em meu rosto maquiado. Quis sair correndo e chutar todas as latas de lixo que encontrasse pelo caminho.
- ? Tudo bem? - Ouvi a voz de do outro lado da porta e resolvi me recompor.
- Sim, só um minuto!
- Tem alguém aí com você? - Arrumei meus olhos levemente borrados pelas lágrimas solitárias que insistiam em sair sem minha permissão.
- Não, não tem. - Falei com a voz ainda quebrada. irrompeu pela porta e me encarou antes de abrir um sorriso triste.
- Não teria falado aquilo se soubesse que você me odeia tanto. - Ele brincou e apenas sorri entre as lágrimas que desciam sozinhas àquele ponto.
- Não é você.
- Eu sei, fica tranquila. Eu me precipitei. - Ele assumiu e me puxou para um abraço apertado. Deixei que as lágrimas caíssem livremente e afundei meu rosto em seu moletom.
- Desculpa, estou te sujando todo. - Murmurei, mas aprumei-me ainda mais em seu peito. Ele cheirava tão bem e estava tão confortável. Acho que ele era ainda mais confortável de abraçar quando estava mais gordinho.
- Não tem problema. - Ele respondeu e deu um beijo no topo de minha cabeça. Não pude evitar de pensar, mas era algo que Gabriel nunca havia feito comigo.
- Eu não sou tão chorona assim, sabia?
- Acredito em você, mas chorar não te torna menos forte, . - Ele segurou minhas bochechas e secou minhas lágrimas rapidamente - Você é linda, está me ouvindo? - Assenti levemente e o abracei mais uma vez.
- Obrigada por estar aqui.
- Sempre que precisar, . E olha para mim - Ele segurou novamente minhas bochechas - Eu não quero que você se assuste, ok? Eu fui precipitado, me desculpe. Não parei para pensar no que você acabou de passar, fui egoísta. Vamos ignorar aquilo e continuar do ponto de onde paramos antes do carro, pode ser?
- Ok, pode ser. - Abri um sorriso pequeno. Não sei o que realmente queria com , mas eu gostava dele, de sua presença e da sensação no estômago que sentia perto dele. É como se eu fosse uma adolescente com uma paixão platônica novamente - Só preciso fazer uma última coisa antes. - Puxei pelo moletom e lhe dei um beijo demorado, sentindo suas mãos agarrarem o tecido do meu vestido com força e seus lábios tentavam me tomar por inteira, o que eu queria deixar sem mais interrupções. Quando precisamos respirar devidamente, o soltei e abri um sorriso largo.
- Uau.
- Isso não foi um lapso. - Comentei com um sorriso vitorioso.
- Claramente.
- Vamos comer, acho que os garçons podem achar que estamos fazendo outras coisas aqui.
- Como estarmos nos beijando? - Soltei uma risada e assenti.
- Mais ou menos isso. - Saí primeiro e me acompanhou um tempinho depois.
Não me lembrava de estar tão tranquila nas últimas semanas quanto agora. Estar com estava me fazendo bem, bem este que eu precisava no momento, mas não de complicações.
- Ei, você tem um pen drive para me emprestar? - perguntou enquanto devorávamos nossa comida.
- Hum, não. Na verdade, tenho um, mas eu preciso dele para o meu desfile. Eu sempre carrego comigo, mas eu perdi no meio da bagunça que está lá na garagem. Você não tem? - Perguntei chocada.
- Tenho, claro. Mas lembrei que preciso pegar umas fotos em um colega meu. - Ele desconversou.
Passamos o resto do jantar conversando tranquilamente, em certo ponto, senti nossas pernas tocaram sob a mesa e meu corpo inteiro arrepiou. O quão adolescente me tornava?
- Calma, sem derreter a maquiagem. Vai ter ar condicionado no lugar, não faz sentido dar uma festa com o tema outono em pleno verão se não houver algo que nos dê motivo para estarmos vestidos para o outono. - Todas assentiram levemente.
De todas, eu era a menos montada. Não queria chamar atenção, então deixei isso para minhas meninas. Elas estavam deslumbrantes nas roupas. As maquiagens também seguiam as tendências do mercado, assim como os cabelos. Isis havia feito pequenos coques em seu cabelo afro, enquanto Astrid trançara seus belos cabelos pretos e Francisca deixara suas madeixas loiras soltas, porém usava um lenço na cabeça. Eu havia deixado meus cabelos cacheados volumosos soltos. Novamente, básico.
- Obrigada, moço. - Agradeci ao chegarmos em frente ao enorme estúdio. Passei a mão uma última vez em meu vestido. Diversos carros estavam parados na frente da calçada. A música estava muito alta a decoração do local era street outonal. Haviam pintado as paredes do estúdio com diversos desenhos comuns por todas as ruas de Nova Iorque, havia folhas secas espalhadas pelo chão, criando uma sensação de Central Park no outono.
- Vocês chegaram na hora! - apareceu atrás de mim e abri um sorriso largo sem nem me importar com o que parecia. Uma música coreana tocava ao fundo quando ele nos alcançou. Os cabelos castanhos já estavam tão grandes que ele já conseguia fazer um pequeno rabo. Sorri ao ver que ele havia feito justamente isso. Estava ainda mais bonito. Sua barba também estava por fazer, os olhos verdes pareciam ainda mais intensos. Usava uma calça com estampa xadrez escura, moletom azul escuro e coturnos militares, além de um colar de peça única prateada em seu pescoço. Controlei o incômodo na boca do estômago ao vê-lo daquela forma.
- Claro! Somos sempre pontuais. - Pisquei para as meninas, estas deram uma risada comportada.
- Vamos entrar. - Ele indicou a entrada para o estúdio, guiando-me para dentro com a mão na base de minhas costas. Aconcheguei-me ao toque e contemplei o interior do local.
Todas as paredes estavam cheias de desenhos underground, havia diversos artistas expondo suas telas e suas esculturas. Todos os artistas eram jovens e estavam todos bem vestidos, exatamente no street style que eu amava tanto. Estralei com a língua no céu da boca ao perceber que havia um corredor aberto para o mini desfile que Poncio havia preparado para nós. Olhei para o lado e sorri diretamente para ele, que retribuiu o sorriso ao aproximar sua boca de minha orelha.
- Estás muy guapa hoy. - Ele sussurrou e estava pronta para responder ao perceber algo.
- Você sabe falar em espanhol! Eres un bobo! - Balancei a cabeça em descrença - Poderíamos ter conversado em espanhol todo esse tempo! Por que não me disse?
- Pareceu divertido te irritar naquele dia no restaurante, então a mentira ficou. - deu de ombros e sorriu descaradamente. Encarei seus lábios por um segundo e voltei meu olhar para seu rosto.
- Vamos hablar en español.
- Não, por mais tentador que seja te ouvir enrolando a língua desse jeito. Ainda sou tímido com meu espanhol.
- O quê? Você fala superbem!
- Ahã, você só diz isso porque quer me beijar. - Soltei uma risada incrédula.
- Você é ? - Virei-me e dei de cara com uma moça de, aparentemente, uns 20 anos.
- Sim, sou eu. - Sorri cordialmente e apertei a mão estendida da moça.
- Sou Lavinia, a anfitriã. Eu amei tanto a sua roupa! - Ela comentou com um sorriso enorme - Estou tão ansiosa para ver seu desfile! Já adiantei alguns stories e marquei a sua marca, ok? Só um aquecimento.
- Obrigada, Lavinia! Espero poder apresentar um bom projeto e que vocês apreciem. - Conversamos por mais um tempo sobre a nova coleção e quando me virei, tirou uma foto minha com a mão na frente do rosto, bloqueando o flash.
- Ah, por isso você está aqui.
- Não, estou fotografando hoje apenas o que eu quero. - Aquele papo estava ficando cada vez mais estranho. Não pude negar, estar perto de causava em mim um alvoroço que não sentia com Gabriel, isso me assusta. Estar perto de me excita e me apavora tanto quanto. Eu mal sabia seu número de celular.
- , vamos preparar as meninas para a apresentação, ok? O resto do pessoal chegou. - Isis comentou comigo e assenti. As meninas haviam chamado mais quatro amigas para completarem as peças de roupa do street. Sorri ao vê-las correndo animadas para o camarim improvisado.
- Já volto. Tire muitas fotos das minhas meninas. - levantou a câmera mais uma vez e tirou outra foto minha.
- Deixa comigo.
- A estilista por trás da coleção, ! - Entrei na passarela improvisada com um sorriso, agradecendo os aplausos dos influencers que assistiam sentados. Senti três flashes em meu rosto, mas não pude realmente enxergar os rostos dos que assistiam. Todos estavam focados em seus celulares, gravando, assistindo pela câmera o que poderia ser visto ao vivo se apenas levantassem um pouco as cabeças. Simplesmente assustador. Abracei minhas meninas e sorri largamente para , que logo liberou o flash em nossos rostos.
O desfile correu tranquilamente, e após a exposição, diversos influencers pediram algumas peças para divulgação. Duas irmãs vieram pedir roupas por encomenda, sorri largamente e comecei a combinar os detalhes, sentindo-me realizada. Abri meu celular e quase desmaiei de felicidade ao ver a quantidade de comentários e pedidos para liberação da coleção logo. Postei o informativo sobre o início de vendas da coleção e o desfile, que seria aberto ao público. O desfile ocorreria em um terraço em uma galeria. Todos os que quisessem assistir, poderiam.
- Quer ver as fotos? - praticamente enfiou a câmera na frente de meus olhos. Só consegui soltar gritinhos de felicidade ao observar todos os retratos. Meu coração se encheu de felicidade e não pude perder a oportunidade de retribuir o beijo na bochecha de Poncio.
- Obrigada, de verdade. Você ajudou tanto. - se virou para mim, deixando sua câmera pendendo em seu peitoral.
- É sempre um prazer com você, . - Assenti fracamente e abri um sorriso preguiçoso. “Lost in Japan” começou a tocar e lembrei-me do que havia pensado em casa.
- Você tem planos para mais tarde? - arqueou a sobrancelha.
- Não, não tenho. Por quê? Quer me sequestrar?
- Quero te levar a um lugar, uma comemoração pelo sucesso que está sendo o lançamento da minha nova marca. - pôs a mão no queixo, fingindo ponderar.
- Só se você pagar, acho que você me deve uma grana.
- Para de ser bobo! - Soltei uma risada sincera e toquei seu ombro levemente - E aí, aceita?
- Claro, por que não?
- Ok, salva meu número de celular. Vou precisar fazer umas ligações agora, então te mando uma mensagem quando tiver acabado e podemos ir, que tal?
- Perfeito. Tenho que ir tirar outras fotos, mas pega meu celular e anota. - saiu correndo para um grupo de influencers. Bati a mão na testa ao perceber que ele não havia posto a senha para mim. Bufei levemente e me dirigi para o lado exterior do estúdio. Fiz algumas ligações para fornecedores, postei alguns stories e respondi algumas pessoas, além de outros influencers que já pediam informações sobre a marca. Meu coração estava beirando à felicidade caleidoscópica. Mandei mensagem para alguns amigos jornalistas e editores de revistas digitais, convidando-os para o desfile. Senti-me eternamente agradecida por ter feito tantos amigos durante a faculdade e os estágios em revistas e lojas. Senti o celular de vibrar várias vezes. Peguei-o na mão e passei os olhos pelo número de chamada. Martinez. Essa mulher não some? Comecei a procurar pela festa, mas não o achei em canto algum. Finalmente o achei conversando com Isis e Francisca.
- Estão te ligando, . - Comentei e estendi o celular ao homem. Este apenas me encarou e suspirou.
- Já volto. - Assenti e encarei as meninas.
- O que houve? - Iris perguntou com certa preocupação.
- Nada, só alguém que me irrita apenas por ter seu nome pronunciado. - Comentei rapidamente, desconversando para como a festa estava boa e o ar condicionado estava perfeito, além dos aperitivos.
- , quer ir? - voltou rapidamente e sorria novamente. Assenti e encarei minhas estagiárias novamente.
- Podem voltar sozinhas?
- Claro, chefe. Temos 21 anos, pelo amor de Deus!
- Ok, se cuidem e me mandem mensagem quando chegarem em casa! Não peguem táxis ou Ubers sozinhas, estão me ouvindo? - Ambas assentiram dando risadas e se afastaram rapidamente - Está tudo bem? Desculpe, acabei vendo que ela era quem estava te ligando.
- Sim, tudo bem. Apenas estava confirmando as últimas sessões na terça. - Maneei levemente com a cabeça - Bom, para qual lugar a senhorita está me levando?
- Para uma cantina italiana. Sinto que estraguei seu jantar aquele dia e quero recompensá-lo. - gargalhou enquanto caminhávamos até a calçada - Eu estou sem carro, podemos ir de Uber?
- Relaxa, eu vim de carro. Vamos. - Acompanhei até sua Rover. Precisei dar um pulo para entrar no banco da frente - Você está linda hoje, sabia?
- Obrigada, .
- Hey, você nunca me chama de .
- Deu vontade. - Dei de ombros e o encarei de soslaio.
- Pode começar a me chamar mais assim. Seu sotaque colombiano fica bem nítido.
- Meu sotaque é feio.
- Ah, para! Vamos, pode falar comigo em espanhol, . - Senti meus olhos brilharem.
- Posso mesmo?
- Pode. Vou te usar para treinar meu espanhol.
- Auch, vou me sentir usada. - Paramos em um semáforo e me fitou seriamente, seu sorriso sumindo de seu rosto.
Não sei de onde surgiu a coragem, mas agradeço por ter ímpetos tão rápidos quanto aqueles. Quando percebi, meus braços estavam ao redor do pescoço de e estávamos nos beijando. Passei minhas mãos por sua nuca, beijei a linha de seu queixo e pescoço. suspirou e virou minha cabeça para o lado, passando sua barba por meu pescoço, deixando beijos espaçados na minha clavícula. Fomos interrompidos pelos carros buzinando atrás de nós dois. Eu estava ofegante quando voltei ao meu lugar no banco. O decote de meu vestido já estava aberto e meus lábios formigavam.
- Para o carro, . - Sussurrei cinco segundos depois. apenas assentiu e encostou o carro atrás de uma moto estacionada.
Encarei-o mais uma vez e coloquei minha mão em sua bochecha, acariciando sua barba. Aproximei-me devagar e mordi levemente seu lábio, dando-lhe um, dois, três selinhos enquanto acariciava seu pescoço. Ouvi um suspiro leve de , fazendo-me arquejar contra o banco, reclamando do pequeno espaço.
- Reclina o banco, preciso de espaço. - Murmurei contra seus lábios. Ambos fizemos uma pausa nada excitante para abaixar a inclinação do banco, deixando-nos com espaço suficiente. Não consegui esperar, me joguei em seus braços e deixei que seus lábios envolvessem os meus. Passei minhas mãos por seus cabelos, desfazendo o pequeno rabo de cavalo com as mãos. Puxei parte de seus cabelos levemente enquanto ele trilhava beijos quentes por todo meu colo exposto. Joguei a cabeça para trás quando ele me segurou pelos quadris, puxando-me para mais perto. Suspirei entre os beijos, sentindo-me ser consumida por todo o corpo de .
- Quer subir no meu colo? - Ele perguntou fracamente. Assenti, mas antes que pudesse realmente sentar no banco do motorista, soltei um grito assustado ao ouvir duas batidas na janela do motorista, ou seja, de . O susto foi tanto que esbarrei com o joelho no freio de mão, causando um barulho alto demais para ser normal - ! Tudo bem? - Novamente batidas na janela.
- Abre aí, relaxa.
- Boa noite. - Um policial sério nos encarava enquanto eu só queria enfiar minha cabeça no asfalto até que o aquecimento global acabasse.
- Boa noite, policial.
- O que vocês estavam fazendo?
- Nada, estávamos apenas nos conhecendo melhor. - Precisei segurar a gargalhada com a resposta descarada de .
- Façam isso em outro lugar, como um quarto. Vamos, circulando. - Assenti fracamente, ainda de cabeça baixa. esperou que o policial fosse embora com sua viatura antes de soltar uma gargalhada alta.
- Você ficou branca de medo, eu não acredito!
- Era um policial! Ele poderia ter nos prendido! - Falei com a voz esganiçada. não tinha medo do perigo?
- Não, ele não ia nos prender, . Como você é bobinha! - Soltei um suspiro e voltei o banco à posição normal.
- Por que esse tipo de coisa acontece comigo?
- Eu não sei, mas me divirto horrores. - Ele comentou com sinceridade e deu de ombros. Encarei os prédios do lado de fora da janela e suspirei.
- Você não beija mal.
- E você é muito modesta, sei que beijo maravilhosamente bem.
- Ahã, .
- Vai negar? Não era por isso que você estava me beijando? - Arqueou as sobrancelhas e roubou um selinho meu antes que eu pudesse começar a reclamar.
- Não, foi porque eu tive um lapso. Só isso.
- Esse lapso durou bastante tempo. - Peguei meu celular na bolsa, arrumando levemente meus cachos e tirando o borrado do batom.
- Esse lapso te fez pedir para que eu sentasse no seu colo. Acho que você aproveitou mais do que eu.
- Não vou negar. Se pudesse, estaria aproveitando até agora.
Ok, algo a se dizer, Gabriel não era tão direto ou sequer tão provocativo quanto . Meu ex-noivo provavelmente mal falaria comigo antes de me puxar para perto e me beijar, não que ele beijasse mal, Gabriel beijava bem, mas não era a mesma coisa. me fez querer mandar o policial ir à merda apenas para que eu pudesse continuar a beijá-lo.
- Ainda quer ir comer? - Ele me perguntou ao dar partida no carro.
- Sim, vamos!
- Põe o lugar no GPS, por favor. Não tenho ideia de onde fica essa cantina que você disse.
- Como você mora em Nova Iorque e não conhece a melhor cantina italiana do universo?
- Fica perto de Jersey! Não é exatamente um local que eu frequento muito.
- Esqueci que você é rico e não anda por essas bandas.
- Quê? Eu não sou rico, . Já disse. Meu irmão, ele sim é rico. Perdeu uma aposta comigo e o fiz comprar um carro para mim. - deu de ombros e soltou uma risada ao ver meu queixo praticamente encostado no escapamento do carro.
- Vocês apostam carros e diz que não é rico? No puedo creer en eso, sinceramente.
- Eu sabia que não ia perder, por isso apostei.
- Vou fingir que acredito, . - soltou uma risada gostosa e, ao pararmos em um outro semáforo, me encarou seriamente.
- , você precisa tomar cuidado com a . - Arqueei a sobrancelha e estreitei os olhos.
- Por quê? O que você está sabendo?
- Não sei, ela anda quieta. Em todas as nossas sessões de fotos, ela reclamava de você, mas agora está estranhamente silenciosa. Apenas fica encostada na parede e dá dicas para as modelos. - Estralei os dedos em sinal claro de nervosismo. Eu também estranhava o silêncio de , o que será que aquela mulher estava aprontando?
- Eu estava pensando nisso. é explosiva, e ficou silenciosa depois daqueles tabloides do café. Acha que ela vai tentar algo no meu desfile?! - Arregalei os olhos e senti o ímpeto de dar meia volta e correr para meu escritório, certificar-me de que tudo estava trancado e que não destruiria todas as minhas peças.
- Calma, ! Ela não faria isso, não é louca! - Murmurei algumas palavras desconexas e encostei minha cabeça no estofado.
- Não sei, . é vingativa, manipuladora e incansável. Não sei como não percebi quem ela realmente era na faculdade…
- Vocês duas eram muito amigas?
- Nós criamos uma marca juntas! Quando fomos patentear oficialmente a marca, eu fiquei doente, com intoxicação alimentar de um sushi que havíamos comido na noite anterior, então falei para ir sozinha. Quando ela voltou no dia seguinte, esfregou a patente que ela havia feito sozinha em seu nome na minha cara e me expulsou do seu estúdio. Neste meio tempo, pelo o que eu descobri, ela e Gabriel já estavam tendo um caso. - fez uma careta nojenta.
- Em que bela enrascada você se colocou, . - Dei de ombros.
- Já passou, mas é difícil conviver no mesmo meio de trabalho que ela, . É exaustivo. Preciso redobrar meu cuidado com minhas peças, faço uma pesquisa incansável com todos os meus fornecedores e minhas próprias estagiárias. É cansativo fugir de .
- Mas por que fugir? - Ele perguntou após ouvirmos a mulher do GPS com sua voz irritante nos mandar virar à direita.
- Porque, , eu não quero mal para a vida dela, só quero que ela me deixe em paz!
- Não foi o que pareceu no café.
- Claro! Ela estava me provocando e ainda por cima esfregou na minha cara que estava transando com meu ex-noivo. Você se controlaria se você com você?
- Bom, acho que eu não esfregaria bolo nos bolsos da calça da vaca que estivesse tendo um caso com meu noivo. - Gargalhei e precisei de um tempo até superar a imitação que havia feito da minha voz. Ficou incrivelmente parecido.
- O que vai querer comer? - Perguntei ao quando chegamos à cantina e sentamos em nossa mesa. O lugar pacato era incrivelmente familiar. As paredes laranjas não eram feias, mas destacavam ainda mais as pinturas europeias expostas por todo o local. Brasões de famílias e clãs antigos também jaziam na visão do visitante, dando a impressão de ser um local realmente antigo e muito patriota. A graça dos Estados Unidos, sem sombra de dúvida, patriotismo em país estrangeiro.
- Hum, essa massa parece boa. - Ele mostrou o cardápio e assenti.
- Acho que vou querer um molho diferente. Eu sempre pego a mesma coisa, quero inovar. - arqueou a sobrancelha e abriu um sorriso.
- Quer inovar sua vida amorosa ou apenas o que comer no jantar?
- Hum, depende. - O garçom nos atendeu e pedi licença assim que o moço anotou nossos pedidos.
Precisava de ar, urgentemente. O que estava insinuando era algo que apenas um mês de término não permitia. Eu poderia estar superando Gabriel mais rápido do que achava, mas ainda parecia errado. Beijar , nossa troca de flertes, tudo isso parecia muito belo, mas será que ele queria algo mais sério? Não estava pronta, não mesmo. Não quando Gabriel havia posto um par de chifres em mim e estava presente na vida de . Não sei se aguentaria outro baque daqueles.
Por mais que estivesse escondendo, eu chorei praticamente todas as últimas noites. Gabriel havia acabado com minha confiança, com meu amor próprio e eu estava aos poucos realocando as peças no lugar. Não querer usar minhas roupas no desfile foi um grande exemplo de como eu não estava pronta para deixar que outra pessoa estivesse na minha vida, eu não estava pronta nem mesmo para me olhar no espelho!
Não queria admitir, mas quando esfregou em minha cara o quanto ela e Gabriel estavam “se divertindo”, só consegui pensar na minha insuficiência em manter um homem comigo. Sei que esse pensamento foi errado, completamente machista e nada visionário, mas eu não consegui controlar o sentimento de insuficiência. Eu estou lutando contra isso, estou entendendo e absorvendo aos poucos que Gabriel nunca me mereceu, que ele teve uma chance de felicidade e jogou fora porque quis, não por minha causa, mas é mais fácil falar do que botar em prática.
- Você é uma mulher forte, é independente e vai arrasar com qualquer um que tentar te derrubar. - Olhei para minha imagem refletida no espelho do banheiro e senti meus lábios tremerem. Senti-me horrível em minha roupa, horrível em meu corpo enorme e em meu rosto maquiado. Quis sair correndo e chutar todas as latas de lixo que encontrasse pelo caminho.
- ? Tudo bem? - Ouvi a voz de do outro lado da porta e resolvi me recompor.
- Sim, só um minuto!
- Tem alguém aí com você? - Arrumei meus olhos levemente borrados pelas lágrimas solitárias que insistiam em sair sem minha permissão.
- Não, não tem. - Falei com a voz ainda quebrada. irrompeu pela porta e me encarou antes de abrir um sorriso triste.
- Não teria falado aquilo se soubesse que você me odeia tanto. - Ele brincou e apenas sorri entre as lágrimas que desciam sozinhas àquele ponto.
- Não é você.
- Eu sei, fica tranquila. Eu me precipitei. - Ele assumiu e me puxou para um abraço apertado. Deixei que as lágrimas caíssem livremente e afundei meu rosto em seu moletom.
- Desculpa, estou te sujando todo. - Murmurei, mas aprumei-me ainda mais em seu peito. Ele cheirava tão bem e estava tão confortável. Acho que ele era ainda mais confortável de abraçar quando estava mais gordinho.
- Não tem problema. - Ele respondeu e deu um beijo no topo de minha cabeça. Não pude evitar de pensar, mas era algo que Gabriel nunca havia feito comigo.
- Eu não sou tão chorona assim, sabia?
- Acredito em você, mas chorar não te torna menos forte, . - Ele segurou minhas bochechas e secou minhas lágrimas rapidamente - Você é linda, está me ouvindo? - Assenti levemente e o abracei mais uma vez.
- Obrigada por estar aqui.
- Sempre que precisar, . E olha para mim - Ele segurou novamente minhas bochechas - Eu não quero que você se assuste, ok? Eu fui precipitado, me desculpe. Não parei para pensar no que você acabou de passar, fui egoísta. Vamos ignorar aquilo e continuar do ponto de onde paramos antes do carro, pode ser?
- Ok, pode ser. - Abri um sorriso pequeno. Não sei o que realmente queria com , mas eu gostava dele, de sua presença e da sensação no estômago que sentia perto dele. É como se eu fosse uma adolescente com uma paixão platônica novamente - Só preciso fazer uma última coisa antes. - Puxei pelo moletom e lhe dei um beijo demorado, sentindo suas mãos agarrarem o tecido do meu vestido com força e seus lábios tentavam me tomar por inteira, o que eu queria deixar sem mais interrupções. Quando precisamos respirar devidamente, o soltei e abri um sorriso largo.
- Uau.
- Isso não foi um lapso. - Comentei com um sorriso vitorioso.
- Claramente.
- Vamos comer, acho que os garçons podem achar que estamos fazendo outras coisas aqui.
- Como estarmos nos beijando? - Soltei uma risada e assenti.
- Mais ou menos isso. - Saí primeiro e me acompanhou um tempinho depois.
Não me lembrava de estar tão tranquila nas últimas semanas quanto agora. Estar com estava me fazendo bem, bem este que eu precisava no momento, mas não de complicações.
- Ei, você tem um pen drive para me emprestar? - perguntou enquanto devorávamos nossa comida.
- Hum, não. Na verdade, tenho um, mas eu preciso dele para o meu desfile. Eu sempre carrego comigo, mas eu perdi no meio da bagunça que está lá na garagem. Você não tem? - Perguntei chocada.
- Tenho, claro. Mas lembrei que preciso pegar umas fotos em um colega meu. - Ele desconversou.
Passamos o resto do jantar conversando tranquilamente, em certo ponto, senti nossas pernas tocaram sob a mesa e meu corpo inteiro arrepiou. O quão adolescente me tornava?
Capítulo Quatro - Aquele do Pendrive Rosa
As próximas duas semanas passaram muito rapidamente e quando percebi, já estávamos há uma semana do desfile. Tudo estava uma loucura, as meninas estavam parecendo usuárias de heroína em estágio primordial, não paravam quietas e mal piscavam.
- Precisamos de mais três tênis dourados, Isis! - Francisca gritou enquanto digitava enlouquecidamente no computador. Ela era a responsável pela mídia da marca, especialmente o Instagram. Toda a programação do desfile estava pronta. O buffet havia sido cortesia de mamãe, que possuía uma amiga de longa data que lhe devia um favor. Agradeci eternamente a simpatia de mamãe, nos salvara tantas vezes.
- Todos os influencers e bloggers estão confirmados? - Perguntei para Francisca, ela assentiu levemente com a cabeça e levantou seu olhar do computador rapidamente.
- Sim, tudo pronto. Fotógrafos confirmados também.
Em geral, passara a semana inteira conversando com pelo WhatsApp, o encontrei apenas uma vez para comermos pizza, estava abarrotada até o pescoço de trabalho. Também não havia achado meu pen drive, mas a tecnologia é uma salva vidas de primeira, então apenas puxei os arquivos da nuvem para outro pen drive rosa e pronto, estávamos de volta no jogo.
- Hoje é o desfile da S.I.B.E., não é? - Isis perguntou ao entrar na sala carregando uma fita métrica na mão e diversos óculos de sol na outra.
- Sim, é hoje. - Murmurei um pouco nervosa. passara também a última semana quieta. Parte de mim queria acreditar que ela realmente havia desencanado do meu pé, mas eu duvido. Conhecia aquela víbora há eras, ela não desiste facilmente.
- Vamos acompanhar pelo Instagram a live? - Astrid perguntou enquanto pegava seu celular - Começa daqui uma hora. Já está havendo a recepção e o pessoal está gravando. Uh, a decoração está bem bonita, mas nada comparada com a nossa. - Evitei olhar para o celular, não precisava de mais estresse.
- Ei, aquelas ali são as irmãs suecas?
- Ok, gente. Vou sair para ir ao mercado, vocês querem alguma coisa? - Perguntei exasperada. Queria passar todo o desfile longe dali.
- Quero alguma coisa doce, por favor. Minha TPM está no auge. - Astrid comentou com uma careta.
- Tudo bem, já volto.
Peguei meu celular e mandei uma mensagem para . Estava ficando dependente demais de mandar mensagens para ele.
“Ei, está disponível agora? Queria tomar um sorvete”
A resposta foi quase imediata.
“Consegue vir para o meu estúdio? Tem um mercado do lado, eu passo lá agora e vou te esperar aqui.”
“Fechado, apenas não compre nada de morango ou uva, por favor.”
Caminhei até o metrô e agradeci a Deus pelo estúdio de ser próximo à uma estação. Percorri o caminho em 20 minutos e quando percebi, já estava parada na frente do enorme prédio em que se localizava o estúdio principal de Poncio. Apresentei-me na portaria e subi praticamente voando até o décimo andar. Aquela era a segunda vez em que entrava ali, a primeira havia sido duas semanas atrás após o nosso jantar na cantina. Ele tirou algumas fotos minhas - contra a minha vontade - e me mostrou um pouco de seu trabalho. Fiquei maravilhada mais uma vez.
- Oi, cheguei! - Abri a porta levemente, colocando apenas a cabeça para dentro. Não havia ninguém ali, mas o ar condicionado estava ligado. Adentrei no estúdio e sorri ao ver que havia deixado dois potes com duas colheres separadas. Coloquei minha bolsa em cima do sofá de couro encostado ao lado de seu computador e resolvi dar mais uma olhada por todo o local. Olhei para o fundo branco e para as câmeras colocadas em cima de um balcão, perto daqueles negócios enormes de iluminação - chegou a me dizer o nome, mas não me lembro de termos técnicos. Meus olhos pararam em algo reluzente ao lado de seu computador, estava parcialmente coberto por um lenço preto.
- Não é possível. - Murmurei ao me aproximar. Removi o pano e minha garganta praticamente fechou ao ver meu pen drive rosa plugado na entrada do computador. O que aquilo estava fazendo ali?
Corri até a porta do estúdio e a tranquei com a chave. poderia voltar a qualquer momento e não seria legal que ele me visse bisbilhotando. Calma, mas ele havia pegado meu pen drive, eu não estava errada. Ele invadiu minha privacidade primeiro, certo? Certo.
Abri a pasta no computador e quis gritar ao ver meu material todo ali. Todo o meu material. Como ele havia conseguido? Por isso ele havia me perguntado sobre um pen drive no nosso jantar? Ele está com isso há mais de uma semana, por quê?
Senti meu celular vibrar no bolso e meu primeiro instinto foi pensar que algo estava errado, muito errado.
- Chefe, você não sabe da nova! - A voz nervosa de Isis tomou a ligação. Senti meu estômago cair e meu coração estava extremamente acelerado.
- O que houve, Isis?
- Estamos assistindo a coleção da S.I.B.E., e está igual ao nosso desfile! As roupas não são iguais, mas os modelos são os mesmos! Até mesmo as abotoaduras que a Astrid fez à mão são iguais! Eles roubaram nosso desfile!
*
Automaticamente, como se eu realmente tivesse levado um soco no estômago, as peças se juntaram. e estavam juntos nessa. Eles dois haviam me usado. descobriu a localização da garagem, talvez tenha me seguido ou sei lá, mas ele invadiu a minha garagem e pegou o pen drive. sabe que eu mantenho tudo o que eu preciso em um pen drive, contou para e eles fizeram esse plano bizarro de roubar minha coleção. Se eu apresentar meu projeto com o que tenho agora, vou ser acusada de plágio e isso pode afundar minha carreira solo antes mesmo que comece.
- Chego aí em meia hora ou um pouco mais, vamos resolver o que fazer. - Desliguei o celular e encarei a tela do computador mais uma vez. Ao invés de mágoa, tudo o que eu senti foi raiva. A mais pura e genuína raiva por e . Eu esperava isso dela, estava esperando, mas não dele, nunca de . Talvez esse seja justamente o meu erro, não esperar o pior das pessoas. Enganada duas vezes em menos de um semestre, eu realmente sou uma trouxa, no mínimo.
Lembrei-me da carta de despedida de papai antes que ele voltasse para Cuba, anos antes, e nunca mais voltasse. Ele me disse que eu deveria aprender a colocar uma pele de leão sobre o carneiro, porque senão, eu seria enganada e ultrapassada por aqueles que são apenas leões em pele de carneiro. Eu finalmente senti na pele as palavras de papai. Eu me deixei ser enganada. Se, desde o início, eu não houvesse deixado entrar, não estaria afundada nesta lama. Agora era hora de mostrar que eu realmente não era tão boba. Abri as outras pastas do computador e vi a pasta “FESTA DE OUTONO: ”, copiei para meu pen drive. já deveria estar voltando, então copiei todas as suas pastas com as fotos de e as minhas. Pensei em deletar todas as fotos de divulgação da víbora, mas eu não era assim, não me rebaixaria àquele nível, não fui criada desta forma. Tirei meu pen drive dali e substituí por outro idêntico que estava preso ao meu chaveiro, havia decidido não deixar o pen drive longe de vista. Há anos, tenho uma coleção de pen drives rosa que mamãe comprara de um camelô no metrô. O homem era deficiente e queria pagar seu tratamento, mamãe então resolveu levar toda a caixa de pen drives e me deu, já que não utilizava nada “feito pelo homem para extrair a minha essência humana” em sua loja. Bom, era hora de agradecer. Substituí o pen drive original pelo meu em branco e levantei-me rapidamente.
Peguei minha bolsa e fui alarmada ao ouvir um bipe vindo do banheiro. Será que ele estava ali o tempo todo? Corri até o cômodo e observei seu celular em cima da pia. Contrariada, apertei o botão inicial e a mensagem de brilhava na tela.
“Por que não está aqui? Você está com ela, não está? Já acabou, por que não vem logo me ver?”
Meu peito queimou com ódio e mais alguma coisa, eu começava a me sentir inerte, não sentia minhas mãos e meus lábios sangravam pela força com que os mordia. Se estivesse na minha frente naquele momento, eu iria deixar seu rosto deformado, sem a menor sombra de dúvidas. Peguei minha bolsa no sofá e saí correndo pelas escadas, não arriscaria usar o elevador e encontrá-lo ali.
Quando cheguei na calçada, senti meu interior revirar e vomitei ao lado de alguns arbustos na fachada do prédio. Um segurança veio tentar me ajudar, mas o rejeitei e limpei minha boca com a manga da blusa, sentindo meu estômago revirar novamente. Sabia que estava a um ponto de ter a pior crise de ansiedade da minha vida, então sentei em um banco e respirei fundo. Precisava respirar.
- A senhora realmente não quer que eu ligue para uma ambulância? - O segurança perguntou mais uma vez.
- ?! - Ouvi a voz de e foi como o gás definitivo para que eu me levantasse e saísse correndo na direção do metrô. Acho que derrubei três pessoas no caminho ao bater com minha bolsa em suas costas, mas eu não estava nem aí, não naquele momento.
- Desculpa, senhora! - Berrei ao esbarrar em uma senhora de idade e derrubar seu sanduíche de almôndegas. Ela sequer tinha idade para comer algo gorduroso daquele jeito?
Só parei de correr ao chegar na catraca, eu estava ofegante e não havia sinal de atrás de mim. Ainda bem. Eu estava prestes a arrancar seu pênis fora.
O caminho até a garagem foi tempestuoso, lembro-me apenas de sentir que iria desmaiar várias vezes, mas aguentei até o final. Desembarquei em minha estação e caminhei até meu escritório vintage. Deixei-me cair nos braços das meninas ao deitar no sofá e tomei duas aspirinas de uma vez.
- O que houve, chefe?! Pelo amor de Deus, isso é vômito?!
- Sim, Astrid. Tenho péssimas notícias, e não trouxe o chocolate, desculpe. - Comentei com um sorriso triste - Só vou trocar de blusa e já volto. - Fui até uma pequena mala que havia deixado ali para as noites em que precisasse dormir na garagem. Peguei uma blusa com uma estampa enorme de uma vaca na frente dizendo “A vaca faz MUUU” em letras garrafais. É, meu gosto para pijamas não é dos melhores.
- O que aconteceu? É relacionado ao desfile? - Isis perguntou quando voltei portando minha blusa de pijama e uma calça social preta, além de um tênis da Nike vermelho e branco. Eu sou a definição de estilo neste momento.
- Sim. copiou nossos modelos porque roubou o pen drive principal.
- Filha da p--
- Sim, isso mesmo que ela é, porém, ela não fez isso sozinha. estava com ela o tempo todo.
- ? Aquele ? ‘Tá brincando… - Isis lamentou com a cabeça baixa.
- Sim, . Já foi, agora precisamos focar em nosso trabalho, certo? Lembram do plano B que falei a vocês? Vamos precisar executá-lo rapidamente. - As três meninas de olhos inchados assentiram. Estavam sofrendo tanto quanto eu e, naquele momento, apenas quis abraçá-las e dizer que tudo ficaria bem, mas não tinha como saber de verdade naquele momento.
- Você tem certeza, chefe? - Assenti veemente.
- Sim, vamos arejar nossas roupas. Precisamos de sobreposição. Fiz aqueles modelos pensando nisso, sabia que tentaria alguma coisa. Graças a Deus eu estava certa. - Bati com as unhas nos lábios, sentindo a dor no canto esquerdo. Auch, havia mordido com força demais.
- Mas como vamos fazer isso em todos os nossos modelos?
- Não iremos fazer em todos, vamos fazer apenas naqueles que não apresentamos no desfile, lembram? Eu tenho todas aquelas fotos e elas vão ser publicadas agora. Quem estiver no desfile, com certeza viu os stories da festa da semana passada. Se notarem que nossas peças já foram divulgadas antes do desfile e que nossas peças são originais, conseguimos nos livrar. Além do mais, preciso de material para processar . Vou pedir as imagens da câmera de segurança do nosso vizinho da frente e isso deve bastar para processarmos os dois, tanto quanto de invasão à domicílio e outras coisinhas que nosso futuro advogado vai dizer. - Os olhos de Astrid brilharam.
- Muito durona! Eu amei tanto!
- Na indústria da moda, ser leão é requisito básico. - Respondi, mas meu coração ainda estava apertado. Queria tanto torcer para que eu estivesse errada sobre , mas as provas estavam na minha frente, não havia como lutar contra elas. Provas são provas, afinal de contas.
- Sinto muito, chefe. - Astrid disse ao me abraçar.
- Preciso que aprendam isso cedo, meninas. Aprendam a lutar com unhas e dentes pelo que vocês querem e tenham sempre um plano B, ele pode vir a calhar justamente quando você acha que está tudo bem.
era meu plano B, o meu plano para finalmente me libertar de Gabriel e seguir em frente. Acontece que meu plano B foi um fiasco, e eu sentia dor de ter sido enganada mais uma vez. Pouco a pouco, o sentimento de estupidez e insuficiência voltou, mas tratei de espantá-los para longe de mim. Não tenho tempo para sentimentos, é hora de salvar a minha marca. Peguei meu celular e digitei o número de mamãe o mais rápido possível.
- Mami, necesito que vengas para Nova Iorque ahora. Sí, sí. estaba todo ese tiempo planeando robar mi coleccíon. Voy necesitar de tu ayuda, mami. Sí. Voy comprar su ticket ahora. Sí, mami. No, no puedes matar , voy a procesarla. Ok, mami.
- Então, em que pé estamos? - Astrid questionou com um sorriso mordaz.
- Vamos acabar com a raça dessa cobra.
*
- Meu Deus do céu, o que diabos é isso? - Arregalei os olhos ao ver uma moça vestida de sistema solar na porta do desfile - Alguém pode me dizer o que essa moça está fazendo? - Isis apareceu desesperada ao meu lado e foi para o lado de fora do terraço tentar conversar com a Via Láctea.
O desfile começaria em três horas. Tudo estava pronto e cada parte do local estava especialmente seguro. Substituímos os amigos malhados de Isis por seguranças de verdade. Havia desembolsado uma grana boa, mas valeria a pena para proteger nosso desfile das garras de .
Na última semana, eu havia publicado as fotos do desfile com as influencers em nosso Instagram, chamando a atenção da apresentação das peças de nosso desfile com as do desfile da S.I.B.E., alguns seguidores comentaram a semelhança, inclusive das abotoaduras de um dos modelos. Fiquei encarregada de responder todas as perguntas. No final do dia, ainda estávamos caminhando em uma boa direção. Pouco a pouco, as pessoas foram descobrindo sobre o plágio das roupas, mas eu não diria nada sobre , as pessoas que achassem o que quisessem. Entretanto, exatamente como eu já havia imaginado ao pegar as imagens da câmera de segurança de nosso vizinho, fora duas vezes na garagem, uma para pegar o modelo da chave e na próxima, para invadir o local e pegar meu pen drive.
Não havia imagem alguma de , eu havia procurado muito bem, ele aparecia apenas quando fora me visitar. Fora isso, ele não estava nas imagens. Por falar no desgraçado, ele tentara me ligar infinitas vezes na última semana, chegara a aparecer na garagem, mas depois de o ameaçar com o taco de baseball que eu usei para destruir seu carro, ele se afastou. Na quarta-feira, quatro dias depois em que dei um sumiço no traidor, ele parou de aparecer na frente do ateliê.
Gabriel também havia ligado. Conversamos durante duas horas ao telefone, durante todo o tempo, eu simplesmente conversei com ele sobre o que estava acontecendo com a marca, sem mencionar ou . Ouvir a voz de Gabriel foi familiar. Entretanto, eu não sentia por ele mais nada e ainda considerava processá-lo por agressão. Alguém o deve ter ferido muito para que agisse daquela forma, ainda que não justificasse seu jeito horrível de tratar os outros ao seu redor.
- Já entreguei as fotos de para os seguranças. Caso ela tente entrar, será barrada e espero que seja jogada do prédio. - Francisca comentou com um sorriso felino.
- Eu só espero que nem ela nem se deem o trabalho de aparecer, Fran.
As saudades que senti de foram imensas. Acordei duas vezes na última noite com o celular na mão, desesperada para ligá-lo e contar sobre como havia sido traída novamente, mas foi difícil pensar nisso quando ele era quem havia me traído. Na verdade, sinto-me ainda pior por achar que em algum momento ele chegou a se importar. Não foi coincidência ele estar no restaurante aquele dia, ou ele ter aceitado que eu não pagasse seu carro. tornou nossa contingência em algo completamente previsível e esquematizado. Não acredito que não percebi isso antes.
- Mija, tudo está pronto. Acho que você deveria ir no camarim rapidinho, vou recepcionar os convidados das primeiras filas e o pessoal da galeria. - Assenti e beijei as bochechas de mamãe antes de andar rapidamente pelas portas de vidro espelhadas até o camarim improvisado no andar debaixo da galeria. Modelos, cabeleireiras, e algumas maquiadoras amadoras estavam a todo o vapor ali. Cumprimentei algumas pessoas e dei algumas ordens exasperadas para uma modelo que estava hiperventilando. Ela borraria toda a maquiagem!
- Alguém pode retocar o blush dela, por favor? - Uma das maquiadoras segurou a moça pelo cotovelo e a sentou em uma das cadeiras de plástico.
Olhei para o relógio mais uma vez, apenas meia hora para o desfile começar.
- Preciso de todas vocês lá em cima, agora! As araras com as roupas já estão prontas para cada troca de roupa, vocês vão trocar de roupa assim que saírem da passarela. Isis e Francisca vão ficar responsáveis por guiar vocês na troca e na passarela. Boa sorte, meninas! As que já estão prontas, por favor, acompanhem Isis. - Seis das sete modelos se levantaram, indo até minha estagiária. Todas as minhas meninas estavam usando terninhos e calças sociais, além de pontos nos ouvidos que Francisca conseguiu com seu namorado, ele trabalhava na agência de segurança que havíamos contratado.
Observei toda a bagunça do camarim e abri um sorriso ansioso. Tudo estava caminhando bem, graças a Deus. Saí da sala e tranquei a porta atrás de mim, deixando o camarim fechado até que as modelos saíssem definitivamente da passarela. Caminhei pelo andar inferior, dando de cara com três seguranças. Acenei minha cabeça para um parrudo enorme e ele apenas acenou de volta. Subi os dois lances de escada até o andar em que ocorreria o desfile. Toda a primeira fileira de influencers estava pronta. Alguns garçons - amigos de faculdade de Astrid - estavam passando com bebidas. Reconheci muitos dos rostos que estavam na festa underground e comemorei. Se estavam ali, perceberam que a marca é original e querem acompanhar. Enviamos algumas das novas peças para eles, e todos usavam as peças no desfile. Abri um sorriso discreto e acenei para uma das irmãs suecas. Aos poucos, o local estava enchendo de curiosos e aspirantes à moda que queriam uma chance de ver um desfile pessoalmente ou simplesmente tietar com seus influencers favoritos, porém, havia uma linha separando-os e oito seguranças impedindo a passagem. O céu estava em um azul límpido, a passarela era branca e cortinas bege esvoaçantes davam ao local uma visão mais veraneia, entretanto, o chão estava cheio de folhas secas laranjas e marrons, contrastando com o cenário claro do céu. Além disso, o frio já espreitava, então o vento gélido que batia no terraço parecia ajudar, e muito, na climatização do desfile. A iluminação também estava impecável, a luz solar era a melhor iluminação, não conseguia negar.
- Vamos começar em 10 minutos. - A voz de Francisca foi emitida no ponto.
- Ok, vamos dar nosso melhor, meninas. - Respondi e abri um sorriso enorme.
A playlist estava extremamente animada. O DJ que havíamos contratado realmente pegara a essência do desfile. O ensaio geral havia sido três horas atrás, tudo estava correndo conforme a agenda.
- Gente, o desfile vai durar 25 minutos igual o cronometrado, certo? Ainda vamos ter duas performances entre a troca de roupa do Noite para o Diurno e Street para o Lingerie.
- Isso, tudo certo. As meninas contorcionistas estão prontas e os street dancers também. Estão em uma das salas aqui no andar de cima. As músicas estão preparadas e tudo certo. - Maneei com a cabeça e observei mais uma vez ansiosamente as pessoas conversando, especialmente os influencers. Alguns conversavam animadamente, outros bebiam em silêncio e analisavam ao redor. Era um público difícil de agradar.
- Vou descer para o camarim mais uma vez, ok? Esqueci um dos meus colares lá. O sinal lá não funciona bem, então podem começar o desfile sem mim, caso seja necessário. - Anunciei pelo ponto e desci novamente as escadas. Destranquei a porta e entrei apressadamente, mas congelei ao olhar para a direita e observar desacordado largado de barriga para baixo no chão. Havia uma mancha roxa enorme em seu olho - Mas que m--
- Como vai, sócia? - A voz de foi a última coisa que ouvi antes de sentir uma pancada na nuca e desacordar.
- Precisamos de mais três tênis dourados, Isis! - Francisca gritou enquanto digitava enlouquecidamente no computador. Ela era a responsável pela mídia da marca, especialmente o Instagram. Toda a programação do desfile estava pronta. O buffet havia sido cortesia de mamãe, que possuía uma amiga de longa data que lhe devia um favor. Agradeci eternamente a simpatia de mamãe, nos salvara tantas vezes.
- Todos os influencers e bloggers estão confirmados? - Perguntei para Francisca, ela assentiu levemente com a cabeça e levantou seu olhar do computador rapidamente.
- Sim, tudo pronto. Fotógrafos confirmados também.
Em geral, passara a semana inteira conversando com pelo WhatsApp, o encontrei apenas uma vez para comermos pizza, estava abarrotada até o pescoço de trabalho. Também não havia achado meu pen drive, mas a tecnologia é uma salva vidas de primeira, então apenas puxei os arquivos da nuvem para outro pen drive rosa e pronto, estávamos de volta no jogo.
- Hoje é o desfile da S.I.B.E., não é? - Isis perguntou ao entrar na sala carregando uma fita métrica na mão e diversos óculos de sol na outra.
- Sim, é hoje. - Murmurei um pouco nervosa. passara também a última semana quieta. Parte de mim queria acreditar que ela realmente havia desencanado do meu pé, mas eu duvido. Conhecia aquela víbora há eras, ela não desiste facilmente.
- Vamos acompanhar pelo Instagram a live? - Astrid perguntou enquanto pegava seu celular - Começa daqui uma hora. Já está havendo a recepção e o pessoal está gravando. Uh, a decoração está bem bonita, mas nada comparada com a nossa. - Evitei olhar para o celular, não precisava de mais estresse.
- Ei, aquelas ali são as irmãs suecas?
- Ok, gente. Vou sair para ir ao mercado, vocês querem alguma coisa? - Perguntei exasperada. Queria passar todo o desfile longe dali.
- Quero alguma coisa doce, por favor. Minha TPM está no auge. - Astrid comentou com uma careta.
- Tudo bem, já volto.
Peguei meu celular e mandei uma mensagem para . Estava ficando dependente demais de mandar mensagens para ele.
“Ei, está disponível agora? Queria tomar um sorvete”
A resposta foi quase imediata.
“Consegue vir para o meu estúdio? Tem um mercado do lado, eu passo lá agora e vou te esperar aqui.”
“Fechado, apenas não compre nada de morango ou uva, por favor.”
Caminhei até o metrô e agradeci a Deus pelo estúdio de ser próximo à uma estação. Percorri o caminho em 20 minutos e quando percebi, já estava parada na frente do enorme prédio em que se localizava o estúdio principal de Poncio. Apresentei-me na portaria e subi praticamente voando até o décimo andar. Aquela era a segunda vez em que entrava ali, a primeira havia sido duas semanas atrás após o nosso jantar na cantina. Ele tirou algumas fotos minhas - contra a minha vontade - e me mostrou um pouco de seu trabalho. Fiquei maravilhada mais uma vez.
- Oi, cheguei! - Abri a porta levemente, colocando apenas a cabeça para dentro. Não havia ninguém ali, mas o ar condicionado estava ligado. Adentrei no estúdio e sorri ao ver que havia deixado dois potes com duas colheres separadas. Coloquei minha bolsa em cima do sofá de couro encostado ao lado de seu computador e resolvi dar mais uma olhada por todo o local. Olhei para o fundo branco e para as câmeras colocadas em cima de um balcão, perto daqueles negócios enormes de iluminação - chegou a me dizer o nome, mas não me lembro de termos técnicos. Meus olhos pararam em algo reluzente ao lado de seu computador, estava parcialmente coberto por um lenço preto.
- Não é possível. - Murmurei ao me aproximar. Removi o pano e minha garganta praticamente fechou ao ver meu pen drive rosa plugado na entrada do computador. O que aquilo estava fazendo ali?
Corri até a porta do estúdio e a tranquei com a chave. poderia voltar a qualquer momento e não seria legal que ele me visse bisbilhotando. Calma, mas ele havia pegado meu pen drive, eu não estava errada. Ele invadiu minha privacidade primeiro, certo? Certo.
Abri a pasta no computador e quis gritar ao ver meu material todo ali. Todo o meu material. Como ele havia conseguido? Por isso ele havia me perguntado sobre um pen drive no nosso jantar? Ele está com isso há mais de uma semana, por quê?
Senti meu celular vibrar no bolso e meu primeiro instinto foi pensar que algo estava errado, muito errado.
- Chefe, você não sabe da nova! - A voz nervosa de Isis tomou a ligação. Senti meu estômago cair e meu coração estava extremamente acelerado.
- O que houve, Isis?
- Estamos assistindo a coleção da S.I.B.E., e está igual ao nosso desfile! As roupas não são iguais, mas os modelos são os mesmos! Até mesmo as abotoaduras que a Astrid fez à mão são iguais! Eles roubaram nosso desfile!
Automaticamente, como se eu realmente tivesse levado um soco no estômago, as peças se juntaram. e estavam juntos nessa. Eles dois haviam me usado. descobriu a localização da garagem, talvez tenha me seguido ou sei lá, mas ele invadiu a minha garagem e pegou o pen drive. sabe que eu mantenho tudo o que eu preciso em um pen drive, contou para e eles fizeram esse plano bizarro de roubar minha coleção. Se eu apresentar meu projeto com o que tenho agora, vou ser acusada de plágio e isso pode afundar minha carreira solo antes mesmo que comece.
- Chego aí em meia hora ou um pouco mais, vamos resolver o que fazer. - Desliguei o celular e encarei a tela do computador mais uma vez. Ao invés de mágoa, tudo o que eu senti foi raiva. A mais pura e genuína raiva por e . Eu esperava isso dela, estava esperando, mas não dele, nunca de . Talvez esse seja justamente o meu erro, não esperar o pior das pessoas. Enganada duas vezes em menos de um semestre, eu realmente sou uma trouxa, no mínimo.
Lembrei-me da carta de despedida de papai antes que ele voltasse para Cuba, anos antes, e nunca mais voltasse. Ele me disse que eu deveria aprender a colocar uma pele de leão sobre o carneiro, porque senão, eu seria enganada e ultrapassada por aqueles que são apenas leões em pele de carneiro. Eu finalmente senti na pele as palavras de papai. Eu me deixei ser enganada. Se, desde o início, eu não houvesse deixado entrar, não estaria afundada nesta lama. Agora era hora de mostrar que eu realmente não era tão boba. Abri as outras pastas do computador e vi a pasta “FESTA DE OUTONO: ”, copiei para meu pen drive. já deveria estar voltando, então copiei todas as suas pastas com as fotos de e as minhas. Pensei em deletar todas as fotos de divulgação da víbora, mas eu não era assim, não me rebaixaria àquele nível, não fui criada desta forma. Tirei meu pen drive dali e substituí por outro idêntico que estava preso ao meu chaveiro, havia decidido não deixar o pen drive longe de vista. Há anos, tenho uma coleção de pen drives rosa que mamãe comprara de um camelô no metrô. O homem era deficiente e queria pagar seu tratamento, mamãe então resolveu levar toda a caixa de pen drives e me deu, já que não utilizava nada “feito pelo homem para extrair a minha essência humana” em sua loja. Bom, era hora de agradecer. Substituí o pen drive original pelo meu em branco e levantei-me rapidamente.
Peguei minha bolsa e fui alarmada ao ouvir um bipe vindo do banheiro. Será que ele estava ali o tempo todo? Corri até o cômodo e observei seu celular em cima da pia. Contrariada, apertei o botão inicial e a mensagem de brilhava na tela.
“Por que não está aqui? Você está com ela, não está? Já acabou, por que não vem logo me ver?”
Meu peito queimou com ódio e mais alguma coisa, eu começava a me sentir inerte, não sentia minhas mãos e meus lábios sangravam pela força com que os mordia. Se estivesse na minha frente naquele momento, eu iria deixar seu rosto deformado, sem a menor sombra de dúvidas. Peguei minha bolsa no sofá e saí correndo pelas escadas, não arriscaria usar o elevador e encontrá-lo ali.
Quando cheguei na calçada, senti meu interior revirar e vomitei ao lado de alguns arbustos na fachada do prédio. Um segurança veio tentar me ajudar, mas o rejeitei e limpei minha boca com a manga da blusa, sentindo meu estômago revirar novamente. Sabia que estava a um ponto de ter a pior crise de ansiedade da minha vida, então sentei em um banco e respirei fundo. Precisava respirar.
- A senhora realmente não quer que eu ligue para uma ambulância? - O segurança perguntou mais uma vez.
- ?! - Ouvi a voz de e foi como o gás definitivo para que eu me levantasse e saísse correndo na direção do metrô. Acho que derrubei três pessoas no caminho ao bater com minha bolsa em suas costas, mas eu não estava nem aí, não naquele momento.
- Desculpa, senhora! - Berrei ao esbarrar em uma senhora de idade e derrubar seu sanduíche de almôndegas. Ela sequer tinha idade para comer algo gorduroso daquele jeito?
Só parei de correr ao chegar na catraca, eu estava ofegante e não havia sinal de atrás de mim. Ainda bem. Eu estava prestes a arrancar seu pênis fora.
O caminho até a garagem foi tempestuoso, lembro-me apenas de sentir que iria desmaiar várias vezes, mas aguentei até o final. Desembarquei em minha estação e caminhei até meu escritório vintage. Deixei-me cair nos braços das meninas ao deitar no sofá e tomei duas aspirinas de uma vez.
- O que houve, chefe?! Pelo amor de Deus, isso é vômito?!
- Sim, Astrid. Tenho péssimas notícias, e não trouxe o chocolate, desculpe. - Comentei com um sorriso triste - Só vou trocar de blusa e já volto. - Fui até uma pequena mala que havia deixado ali para as noites em que precisasse dormir na garagem. Peguei uma blusa com uma estampa enorme de uma vaca na frente dizendo “A vaca faz MUUU” em letras garrafais. É, meu gosto para pijamas não é dos melhores.
- O que aconteceu? É relacionado ao desfile? - Isis perguntou quando voltei portando minha blusa de pijama e uma calça social preta, além de um tênis da Nike vermelho e branco. Eu sou a definição de estilo neste momento.
- Sim. copiou nossos modelos porque roubou o pen drive principal.
- Filha da p--
- Sim, isso mesmo que ela é, porém, ela não fez isso sozinha. estava com ela o tempo todo.
- ? Aquele ? ‘Tá brincando… - Isis lamentou com a cabeça baixa.
- Sim, . Já foi, agora precisamos focar em nosso trabalho, certo? Lembram do plano B que falei a vocês? Vamos precisar executá-lo rapidamente. - As três meninas de olhos inchados assentiram. Estavam sofrendo tanto quanto eu e, naquele momento, apenas quis abraçá-las e dizer que tudo ficaria bem, mas não tinha como saber de verdade naquele momento.
- Você tem certeza, chefe? - Assenti veemente.
- Sim, vamos arejar nossas roupas. Precisamos de sobreposição. Fiz aqueles modelos pensando nisso, sabia que tentaria alguma coisa. Graças a Deus eu estava certa. - Bati com as unhas nos lábios, sentindo a dor no canto esquerdo. Auch, havia mordido com força demais.
- Mas como vamos fazer isso em todos os nossos modelos?
- Não iremos fazer em todos, vamos fazer apenas naqueles que não apresentamos no desfile, lembram? Eu tenho todas aquelas fotos e elas vão ser publicadas agora. Quem estiver no desfile, com certeza viu os stories da festa da semana passada. Se notarem que nossas peças já foram divulgadas antes do desfile e que nossas peças são originais, conseguimos nos livrar. Além do mais, preciso de material para processar . Vou pedir as imagens da câmera de segurança do nosso vizinho da frente e isso deve bastar para processarmos os dois, tanto quanto de invasão à domicílio e outras coisinhas que nosso futuro advogado vai dizer. - Os olhos de Astrid brilharam.
- Muito durona! Eu amei tanto!
- Na indústria da moda, ser leão é requisito básico. - Respondi, mas meu coração ainda estava apertado. Queria tanto torcer para que eu estivesse errada sobre , mas as provas estavam na minha frente, não havia como lutar contra elas. Provas são provas, afinal de contas.
- Sinto muito, chefe. - Astrid disse ao me abraçar.
- Preciso que aprendam isso cedo, meninas. Aprendam a lutar com unhas e dentes pelo que vocês querem e tenham sempre um plano B, ele pode vir a calhar justamente quando você acha que está tudo bem.
era meu plano B, o meu plano para finalmente me libertar de Gabriel e seguir em frente. Acontece que meu plano B foi um fiasco, e eu sentia dor de ter sido enganada mais uma vez. Pouco a pouco, o sentimento de estupidez e insuficiência voltou, mas tratei de espantá-los para longe de mim. Não tenho tempo para sentimentos, é hora de salvar a minha marca. Peguei meu celular e digitei o número de mamãe o mais rápido possível.
- Mami, necesito que vengas para Nova Iorque ahora. Sí, sí. estaba todo ese tiempo planeando robar mi coleccíon. Voy necesitar de tu ayuda, mami. Sí. Voy comprar su ticket ahora. Sí, mami. No, no puedes matar , voy a procesarla. Ok, mami.
- Então, em que pé estamos? - Astrid questionou com um sorriso mordaz.
- Vamos acabar com a raça dessa cobra.
- Meu Deus do céu, o que diabos é isso? - Arregalei os olhos ao ver uma moça vestida de sistema solar na porta do desfile - Alguém pode me dizer o que essa moça está fazendo? - Isis apareceu desesperada ao meu lado e foi para o lado de fora do terraço tentar conversar com a Via Láctea.
O desfile começaria em três horas. Tudo estava pronto e cada parte do local estava especialmente seguro. Substituímos os amigos malhados de Isis por seguranças de verdade. Havia desembolsado uma grana boa, mas valeria a pena para proteger nosso desfile das garras de .
Na última semana, eu havia publicado as fotos do desfile com as influencers em nosso Instagram, chamando a atenção da apresentação das peças de nosso desfile com as do desfile da S.I.B.E., alguns seguidores comentaram a semelhança, inclusive das abotoaduras de um dos modelos. Fiquei encarregada de responder todas as perguntas. No final do dia, ainda estávamos caminhando em uma boa direção. Pouco a pouco, as pessoas foram descobrindo sobre o plágio das roupas, mas eu não diria nada sobre , as pessoas que achassem o que quisessem. Entretanto, exatamente como eu já havia imaginado ao pegar as imagens da câmera de segurança de nosso vizinho, fora duas vezes na garagem, uma para pegar o modelo da chave e na próxima, para invadir o local e pegar meu pen drive.
Não havia imagem alguma de , eu havia procurado muito bem, ele aparecia apenas quando fora me visitar. Fora isso, ele não estava nas imagens. Por falar no desgraçado, ele tentara me ligar infinitas vezes na última semana, chegara a aparecer na garagem, mas depois de o ameaçar com o taco de baseball que eu usei para destruir seu carro, ele se afastou. Na quarta-feira, quatro dias depois em que dei um sumiço no traidor, ele parou de aparecer na frente do ateliê.
Gabriel também havia ligado. Conversamos durante duas horas ao telefone, durante todo o tempo, eu simplesmente conversei com ele sobre o que estava acontecendo com a marca, sem mencionar ou . Ouvir a voz de Gabriel foi familiar. Entretanto, eu não sentia por ele mais nada e ainda considerava processá-lo por agressão. Alguém o deve ter ferido muito para que agisse daquela forma, ainda que não justificasse seu jeito horrível de tratar os outros ao seu redor.
- Já entreguei as fotos de para os seguranças. Caso ela tente entrar, será barrada e espero que seja jogada do prédio. - Francisca comentou com um sorriso felino.
- Eu só espero que nem ela nem se deem o trabalho de aparecer, Fran.
As saudades que senti de foram imensas. Acordei duas vezes na última noite com o celular na mão, desesperada para ligá-lo e contar sobre como havia sido traída novamente, mas foi difícil pensar nisso quando ele era quem havia me traído. Na verdade, sinto-me ainda pior por achar que em algum momento ele chegou a se importar. Não foi coincidência ele estar no restaurante aquele dia, ou ele ter aceitado que eu não pagasse seu carro. tornou nossa contingência em algo completamente previsível e esquematizado. Não acredito que não percebi isso antes.
- Mija, tudo está pronto. Acho que você deveria ir no camarim rapidinho, vou recepcionar os convidados das primeiras filas e o pessoal da galeria. - Assenti e beijei as bochechas de mamãe antes de andar rapidamente pelas portas de vidro espelhadas até o camarim improvisado no andar debaixo da galeria. Modelos, cabeleireiras, e algumas maquiadoras amadoras estavam a todo o vapor ali. Cumprimentei algumas pessoas e dei algumas ordens exasperadas para uma modelo que estava hiperventilando. Ela borraria toda a maquiagem!
- Alguém pode retocar o blush dela, por favor? - Uma das maquiadoras segurou a moça pelo cotovelo e a sentou em uma das cadeiras de plástico.
Olhei para o relógio mais uma vez, apenas meia hora para o desfile começar.
- Preciso de todas vocês lá em cima, agora! As araras com as roupas já estão prontas para cada troca de roupa, vocês vão trocar de roupa assim que saírem da passarela. Isis e Francisca vão ficar responsáveis por guiar vocês na troca e na passarela. Boa sorte, meninas! As que já estão prontas, por favor, acompanhem Isis. - Seis das sete modelos se levantaram, indo até minha estagiária. Todas as minhas meninas estavam usando terninhos e calças sociais, além de pontos nos ouvidos que Francisca conseguiu com seu namorado, ele trabalhava na agência de segurança que havíamos contratado.
Observei toda a bagunça do camarim e abri um sorriso ansioso. Tudo estava caminhando bem, graças a Deus. Saí da sala e tranquei a porta atrás de mim, deixando o camarim fechado até que as modelos saíssem definitivamente da passarela. Caminhei pelo andar inferior, dando de cara com três seguranças. Acenei minha cabeça para um parrudo enorme e ele apenas acenou de volta. Subi os dois lances de escada até o andar em que ocorreria o desfile. Toda a primeira fileira de influencers estava pronta. Alguns garçons - amigos de faculdade de Astrid - estavam passando com bebidas. Reconheci muitos dos rostos que estavam na festa underground e comemorei. Se estavam ali, perceberam que a marca é original e querem acompanhar. Enviamos algumas das novas peças para eles, e todos usavam as peças no desfile. Abri um sorriso discreto e acenei para uma das irmãs suecas. Aos poucos, o local estava enchendo de curiosos e aspirantes à moda que queriam uma chance de ver um desfile pessoalmente ou simplesmente tietar com seus influencers favoritos, porém, havia uma linha separando-os e oito seguranças impedindo a passagem. O céu estava em um azul límpido, a passarela era branca e cortinas bege esvoaçantes davam ao local uma visão mais veraneia, entretanto, o chão estava cheio de folhas secas laranjas e marrons, contrastando com o cenário claro do céu. Além disso, o frio já espreitava, então o vento gélido que batia no terraço parecia ajudar, e muito, na climatização do desfile. A iluminação também estava impecável, a luz solar era a melhor iluminação, não conseguia negar.
- Vamos começar em 10 minutos. - A voz de Francisca foi emitida no ponto.
- Ok, vamos dar nosso melhor, meninas. - Respondi e abri um sorriso enorme.
A playlist estava extremamente animada. O DJ que havíamos contratado realmente pegara a essência do desfile. O ensaio geral havia sido três horas atrás, tudo estava correndo conforme a agenda.
- Gente, o desfile vai durar 25 minutos igual o cronometrado, certo? Ainda vamos ter duas performances entre a troca de roupa do Noite para o Diurno e Street para o Lingerie.
- Isso, tudo certo. As meninas contorcionistas estão prontas e os street dancers também. Estão em uma das salas aqui no andar de cima. As músicas estão preparadas e tudo certo. - Maneei com a cabeça e observei mais uma vez ansiosamente as pessoas conversando, especialmente os influencers. Alguns conversavam animadamente, outros bebiam em silêncio e analisavam ao redor. Era um público difícil de agradar.
- Vou descer para o camarim mais uma vez, ok? Esqueci um dos meus colares lá. O sinal lá não funciona bem, então podem começar o desfile sem mim, caso seja necessário. - Anunciei pelo ponto e desci novamente as escadas. Destranquei a porta e entrei apressadamente, mas congelei ao olhar para a direita e observar desacordado largado de barriga para baixo no chão. Havia uma mancha roxa enorme em seu olho - Mas que m--
- Como vai, sócia? - A voz de foi a última coisa que ouvi antes de sentir uma pancada na nuca e desacordar.
Capítulo Cinco - Aquele da Heroína
Abri meus olhos levemente, completamente exaurida e tonta. Meu corpo inteiro estava dolorido. Espera, eu estava amarrada? Tentei balançar as pernas e os braços, mas eu estava presa em cordas. Minha visão se acostumou com a claridade e percebi que estava ainda no camarim e estava desacordado ao meu lado.
Levantei meu olhar e observei largada na cadeira enquanto arrastava suas unhas por uma arma. Uma arma de fogo. Arregalei meus olhos e fingi estar desmaiada, mas me percebeu antes disso.
- Eu nem te bati tão forte, você deveria ter apagado por apenas três minutos, mas já tem 10 minutos! Vou ter que te apagar antes de dizer tudo o que eu queria, triste, realmente.
- Do que você está falando, sua louca?! Eu posso gritar e eu vou gritar. - abriu um sorriso falso.
- A única coisa que vai te impedir de gritar é este homem desacordado do seu lado. Grite e morre. Eu vou presa, mas ele não abre mais os olhos. - Minha mente gritava diversas palavras ao mesmo tempo, mas eu parecia geleia. O que diabos estava acontecendo?
- O que você quer, ? Se nos matar, vai ser presa de qualquer forma, não faz sentido. - Por alguns segundos, percebi que estava morena e havia muita maquiagem em seu rosto, ela estava disfarçada - E por que está desacordado se vocês dois são cúmplices?
- Você faz muitas perguntas, que chatice! - resmungou e pulou da cadeira, vindo em minha direção e raspando o cano da arma em minha bochecha. Senti lágrimas lutarem para escorrer em meu rosto. Medo me tomava por inteira e tenho certeza de que eu estava tremendo. Havia loucura pura nos olhos de . Seus lábios estavam pintados de vermelho escarlate e seus olhos delineados pareciam queimar - Eu não preciso estar viva quando chegarem aqui.
- Você vai se matar depois que nos matar? , isso é loucura! Você não está lúcida! - levantou a arma de atingiu minha bochecha. Soltei um arquejo de dor ao sentir meus ossos arderem como o inferno. Lágrimas quentes escorreram por meu rosto. Eu precisava manter a calma, estava claramente descontrolada.
- Eu estou lúcida, . Eu estou completamente sã! Sabe do que mais? Eu nunca estive melhor. Sabe o que eu recebi essa semana? Uma procuração. Você está me processando por invadir a sua casa! Você é uma vadia pirada que quer me ver na cadeia, você não aguenta perder para mim, aguenta? Sua puta desgraçada. - Ela soltou uma risada e tirou os cabelos do rosto. Parecia completamente louca. Observei seus bolsos da calça e havia três agulhas escancaradas. estava completamente drogada com heroína. Pensei que ela havia largado as drogas - Olha pra mim, cacete! - Segurei um urro de dor quando atingiu a arma em meu olho direito. Mordi os lábios com força e voltei a encará-la. Precisava arrumar uma forma de sair dali - Você se acha tão justa, tão dona da verdade! Meu Deus, como fui tão cega? Você sempre foi a pedra no meu sapato de cristal. Eu preciso tirar você do meu caminho, espero que não me leve a mal. No inferno deve ter um local reservado para pessoas como você.
- , me deixa te ajudar. Você não está bem. - aproximou seu rosto do meu e ela simplesmente mordeu minha bochecha com muita força. Ela estava tentando arrancar um pedaço da minha bochecha fora! Mordi meus lábios para não gritar com a dor que sentia, contorci meus dedos do pé e soltei um arquejo alto de dor.
- Eu falei pra você não gritar, sua puta! - Ela resmungou e socou meu rosto novamente. Eu estava ficando sem tempo, a penúltima música do desfile já tocava. Onde estavam os seguranças? - tentou te defender, ele tentou me entregar para a polícia, mas você facilitou meu trabalho. Sabe aquele pen drive que você achou na casa dele? Eu mandei que o entregassem durante o desfile. Eu tentei avisar a víbora que você é, mas ele não me ouviu. Ele estava ocupado demais enfiando a língua dele nessa sua garganta. Hum, pensando bem, acho que vou atirar aí primeiro. - Ela mirou o cano da arma na direção de minha garganta. Jesus Cristo, eu vou morrer!
- Você tentou transar com o ? - Perguntei a primeira coisa que me veio à mente. Precisava enrolá-la até o final do desfile, então as meninas viriam para cá e poderiam ouvir algo. Ela precisava ouvir.
- Eu teria conseguido, mas acho que ele não tem exatamente bom gosto. - me encarou. Seus olhos estavam vidrados e seu nariz estava começando a ficar roxo e sua pele estava pálida. Por um segundo, ela tropeçou. Ela estava tendo uma overdose, com toda a certeza - Sabe, , eu vou ser bem honesta com você. Achei que você fosse sair de cena quando patenteei a marca em meu nome, mas você não desiste! Como pode ser tão ingênua? Você deveria ter saído de cena, aquilo deveria ter te destruído! - caminhava pelo cômodo. Parecia falar com as paredes, desabafar - Mas você começou uma marca nova, preparou sua primeira coleção, então eu te mandei aquelas fotos com Gabriel no WhatsApp e você destruiu o carro dele. Você é uma vaca psicótica, sabia? - Ah, quem está falando - Você não caía, eu não sabia o que fazer. E aí, caiu como paraquedas em meu colo. Ele já estava trabalhando comigo, mas você ter se aproximado dele foi o maior presente do destino para mim. Roubei o pen drive de sua garagenzinha de merda, peguei seus projetos, porque cá entre nós, você não é capaz de montar tudo aquilo sozinha! Eu te inspirei àquilo! Somente eu! Você ia levar crédito sozinha por algo que eu construí? Você me roubou, !
- Você roubou a minha marca! - Respondi injuriada.
- Você roubou a minha vida, sua vadia! - Ela gritou e socou minha bochecha mais uma vez, um chute no estômago e uma joelhada nas costelas. Deitei-me no chão em posição fetal e cuspi sangue no chão, meu corpo ardendo como nunca. Queria apenas morrer. A dor era imensa, meus ombros ardiam, minha barriga queimava e o ar não passava em meus pulmões - Enfim, descobriu que eu havia pegado de volta o pen drive e resolveu ir tirar satisfação. Ele sabia o que eu estava fazendo, ele resolveu vir te defender. Que grande cavalheiro. - Ela ironizou e chutou a barriga de . Ele arquejou de dor e se moveu com a barriga para cima. Arregalei os olhos ao ver uma enorme mancha de sangue em seu ombro. Ele havia sido baleado!
- Você deu um tiro nele, ! Por favor, não faça nenhuma loucura! - Falei exasperada. Tentei me sentar novamente, mas minha barriga doía demais.
- Ele estaria bem agora se fosse menos intrometido, sabia? Ele foi até meu escritório destruir todo o meu material no dia do desfile, mas eu o ameacei com essa belezinha - Ela apontou para a arma e sorriu - E ele foi embora. Mandei um motoboy entregar uma mensagem de que deveria vir para minha casa e deitar comigo e o pen drive, então eu não te tiraria do mapa naquela noite. Quem diria que você estaria ali naquele momento? Quando percebi que ele ainda não havia me ligado, mandei uma mensagem, ele não ligou para o que eu disse. Você que leu a mensagem, não foi?
estava completamente louca. O medo me tomou por inteiro quando ela colocou um silenciador na arma e treinou a mira na parede.
- não veio atrás de mim, então eu estou cumprindo minha promessa. Mas não se preocupe, eu consegui o que queria. - piscou e senti meu estômago revirar ao perceber que o botão da calça de estava aberto. Meu interior revirou por completo. Ela havia abusado de - Quem diria que um inconsciente seria um companheiro melhor de cama do que o Gabriel? - Senti a bile chegar à garganta, mas não vacilei. Ainda bem que não estava acordado.
- Eu o forcei a vir comigo aqui hoje. Invadi seu apartamento e o ameacei. Ele veio como um cachorrinho depois que eu disse que você morreria caso ele não viesse. Tão bobo, este moço. Ele realmente achou que poderia sobreviver. - encarou com falso pesar o corpo desacordado de . Engoli em seco e senti o sangue voltar pela minha garganta.
A última música do desfile tocou, e a voz de Isis anunciava a última rodada de aplausos. Eu deveria estar desfilando lá em cima. Será que ninguém desceria para ver o que estava acontecendo?
- Bom, está na sua hora, .
Soltei um grito desesperado ao vê-la apontar a arma para a cabeça de , então levantei-me em um ímpeto e passei minhas duas pernas amarradas com força pelas de , derrubando-a no chão com um baque. Como estava drogada, seus reflexos foram lentos demais e ela bateu com a cabeça no chão em um ruído estalado. Ajoelhei-me desesperada e joguei meu corpo em cima do seu, usando a corda em minhas mãos para enforcá-la. Usei meus joelhos para bloquear a mão que ela segurava a arma.
- Socorro! Socorro, por favor! - Berrei desesperada quando alcançou a arma e começou a virar o pulso em minha direção. Vi o cano da arma mirar em minha cabeça e berrei mais uma vez antes de sentir uma dor alucinante em meu ombro. Soltei um urro exasperado ao pisar com força na mão de . Ouvi o estalo de ossos se partindo quando meu salto atingiu com tudo seu pulso. gritou de dor.
- Você nunca, nunca, vai ganhar nada de mim. - Ela murmurou e cuspiu em meu rosto. Senti meus músculos reclamarem pelo esforço, a câimbra machucando meu corpo, mas eu não cederia. De repente, ela usou a outra mão para pegar um frasco transparente em seu bolso da saia e o virou na boca. Seu corpo começou a convulsionar e minha primeira reação foi gritar por ajuda. Minha mente estava em branco, eu apenas gritava com terror ao vê-la se contorcer no chão. Ela havia ingerido veneno? Deitei-a de lado e afastei-me horrorizada quando todo seu rosto empalideceu e líquido amarelo começou a escorrer de sua boca azulada. Corri até a porta do camarim e gritei desesperada por ajuda. Dois seguranças apareceram rapidamente com os olhos arregalados.
- E-ela está m-morta. E-eu não sei o que aconteceu direito. S-s-salvem ele, por favor! Ele está morrendo! - Berrei com toda a força de meus pulmões e um dos seguranças me amparou quando caí no chão devido às pernas presas. A última cena da qual me lembro é de estar caindo e jogada em cima de mim, tentando me devorar viva enquanto eu gritava por ajuda.
*
Três semanas depois
- Sinais vitais estáveis, tudo certo. - Assenti fracamente para o médico e sorri.
- Posso ficar aqui por mais um tempo? - Perguntei ao observar deitado pacificamente na cama. O médico disse que ele poderia acordar a qualquer momento, mas que deveríamos ter cuidado, ele provavelmente estaria agitado.
- Fique à vontade. - O médico se retirou e larguei-me na cadeira, completamente cansada.
Fui liberada há três dias, mas preferia estar sob o efeito da anestesia, me impedia de pensar no que havia acontecido. Eu estava há dois dias sem dormir, meu corpo implorava por um descanso, mas toda vez que eu fechava os olhos, a cena de se contorcendo e espumando pela boca vinha à mente e eu desistia de dormir. havia morrido naquele dia, já chegara morta ao hospital. O tiro que ela dera em meu ombro atingira alguns músculos importantes, teria que fazer terapia por muito tempo até recuperar o movimento total de meu ombro.
Mamãe ficou comigo o tempo todo. Ela pegara dinheiro emprestado para pagar uma passagem de avião de emergência até NY. Desde então, ela estava em meu apartamento e aproveitou o tempo de recuperação para discutir comigo sobre meus hábitos alimentares e minha higiene pessoal. Foi adorável, mas era confortável e pacífico, especialmente quando ela me acalentava à noite devido aos pesadelos que tinha com a morte de .
Quanto a conta do hospital, conheci o irmão de , o rico. Afinal de contas, não havia mentido quando disse que o irmão era podre de rico. Este se ofereceu para pagar minhas despesas já que eu havia salvado a vida de seu irmão mais novo. Aceitei, não estava em condições de negar que alguém pagasse minha dívida esmagadora com o hospital.
- Meu irmão poderia não estar aqui agora, . - Rhysand, como eu havia descoberto ser o nome de seu irmão, comentou com os olhos cheios de lágrimas - Obrigado, sinceramente. - Ele me abraçou, mas não consegui me mexer, não quando eu pensava que ele estava baleado por minha causa.
- Desculpa, . - Murmurei enquanto encharcava minhas bochechas de lágrimas - Me desculpa por ter te arrastado para tudo isso. Desculpa por ter te acusado. Desculpa por ser a pior pessoa do universo. Deus, por favor, me perdoe. - Não consegui controlar os soluços desesperados. Abracei minhas próprias pernas no sofá e chorei alto, sem conseguir controlar o sufoco em meu peito. Meus lábios tremiam e meu nariz escorria quando levantei a cabeça e observei de olhos abertos me encarando.
- O-oi. - Ele disse com os olhos cheios de lágrimas. Levantei-me em um pulo e abri a porta para chamar um médico - Você está bem? - Ele murmurou e tentou tossir.
- Você foi lá para me salvar. - Comentei com um sorriso triste - Foi a maior estupidez que você já fez na vida, mas obrigada. Obrigada, .
- Olha só quem acordou. - O médico adentrou pela porta com um sorriso calmo. Ele percebeu o inchaço em meu rosto e indicou o banheiro - Acho que deve ir lavar seu rosto, Srta. . Ainda está com o rosto machucado e tem que tomar cuidado com o ombro. - Assenti levemente e fui para o banheiro. Usei minha mão boa para lavar o rosto. A tipoia no braço direito seria um saco por muito tempo, mas nada disso importava. Eu estava viva e também. Nós dois ficaríamos bem e tudo daria certo.
Isis, Francisca e Astrid me visitaram ontem em casa e disseram que as vendas da marca haviam disparado. A história vazou na imprensa e, aparentemente, eu virei um mártir romântico por ter arriscado levar uma bala por . O camarim possuía câmeras, a gravação foi vazada na internet, então a cena estava disponível para todos. A cena em que estuprara não vazou, mas também descobrimos que ela não chegou a efetuar o ato sexual, ela tentou, mas estava drogada demais e achou que estava transando com ele, quando na verdade, estava tendo relações sexuais com o vento. Uma parte minha se aliviou por isso, precisar contar a que ele havia sido estuprado enquanto dormia não era algo que eu gostaria de fazer. Meu coração doía de todas as formas ao vê-lo deitado na cama. Um sentimento despertou fortemente em mim quando percebi que ele poderia morrer naquele dia.
Voltei para o quarto e o médico já terminava os ex em .
- Vou dar a vocês alguns minutos, mas cuidado, por favor. ainda está sensível e precisa ser medicado mais uma vez. - Assenti levemente e toda a tentativa de ficar sem chorar foi para o espaço assim que o vi novamente.
- Como você está? - Perguntei ao pegar sua mão. sorriu levemente e me encarou com seus belos olhos verdes, fitando-me como se eu pudesse fugir. Mal sabia ele que eu não fugiria, muito pelo contrário.
- Melhor agora, sem sombra de dúvida. - Abri um sorriso largo e aproximei-me levemente, dando um beijo em sua bochecha.
- Você me salvou, . Eu não sei como te agradecer. - Solucei algumas vezes antes de encarar o teto, não conseguia encará-lo nos olhos - Eu te odiei tanto durante aquela última semana, mas você estava tentando me defender o tempo todo, e-e-eu sou tão estúpida. Eu não consegui enxergar que você estava ali por mim. Você levou um tiro por mim, ! Isso foi tão estúpido! Você poderia estar morto!
- Mas não estou. - Ele resmungou e tentou se sentar na maca. O ajudei e afofei seus travesseiros - Eu teria levado aquele tiro na cabeça por você. - Mais lágrimas escorriam sem parar. Meu peito estava descontrolado e o choro era compulsivo.
- Eu pensei que você fosse morrer, . Ela mirou a arma na sua cabeça. - Balbuciei.
- Eu ouvi toda a conversa de vocês, . Só não tinha forças para acordar. - Mordi os lábios e dor pura atingiu meu coração.
- Ela não fez aquilo, ela estava drogada demais. - assentiu e engoliu em seco.
- Eu estava consciente quando ela fez isso, mas estava quase apagando. Ela g-gemeu e começou a dizer como iria te matar e como depois faríamos sexo em cima do seu corpo e--
- Por favor, para de falar, . - Pedi desesperada ao vê-lo chorar tão compulsivamente como eu. Seus olhos verdes agora estavam ficando vermelhos. Abracei-o da forma como podia e nós dois, juntos naquele momento, éramos duas almas quebradas em consolo mútuo, deixando que as lágrimas levassem o que a mente não conseguia processar, não ainda, mas conseguiríamos.
destruíra todo o nosso interior naquele dia, ela tirara de nós nossa humanidade para consolar sua pobre alma desolada, mas ela não conseguiria nos derrubar. Ela tentara em vida, não conseguiria após morrer. Não daríamos a ela o gosto de ter vencido. não venceria, nem mesmo em morte.
Mais do que nunca, vi-me empenhada em cuidar de , em dar a volta por cima. Eu, mais do que suficiente, sou forte. Pessoas fortes sobrevivem, pessoas ainda mais fortes voltam a viver, e eu voltaria. Viveria a vida que tanto se empenhou para tirar, e viveria o mais plenamente possível. Eu nunca fantasiei sobre um mundo sem , mas agora que ela havia ido, eu finalmente estava em paz, mas jamais diria seu nome novamente, ela é uma peça que meu passado fez questão de enterrar, mas ela é meu símbolo de renascimento, minha sobrevivência. e eu sobrevivemos ao nosso próprio apocalipse, éramos vitoriosos, e ganharíamos a nossa medalha.
Levantei meu olhar e observei largada na cadeira enquanto arrastava suas unhas por uma arma. Uma arma de fogo. Arregalei meus olhos e fingi estar desmaiada, mas me percebeu antes disso.
- Eu nem te bati tão forte, você deveria ter apagado por apenas três minutos, mas já tem 10 minutos! Vou ter que te apagar antes de dizer tudo o que eu queria, triste, realmente.
- Do que você está falando, sua louca?! Eu posso gritar e eu vou gritar. - abriu um sorriso falso.
- A única coisa que vai te impedir de gritar é este homem desacordado do seu lado. Grite e morre. Eu vou presa, mas ele não abre mais os olhos. - Minha mente gritava diversas palavras ao mesmo tempo, mas eu parecia geleia. O que diabos estava acontecendo?
- O que você quer, ? Se nos matar, vai ser presa de qualquer forma, não faz sentido. - Por alguns segundos, percebi que estava morena e havia muita maquiagem em seu rosto, ela estava disfarçada - E por que está desacordado se vocês dois são cúmplices?
- Você faz muitas perguntas, que chatice! - resmungou e pulou da cadeira, vindo em minha direção e raspando o cano da arma em minha bochecha. Senti lágrimas lutarem para escorrer em meu rosto. Medo me tomava por inteira e tenho certeza de que eu estava tremendo. Havia loucura pura nos olhos de . Seus lábios estavam pintados de vermelho escarlate e seus olhos delineados pareciam queimar - Eu não preciso estar viva quando chegarem aqui.
- Você vai se matar depois que nos matar? , isso é loucura! Você não está lúcida! - levantou a arma de atingiu minha bochecha. Soltei um arquejo de dor ao sentir meus ossos arderem como o inferno. Lágrimas quentes escorreram por meu rosto. Eu precisava manter a calma, estava claramente descontrolada.
- Eu estou lúcida, . Eu estou completamente sã! Sabe do que mais? Eu nunca estive melhor. Sabe o que eu recebi essa semana? Uma procuração. Você está me processando por invadir a sua casa! Você é uma vadia pirada que quer me ver na cadeia, você não aguenta perder para mim, aguenta? Sua puta desgraçada. - Ela soltou uma risada e tirou os cabelos do rosto. Parecia completamente louca. Observei seus bolsos da calça e havia três agulhas escancaradas. estava completamente drogada com heroína. Pensei que ela havia largado as drogas - Olha pra mim, cacete! - Segurei um urro de dor quando atingiu a arma em meu olho direito. Mordi os lábios com força e voltei a encará-la. Precisava arrumar uma forma de sair dali - Você se acha tão justa, tão dona da verdade! Meu Deus, como fui tão cega? Você sempre foi a pedra no meu sapato de cristal. Eu preciso tirar você do meu caminho, espero que não me leve a mal. No inferno deve ter um local reservado para pessoas como você.
- , me deixa te ajudar. Você não está bem. - aproximou seu rosto do meu e ela simplesmente mordeu minha bochecha com muita força. Ela estava tentando arrancar um pedaço da minha bochecha fora! Mordi meus lábios para não gritar com a dor que sentia, contorci meus dedos do pé e soltei um arquejo alto de dor.
- Eu falei pra você não gritar, sua puta! - Ela resmungou e socou meu rosto novamente. Eu estava ficando sem tempo, a penúltima música do desfile já tocava. Onde estavam os seguranças? - tentou te defender, ele tentou me entregar para a polícia, mas você facilitou meu trabalho. Sabe aquele pen drive que você achou na casa dele? Eu mandei que o entregassem durante o desfile. Eu tentei avisar a víbora que você é, mas ele não me ouviu. Ele estava ocupado demais enfiando a língua dele nessa sua garganta. Hum, pensando bem, acho que vou atirar aí primeiro. - Ela mirou o cano da arma na direção de minha garganta. Jesus Cristo, eu vou morrer!
- Você tentou transar com o ? - Perguntei a primeira coisa que me veio à mente. Precisava enrolá-la até o final do desfile, então as meninas viriam para cá e poderiam ouvir algo. Ela precisava ouvir.
- Eu teria conseguido, mas acho que ele não tem exatamente bom gosto. - me encarou. Seus olhos estavam vidrados e seu nariz estava começando a ficar roxo e sua pele estava pálida. Por um segundo, ela tropeçou. Ela estava tendo uma overdose, com toda a certeza - Sabe, , eu vou ser bem honesta com você. Achei que você fosse sair de cena quando patenteei a marca em meu nome, mas você não desiste! Como pode ser tão ingênua? Você deveria ter saído de cena, aquilo deveria ter te destruído! - caminhava pelo cômodo. Parecia falar com as paredes, desabafar - Mas você começou uma marca nova, preparou sua primeira coleção, então eu te mandei aquelas fotos com Gabriel no WhatsApp e você destruiu o carro dele. Você é uma vaca psicótica, sabia? - Ah, quem está falando - Você não caía, eu não sabia o que fazer. E aí, caiu como paraquedas em meu colo. Ele já estava trabalhando comigo, mas você ter se aproximado dele foi o maior presente do destino para mim. Roubei o pen drive de sua garagenzinha de merda, peguei seus projetos, porque cá entre nós, você não é capaz de montar tudo aquilo sozinha! Eu te inspirei àquilo! Somente eu! Você ia levar crédito sozinha por algo que eu construí? Você me roubou, !
- Você roubou a minha marca! - Respondi injuriada.
- Você roubou a minha vida, sua vadia! - Ela gritou e socou minha bochecha mais uma vez, um chute no estômago e uma joelhada nas costelas. Deitei-me no chão em posição fetal e cuspi sangue no chão, meu corpo ardendo como nunca. Queria apenas morrer. A dor era imensa, meus ombros ardiam, minha barriga queimava e o ar não passava em meus pulmões - Enfim, descobriu que eu havia pegado de volta o pen drive e resolveu ir tirar satisfação. Ele sabia o que eu estava fazendo, ele resolveu vir te defender. Que grande cavalheiro. - Ela ironizou e chutou a barriga de . Ele arquejou de dor e se moveu com a barriga para cima. Arregalei os olhos ao ver uma enorme mancha de sangue em seu ombro. Ele havia sido baleado!
- Você deu um tiro nele, ! Por favor, não faça nenhuma loucura! - Falei exasperada. Tentei me sentar novamente, mas minha barriga doía demais.
- Ele estaria bem agora se fosse menos intrometido, sabia? Ele foi até meu escritório destruir todo o meu material no dia do desfile, mas eu o ameacei com essa belezinha - Ela apontou para a arma e sorriu - E ele foi embora. Mandei um motoboy entregar uma mensagem de que deveria vir para minha casa e deitar comigo e o pen drive, então eu não te tiraria do mapa naquela noite. Quem diria que você estaria ali naquele momento? Quando percebi que ele ainda não havia me ligado, mandei uma mensagem, ele não ligou para o que eu disse. Você que leu a mensagem, não foi?
estava completamente louca. O medo me tomou por inteiro quando ela colocou um silenciador na arma e treinou a mira na parede.
- não veio atrás de mim, então eu estou cumprindo minha promessa. Mas não se preocupe, eu consegui o que queria. - piscou e senti meu estômago revirar ao perceber que o botão da calça de estava aberto. Meu interior revirou por completo. Ela havia abusado de - Quem diria que um inconsciente seria um companheiro melhor de cama do que o Gabriel? - Senti a bile chegar à garganta, mas não vacilei. Ainda bem que não estava acordado.
- Eu o forcei a vir comigo aqui hoje. Invadi seu apartamento e o ameacei. Ele veio como um cachorrinho depois que eu disse que você morreria caso ele não viesse. Tão bobo, este moço. Ele realmente achou que poderia sobreviver. - encarou com falso pesar o corpo desacordado de . Engoli em seco e senti o sangue voltar pela minha garganta.
A última música do desfile tocou, e a voz de Isis anunciava a última rodada de aplausos. Eu deveria estar desfilando lá em cima. Será que ninguém desceria para ver o que estava acontecendo?
- Bom, está na sua hora, .
Soltei um grito desesperado ao vê-la apontar a arma para a cabeça de , então levantei-me em um ímpeto e passei minhas duas pernas amarradas com força pelas de , derrubando-a no chão com um baque. Como estava drogada, seus reflexos foram lentos demais e ela bateu com a cabeça no chão em um ruído estalado. Ajoelhei-me desesperada e joguei meu corpo em cima do seu, usando a corda em minhas mãos para enforcá-la. Usei meus joelhos para bloquear a mão que ela segurava a arma.
- Socorro! Socorro, por favor! - Berrei desesperada quando alcançou a arma e começou a virar o pulso em minha direção. Vi o cano da arma mirar em minha cabeça e berrei mais uma vez antes de sentir uma dor alucinante em meu ombro. Soltei um urro exasperado ao pisar com força na mão de . Ouvi o estalo de ossos se partindo quando meu salto atingiu com tudo seu pulso. gritou de dor.
- Você nunca, nunca, vai ganhar nada de mim. - Ela murmurou e cuspiu em meu rosto. Senti meus músculos reclamarem pelo esforço, a câimbra machucando meu corpo, mas eu não cederia. De repente, ela usou a outra mão para pegar um frasco transparente em seu bolso da saia e o virou na boca. Seu corpo começou a convulsionar e minha primeira reação foi gritar por ajuda. Minha mente estava em branco, eu apenas gritava com terror ao vê-la se contorcer no chão. Ela havia ingerido veneno? Deitei-a de lado e afastei-me horrorizada quando todo seu rosto empalideceu e líquido amarelo começou a escorrer de sua boca azulada. Corri até a porta do camarim e gritei desesperada por ajuda. Dois seguranças apareceram rapidamente com os olhos arregalados.
- E-ela está m-morta. E-eu não sei o que aconteceu direito. S-s-salvem ele, por favor! Ele está morrendo! - Berrei com toda a força de meus pulmões e um dos seguranças me amparou quando caí no chão devido às pernas presas. A última cena da qual me lembro é de estar caindo e jogada em cima de mim, tentando me devorar viva enquanto eu gritava por ajuda.
Três semanas depois
- Sinais vitais estáveis, tudo certo. - Assenti fracamente para o médico e sorri.
- Posso ficar aqui por mais um tempo? - Perguntei ao observar deitado pacificamente na cama. O médico disse que ele poderia acordar a qualquer momento, mas que deveríamos ter cuidado, ele provavelmente estaria agitado.
- Fique à vontade. - O médico se retirou e larguei-me na cadeira, completamente cansada.
Fui liberada há três dias, mas preferia estar sob o efeito da anestesia, me impedia de pensar no que havia acontecido. Eu estava há dois dias sem dormir, meu corpo implorava por um descanso, mas toda vez que eu fechava os olhos, a cena de se contorcendo e espumando pela boca vinha à mente e eu desistia de dormir. havia morrido naquele dia, já chegara morta ao hospital. O tiro que ela dera em meu ombro atingira alguns músculos importantes, teria que fazer terapia por muito tempo até recuperar o movimento total de meu ombro.
Mamãe ficou comigo o tempo todo. Ela pegara dinheiro emprestado para pagar uma passagem de avião de emergência até NY. Desde então, ela estava em meu apartamento e aproveitou o tempo de recuperação para discutir comigo sobre meus hábitos alimentares e minha higiene pessoal. Foi adorável, mas era confortável e pacífico, especialmente quando ela me acalentava à noite devido aos pesadelos que tinha com a morte de .
Quanto a conta do hospital, conheci o irmão de , o rico. Afinal de contas, não havia mentido quando disse que o irmão era podre de rico. Este se ofereceu para pagar minhas despesas já que eu havia salvado a vida de seu irmão mais novo. Aceitei, não estava em condições de negar que alguém pagasse minha dívida esmagadora com o hospital.
- Meu irmão poderia não estar aqui agora, . - Rhysand, como eu havia descoberto ser o nome de seu irmão, comentou com os olhos cheios de lágrimas - Obrigado, sinceramente. - Ele me abraçou, mas não consegui me mexer, não quando eu pensava que ele estava baleado por minha causa.
- Desculpa, . - Murmurei enquanto encharcava minhas bochechas de lágrimas - Me desculpa por ter te arrastado para tudo isso. Desculpa por ter te acusado. Desculpa por ser a pior pessoa do universo. Deus, por favor, me perdoe. - Não consegui controlar os soluços desesperados. Abracei minhas próprias pernas no sofá e chorei alto, sem conseguir controlar o sufoco em meu peito. Meus lábios tremiam e meu nariz escorria quando levantei a cabeça e observei de olhos abertos me encarando.
- O-oi. - Ele disse com os olhos cheios de lágrimas. Levantei-me em um pulo e abri a porta para chamar um médico - Você está bem? - Ele murmurou e tentou tossir.
- Você foi lá para me salvar. - Comentei com um sorriso triste - Foi a maior estupidez que você já fez na vida, mas obrigada. Obrigada, .
- Olha só quem acordou. - O médico adentrou pela porta com um sorriso calmo. Ele percebeu o inchaço em meu rosto e indicou o banheiro - Acho que deve ir lavar seu rosto, Srta. . Ainda está com o rosto machucado e tem que tomar cuidado com o ombro. - Assenti levemente e fui para o banheiro. Usei minha mão boa para lavar o rosto. A tipoia no braço direito seria um saco por muito tempo, mas nada disso importava. Eu estava viva e também. Nós dois ficaríamos bem e tudo daria certo.
Isis, Francisca e Astrid me visitaram ontem em casa e disseram que as vendas da marca haviam disparado. A história vazou na imprensa e, aparentemente, eu virei um mártir romântico por ter arriscado levar uma bala por . O camarim possuía câmeras, a gravação foi vazada na internet, então a cena estava disponível para todos. A cena em que estuprara não vazou, mas também descobrimos que ela não chegou a efetuar o ato sexual, ela tentou, mas estava drogada demais e achou que estava transando com ele, quando na verdade, estava tendo relações sexuais com o vento. Uma parte minha se aliviou por isso, precisar contar a que ele havia sido estuprado enquanto dormia não era algo que eu gostaria de fazer. Meu coração doía de todas as formas ao vê-lo deitado na cama. Um sentimento despertou fortemente em mim quando percebi que ele poderia morrer naquele dia.
Voltei para o quarto e o médico já terminava os ex em .
- Vou dar a vocês alguns minutos, mas cuidado, por favor. ainda está sensível e precisa ser medicado mais uma vez. - Assenti levemente e toda a tentativa de ficar sem chorar foi para o espaço assim que o vi novamente.
- Como você está? - Perguntei ao pegar sua mão. sorriu levemente e me encarou com seus belos olhos verdes, fitando-me como se eu pudesse fugir. Mal sabia ele que eu não fugiria, muito pelo contrário.
- Melhor agora, sem sombra de dúvida. - Abri um sorriso largo e aproximei-me levemente, dando um beijo em sua bochecha.
- Você me salvou, . Eu não sei como te agradecer. - Solucei algumas vezes antes de encarar o teto, não conseguia encará-lo nos olhos - Eu te odiei tanto durante aquela última semana, mas você estava tentando me defender o tempo todo, e-e-eu sou tão estúpida. Eu não consegui enxergar que você estava ali por mim. Você levou um tiro por mim, ! Isso foi tão estúpido! Você poderia estar morto!
- Mas não estou. - Ele resmungou e tentou se sentar na maca. O ajudei e afofei seus travesseiros - Eu teria levado aquele tiro na cabeça por você. - Mais lágrimas escorriam sem parar. Meu peito estava descontrolado e o choro era compulsivo.
- Eu pensei que você fosse morrer, . Ela mirou a arma na sua cabeça. - Balbuciei.
- Eu ouvi toda a conversa de vocês, . Só não tinha forças para acordar. - Mordi os lábios e dor pura atingiu meu coração.
- Ela não fez aquilo, ela estava drogada demais. - assentiu e engoliu em seco.
- Eu estava consciente quando ela fez isso, mas estava quase apagando. Ela g-gemeu e começou a dizer como iria te matar e como depois faríamos sexo em cima do seu corpo e--
- Por favor, para de falar, . - Pedi desesperada ao vê-lo chorar tão compulsivamente como eu. Seus olhos verdes agora estavam ficando vermelhos. Abracei-o da forma como podia e nós dois, juntos naquele momento, éramos duas almas quebradas em consolo mútuo, deixando que as lágrimas levassem o que a mente não conseguia processar, não ainda, mas conseguiríamos.
destruíra todo o nosso interior naquele dia, ela tirara de nós nossa humanidade para consolar sua pobre alma desolada, mas ela não conseguiria nos derrubar. Ela tentara em vida, não conseguiria após morrer. Não daríamos a ela o gosto de ter vencido. não venceria, nem mesmo em morte.
Mais do que nunca, vi-me empenhada em cuidar de , em dar a volta por cima. Eu, mais do que suficiente, sou forte. Pessoas fortes sobrevivem, pessoas ainda mais fortes voltam a viver, e eu voltaria. Viveria a vida que tanto se empenhou para tirar, e viveria o mais plenamente possível. Eu nunca fantasiei sobre um mundo sem , mas agora que ela havia ido, eu finalmente estava em paz, mas jamais diria seu nome novamente, ela é uma peça que meu passado fez questão de enterrar, mas ela é meu símbolo de renascimento, minha sobrevivência. e eu sobrevivemos ao nosso próprio apocalipse, éramos vitoriosos, e ganharíamos a nossa medalha.
Epílogo
Um ano e meio depois
- Você realmente acha que esse vestido é bonito? - Encarei-me no espelho e sorri ao imaginar segurando-me em seus braços enquanto dançamos.
- Eu acho que, se ele não se apaixonar ainda mais, não é o homem certo para você. - Astrid comentou com um sorriso emocionado. Mamãe concordou e limpou os olhos.
- Minha filha vai se casar. Eu preciso de um tempo para lidar com tudo isso. - Ela balbuciou algumas desculpas e foi até a vendedora pedir mais um copo d’água. Sorri largamente ao me encarar no espelho. Meu ombro estava melhorando, eu já conseguia movimentar quase totalmente meu braço, isso era ótimo.
E sim, eu estou prestes a casar. Mais precisamente, a cinco meses de me casar com .
Depois que ele saiu do hospital, ficamos afastados por três meses. Respeitei o tempo dele, a forma como ele precisava lidar com a morte de e como havia sofrido nas mãos dela. O processo de entendimento sobre a tentativa de estupro também foi algo pesado demais para segurar, e eu entendia que estar perto dele, significava estar perto de e de tudo o que aconteceu. Por mais que doesse, eu me afastei.
Três meses depois da tarde fatídica, apareceu na porta de minha casa e me abraçou. Choramos, rimos e no final, acabamos criando um vínculo tão imenso e forte como não havíamos tido antes. Lembro-me de nunca estar tão apaixonada como naquela noite. Talvez tenha sido uma das melhores da minha vida.
Há cinco meses, me pediu em casamento na melhor cantina italiana de NY. Lembro-me de ter gritado em espanhol por três minutos consecutivos enquanto beijava suas bochechas novamente gordinhas. Pulei em seu colo e agarrei-me ali como um filhote de preguiça.
Quanto à , a perdoei por tudo. Não vale a pena sentir rancor e remorso de alguém que nem mesmo vivo está. Visitei seu túmulo há três semanas e orei por ela. Orei por sua alma triste e amargurada. Orei para que tudo aquilo não fosse um fantasma em minha vida e orei para que minha família não fosse destruída pela sombra de . Acima de tudo, pedi intensamente para que o perdão guiasse a minha vida, porque perdoar a minha nêmeses foi a maior libertação que já tive em toda a minha existência.
- Você realmente acha que esse vestido é bonito? - Encarei-me no espelho e sorri ao imaginar segurando-me em seus braços enquanto dançamos.
- Eu acho que, se ele não se apaixonar ainda mais, não é o homem certo para você. - Astrid comentou com um sorriso emocionado. Mamãe concordou e limpou os olhos.
- Minha filha vai se casar. Eu preciso de um tempo para lidar com tudo isso. - Ela balbuciou algumas desculpas e foi até a vendedora pedir mais um copo d’água. Sorri largamente ao me encarar no espelho. Meu ombro estava melhorando, eu já conseguia movimentar quase totalmente meu braço, isso era ótimo.
E sim, eu estou prestes a casar. Mais precisamente, a cinco meses de me casar com .
Depois que ele saiu do hospital, ficamos afastados por três meses. Respeitei o tempo dele, a forma como ele precisava lidar com a morte de e como havia sofrido nas mãos dela. O processo de entendimento sobre a tentativa de estupro também foi algo pesado demais para segurar, e eu entendia que estar perto dele, significava estar perto de e de tudo o que aconteceu. Por mais que doesse, eu me afastei.
Três meses depois da tarde fatídica, apareceu na porta de minha casa e me abraçou. Choramos, rimos e no final, acabamos criando um vínculo tão imenso e forte como não havíamos tido antes. Lembro-me de nunca estar tão apaixonada como naquela noite. Talvez tenha sido uma das melhores da minha vida.
Há cinco meses, me pediu em casamento na melhor cantina italiana de NY. Lembro-me de ter gritado em espanhol por três minutos consecutivos enquanto beijava suas bochechas novamente gordinhas. Pulei em seu colo e agarrei-me ali como um filhote de preguiça.
Quanto à , a perdoei por tudo. Não vale a pena sentir rancor e remorso de alguém que nem mesmo vivo está. Visitei seu túmulo há três semanas e orei por ela. Orei por sua alma triste e amargurada. Orei para que tudo aquilo não fosse um fantasma em minha vida e orei para que minha família não fosse destruída pela sombra de . Acima de tudo, pedi intensamente para que o perdão guiasse a minha vida, porque perdoar a minha nêmeses foi a maior libertação que já tive em toda a minha existência.
Fim.
Nota da autora: Olá novamente! Obrigada por terem lido até aqui, pessoal. Espero que tenham gostado! Sobre a ficstape, que plot twist, huh? Quem diria que ‘Fancy’ das Destiny’s Child daria um conteúdo tão dark hahaha.
Se quiserem ler outras histórias minhas, fiquem à vontade. Garanto que plot twists são questões bem comuns em minhas histórias rsrs.
Fiquem com Deus, guapas, e até mais ;)
Nota da beta: QUE HISTÓRIA DO CARALHO, ANA! MEU DEUS, que delícia ler essa história! Ela te deixa empolgada do começo ao fim! Adorei, simplesmente adorei! Muito boa e vou exaltá-la para sempre! <3 Adorei mesmo, meus parabéns, além da sua escrita que é bem simples e envolvente!
PS: o primeiro capítulo eu achei muito parecido com a música Before He Cheats da Carrie Underwood, conhece?
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Se quiserem ler outras histórias minhas, fiquem à vontade. Garanto que plot twists são questões bem comuns em minhas histórias rsrs.
Fiquem com Deus, guapas, e até mais ;)
PS: o primeiro capítulo eu achei muito parecido com a música Before He Cheats da Carrie Underwood, conhece?
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.