Prólogo
Eu estava nas alturas - literalmente. Tê-lo tão perto de mim fazia com que meu coração saltasse, acelerando os meus batimentos cardíacos de uma forma que eu tinha certeza não ser nada saudável. Eu sentia o seu toque firme e seu sorriso sincero a cada pequena turbulência que enfrentávamos pelo caminho, o que quase me fazia esquecer do meu medo irracional de voar. Ali, naquele avião, ele era o meu porto seguro. E talvez, só talvez, ele também o fosse em terra firme.
Capítulo Único
Eu odiava Nova Iorque. Detestava o excesso de pessoas em todos os lugares, o preço hiperinflacionado de qualquer produto, o clima estranho e instável e, principalmente, o trânsito caótico. Fazia exatamente 27 minutos que eu estava parada no congestionamento, sem avançar um quarteirão sequer, e não me parecia que a situação iria mudar tão cedo.
Suspirei alto e pude ver o motorista olhar para o banco de trás pelo retrovisor do carro com um olhar suplicante, como se pedisse desculpas pelo inconveniente. Sorri o mais simpática que consegui, não era sua culpa afinal. Chequei o horário na tela do meu celular e o desbloqueei com o intuito de ligar para o meu agente, Phillip. Pelo ritmo que as coisas estavam eu iria definitivamente perder a hora de embarque para Los Angeles e precisava de uma alternativa, já que passar a noite na cidade que nunca dorme não era uma opção. No dia seguinte eu teria uma gravação de um comercial qualquer em Santa Monica, e queria estar descansada das seis horas de voo que estavam por vir.
A ligação durou menos de 5 minutos e Phillip ficou responsável por resolver essa bagunça. Os meus planos de aproveitar a noite de Los Angeles ainda hoje estavam definitivamente cancelados. Suspirei de novo e, quase como uma resposta à minha lamentação, o carro começou a se movimentar. Decidi não comemorar para que a minha sorte não fosse para o ralo, mas não achei ruim quando o motorista virou à esquerda em uma rua sem trânsito nenhum, cortando caminho. Ao invés de trafegarmos pelas grandes – e congestionadas – avenidas, o carro foi seguindo por vias alternativas, como se corresse contra o relógio.
Chequei o horário novamente, fiz uns cálculos mentais do tempo de deslocamento até o aeroporto e concluí que, se continuássemos andando no ritmo em que estávamos, eu conseguiria pegar o voo faltando exatos 15 minutos para a decolagem. Eu não precisaria passar por quase nenhuma checagem de segurança, mas, caso fosse necessário, poderia entrar nas filas especiais e terminar com a chateação em apenas alguns minutos. Ser famoso tinha as suas vantagens.
Desci do carro o mais rápido que consegui com um enorme sorriso no rosto. 18 minutos para a decolagem, aquele motorista era um anjo. Agradeci pelo o que me pareceu à décima vez e finalmente caminhei em direção à entrada da sala de embarque. Passei por todos os procedimentos necessários em menos de 5 minutos e, quando vi, já seguia o meu caminho rumo à aeronave.
Só percebi o quão nervosa estava quando respirei fundo antes de efetivamente adentrar o avião. A verdade é que por mais que eu viajasse com bastante frequência, eu ainda tinha pânico de voar. A sensação de estar totalmente entregue ao destino naquele objeto monstruoso a milhares de quilômetros de altura, sem nenhuma saída de emergência, me aterrorizava. Balancei a cabeça rapidamente para tirar esses pensamentos da mente e fui em direção ao meu lugar.
Sentei na minha grande cadeira após colocar a bolsa no bagageiro e olhei ao redor. Poucos assentos estavam ocupados na classe executiva, que já não era muito grande por ser um voo doméstico. Além de mim, havia apenas uma senhora de uns 60 anos duas fileiras na minha frente e um casal atrás de mim, mas do outro lado do corredor. Eles não expressaram nenhuma emoção quando entrei no avião, então presumi que não deveriam saber quem eu era. Melhor assim. Os comissários de bordo, por outro lado, me lançavam olhares periódicos e pareciam um pouco ansiosos, sorri para duas aeromoças que me encaravam e vi suas bochechas ruborizarem. Deixei pra lá e decidi que quando aterrissássemos em Los Angeles eu tiraria uma foto com eles para agradecer, como era de bom tom.
Fechei os olhos e liguei a música no meu celular enquanto colocava o fone nos ouvidos. Já o havia desligado de qualquer conexão, então ouvir música como um calmante natural era tudo o que me sobrava. O nervosismo começou a passar gradativamente, e eu sabia que estávamos quase prontos para que as portas do avião se fechassem e para que iniciássemos o procedimento de decolagem.
Sentia-me quase bem quando meu coração deu um pulo inesperado. Os batimentos disparam como loucos e minhas mãos começaram a suar quase instantaneamente. Abri os olhos assustada para descobrir a razão daquela reação repentina e entendi nos momentos em que coloquei os olhos no passageiro que estava se acomodando na primeira fileira da aeronave.
Os cabelos castanhos bem penteados para trás e a jaqueta preta surrada não deixavam dúvidas que, de fato, eu estava em uma enrascada.
, meu primeiro namorado e primeiro amor, vocalista da banda mais famosa do momento e queridinho das adolescentes americanas, o cara que havia me feito mais feliz nesta vida toda, mas que havia deixado meu coração em pedacinhos quando foi embora, estava na minha frente.
Ele não pareceu ter me notado até o momento, mas, por mais que isso me incomodasse um pouquinho lá no fundo, eu sabia que a sua cabeça deveria estar a mil pelo o seu quase atraso. Tão típico dele. E tão parecido comigo.
Diferentemente da reação à minha chegada, os comissários de bordo pareciam irritados com por ter chegado em cima da hora. Eles correram para fechar as portas, como se estas só tivessem permanecido abertas para o recém-chegado, e iniciaram o ritual para que pudéssemos partir. Vi no televisor à minha frente à previsão de duração do voo e suspirei. Seriam 6 longas horas.
Eu estava tensa, minhas costas estavam eretas e meu olhar permanecia vidrado na parte da frente da cabine. Eu poderia culpar o meu medo de avião por estar assim, poderia dizer que odiava a subida da aeronave em direção às nuvens e que tudo o que mais queria era voltar ao chão, mas a verdade é que o pânico de agora tinha outra origem.
Muito embora estivesse algumas fileiras na minha frente, eu assistia a todos os seus movimentos, quase hipnotizada. Ele parecia relaxado enquanto olhava a vista pela janela, sem nem mesmo reparar no que tinha ao seu redor.
Dei um pulo na cadeira quando ouvi o sinal que anunciava que já era permitido desabotoar o cinto por estar tão perdida nos meus próprios pensamentos. Não me movi nenhum centímetro, mas um alerta disparou na minha cabeça quando percebi que o garoto, cuja existência ocupava toda a minha mente, estava levantando. Certamente ele iria ao banheiro ou pegaria algo em sua mala. Eu torcia secretamente pela segunda opção. Quando, porém, ele chegou ao corredor e não olhou para cima, me desesperei. Agarrei a primeira revista que consegui e virei o rosto para o lado contrário ao de onde ele passaria, cobrindo-o com o que identifiquei ser a Vogue do mês.
Respirei fundo e continuei nessa posição até achar que estava segura para olhar para o lado. O corredor estava vazio e ele não estava em lugar nenhum que pudesse observá-lo. Decidi que iria repetir a estratégia assim que escutasse a porta do banheiro abrir.
Pela primeira vez naquele voo, arrisquei olhar pela janela e, só de ver a cidade minúscula lá embaixo, um calafrio subiu pelas minhas costas. O dia estava lindo, mas nem isso era suficiente para me deixar relaxada de forma a aproveitar a viagem. Devo ter ficado tempo suficiente perdida em meus pensamentos porque, quando virei para o corredor com o intuito de checar se a luzinha que indicava que o banheiro estava ocupado, continuava acessa, dei de cara com .
Ótimo.
Ele estava com um meio sorriso no rosto e com os braços cruzados, enquanto apoiava o seu corpo na poltrona de trás. Senti todo o sangue de meu rosto descer para o resto do meu corpo e, pela sua expressão, percebi que minha cara de susto deveria estar evidente. Nenhum de nós se arriscou a falar nada no primeiro momento, então engoli em seco e sustentei o olhar do meu ex-namorado até o momento em que ele decidiu se pronunciar.
- Você está me evitando, ? – Ele perguntou tentando esconder um meio sorriso.
Bufei e rolei meus olhos antes de responder seca.
- Não seja idiota, você sabe que odeio aviões e que nunca consigo relaxar enquanto esse negócio não pousar.
arqueou a sobrancelha de forma divertida e descruzou os braços antes de prosseguir.
- Então o fato de você ter coberto o seu rosto com uma revista quando me levantei foi só coincidência? – Senti minhas bochechas queimarem e virei o rosto rapidamente para a janela para disfarçar. Ele certamente percebeu, mas, por algum motivo, não mencionou nada. – Não sabia que ainda tinha medo de aviões, pensei que já teria se acostumado agora ou que, pelo menos, não fosse mais tão aterrorizante assim.
Dei de ombros e suspirei. Eu bem que queria ter me acostumado com isso tudo, mas, mesmo com anos de terapia, ainda ficava paralisada de medo enquanto estava nas alturas. Entortei a boca e mordi o lábio. Vi que o garoto já havia entendido minha resposta com a demora pra responder e meu subconsciente gritava para que eu simplesmente não dissesse mais nada para que ele fosse embora. No entanto, ao contrário do que o que a minha razão dizia, eu simplesmente disparei a falar.
- Ainda não, continua a mesma coisa de antes. Eu me sinto impotente o tempo inteiro enquanto estou aqui em cima e só consigo pensar em coisas ruins. Já tentei de tudo para melhorar esse medo bobo, mas simplesmente não consigo. É realmente uma porcaria.
me encarou por alguns segundos antes de direcionar o seu olhar para a frente da cabine, procurando uma aeromoça. Quando a encontrou, fez sinal para que ela se aproximasse, a jovem parecia estar à beira de um ataque de nervos quando chegou à nossa frente, falando quase num sussurro:
- Olá, senhor, vocês estão precisando de alguma coisa? – Perguntou sorridente, mas vi que suas mãos tremiam um pouco.
- Você poderia nos trazer água, por favor? A aqui não é muito fã de aviões e eu estou com sede, para ser sincero. – Ele sorriu encorajando a mulher a ir atrás dos seus pedidos e simplesmente sentou-se ao meu lado sem nem ao menos pedir licença.
- O que você está fazendo, ? Você não pode ficar aqui, o lugar é marcado e você sabe como eles são chatos com isso de ficar mudando de cadeiras e tal. - Reclamei um pouco rápido demais, mas não poderia ajudar. Eu não havia inventado esse problema das cadeiras, mas talvez não fosse algo com o que se preocupar naquele momento uma vez que havia lugares de sobra, mas a verdade é que eu estava em pânico e o queria longe dali. – Volta lá pro seu lugar, vai. Eu vou tentar dormir para ver se me acalmo.
- Relaxa, , não vai dar nada. Quer ver? – Ele respondeu sorrindo de lado quando a aeromoça se aproximou. – Obrigada, Cindy. É o seu nome, certo? - A menina assentiu animadamente e eu rolei os olhos achando graça de ela ficar eufórica com o fato dele ter lido o seu nome no crachá. – Ótimo. Eu queria saber se, por acaso, eu poderia ficar aqui sentado? Como te disse antes, a não gosta de voar e eu e ela somos amigos de longa data e temos assuntos para colocar em dia. Achei que como têm bastantes lugares vagos por aqui...
- Claro, senhor. Não há nenhum problema, imagina! Fique aqui o tempo que quiser, e se precisarem de alguma coisa é só chamar que estaremos à disposição.
sorriu para a menina, que saiu correndo dali e eu não pude segurar uma risada.
- Você é ridículo. A menina estava quase tendo um ataque cardíaco, você poderia ter pedido para ela para transar no banheiro que ela teria aberto a porta para você. – Eu disse e gargalhou.
- Quer tentar? – O garoto perguntou sapeca.
- O quê? – Respondi ainda incerta sobre o que ele queria dizer.
- Pedir para transarmos no banheiro. – disse óbvio, levantando a sobrancelha.
Arregalei meus olhos e engasguei com a água. O menino deu uns tapinhas nas minhas costas para me ajudar a respirar, mas estava claramente achando graça da minha reação.
- Eu estava só brincando, . Não vou pedir pra ela abrir a porta pra gente, gosto de ser discreto. – Ele disse brincalhão, ameaçando levantar-se da cadeira.
- , cala a boca. – Respondi rindo e arregalei a sobrancelhas como se o perguntasse se iria sentar de novo ou não. - Eu não estava falando de nós dois, por favor. Eu só fiz uma constatação inocente.
- Eu sei, mas eu bem que queria saber se ela realmente me deixaria fazer isso em pleno voo. – O garoto rebateu com uma feição pensativa. Arqueei a sobrancelha e permaneci quieta, esperando-o continuar. – Não estou brincando, queria mesmo saber se ela sucumbiria à minha vontade assim tão rápido.
- Para de ser trouxa, . – Dei uma risadinha baixa, desviando o olhar de seu rosto e olhando para a aeromoça, que ainda dava espiada em nós de tempos em tempos. – Mas, se estamos falando sério, eu acho que ela realmente deixaria.
- Eu também acho.
Nós dois gargalhamos e eu o observei beber a água toda de uma vez. Meu copo já estava vazio também, mas, de alguma forma, eu havia esquecido a razão pela qual eu tinha-o em mãos. Típico. Como nos velhos tempos, todas as vezes em que estava próximo a mim, meus problemas se esparramavam pelo chão, como se fossem insignificantes.
Balancei minha cabeça como se pudesse afastar esses pensamentos e me virei simpática para o garoto ao meu lado antes de me manifestar.
- Ok, de verdade agora, eu quero dormir. Volte para o seu lugar, vai. - abriu a boca em sinal de indignação e negou veementemente com a cabeça, como se rejeitasse a minha fala.
- Dormir? Às três horas da tarde? Não, você não vai. Eu estava falando sério com a Cindy, temos muito papo para colocar em dia. Além do mais, o voo é longo e eu não tenho absolutamente nada pra fazer no meu lugar, então não, obrigada, vou ficar por aqui.
Rolei os olhos com o drama exagerado e desisti de responder alguma coisa negativa. Eu o conhecia o suficiente para saber que, se era o que ele queria, ficaria ali ao meu lado durante o voo todo, mesmo contra a minha vontade. Além do mais, a verdade é que eu sentia falta de conversar com ele e sentia como se talvez ele pudesse me distrair enquanto permanecíamos voando. Caso o garoto se retirasse, havia uma grande chance do meu pânico se manifestar mais forte do que nunca. Deixá-lo ficar era, então, o mesmo que matar dois pássaros com uma só pedra, e eu estaria ganhando duas vezes.
- Tudo bem então, eu desisto. Mas fique sabendo que, se vou ficar acordada, você vai aguentar caso eu tenha uma crise de pânico e precise respirar fundo nessa geringonça. – Disse brincando antes de piscar o olho para ele.
- Combinado, eu posso lidar com isso. Só não me faça pagar muito mico por que senão serei obrigado a fingir que estou dormindo.
- Não posso prometer nada. – Falei com um sorriso discreto. gargalhou e fingiu que estava levantando de sua cadeira de novo. – Ei, aonde você vai? Pode voltar aqui, querido. Você diz que vai ficar do meu lado, mas cai fora na primeira dificuldadezinha? Eu nem comecei a chorar ainda! Não, senhor, pode sentar de novo.
Coloquei a minha mão direita em seu braço e o puxei para baixo. O nosso contato físico não durou nem mesmo 5 segundos, mas foi mais do que o suficiente para que o meu estômago embrulhasse e que um calafrio subisse na minha espinha. Eu havia sentido falta dessa sensação. Tentei não esboçar nenhuma reação externa com relação a isso – afinal, só havia sido um toque completamente inocente -, mas tinha certeza de que eu deveria estar um pouco corada. não pareceu notar e soltou uma gargalhada quando despencou no banco ao meu lado.
- Ok, ok, já que você insiste, eu fico. – Ele parou de sorrir e fechou um pouco a expressão enquanto direcionava o seu olhar bem dentro dos meus olhos. – Como você está? Faz um bom tempo desde a última vez que nos falamos.
Suspirei e sorri de lado. Fazia séculos que o garoto e eu não conversávamos a sós e sobre nossas vidas, mas eu me sentia segura e acolhida me abrindo com ele, mesmo depois de tantos anos, como se nada tivesse mudado.
- Estou bem, hoje. Acho que finalmente consegui colocar a minha cabeça um pouco no lugar e me achei. As coisas vão bem, tudo vai seguindo. – Respondi e logo abri um sorriso. Nos últimos tempos tudo estava mais tranquilo, eu continuava tendo grande sucesso na carreira solo musical e, muito embora tivesse enfrentado tempos difíceis antes, minha vida pessoal estava estável. - E você, como está?
- Honestamente? Já estive melhor. – Ele fez uma careta engraçada e eu arqueei a sobrancelha. – Quero dizer, profissionalmente as coisas estão ótimas, a banda vai bem e tenho produzido bastante. Mas, pessoalmente tenho estado um pouco perdido. E, se estamos sendo sinceros por aqui, não sei o que estou fazendo.
Sua voz havia soado fraca na última frase, quase como se fosse um segredo que estivesse escondendo dos outros. Mas não de mim. Um arrepio passou pelo meu corpo com a sinceridade da confissão e pela confiança que o garoto depositava em mim, mas, mesmo assim, fiquei em silêncio sem saber muito que dizer. Eu poderia pedir para que ele compartilhasse mais, mas achei que isto não estivesse no meu direito. Se ele quisesse continuar eu o daria espaço, mas não o forçaria a dizer nada. Decidi deixar o clima da conversa um pouco mais leve, pelo menos naquele momento, e fiz graça.
- Bom, se eu fosse você eu daria uma chance para aquelas pessoas que leem o futuro, sabe? Talvez eles possam te dar uma ajudinha sobre o seu caminho daqui pra frente. – Dei de ombros e pareceu totalmente confuso e em choque. – Talvez você só não esteja vendo os erros que vem cometendo em sua vida pessoal.
- Por favor, me diz que você está brincando e que não passou a seguir esse tipo de coisa. – Fiz uma falsa careta ofendida antes de ouvi-lo acrescentar. - Nada contra, mas não faz o seu tipo.
- Não estou brincando.
O homem ao meu lado disfarçou a surpresa e sorriu. Podia parecer um assunto bobo, mas a verdade é que eu sempre havia sido muito cética e muito controladora. Não existia nenhuma lenda no mundo que me fizesse acreditar que outro alguém estava no governo da minha vida, sempre pensei que eu era a única responsável por traçar meus próprios caminhos, e sabia disso. Ele sabia que a crença em algum possível resultado predestinado não fazia o meu tipo, mas o que ele não sabia era que, apesar de estar brincando com toda essa história de ler o futuro, eu realmente tinha passado a acreditar que talvez eu não pudesse estar sempre no comando. Tinha aprendido a abrir mão um pouquinho, a deixar as coisas fluírem no ritmo necessário, e havia entendido que, por mais que pudéssemos tentar nos afastar de determinadas situações, algumas coisas fluem como em um grande círculo vicioso, sempre nos levando de volta a certo lugar, como obra do destino.
- Poxa, , você está mesmo mudada. Nunca pensei que fosse realmente dar o braço a torcer por essa ideia de uma força maior. Surpreendente. – Torci um pouco o lábio e logo soltei uma gargalhada alta, que não passou despercebida pelos outros três ocupantes daquela parte do avião.
- Eu estava mentindo, mas você pareceu acreditar tanto nessa ideia que eu quase decidi passar a explorar esse meu lado mais místico e sobrenatural. – Rebati, ainda sorrindo e olhando-o diretamente nos olhos.
- Eu realmente acreditei. – Ele respondeu rindo e chacoalhando a cabeça. – Esse seu teatrinho é meio injusto, sabia? Eu não consigo saber quando está atuando e quando está contando verdades. Você é uma boba.
- Desculpe, não resisti. Me pareceu uma oportunidade tão boa para simplesmente deixar passar. E, convenhamos, se eu realmente acreditasse fielmente na possibilidade de alguém prever o meu futuro com precisão, eu iria simplesmente perguntar para uma profissional antes de entrar em qualquer avião se eu sairia viva. O seu trabalho por aqui seria totalmente dispensável nesse caso. – Sorri de lado e olhei pra fora da janela do avião. Um calafrio passou pelo meu corpo, mas eu não expressei nenhuma reação. estava com os olhos fixos na parte da frente da aeronave, como se estivesse refletindo sobre alguma coisa, então decidi continuar a explicar a minha não-tão-brincadeira. – Agora, de verdade, eu estava extremamente perdida até um tempo atrás, sabe? Mas as coisas começam a se ajeitar quando a hora certa chega, pode acreditar. Não estou dizendo que é por conta de alguma força mística e dominadora, acho que é mais pelo destino. O que tiver que acontecer vai acontecer, independentemente do quanto lute contra isso ou o quanto evite. Agora você pode estar se sentindo uma bagunça, mas logo mais você acha o seu caminho.
virou o seu rosto para mim enquanto eu falava e sorriu. Acompanhei seu sorriso e, em um momento de coragem repentina, segurei em sua mão direita que estava pousada na cadeira ao meu lado. Sua feição, antes confusa, suavizou e me transmitiu uma calma que há muito eu não sentia. Parecia que a conexão dos nossos olhares em conjunção com o toque de nossa pele criava uma bolha de intimidade, deixando o ambiente todo insignificante. O garoto engoliu em seco, suspirou, e finalmente falou, com a voz mais rouca do que minutos antes.
- Acho que o destino sempre quis que nos encontrássemos.
- Talvez, ou talvez tenhamos sido um acidente de percurso. – Respondi sincera e encarei o seu rosto por tempo, definitivamente, maior do que o adequado. Parei para admirar seus cabelos, sua testa, seus grandes olhos brilhantes, sua boca e, por fim, sua mandíbula. Senti um arrepio passar pelo meu corpo inteiro e lembrei-me de quando nos conhecemos, anos atrás.
Sábado, 11 de abril de 2009. – Páscoa.
Eu odiava jantares de gala com celebridades, e odiava ainda mais o fato de estar sendo obrigada a comparecer a um evento desses bem na véspera da Páscoa, quando, na realidade, eu queria mesmo era estar com a minha família.
Levantei-me da mesa em que tinha sido acomodada – desculpando-me imediatamente com aqueles que permaneciam no lugar – e me dirigi ao enorme jardim dos fundos. A celebração estava sendo na casa de um grande produtor musical, e todos os cantores que possuíam contrato com a sua gravadora tinham sido convidados.
Procurei com os olhos algum local em que pudesse me acomodar e aproveitar a brisa fresca daquele quente mês de abril em Los Angeles. Visualizei um banco em um lugar um pouco mais afastado, perto de uma grande piscina e fui até lá, pegando no caminho uma taça da champagne que estava sendo oferecida pelos garçons.
Suspirei alto e tomei um gole da bebida que estava em minhas mãos e segundos depois senti uma presença desconhecida ao meu lado. Virei minha cabeça e o vi. Ele era absolutamente lindo, com um sorriso aberto de orelha a orelha e um charme de bad boy que contrastava enormemente com a delicadeza com a qual me abordou em seguida.
- Te incomodo se ficar por aqui? Posso ir procurar outro lugar para ficar, se preferir. – Perguntou olhando diretamente em meus olhos, como se procurasse a resposta por ali. Balancei a minha cabeça em sinal de negação e engoli em seco, ainda muito confusa para conseguir falar alguma coisa. – Obrigada. Sou , muito prazer. E pode me chamar de , me parece mais natural.
O garoto estendeu a mão direita em minha direção e eu pisquei brevemente antes de, finalmente, apertá-la com as minhas mãos geladas. Em questão de milésimos após o nosso contato físico, senti meus pelos do corpo se arrepiarem e meu coração dar uma cambalhota. Deus, eu só torcia para que ele não tivesse percebido o quanto a sua presença estava me afetando!
- Prazer, , mas todo mundo me chama de . – Soltei suas mãos após terminar a frase e sorri disfarçando o meu desconforto. – Acho que nunca havíamos nos encontrado, certo? Você também possui contrato com a gravadora?
- Definitivamente não – Respondeu rapidamente. - Eu me lembraria, caso tivesse te visto algum dia. – Senti o meu rosto queimar e abaixei o olhar para o meu colo, arrancando um sorriso de canto do menino ao meu lado. – Eu tenho uma banda de pop-rock, sou o vocalista e dois amigos meus tocam instrumentos. Acabamos de assinar com os caras do estúdio e tivemos a sorte de sermos convidados para esse jantar. Presumo que você seja cantora também, certo?
- Oh, sim! Eu canto faz um tempinho e já lancei um álbum com a gravadora. Posso dizer que sou a personificação do clichê de cantora pop, mas adoro o que faço. – Dei uma risadinha baixa e vi que ele olhava-me com atenção, como se estivesse realmente interessado no que eu estava falando. - Mas, assim como você, ainda estou caminhando nesse mundo da música, espero que dê certo.
- Vou torcer por você.
- Obrigada. – Respondi tímida. – Eu também.
- Mas o que uma cantora tão bonita faz aqui fora sozinha quando há uma festa inteira acontecendo dentro da casa? - arqueou a sobrancelha e eu dei de ombros com sua pergunta.
- Estava cansada de ficar alimentando os egos do pessoal que está lá. E, honestamente, queria aproveitar um pouco o ar livre também. Mas e você, por que está aqui?
O garoto mordeu o lábio com a minha pergunta e sorriu.
- Porque eu bati os olhos em você enquanto se retirava da mesa e me apaixonei instantaneamente, e eu não me perdoaria nunca se não viesse me apresentar.
Terça-Feira, 3 de novembro de 2009.
Eu escutei o som doce da música que saia do violão e balancei-me conforme a melodia. riu alto e eu o acompanhei, rindo também e apenas parando quando já estava perto o suficiente do garoto para abaixar-me e dar um rápido selinho em seus lábios. O menino parou imediatamente de tocar e segurou o meu rosto, aprofundando um pouco o beijo e deixando o violão cair em seu colo. Permanecemos grudados por alguns minutos, mas eu logo me afastei e sentei ao seu lado, olhando diretamente em seus olhos.
- O que foi? – Escutei a sua voz bem baixinha, como se ele não conseguisse falar mais alto depois do beijo que trocamos. Peguei em suas mãos e coloquei-as em cima do violão novamente.
- Canta pra mim. – Respondi sorrindo e com o coração batendo forte. – Quero ouvir alguma coisa especial.
arrumou o violão em seu colo e pareceu pensar por um segundo antes de finalmente se manifestar, já dedilhando o instrumento.
- Eu tenho muitas coisas especiais pra cantar, tenho muitas músicas sobre você que ninguém nem mesmo ouviu. Você é a minha musa inspiradora, . – O garoto soltou uma risadinha baixa e olhou em meus olhos, como se pudesse me escanear com aquele simples gesto. Não desviei o olhar, mas mordi meu lábio inferior com a expectativa do que estava por vir. – Mas, hoje, quero que ouça uma música que não é minha, mas que é exatamente como sinto quando você está por perto.
Respirei fundo e ouvi sua voz grave começar a entoar “Endless Love”, de Lionel Richie. Sorri automaticamente e senti meu coração dar cambalhotas e as borboletas em meu estômago fazerem a festa. Céus, eu era loucamente apaixonada por aquele homem!
Enquanto cantava, mantinha um sorriso bobo e os olhos fechados. Eu podia sentir que ele realmente queria dizer todas as palavras daquela música e, embora quisesse chorar, não queria atrapalhar a sua performance para mim. Assim, aguardei até o fim da música, quando vi o seu olhar ir automaticamente de encontro ao meu, que estava marejado.
- Eu te amo, . – O garoto falou e eu logo passei o meu braço em volta de seu pescoço e puxando-o para um beijo. Permanecemos com os lábios colados por alguns segundos, antes de me manifestar.
- Eu te amo tanto, tanto, tanto, .
Sábado, 29 de maio de 2010.
bateu as mãos com força no volante do carro, acionando a buzina com violência, e fazendo-me saltar no banco do carona por conta do susto que havia levado.
- Você está ficando louco? Quer provocar uma porcaria de um acidente? – Gritei a plenos pulmões, fazendo o garoto virar o rosto raivoso para mim. – Você é um tremendo idiota.
- , não me provoca porque eu já estou fora de mim.
- Eu não estou nem aí, querido. Aprenda a controlar a sua raiva. – Respondi debochada sem nem ao menos olhar em seus olhos. Que garoto mais mimado e idiota!
Senti o carro fazer uma curva à direita e logo vi que tinha estacionado em uma rua qualquer da cidade, desligando o carro logo em seguida.
- Ah, querida, é fácil para você dizer quando a razão pelo meu descontrole é totalmente sua, não é mesmo? – Ele me respondeu no mesmo tom debochado que eu havia usado e, quando olhei para o seu rosto, vi que estava extremamente vermelho.
- A culpa não é minha de você não aceitar que eu tenho uma vida e que eu é que decido o que quero fazer com ela! – Berrei novamente sem nem me importar se alguém de fora poderia ouvir.
- Não, você tem razão, a vida não é minha, mas a culpa é sua por me colocar de lado em toda e qualquer decisão que tem que tomar, como se eu fosse só um passatempo que você pode usar quando se sentir com vontade. – O garoto respondeu berrando tão ou mais alto que eu.
Respirei fundo e fechei os olhos frustrada. e eu estávamos tendo brigas frequentes por incompatibilidade de horários e por falta de tempo conjunto. Tanto a sua carreira quanto a minha estavam rapidamente decolando, o que acarretava em shows e compromissos nos mais diversos lugares, deixando-nos separados por dias ou até semanas. A verdade é que um relacionamento à distância não era nada se comparado com um namoro com proximidade física. Eu senti falta de seus beijos, abraços e o aconchego em dias ruins e sabia que ele também tinha saudades disso tudo.
Para mim, parecia que, a cada dia separados fisicamente, a nossa capacidade psicológica de lidar com tudo tornava-se menor e, honestamente, eu estava exausta. Estava exausta de tentar, exausta de chorar e exausta de sentir como se estivesse abrindo mão de um sonho em prol de um relacionamento sustentado em uma corda bamba. Atualmente, os poucos momentos em que estávamos juntos, eram quase que completamente dedicados a discussões originadas pela diferença de pensamento entre nós.
E nessa tarde chuvosa de sábado, o problema tinha surgido quando eu o contei que sairia em turnê pelo país na próxima semana. Não seria nada absurdamente grandioso, mas eu cantaria como ato de abertura dos shows de uma grande cantora pop atual, o que me garantia trabalho pelos próximos três meses. Seriam três meses viajando, três meses longe de casa e, consequentemente, longe de .
Obviamente, não pensei que ele fosse aceitar tudo com o maior sorriso do mundo, mas esperava que fosse, ao menos, ficar feliz por mim.
Eu nunca estive tão enganada em minha vida.
- Não fale como se fosse não fizesse a mesma coisa comigo, . – Cuspi as palavras para cima dele, olhando-o com a mesma raiva com a qual ele me olhava. – Você acabou de ficar um mês inteirinho na costa leste, aproveitando a vida, vivendo o sonho de rock star, e vem me passar sermão como se estivesse aqui do meu lado e eu estivesse te ignorando. Não seja hipócrita.
- Você já percebeu que só vê o seu próprio lado nessa porcaria toda? – O garoto respondeu, olhando pra frente e segurando o volante com força, como se precisasse quebrar alguma coisa por ali mesmo.
- E você, já percebeu que só vê o seu lado nessa porcaria toda? – Respondi simplesmente.
- Caralho, ! Eu fiquei um mês fora, UM MÊS, e te liguei todo santo dia pra conversar! Eu te pedi inúmeras vezes para que fosse me visitar, pra que me encontrasse por um fim de semana sequer e você nem cogitou a possibilidade de ir! Eu não estava aproveitando a vida loucamente, garota, você sabe que eu trabalhei absolutamente todos os dias em que estive na bosta do outro lado do país. E, agora que voltei, você me avisa que vai embora em uma semana e vai passar três meses longe de mim? É inacreditável.
O garoto me olhava com descrença e com um olhar assustador, como se me desafiasse a negar o que ele havia dito. E, por mais que eu quisesse, eu não podia. Não podia mentir e nem fingir que, de fato, ele havia tentado me dar atenção por todo aquele tempo e, mais ainda, que tinha me convidado pra ir com ele para o lugar em que estava ficando. Mas ao mesmo tempo, eu tinha a minha carreira e a minha vida pessoal para cuidar e não poderia simplesmente abandonar tudo e partir para o outro lado dos Estados Unidos para acompanhá-lo sem mais nem menos.
- Você sabia muito bem que eu tinha compromissos por aqui, e eu não posso correr atrás de você país afora.
- Bom, nesse caso eu também não. Você tem as suas prioridades e eu tenho as minhas. E, honestamente, me parece que elas não são mais compatíveis.
Olhei assustada para ele e senti um nó se formar em minha garganta instantaneamente. Em segundos minha visão ficou embaçada com as lágrimas que caíam em cascata dos meus olhos, sem que eu ao menos conseguisse impedir.
- O que você está querendo dizer, ? – Perguntei com a voz em um fio, quase inaudível, mas soube que ele havia escutado quando suas mãos desapertaram o volante do carro e foram de encontro à minha, antes que eu a puxasse com força.
- Nada, eu não estou querendo dizer nada. – O garoto respondeu e suspirou, olhando para baixo. Assisti a chuva fraca cair nas janelas do carro e permaneci em silêncio pelo o que me pareceram horas.
- Você acha que isso tudo é demais para nós agora? – Perguntei ainda baixo, torcendo para que ele negasse e me chamasse de louca, rezando para que dissesse que iríamos contornar aquela situação – como já havíamos feito tantas e tantas vezes – e que poderíamos suportar muito mais do que o que estávamos carregando em nossas costas. Mas, no momento em que ele terminou de falar, senti meu coração se despedaçar em milhões de pedacinhos.
- É, eu acho que sim.
- E o que você quer fazer, então? – Rebati a sua frase, querendo que ele fosse o responsável por sugerir qualquer coisa, de forma a tornar mais fácil, para mim, superar tudo aquilo. Eu estava sendo uma egoísta, eu sabia, mas, naquele momento, eu queria que a culpa de qualquer memória ruim entre nós dois fosse toda dele.
- Acho que devemos nos separar, pelo menos por um tempo. – Olhei para o seu rosto pela primeira vez em alguns minutos e vi que ele também estava chorando. Céus, como é que alguma coisa tão dolorida para todas as partes envolvidas pode parecer a melhor solução para os problemas?
- Certo. – Respondi rapidamente, já que era a única coisa que eu conseguia falar sem simplesmente desabar. – Por favor, me deixa em casa.
Ele acenou afirmativamente, respirou fundo e voltou a andar com o carro. O caminho me pareceu durar horas e eu fui o trajeto inteiro sentindo as lágrimas descerem pela minha bochecha. Pude ouvir fungadas vindas de de tempos em tempos, mas não me atrevi a olhar para ele mais uma vez. Eu só queria chegar em casa, deitar em minha cama e chorar pelos próximos anos.
Quando o carro chegou na frente da minha garagem, o garoto pegou o controle remoto do portão, que estava em seu porta-luvas, e abriu a porta, entregando-me o objeto logo depois. Aquele gesto apenas me fez soluçar mais alto, já que me pareceu que ele estava, de fato, distanciando-se de mim. Era como se significasse que ele estava abrindo mão de mim, devolvendo-me, junto com a chave, o meu coração, que era dele até o momento.
Logo que o carro parou, eu abri a porta e me pus de pé, já do lado de fora. Ainda chovia, mas eu não me importava. Na verdade, naquele momento nada mais me importava.
- Obrigada, por isso e por todo o resto. – Falei olhando para dentro do carro e pude ver o garoto desabotoar o cinto de segurança e pular para o banco do carona, ficando mais próximo de mim. – Eu te desejo toda a sorte do mundo.
- ... eu espero que seja muito feliz. Se você precisar de qualquer coisa em qualquer momento da sua vida, é só me chamar. – Acenei afirmativamente com a cabeça e decidi deixar o orgulho de lado, abaixando-me e indo em sua direção para abraçá-lo o mais forte que consegui. O garoto colocou o rosto em meus cabelos molhados e os cheirou, eu só conseguia pensar que não queria que ele me soltasse nunca mais. – Eu vou sentir sua falta todos os dias, todas as horas. Eu te amo com tudo em mim.
- Eu também, . – Respondi já me distanciando dele, antes de sentir sua mão grudar os nossos lábios gentilmente, antes de darmos um último beijo. Um beijo de adeus. – Mas agora você precisa me deixar ir, porque eu não consigo fazer isso por nós dois.
O garoto acenou afirmativamente e me soltou, voltando ao banco do motorista. Fechei a porta do seu carro e dei um passo para trás, acionando novamente a porta da garagem para que ela abrisse e deixasse o caminho livre para ele sair. arrancou com o carro sem nem ao menos olhar para trás e desapareceu da minha vista. Ele tinha partido. Meu coração estava em cacos. E eu só pensava no quanto eu ainda o queria ali.
Fui arrancada dos meus devaneios ao ser chacoalhada de um lado para o outro por conta de uma turbulência repentina. Meu coração, que já estava acelerado pelas lembranças, pareceu vir à minha boca e, sem nem ao menos raciocinar, segurei a mão do garoto com a maior força que consegui e fechei os olhos. O aviso de afivelar os cintos, que havia sido desligado já há um tempo, foi novamente acionado pelo piloto, fazendo-me resmungar baixinho pelo o que estava por vir.
Procurei com os olhos os comissários de bordo – olhar para eles sorridentes e à vontade na aeronave me deixava um pouquinho menos em pânico -, mas quando os encontrei, pude apenas ver Cindy sentar e a afivelar o cinto em sua cadeira enquanto sua colega de trabalho pegava no telefone e dava início a um anúncio da tripulação.
- Senhoras e senhores, estamos passando por uma área de instabilidade no momento, então pedimos que afivelem os cintos e permaneçam em seus devidos lugares, até segunda ordem, para garantir a segurança e evitar acidentes. A situação está completamente controlada e estamos em contato com as torres de comando e com os aviões que realizam a mesma rota. Agradecemos a atenção.
Fechei a janela do meu lado e olhei para o garoto com uma cara que, eu poderia jurar, seria engraçada não fosse o meu desespero. Ele sorriu carinhoso e passou a fazer um carinho na minha mão com seu dedão, claramente tentando me passar confiança. Engoli em seco e respirei fundo tentando me acalmar e evitar protagonizar qualquer tipo de cena.
- Ei, calma, . – falou delicado e ainda sorrindo. – Você mesma ouviu o que a aeromoça disse agora, não tem nenhum tipo de perigo, provavelmente só estamos passando em uma área com muito vento ou algo assim, nada demais. Essa geringonça aqui é indestrutível, pode ter certeza.
Assenti devagar e soltei a minha mão da dele, passando-a pela minha calça para limpar o suor que se acumulava no local. Eu tremia involuntariamente e sentia meu estômago afundar todas as vezes em que o avião despencava alguns metros pela turbulência. Passei o olho pelo resto da cabine e vi que apenas eu parecia nervosa naquele momento, então forcei o meu cérebro a tentar entender que não havia, de fato, nada a temer.
- Sim, eu sei, eu sei. Esse discurso é muito bom e verdadeiro, mas não faz muito sentido na minha cabeça quando estamos balançando a quase 11.000 metros de altura. – Respondi ainda insegura e o ouvi soltar uma risadinha baixa perto de mim. Olhei para ele incrédula e fingindo estar brava. – Você está rindo de mim, ?
- Sim, não... Talvez. – Ele falou mordendo o lábio inferior na tentativa de esconder um sorriso. – Não é bem rindo de você, mas sim de como você tem medo de avião, mas não liga de ir naquelas tirolesas enormes e fazer arvorismo a centenas de metros de altura. Aquilo lá é muito menos seguro que isso aqui.
Dei uma risadinha baixa, realmente achando graça da minha incoerência, mas, ainda incapaz de deixar o orgulho completamente de lado e dar o braço a torcer de forma a admitir que os meus motivos pra gostar ou não de cada uma dessas coisas talvez fossem incompatíveis.
- É, bom, de certa forma você tem razão, mas o negócio pra mim é que aqui eu não tenho controle de nada. Se o piloto decidir dormir e largar o controle do avião, eu estarei ferrada e totalmente nas mãos dele, agora no arvorismo, tirolesa, eu só caio se eu mesma for idiota, e mesmo assim estarei muito mais perto do chão.
- Mas não importa, caiu lá, morreu. Aqui a gente ainda pode pousar de um jeito divertido e vai ter histórias pra contar. – O menino fez graça e eu bufei e cruzei os braços, fazendo birra só porque eu sabia que isso iria sensibilizá-lo. – Ah, bonitinha, eu estou só brincando com você, e tentando te distrair. Não vai acontecer nada ruim aqui e nem em nenhum desses brinquedos que você gosta de ir. Eu entendo e respeito o seu medo.
terminou de falar e se inclinou para mim, beijando-me rapidamente na bochecha e se afastando logo em seguida. Fiquei estática por um momento, tentando assimilar o que tinha acontecido, e olhei para ele um pouco confusa, como se pedisse explicações. Quase como se pudesse ler meus pensamentos, ou a minha linguagem corporal, o menino soltou uma gargalhada e começou a falar.
- Foi só um beijo de desculpas, , nada demais! – Ele se inclinou novamente para perto de mim e sussurrou, deixando-me extremamente corada. - Nós já fizemos muito mais do que isso, sabe? Um beijinho no rosto não deveria nem ser considerado alguma coisa entre você e eu.
- , cala a boca! – Reclamei falsamente ofendida e dei um tapa em seu braço, rindo um pouco do eu ele tinha acabado de falar. – Eu só fiquei um pouco em choque da razão pela qual fez isso, e não pelo beijo em si. Mas agora que disse que foi um beijo de desculpas já entendi, e você está desculpado.
Ele abriu um grande sorriso e eu o segui fazendo o mesmo gesto. O avião tremeu um pouquinho e eu rapidamente tirei o sorriso do rosto e agarrei a cadeira da forma que consegui. Quase como se quisesse me mostrar que estava lá por mim, gentilmente retirou a minha mão do braço da cadeira e entrelaçou-a nas dele de novo.
Senti meu coração dar um pulo com a sua demonstração de proteção e o meu medo pareceu diminuir consideravelmente. Fiquei quieta por um tempo apenas normalizando a respiração – que tinha disparado com o susto da turbulência –, mas logo decidi me manifestar para que a melodia da voz de preenchesse todos os meus pensamentos e levasse o pânico embora de vez.
- Vamos falar de alguma outra coisa, por favor, para que minha cabeça vá para outro lugar. – Pedi ao garoto, que prontamente assentiu com a cabeça.
- Certo, começa me contando então o que você fez nos últimos 2 anos em que não nos vimos, ou será que foram 3? – Ele fez uma careta pela última parte e eu sorri com a sua confusão.
- Foram 2 anos e pouquinho, , quase três. A última vez que nos encontramos foi no VMA de 2015, em agosto. Eu lembro que nos cumprimentamos nos bastidores e você performou um pouco depois que apresentei algum prêmio. – Respondi e o vi pensando um pouco até sua feição passar para uma de quem havia finalmente entendido alguma coisa.
- Ah sim, lembro bem desse dia! Você estava vestida de vermelho, certo? – Assenti rapidamente e vi um sorriso safado surgir em seu rosto. – Estava deslumbrante, se me permite dizer.
- Ah, hum, obrigada. – Falei sentindo o meu rosto queimar e mordi o lábio inferior. – Eu estava meio aérea naquele dia, me lembro. Tinha tido uma discussão um pouco antes da premiação e acabei indo sozinha.
Ele concordou com a minha fala e não perguntou nada quanto ao teor da briga, o que me fez agradecê-lo internamente uma vez que tinha sido com o meu namorado e eu não tinha a mínima vontade de compartilhar isto com ele.
- Bom, mas desde aquele dia, e até um pouco antes dele também, quando paramos de nos falar, o que é que você tem feito? Como tudo tem andado?
- Acho que no geral as coisas não mudaram muito se comparado com aquilo que você já sabe. – Falei apertando um pouco a mão dele quando senti uma turbulência um pouco mais forte sacudir o avião. O menino devolveu o aperto e novamente iniciou uma carícia no lugar. – Continuo morando naquela mesma casa em Toluka Lake e tenho a Penny como cachorrinha. Meus pais ainda moram no Kentucky, mas têm ido me visitar com muita frequência, então o nosso contato aumentou muito desde então, sabe? E continuo com o mesmo emprego, cantando por aí, não larguei a vida de artista por enquanto. – Fiz graça e vi um sorriso tímido em seus lábios.
- Você quase não mudou, então. Mas fico muito feliz de saber que tem visto bastante os seus pais, eu lembro de como você sentia muitas saudades deles. – Concordei e o vi assentir também, antes de voltar a falar. – O seu pai está melhor? Li uma notícia há algum tempo que ele tinha descoberto um câncer agressivo e que estava em tratamento.
Arqueei a sobrancelha por perceber que o garoto se interessava pela minha vida pessoal mesmo que longe de mim, mas decidi não falar nada quanto a isso e apenas respondi a sua pergunta.
- Ele está indo, sabe? Não tem como ele ficar 100%, mas acho que o tratamento tem feito ele sofrer um pouco menos. É um câncer sem cura, então só podemos aproveitar o tempo que nos resta juntos. – Suspirei e olhei para baixo. Era difícil para mim, falar daquilo com qualquer pessoa, mas tinha um carinho muito grande pelos meus pais – que era verdadeiramente recíproco – e eu achava que ele merecia saber uma vez que tinha perguntado.
- E você está bem com tudo isso? – O garoto perguntou gentilmente e eu o olhei nos olhos, encontrando uma calmaria imensa lá.
- Sim, estou bem. Passei por momentos difíceis uns anos atrás, mas agora tudo está sob controle. Acho que fazia uns bons anos que eu não me sentia tão feliz como estou agora. Como já falei, parece que tudo se encaixou em determinado momento. - concordou e sorriu e eu sorri também. Ele franziu as sobrancelhas e respirou fundo antes de finalmente me perguntar algo que parecia o estar incomodando há um tempo.
- E você está mesmo noiva, afinal? – Ele perguntou com uma aparente inocência, mas eu sabia que a pergunta não era tão inocente assim. Engasguei um pouco com o susto que levei, mas logo me recompus e o olhei assustada.
- Noiva? Como assim noiva? Eu não estou noiva de ninguém! De onde você tirou isso? – Perguntei com a voz um pouco mais aguda que o normal.
- Eu ouvi em um programa que você tinha ficado noiva do Anthony no começo desse ano. Eles disseram que você já tinha até decidido como e onde seria o casamento e que ele já tinha, inclusive, vendido à própria casa pra morar com você, foi até mostrada uma foto sua usando um anel e coisa assim. Eu acreditei que fosse verdade. – Ele respondeu olhando para mim com um pequeno sorriso nos lábios. Eu ouvia com atenção tudo o que ele dizia, mas estava honestamente chateada por ele ter acreditado que eu pudesse realmente me comprometer sem nem ao mesmo comentar algo com ele. Deus, estávamos afastados, era bem verdade, mas ele era importante o suficiente para mim para que eu pelo menos o comunicasse, de forma privada, isso!
- Não, de forma alguma. Nós não estamos noivos e eu nem tenho planos para isso também. Eu não sei por que a imprensa insiste em espalhar esse tipo de coisa sem pé nem cabeça, não sei de onde tiram isso. Anthony e eu continuamos juntos, mas apenas como namorados, nada mudou. E eu te diria se estivesse comprometida, você deveria saber. – Respondi um pouquinho incomodada. – Bom, na verdade, ele vendeu a própria casa mesmo, como você tinha dito, mas só está morando junto comigo até encontrar algum outro lugar legal para comprar. Ele está procurando, sabe? Mas até o momento não achou nada. Mas, enfim, não estamos noivos só por isso e eu realmente não sei qual anel pode ser tão bonito para parecer um anel de noivado.
riu da minha pequena brincadeira no final da fala e mordeu os lábios com a minha resposta.
- Aposto que você tem um monte de anéis maravilhosos que possam parecer de compromisso, eu mesmo lembro de ter visto alguns já. Mas, bom, se não tem, já sei o que posso te dar de aniversário esse ano. – Sorri, fiz um biquinho divertido de aprovação e assenti, como se aceitasse a oferta. – De qualquer forma, eu não ficaria surpreso se você e Anthony tivessem decidido dar um novo passo. Já são três anos juntos, não?
- É sim, um pouco mais do que isso na realidade, não sei ao certo o quanto, nós não comemoramos isso. – Falei rapidamente, sem dar muitos detalhes. – Enfim, sem noivados em vista para mim, mas e quanto a você? Alguém interessante que valha a pena comentar? – O garoto coçou a cabeça com a mão livre e entortou os lábios, eu entortei minha cabeça em resposta e esperei.
- Não, estou completamente sozinho. Namorei uma menina uns tempos atrás, mas não deu muito certo, ela era muito diferente de mim e minha mãe a odiava, o que tornava tudo mais difícil. – Ele deu de ombros como se não se importasse e eu ri.
- Ah, Dona Cheryl, sempre tão estrita com as namoradas dos filhos... – Brinquei falando de sua mãe e arranquei uma gargalhada dele. – Quem diria que iria se render aos gostos da mãe sobre as namoradas?
- Eu não posso contradizê-la, não é mesmo? Se a minha mãe não curte a garota com a qual estou ficando tenho que abrir mão, senão vou ouvir um sermão absurdo. Mas ela não é tão chata assim sempre. Ela ama você, me pergunta todas as vezes que vou lá como é que você está, mesmo comigo dizendo que não sei, reclama que está com saudades e me diz sempre que nós dois ainda vamos nos casar um dia.
Novamente senti minhas bochechas ruborizarem e abaixei a cabeça, desviando o olhar do rosto do menino ao meu lado. Quando finalmente tomei coragem para olhá-lo vi que ele também estava um pouquinho vermelho, como se dizer aquilo também estivesse o deixado sem graça.
- Eu sinto falta dela também, tenho que fazer uma visita quando ela estiver livre. – Falei simplesmente, ignorando a última frase do garoto.
- Ah, ela iria amar. Pode aparecer o dia que quiser, pode ter certeza, minha mãe vai ficar nas nuvens em te receber. Ela nunca gostou de nenhuma nora nem a metade do que gosta de você até hoje. – falou e sorriu, olhando bem em meus olhos.
- Ela é adorável e extremamente doce comigo. É quase como uma segunda mãe pra mim, uma que sempre estava por perto. Você não faz ideia do quanto saber que ela ainda tem uma grande consideração por mim me deixa feliz! – Disse animada e vi o garoto balançar a cabeça em descrença e riu baixinho antes de falar.
- Você não pode ter pensado que algum dia ela tenha sequer cogitado a possibilidade de gostar um pouquinho menos de você! Honestamente, acho que aquela mulher te adora mais do que a mim mesmo. Quando terminamos da última vez ela chorou copiosamente por semanas! – Ele me confidenciou e eu ergui as sobrancelhas surpresa.
- Coitada, ! Eu não sabia disso, senão teria ligado para me desculpar. Você deveria ter me dito!
- Não teria muito o que fazer na época, nós estávamos acabados e eu achei que qualquer contato seria mais dolorido do que deixar as coisas como estavam. – disse olhando em meus olhos, o que me fez engolir em seco. – Não tinha muito que fazer entre nós, não é mesmo? – Ele arqueou a sobrancelha como se quisesse que eu confirmasse sua pergunta e eu apenas o fiz, meneando a cabeça lentamente.
- Acho que não, acho que foi melhor assim mesmo. – Respondi e me mexi desconfortavelmente na cadeira. O avião ainda balançava, mas minha atenção estava totalmente focada na conversa e no homem ao meu lado, o que fazia com que todo o pânico fosse simplesmente deixado de lado um pouquinho.
- Você acha que teria dado certo? – perguntou-me e eu ergui a sobrancelha, confusa. – Quero dizer, nós dois. Você acha que, se tivéssemos insistido um pouco mais, nós teríamos sido felizes juntos?
Mordi o meu lábio inferior e respirei fundo. Será que teríamos dado certo? Será que nós dois teríamos conseguido passar por cima dos nossos muitos problemas para ficarmos juntos permanentemente? Onde estaríamos agora?
- Sinceramente? Eu não sei. Às vezes eu acho que nós dois estamos presos em um trem que corre em uma linha circular, o que faz com que nosso relacionamento siga sempre a mesma série de acontecimentos: nos apaixonamos, aproveitamos a companhia um do outro, brigamos e terminamos. É como se o trem fosse selado de todos os lados e não conseguíssemos jamais saltar dele para que possamos procurar uma história diferente. Parece uma maldição sem fim, algo do qual não conseguimos escapar.
- Essa comparação é um pouco estranha, tenho que admitir, mas faz um sentido assustador. – Ele disse e eu ri baixinho, ainda que por dentro estivesse um pouco triste com a constatação. Nós estávamos presos em algo fadado ao fracasso, certo? Talvez. Talvez não. – Mas, ao mesmo tempo, com essa comparação, se estamos presos em um trem que corre em uma linha circular, não tem como fugirmos um do outro porque sempre vamos voltar ao mesmo lugar, não é mesmo?
- Pensando por esse lado, sim. – Respondi sem fazer nenhuma constatação adicional.
- E se voltamos para isso, você acha que daríamos certo mais uma vez? – perguntou, novamente fazendo-me pensar naquilo. Será? Será que seríamos incapazes de sair daqueles círculos viciosos? Ou será que em determinado momento, poderíamos agir em conjunto para procurar um desvio nos trilhos malditos?
- Acho que sim. Se pudéssemos abrir mão de algumas coisas de modo a evitar uma nova sucessão daquela linha do tempo já tão conhecida, talvez fôssemos capazes de achar uma nova estação para parar o vagão. – Refleti ainda pensativa e, quando o encarei, ele me olhava com um semblante extremamente confuso. – O que eu quis dizer com essa frase é que sim, poderíamos dar certo. Mas, para isso, precisaríamos mudar algumas coisinhas pra que não acabássemos indo pro mesmo caminho de todas as outras vezes, com as brigas e desconfianças. Talvez assim, pudéssemos fazer funcionar.
- Certo, concordo com você. Só não entendo o porquê não falou isso de uma vez. O que disse sobre estação e linha do tempo e não sei mais o que me confundiu inteirinho. Por que sempre tão complicada, ? – debochou de brincadeira e eu ri baixinho.
- Eu sou uma cantora e compositora, querido. Sempre acho uma forma artística de expor aquilo que estou pensando. É um dom e é bonito, não negue. – Respondi divertida, arrancando um sorriso do garoto.
- Não nego nada, mas tenho que dizer que a primeira coisa que devemos mudar entre nós para fazer qualquer coisa funcionar é isso. Por favor, fale inglês, eu sou homem, não consigo entender essas comparações automaticamente, sou burro. – Arqueei a sobrancelha em surpresa e mudei minha feição para uma tão confusa quanto àquela que o garoto possuía alguns minutos atrás.
- Nós estamos tentando agora? – Indaguei receosa.
- Não deveríamos? – Ele perguntou aparentemente inocente.
Decidi não responder, deixando os meus olhos falarem por mim, olhando bem nos fundos da sua íris. Eu esperava de coração que ele entendesse, que fosse capaz de ler as minhas razões e os motivos para a recusa dessa quase-proposta informal.
Permanecíamos os dois quietos, envolvidos em nosso mundinho particular, sem nem mesmo dar atenção à volta. Pude ver o seu olhar passar por todos os pontos do meu rosto e se fixar em minha boca antes de, finalmente, voltar para a minha linha de visão, fazendo-me soltar a respiração que eu nem ao menos sabia estar prendendo.
O avião balançava, agora freneticamente, provavelmente enfrentando a parte mais forte da turbulência até então. Eu sentia o meu corpo ser chacoalhado de um lado para o outro, ouvi alguns gritinhos à distância, mas minha mão continuava protegidas pelas grandes mãos de , passando-me uma calmaria inigualável. E eu não podia estar ligando menos para isso no momento. A verdade é que o balançar da aeronave era só uma marolinha perto das cambalhotas e dos apertos constantes que insistiam em machucar o meu coração. Deus, fazia tanto tempo desde a última vez em que ele tentou algum tipo de aproximação a mim, que, só de ouvi-lo cogitar qualquer possibilidade quanto a isso, e saber que eu não poderia sequer pensar em aceitar, o meu mundo todo parecia entrar em colapso! Eu era tão azarada.
Engoli em seco e lutei contra minha vontade de simplesmente desviar o rosto dali e de deixar uma lágrima teimosa escapar. Respirei fundo e, depois do que me pareceram horas, ele finalmente se manifestou, com um sorriso triste escondido na lateral dos seus lábios.
- Você gosta mesmo dele, não? Acha que encontrou o cara? – Eu sabia que o garoto estava se referindo ao meu namorado e, se estivermos sendo sinceros, ele era grande parte da razão pela qual tentar com já não me parecia plausível ali. Grande parte, mas não tudo.
Dei de ombros, evitando responder aquilo tão rápido. Sim, eu gostava de Anthony, gostava de verdade, mas a situação toda era complicada. Nosso relacionamento começou de forma conturbada e, mesmo estável, tinha lá os seus altos e baixos, o que me levava a questioná-lo com certa frequência.
Tony, como eu o chamava, era um bom companheiro e um ótimo ouvinte, era engraçado, extremamente bonito aos meus olhos, sabia apreciar os pequenos pontos positivos da vida e era carinhoso como poucos. Com ele eu tinha aquele relacionamento confortável, natural e que eu sabia poder ser duradouro, se eu quisesse e pudesse ignorar os percalços do caminho. Ele me completava, era bem verdade, mas era só. Por mais difícil que pudesse ser admitir aquilo, eu poderia viver sem a sua completude, poderia achar a suficiência em mim mesma tranquilamente, poderia deixar a sua parte ir.
Eu sabia que essa era a sensação que muitos procuram em um relacionamento, mas quando já se viveu além disso, aceitar ser apenas completa me parecia ser pouco, e me parecia errado dizer que o cara certo só me proporcionava aquilo.
Em contrapartida, me transbordava. Todas as vezes que eu o tinha, sentia como se nada no mundo pudesse me fazer tão feliz. Deixá-lo ir sempre me matava um pouquinho e eu demorava pra conseguir me colocar em pé novamente. Era doentio, de certa forma, mas era, ao mesmo tempo, como a minha solução de problemas, como um remédio para o meu coração.
Isso me parecia ser o certo para a pessoa certa.
Mas eu não poderia dizer a ele.
Limitei-me então a engolir em seco novamente e morder o lábio, tentando disfarçar o nervosismo absurdo que tomou conta de mim pela pequena reflexão que a sua pergunta me levou a fazer. Céus, não poderia haver lugar e jeito pior do que aquele para pensar sobre tudo o que eu havia tentado, por anos, sufocar dentro de mim.
Eu estava nas alturas - literalmente. Tê-lo tão perto de mim fazia com que meu coração saltasse, acelerando os meus batimentos cardíacos de uma forma que eu tinha certeza não ser nada saudável. Eu sentia o seu toque firme e seu sorriso sincero a cada pequena turbulência que enfrentávamos pelo caminho, o que quase me fazia esquecer do meu medo irracional de voar. Ali, naquele avião, ele era o meu porto seguro. E talvez, só talvez, ele também o fosse em terra firme.
Mas também, talvez, só talvez, eu devesse deixar a vida seguir até que nos esbarrássemos em outro momento, até que minha resposta à sua pergunta mudasse, até que pudéssemos tentar uma outra vez.
- Sim, ele é um cara legal, gosto da sua companhia. É tudo muito leve e simples entre nós.
- E você não poderia fazer isso com ele. – disse abaixando a cabeça e desviando um pouquinho o rosto de mim.
- E eu não poderia fazer isso com ninguém. Não poderia abandoná-lo sem razão, iria destruí-lo. Só iria resultar em sofrimento para todos os lados, você sabe disso tanto como eu. – Respondi simplesmente, apertando de leve as suas mãos como em uma forma de carinho.
- Talvez um dia. – Ele falou com um meio sorriso fraco e eu o acompanhei, grata por ver o assunto sendo sutilmente encerrado.
- Quem sabe?
Depois do que me pareceu uma eternidade – que na verdade não deveria ter durado mais do que cinco minutos desde que mudamos de assunto -, o avião finalmente pareceu se estabilizar por completo e o piloto desligou o sinal de abotoar os cintos. Eu me permiti respirar mais tranquila e soltei a mão de , só então percebendo que a minha mão suava frio e eu estava tremendo. O garoto olhou para mim e sorriu, como se me encorajasse a ficar mais calma agora que o pior já tinha passado, e eu retribuí o sorriso, bocejando logo em seguida.
- Você pode se encostar nos meus ombros se quiser dormir. – Ele disse carinhoso. Assenti como se agradecesse, mas recusei.
- Não acho que devo, quase quebrei a sua mão uns minutinhos atrás, não posso abusar tanto assim. – Brinquei, disfarçando o fundinho de verdade na minha fala. Eu queria estar perto dele, mas eu não tinha tanta certeza se cair no sono respirando o seu perfume iria ser benéfico para o meu subconsciente, e eu não podia abusar da sorte. Tê-lo ali já estava bom demais.
- Ah, que nada, mas fica a seu critério. Te garanto que meu ombro faz bem o papel de travesseiro. - Dei uma risadinha baixa e apoiei a minha cabeça na parede do avião, colocando a pequena almofada que havia sido fornecida pela companhia aérea entre minha cabeça e a lataria, ficando um pouquinho mais confortável.
Não demorou mais do que cinco minutos para que eu caísse no sono – um verdadeiro recorde pessoal para o quesito “cochilo no avião” -, já que eu estava mais relaxada, nas alturas, do que jamais me lembrava ter estado. No entanto, meu subconsciente foi diretamente ao encontro com a sensação de paz que eu estava sentindo nas alturas, levando-me para os caminhos tortuosos, cheio de lembranças doloridas da montanha-russa que era o meu relacionamento com .
Domingo, 26 de fevereiro de 2012.
Eu estava curtindo mais a vida nos últimos tempos do que jamais havia curtido. Não precisava dar satisfações para ninguém, não dependia de nenhuma autorização para fazer o que quer que me desse na telha e, principalmente, era livre e completamente independente para decidir, sozinha, quem seria o próximo a ocupar a minha cama.
Terminar com fez com que minha carreira fosse alavancada rapidamente e os últimos meses tinham mudado a minha vida drasticamente. Eu já tinha um público consolidado em meus shows tanto na América quanto no resto do mundo, já ganhava “salário de gente grande” e tinha a gravadora em minhas mãos quando queria. Isso tudo havia sido fruto do meu esforço pessoal, mas, era bem verdade que ter permanecido solteira para dedicar atenção exclusiva ao estrelato tinha sido uma vantagem considerável.
Eu não falava com meu ex-namorado desde aquele dia em que ele deu meia volta com o carro e partiu da minha casa, deixando-me para trás sem nem mesmo parecendo se arrepender. Como num acordo mútuo, não frequentávamos os mesmos ambientes e nem compartilhávamos o mesmo grupo de amigos. Sempre que chegava ao meu conhecimento que estaria em determinado local eu simplesmente não aparecia, e eu acreditava que o contrário era igualmente verdade. Era como se estivéssemos evitando nos machucar e eu agradecia aos céus por isso porque a ferida que ele havia causado em meu coração mal havia cicatrizado.
Como que por sorte ou azar do destino, o jantar de comemoração dos 10 anos da gravadora, que havia sido marcado para aquele pacato domingo de 23 de fevereiro, tinha como regra implícita a presença de todos os artistas que possuíssem algum vínculo de trabalho com a companhia, como era o meu caso. E como era o caso de . Eu sabia que o garoto iria comparecer ao evento, mas torcia silenciosamente para que nossos horários se desencontrassem.
Levei um tempo um pouquinho maior do que o normal para me arrumar para a festa, não porque eu queria eventualmente causar ciúmes para se eu o encontrasse ou algo do tipo, mas sim porque queria que ele visse que eu permanecia muito bem, obrigada, sem ele.
Não demorou muito para que eu estivesse já no carro a caminho do evento, com minhas mãos tremendo e minhas costas suando, apesar de querer negar com todas as minhas forças que essas reações físicas estivessem, de fato, acontecendo. Respirei fundo antes de descer e abri o maior sorriso possível à chuva de fotógrafos que esperava na frente da porta do clube em que ocorreria a festa.
Dentro encontrei muitos conhecidos, cumprimentei alguns amigos e ignorei outros tantos, mas instantaneamente a minha visão foi atraída por um par de olhos um tanto familiar, que despertava borboletas no meu estômago e calafrios em lugares que eu nunca nem pensei existir. Engoli em seco e fui logo atrás de uma bebida de um garçom que estava passando por perto de onde eu me encontrava, engolindo tudo de uma vez só. Colei em uma amiga que estava passando pelo local, comecei um assunto qualquer e fingi estar extremamente interessada no que ela tinha a dizer por, pelo menos, os próximos trinta minutos seguintes.
não parecia ter me notado, ou, pelo menos, estava me ignorando, porque até então não havia tentado se aproximar. Eu tinha ouvido suas risadas ao longe algumas vezes, como se sobressaíssem naquele mundaréu de vozes, mas tentei ao máximo agir como se elas jamais tivessem sido percebidas por mim. Quando achei que já tinha ficado tempo o suficiente naquele lugar, comecei a me despedir de todo mundo que me interessava e caminhei em direção à saída, só para sentir meu braço sendo puxado para trás assim que meu pé esquerdo cruzou a linha da porta que separava o ambiente da festa daquele que levava ao jardim.
- Mas o que é isso? – Perguntei um pouco assustava ao meu tempo em que tentava puxar o meu braço daquelas mãos firmes.
- Desculpe se te assustei, só queria te dizer “oi” antes que fosse embora. – disse um pouco desconcertado, retirando a mão do meu braço com rapidez. – Te machuquei?
- Não, não, está tudo bem, só tomei um susto mesmo. – Falei massageando o local que o menino tinha puxado antes, mas tentando a todo custo disfarçar o ato para que ele não se sentisse culpado.
- Ótimo. Bom, então, oi. – Ele disse coçando a cabeça logo antes de sorrir.
- Oi. – Respondi um pouco seca, incerta do que falar.
- Tudo bem? Como você está? Vi que sua carreira está indo muito bem, parabéns. Como tudo tem sido? – O garoto falou um pouco rápido demais, arrancando risos de mim pela sua afobação.
- Respira, . Estou ótima, aproveitando bastante o que posso e curtindo o bom momento profissional. E você?
- Tudo ótimo também. Você já está indo? Fica mais um pouco, . – falou se aproximando um pouco para que eu pudesse ouvi-lo em meio a todo aquele barulho.
- Eu acho que não posso, realmente tenho que ir. – Respondi sorrindo de lado.
- Você tem algum compromisso amanhã?
- Sim. – Falei automaticamente, antes de dar o braço a torcer e abrir o jogo. - Não, só cansei de ficar aqui mesmo.
- Bom, nesse caso eu também. Já marquei ponto aqui e acho que posso dar no pé. Quer ir comigo para algum lugar? Podemos comer alguma coisa e conversar. – O garoto mordeu seus lábios esperando uma resposta minha, e, embora sua pose fosse a de quem estava certo com a pergunta que havia feito, seu nervosismo era percebido pela batida suave e incessante dos seus pés no chão, perto o suficiente de mim para que eu percebesse.
- Hum, certo, acho que tudo bem. Vamos comer algo porque eu estou faminta, e colocamos o papo em dia também.
sorriu abertamente e pegou nas minhas mãos como num ato natural, me guiando para uma saída lateral, longe dos paparazzi que faziam plantão por ali.
Fomos diretamente para uma hamburgueria, conversamos até sermos expulsos pelo gerente do lugar devido à hora avançada e acabamos em minha cama logo depois de termos assistido ao pôr do sol juntos, após de uma noite mágica e intensa.
Segunda-Feira, 11 de junho de 2012.
me beijou mais uma vez e deitou-se ao meu lado, puxando-me para si. Virei-me de frente tentando ficar mais perto dele e coloquei minha cabeça entre seu rosto e ombro, aconchegando-me ali e sentindo o seu aroma.
- Você vai dormir? – Escutei sua voz sonolenta me perguntar e limitei-me a responder negativamente só com um som. riu e, apesar de querer lutar contra isso pela vontade de permanecer quietinha como estava, acabei o acompanhando, rindo também. – Quer assistir algum filme?
- Não.
- Quer comer?
- Também não. – Falei com a voz arrastada e preguiçosa.
- Quer fazer o que? – O garoto me perguntou enquanto acariciava meu cabelo.
- Ficar aqui um pouquinho com você, sem me mexer, só aproveitando a folga. – Respondi manhosa, dando um beijo em seu pescoço logo em seguida.
- Ah, ... eu sei que você quer só tirar proveito de mim. – Ele brincou e eu o abracei o mais forte que pude.
- Quero mesmo, quero ficar aqui enquanto posso usar você. – Ri baixinho e olhei para o seu rosto, procurando algum sinal sobre sua opinião em ficarmos por ali. – Tudo bem para você?
- Tudo ótimo, lindinha. A única coisa é que mais tarde tenho compromisso, tudo bem?
Respirei fundo e abaixei a cabeça como se estivesse apenas pensando no que o garoto havia dito. Em circunstâncias normais, eu não teria argumento nenhum para sequer contestar o compromisso, era a vida dele, certo? Certo. Mas no meu íntimo eu sabia que esse código “compromisso” era sinônimo de encontro com alguma outra garota qualquer, caso contrário ele simplesmente falaria o que quer que fosse fazer. Suspirei e engoli o choro antes que deixasse uma lágrima idiota escapar pelos meus olhos.
- Ah, ok. Não demoro por aqui então. – Disse me desvencilhando do garoto e já me preparando para pegar a minha roupa espalhada pelo chão do quarto. Antes que eu pudesse efetivamente levantar, senti colocar a sua mão delicadamente em cima da minha, como se pedisse silenciosamente para que eu não fosse.
- Ei, , não fica assim. Nós tínhamos combinado que seríamos apenas amigos com benefícios, não é mesmo? – Acenei afirmativamente com a cabeça, muito embora permanecesse de costas para ele. - Não tem nada fixo entre a gente, não tem como cobrarmos qualquer coisa um do outro.
- Eu sei, entendi isso já. Não falei absolutamente nada. – Dei de ombros e finalmente virei-me, olhando em seus olhos e quase me perdendo na imensidão deles. – Não vou te cobrar satisfação, , faça o que quiser.
- Então volta aqui, fica mais um pouco comigo.
- Perdi a vontade, acho que vou indo pra casa. Obrigada por me receber aqui. – Falei e me inclinei para deixar um beijo em sua bochecha, levantando-me em seguida para colocar o vestido que eu usava na noite passada e o tênis, que estava largado em outro canto do cômodo.
- Nos vemos logo? – perguntou com um sorriso sapeca no rosto depois de me assistir colocar a roupa na sua frente.
- Pode ser. Nos falamos depois.
E com isso saí do quarto. não me acompanhou até a porta e nem mesmo pareceu arrependido de qualquer coisa que tenha dito mesmo que eu tenha ficado visivelmente chateada. Mas ele estava certo, não tínhamos nada rotulado, e por mais que eu amasse estar em sua companhia e me dedicasse exclusivamente, não poderia exigir dele que pensasse como eu.
Nós estávamos saindo como amigos – e mais do que isso – desde o reencontro na festa da gravadora, meses atrás. Por um lado, eu estava satisfeita com a forma como as coisas estavam se desenvolvendo, mas por outro estava me machucando por saber que se dependesse dele, ficaríamos só naquilo por um bom tempo.
Eu queria dar um basta na situação toda, mas ao deixar a casa do garoto naquele dia eu mal sabia que demoraria ainda algumas semanas para que eu tomasse coragem e tivesse forças para efetivamente fazer isso.
Quarta-Feira, 14 de agosto de 2013.
O toque incessante do meu celular continuava estridente e eu corria de um lado para o outro da minha casa tentando encontrá-lo. Já fazia cinco minutos que eu estava procurando o objeto sem obter sucesso algum, mas, quem quer que fosse que estivesse me ligando, parecia estar realmente interessado em falar comigo.
Quando a musiquinha irritante parou, respirei afobada tentando adivinhar se isso significava que a pessoa tinha desistido ou se era só uma pausa estratégica para que tudo começasse de novo. Antes que eu precisasse sequer me preocupar com a resposta, avistei o aparelho enfiado entre livros de uma estante e corri para alcançá-lo. No entanto, o susto que levei no momento em que olhei no visor o remetente das chamadas perdidas quase me fez lançar o celular ao chão e sair correndo.
.
6 chamadas perdidas.
Fazia quase um ano que não conversávamos direito e, se nesse meio tempo nos encontramos socialmente 5 vezes, foi muito. Nesses momentos éramos corteses um com o outro, claro, e já não mais evitávamos a presença alheia, mas agíamos apenas como conhecidos e nada mais. Era mais uma decisão minha, mas ele parecia ter entendido e respeitava o suficiente para nem sequer contestar.
Mas, por qualquer razão, agora ele tinha me ligado insistentemente e eu não poderia dar as costas e ignorar.
Disquei de volta o número que sabia de cor e coloquei o celular na orelha, ouvindo os toques pausados que indicavam que a ligação estava, de fato, sendo feita. Meu coração batia forte pelo medo de algo grave ter acontecido com , mas ao mesmo tempo eu sabia que, se esse fosse o caso, eu provavelmente não seria a sua primeira opção de contato.
- Alô?
- Me ligou? - Falei um pouco apressada demais, tentando esconder pelo menos um pouco do meu desespero óbvio.
- Finalmente você respondeu, lindinha. Estava com saudades. – Ouvi sua voz arrastada do outro lado da linha, seguida de uma risada alta. – Eu te liguei um milhão de vezes e ninguém atendeu, achei até que estava ocupada, se é que me entende.
- Eu tinha perdido meu telefone, mas isso não vem ao caso agora. – Respondi ríspida antes de continuar de forma a provar minha suposição. – Você realmente está me ligando bêbado, ?
- Bêbado, eu? Não, não, não. Não estou bêbado. Estou alegre, é diferente. – Ele disse como se fosse óbvio.
- Por que me ligou? – Falei cansada. Eu não poderia fazer nada ali, e estender a ligação e arriscar ouvir algo que não deveria ser dito talvez não fosse a melhor ideia.
- Porque estava com saudades, oras, já te disse isso. Queria ouvir sua voz, saber de você, sentir o seu cheiro...
- Você não vai sentir o meu cheiro por aqui, , e, se quiser mesmo falar comigo, a melhor ideia é fazer isso quando você for lembrar de alguma coisa, não é mesmo? – Disse como se fosse tão óbvio como quando ele afirmou não estar bêbado.
- Não, porque eu vou me lembrar disso amanhã, então, por favor, não desliga. – Sua voz mudou de divertida para chorosa na última frase e quem teve vontade de rir naquele momento fui eu.
- E como você pode ter tanta certeza que vai saber exatamente o conversamos quando acordar?
- Simples. Porque eu não esqueço nada que tenha a ver com você.
Suas palavras me atingiram em cheio e engoli em seco, pensando no que responder depois disso. Eu sabia que ele estava falando mais do que normalmente faria por culpa exclusiva da bebida, mas, ao mesmo tempo, eu realmente acreditava na ideia de que são nesses momentos que colocamos pra fora o que realmente pensamos.
- Tudo bem. – Falei simplesmente.
- “Tudo bem, você não vai desligar” ou “tudo bem, passar bem”? – O garoto me perguntou com a voz ainda arrastada, mas parecendo genuinamente confusa entre as duas opções.
- Tudo bem, eu não vou desligar, ainda que acredite fielmente que amanhã você vai acordar sem nem saber que me ligou. – Suspirei audivelmente antes de prosseguir de forma a manter a conversa com o meu ex-namorado. – Sobre o que quer falar?
- Sobre tudo, quero saber tudo de novo que há com você.
E então eu falei. Contei da minha carreira, o atualizei sobre minha família e comentei sobre algumas coisas que haviam mudado em minha vida social desde o nosso último afastamento. Falei, falei e falei. Falei tudo o que lembrava, tudo o que queria, e tirei um peso das minhas costas pela sensação – momentânea, é bem verdade – de que um antigo amigo tinha finalmente voltado pra mim.
E eu ouvi também. Ouvi sua voz arrastada me contando sobre as besteiras que tinha aprontado, suas gargalhadas exageradas por conta do álcool e pseudodeclarações de amor incentivadas pela madrugada. E, por mais que eu tentasse evitar por conta do pensamento racional de que tudo não passaria de consequências de uma madrugada boêmia, quando desligamos senti um sorriso enorme se formar em meus lábios.
E, no dia seguinte, ele me ligou. Sóbrio. E no outro também. E no outro. E no outro...
Quarta-Feira, 19 de dezembro de 2013.
e eu estávamos “ficando” desde o dia em que ele me fez a fatídica ligação bêbado. Tínhamos nos encontrado uns dias depois e, como se não pudéssemos fugir dessa situação, acabamos, novamente, um nos braços do outro.
Não havíamos assumido nada para a imprensa e nem para ninguém pelo simples fato de que nós mesmos não sabíamos aonde tudo isso iria nos levar. Por enquanto tudo o que estava acordado era que éramos alguma coisa exclusiva, o que eliminava um pouco do problema que nos levou a terminar da última vez, e de que deveríamos nos ver pelo menos uma vez por semana, como se para evitar que priorizássemos demais a carreira em detrimento do relacionamento, de resto iríamos descobrindo aos poucos.
Estávamos indo, eu só não sabia para onde, mas esperava do fundo do meu coração que fosse para um lugar diferente do que do nosso antigo caminho de vai e vem.
Por conta da proximidade do Natal e da necessidade de cada um de nós de comemorar com as nossas respectivas famílias, havíamos combinado de fazer um pequeno jantar íntimo em sua casa. Nós estávamos muito bem e esse momento seria uma oportunidade boa para nos curtirmos.
Eu tinha comprado um relógio de presente para ele e junto iria dar uma foto nossa em um porta-retratos bonitinho. Não queria exagerar no romantismo da coisa, mas ao mesmo tempo não queria dar a ele nada que fosse só material e que não fosse ligado a nós mesmos.
Depois de conversarmos, comermos, rirmos e discutirmos um pouco pela graça da coisa, levantou-se da mesa em que nos encontrávamos e foi em direção a uma escrivaninha da sala, pegando uma caixinha pequena e caminhando em direção a mim. Meu coração acelerou com o medo do que quer que estivesse naquela embalagem, mas, quando ele se sentou ao meu lado e a abriu revelando uma pulseira delicada e com um único pingente com a forma de dois círculos entrelaçados, voltei a respirar fundo, aliviada.
- Feliz Natal, . – Ele falou já pegando na pulseira e a colocando em meu pulso. Passei a mão pelo objeto e sorri, beijando-o brevemente em seguida. – Eu sei que pode parecer bobo, mas olhei esse pingente e lembrei de nós dois imediatamente, de como somos completos sozinhos, mas muito mais bonitos e certos juntos, sabe? Que nem esses dois círculos aqui.
Fiquei por um tempo pensando na sua explicação e sorri com a forma com a qual ele enxergava a situação e em como interpretava isso. era extremamente romântico quando queria, afinal.
- Que bonito, . Eu amei, muito obrigada. Acho que o meu presente ficou um pouco bobo agora, mas espero que goste também. – Disse ansiosa, já me esticando na cadeira para alcançar a minha bolsa e retirar o pacote de lá. O entreguei ao garoto à minha frente, que sorriu largamente e rasgou o papel sem nem um pingo de delicadeza. Eu ri do seu jeito afobado e vi seu sorriso sincero ao olhar o relógio que havia comprado, mas esse ficou pequeno se comparado a como ele ficou após olhar o porta-retratos de nós dois.
- Não é bobo, , não é bobo de maneira alguma. Eu adorei o relógio, obrigada por isso, inclusive, mas a nossa foto é especial. Eu adoro o seu sorriso nela... e o meu também. – Ele acrescentou presunçoso e eu dei uma risada divertida. Ele sempre conseguia fazer uma gracinha mesmo nos momentos mais patéticos da coisa toda. – E, bom, já que você me deu dois presentes, me sinto melhor de te mostrar um outro que acabei adquirindo também. Eu tinha pensado inicialmente em te contar depois ou...
- Outro presente? O que é? Fala logo, , eu estou curiosa.
- É isso aí, olha. – E então ele me estendeu o braço e arregaçou a manga da camisa curta que usava, revelando uma pequena tatuagem com a forma do pingente que ele tinha me dado antes. Era delicada assim como a joia que eu tinha recebido, mas, muito embora o seu corpo fosse coberto de desenhos naquele lugar, parecia se destacar aos meus olhos. Eu sorri mais ainda, mais do que achava ser possível, e me joguei em seus braços.
- Você é louco de tatuar isso no seu braço! E se, se arrepender mais pra frente? - Disse como se fosse uma constatação óbvia.
- Bom, hoje, agora, isso significa muito para mim então eu sei que, independentemente do momento, sempre que a olhar eu vou lembrar do quão feliz eu sou e fui, e pra mim isso é suficiente.
Beijei a sua tatuagem e fechei os olhos pensando no quão sortuda eu era. Nós não éramos nada rotulados naquele momento, mas agora estávamos marcados permanentemente em algum lugar, e se para ele as boas lembranças seriam suficientes um dia, pra mim isso tudo deveria bastar agora.
Sexta-feira, 21 de março de 2014.
- , não há nada com o que se preocupar, por Deus! – Reclamei um pouco incomodada com a cara feia do garoto.
- É fácil falar quando o problema não é com você. – Ele resmungou e afastou a mão de perto da minha quando tentei alcançá-la. - Não é pelo ciúme, sabe? É pelo papel de trouxa que eu estou fazendo.
- É pelo ciúme. – Falei simplesmente porque era a verdade.
- Tá, dane-se, é pelo ciúme sim, não estou nem aí. De qualquer forma, eu estou fazendo um papel de trouxa também e isso está me irritando.
Rolei os olhos com a sua afirmação e bufei audivelmente para que ele soubesse o quão chato aquilo estava ficando.
- Você não está fazendo papel de trouxa nenhum e sabe disso.
- Até parece! – respondeu irritado como se fosse uma criança raivosa e saiu andando, deixando-me parada no jardim da gravadora para assisti-lo entrar na casa. Suspirei e fui atrás dele pela milésima vez naquele mês. Quando o alcancei, já dentro do prédio, agarrei-o pela mão à força e entrei na primeira sala que encontrei, trazendo-o junto.
- Vamos colocar as cartas na mesa de novo, certo? Eu não tenho absolutamente nada com o Anthony, nenhum tipo de relacionamento e nenhum tipo de afinidade da qual você não tenha conhecimento. Eu me atrevo a dizer até que nem amigos nós realmente somos, se quer bem saber. Está tudo restrito ao profissional. Nós trabalhamos juntos num filme e pronto.
O garoto me olhou com os olhos semicerrados e mordeu os lábios, mas não se atreveu a dizer nenhuma palavra - boa ou ruim – sobre o que eu havia acabado de falar, como se elas fossem indiferentes a ele. Soltei da sua mão e caminhei até o outro lado da sala para me acalmar antes de deixar a minha impaciência tomar conta. Eu estava ficando com raiva e ele sabia muito bem disso.
- , por favor, colabora comigo. Você sabe muito bem que eu tenho passado tempo com o Anthony por exigência dos produtores e não por vontade própria. Sabe que somos contratualmente obrigados a sermos amigos para trazer visibilidade para o nosso filme e que a ideia de estarmos em um relacionamento é pura e simples invenção da mídia.
- Que bom para vocês. – Ele disse debochado, obrigando-me a contar até 10 antes de respondê-lo.
- É bom mesmo, obrigada. Enfim, seja racional e confie em mim. Eu não tenho interesse nele.
- Mas o contrário não pode ser dito tão facilmente assim, não é mesmo? Ele é caidinho por você e se qualquer brecha aparecesse, ele faria de tudo para ficarem juntos. – Preparei-me para responder a afirmação do garoto, mas, antes mesmo que eu pudesse falar alguma coisa, disparou. – Não se atreva a negar, você sabe que é verdade.
- Tudo bem, não vou negar. Mas você deve saber também que as coisas só podem se desenvolver se dois lados quiserem, e, como o meu lado o vê exclusivamente como um colega de elenco, não tem como nada acontecer.
O garoto suspirou e coçou a cabeça, relaxando os ombros em seguida, como se estivesse se rendendo finalmente.
- Maldito o dia em que você decidiu fazer parte de um filme. Por que você não poderia ser só cantora, sem precisar ter problemas de contrato de relacionamento público e coisas assim? – Ele disse baixo, mas visivelmente machucado. – E no final quem se dá mal com tudo isso sou eu. Eu que tenho que ver especulações da mídia sobre a minha garota com outro cara, eu que tenho que assistir vocês em passeios recorrentes pela cidade, eu que tenho que ser taxado de melhor amigo quando na verdade sou muito mais.
- Eu sinto muito por isso, mas foi você que quis deixar as coisas escondidas, . – Respondi me aproximado lentamente para que ele não se afastasse de mim de novo. - Eu não me importo de ter um relacionamento público, mas não é isso que temos, exatamente porque as duas partes têm que concordar com algo assim. E é porque o mundo acha que eu estou solteiríssima que os produtores conseguiram me fazer assinar um contrato em que eu passaria tempo com o meu colega de elenco pra promover o filme. Eu não tinha desculpas para não aceitar, sabe? Pelo menos nada relevante que justificasse uma recusa, então fiquei sem saída.
- Mas me machuca, .
- Me desculpa, de verdade. Mas também machuca a mim, ver você agir assim dia assim e outro comigo, me obrigando a ter essa conversa sem sentido de novo, e de novo, e de novo, como se eu estivesse fazendo tudo com a intenção de te ferir. – Sentei-me ao seu lado no único sofá daquele lugar e senti sua mão tocar, com calma, a minha, entrelaçando-as em seguida.
- Me desculpa também. – Assenti em silêncio e o acompanhei com os olhos quando ele abaixou a cabeça e depositou um beijo suave em nossas mãos.
- Você vai confiar em mim plenamente? – Perguntei baixinho. Ele ficou um tempo quieto, mas quando finalmente se manifestou arrancou um sorriso de mim.
- Vou.
Quarta-Feira, 28 de maio de 2014.
O garoto segurava em minha cintura com força enquanto rodopiávamos no imenso salão de dança em meio a tantos outros casais. Eu era péssima em manter a coordenação motora em momento assim, mas ele me conduzia com maestria, como um verdadeiro professor, fazendo com que eu me sentisse como uma verdadeira dançarina. Muito embora a sensação fosse positiva, eu sabia que a verdadeira razão para todo esse espetáculo era que estava se sentindo ameaçado e queria me impressionar.
Estávamos numa festa com os atores, produtores e todos os envolvidos no filme que eu tinha participado. Apesar do grande problema que tinha trazido para o meu relacionamento, o meu papel nele não era de protagonista ou nem nada disso, era apenas um personagem secundário. Eu não estava me entregando à vida de atuação nem nada disso, pelo contrário, tinha sido só uma experiência diferente que eu queria tentar e percebi que não era para mim. Mas o estrago estava feito já que nessa pequena participação nas telas eu fazia par romântico com Anthony. E detestava esse fato.
Eu o havia apresentado a todo mundo como meu namorado porque parecia o certo a se fazer, mas isso não parecia ter sido o suficiente para tirar o medo dele de algo ruim acontecer.
Ele tinha cumprido a sua promessa de confiar em mim, o problema é que a convivência extrema com Anthony havia nos feito amigos, o exato oposto do que eu esperava. Não era culpa de ninguém, é claro, mas esse ganho de intimidade certamente não contribuiu positivamente para acalmar os monstros do meu companheiro e, por conta disso, estávamos brigando de novo, desgastando a nossa relação por bobagens mais uma vez.
- Será que eu posso? – Ouvi uma voz grave atrás de mim perguntar a e virei-me imediatamente para checar quem era ao ver o seu semblante mudar para um ligeiramente irritado. Era Anthony.
- Pode o quê? – Vi o garoto responder com uma falsa atitude de quem não havia entendido, mas que mesmo assim não tinha gostado da pergunta.
- Dançar com a , oras. Assisti vocês de longe e ela parece ser ótima nisso, então queria saber se poderia me ensinar? – Anthony virou-se para mim e arqueou a sobrancelha, como se tivesse decidido ignorar o e esperasse uma resposta só minha. – Só uma dança?
- Hm, tudo bem, eu acho. – Falei bem rápido e baixo e me desvencilhei dos braços de sem nem mesmo me atrever a olhar para os seus olhos. Peguei na mão de Anthony e o arrastei para um pouco longe dali para dançarmos a próxima música – que eu esperava do fundo do meu coração que fosse uma agitada.
- Acho que o seu namorado não gosta muito de mim, hein? – O garoto disse, soltando uma risadinha baixa, ação que eu inconscientemente acompanhei dando uma risada nervosa.
- Paciência, nós dois somos amigos, não é mesmo? Ele vai ter que aprender a conviver. – Respondi com uma entonação que eu esperava que passasse a mensagem de que eu não queria falar sobre isso. Quando a música recomeçou numa batida bem animada, permiti-me suspirar de alívio e sorrir.
Anthony e eu dançamos por um tempo, mas eu tomei o cuidado de manter certa distância o tempo todo de forma a não provocar mais do que o preciso. Quando avisei ao garoto que iria voltar para o meu namorado, senti-o se aproximar e depositar um beijo inocente de agradecimento no meu rosto, fazendo-me sobressaltar e sair dali logo em seguida mais rápido do que o inicialmente planejado.
estava sentado em uma mesa sozinho enquanto mexia em seu celular freneticamente. Sua expressão estava fechada, como era de se esperar, mas decidi fingir que não tinha percebido e cheguei ao local como se nada tivesse acontecido.
- Quer dançar? – Perguntei inocente.
- Não, mas pode ir para lá se quiser. – Ele deu de ombros parecendo indiferente com a ideia. – Dança com o Anthony, aposto que vai chamar a atenção do pessoal, vocês formam um casal bonito, afinal.
Minha boca, que estava sutilmente aberta para permitir que eu acalmasse a respiração descompassada por conta da dança, foi ao chão com a sua última frase e eu me senti extremamente ofendida pela insinuação absurda que meu namorado estava fazendo. Sentei-me ao seu lado antes que eu decidisse chutá-lo ou algo estúpido assim, mas afastei a minha cadeira uns bons centímetros de forma a mostrar a ele o quão brava eu estava. Porém, antes de simplesmente começar a ignorá-lo, como tinha decidido fazer, soltei uma última frase cheia de raiva.
- Você é um tremendo idiota.
Sexta-feira, 15 de Junho de 2013.
Meu celular vibrou rapidamente revelando que eu havia recebido uma mensagem. olhava em meus olhos atento para ver quais seriam os meus próximos movimentos, e eu não pude fazer outra coisa senão esticar o braço e pegar o aparelho de cima da mesa do restaurante para olhar o visor. Mordi o lábio lendo o conteúdo da mensagem e respirei fundo, incerta do que responder.
- É o Anthony de novo? – perguntou parecendo um pouco incomodado.
- Sim. Ele quer saber se vou me atrasar para o jantar do elenco de hoje à noite.
- Ele já não te perguntou isso? – Embora o tom de voz do garoto tenha sido de crítica, ele tinha um ponto relevante.
Sim, Anthony já tinha me perguntado se eu iria me atrasar, o que mostrava que ele estava provavelmente só tentando puxar assunto. Isso vinha acontecendo há uns dias e estava verdadeiramente me incomodando e incomodando , mas eu não podia simplesmente cortar relação com o meu colega por enquanto. O filme saía em um mês e até lá qualquer chamada da mídia sobre nós dois era necessária.
- Já, eu não vou responder. – Falei decidida, vendo meu namorado assentir com a cabeça. – Eu nem sei o que te dizer quanto a isso, .
- Eu não acho que você possa me dizer qualquer coisa, . Já deixou claro que está num beco sem saída nesse momento e eu entendo, entendo mesmo. Sei que a culpa não é sua, não sei nem se tem um culpado nisso tudo, sabe? – Assenti silenciosamente e engoli em seco, esperando que ele continuasse com o que quer que quisesse dizer. – Eu acho que estamos nos machucando por tão pouco, por tanta bobagem...
- Eu sei. – Respondi simplesmente já que era incapaz de dizer qualquer coisa além.
- Eu realmente gosto de você, você sabe disso. – Concordei de novo, já sentindo os meus olhos queimarem. O fato dele não falar em amor não me incomodou, pelo contrário. Eu sentia que não iria aguentar se ele pronunciasse essas quatro letras pra mim naquele momento, muito embora soubesse que ele me amava sim e era isso que queria dizer nas estrelinhas.
- Eu sei. É recíproco, você sabe também. – Dessa vez quem concordou foi . Olhei fundo em seus olhos e não consegui achar nada lá que não uma tristeza profunda. O garoto se esticou em um pouco e começou a fazer um carinho sutil em minha mão direita, a mesma em cujo pulso encontrava-se a pulseira que ele havia me dado no Natal.
- Podemos continuar mais pra frente, quando tudo estiver mais simples, com menos regras e menos pessoas interferindo, quando pudermos voltar a ter um relacionamento a dois.
Eu não respondi imediatamente embora soubesse exatamente o que dizer. Não pretendia continuar depois pelo simples fato de não querer parar com nada. Não queria ter que levar em consideração a opinião de terceiros porque nenhum indivíduo fazia a mínima ideia do que eu sentia enquanto sofria a noite precisando dele, e só dele, ao meu lado. Eu o queria ali, agora, sempre, mas sabia também que não abrir mão de nós dois seria egoísmo de minha parte porque eu só continuaria o machucando mais e mais.
- Quando tudo estiver mais simples. – Repeti só para ter certeza.
- Sim. Talvez demore menos do que pensamos. – Ele falou como se me incentivasse e esboçou um meio sorriso. Tentei retribuir, mas não obtive sucesso, conseguindo só deixar algumas lágrimas caírem pela minha face. levantou de sua cadeira e se abaixou ao meu lado, ignorando completamente o fato de que estávamos num restaurante público e que a cena poderia chamar alguma atenção. Ele limpou o meu rosto cuidadosamente, arrumou o meu cabelo e passou os seus dedos por todos os pontos da minha face, como se a decorasse. Fechei os olhos por um segundo aproveitando aquele carinho e lembrando de todos os momentos bons que tivemos juntos. Seria dolorido, mas eu era grata por tê-los vividos.
- Amigos a partir de agora? – Indaguei o garoto olhando diretamente em seus olhos.
-Sempre, sempre, sempre amigos. – Ele disse e eu finalmente me permiti chorar tudo o que estava guardando. E dane-se o que as pessoas do restaurante e do resto do mundo iriam pensar. Eu estava perdendo o amor da minha vida mais uma vez.
Me mexi desconfortavelmente no assento do avião e, não conseguindo encontrar nenhuma posição que me fosse confortável, decidi abrir os olhos para entender o que estava acontecendo. Toquei na telinha a minha frente para ver o mapa do trajeto apenas para descobrir que faltavam pouco mais de 45 minutos até que pousássemos em Los Angeles.
estava dormindo ao meu lado, então eu presumi que tinha caído no sono algum tempo depois de mim. Como não havia testemunhas que pudessem flagrar qualquer ação minha por ali – não que eu soubesse, pelo menos - me permiti analisar o garoto com a devida calma. Seu rosto estava igual ao que me lembrava, quase como se o tempo não tivesse passado nem um pouco, seu lábio ainda era carnudo e extremamente atraente e seu cabelo cacheado e farto trazia um traço angelical à sua face enquanto seus olhos estavam fechados.
Fazia tempos que eu não sonhava com , eu tinha tentado lutar com todas as forças contra qualquer memória que me remetesse a ele e tinha tido muito sucesso até então. Depois de termos terminado a última vez, eu passei por momentos difíceis e, bem, Anthony estava lá, primeiro como um amigo, depois, como um amante eventual, e, mais tarde, como um companheiro. Eu havia sucumbido aos seus charmes e permiti que a parte romântica do nosso relacionamento se desenvolvesse, contrariando totalmente o meu discurso inicial de que nunca teria nada entre nós.
e eu continuamos em contato por um tempo, mas, quando a informação de que eu estava com Anthony foi confirmada à mídia, o garoto pareceu ter cortado todo o contato comigo e eu respeitei a sua decisão porque acreditava ser uma situação dolorida para ele. Ele nunca falou nada para mim e jamais chegou aos meus ouvidos algum tipo de comentário dele sobre Tony e eu – positivo ou negativo, sua opinião era, então, uma incógnita, mas, sinceramente, eu preferia deixá-la assim.
Olhei para frente da cabine do avião e vi uma movimentação dos comissários de bordo que presumi ser para avisar os passageiros do procedimento de pouso, já que obviamente o momento da comida havia passado – e eu tinha perdido. Decidi acordar o garoto ao meu lado antes que o aviso sonoro fizesse isso por mim, achei que seria um gesto legal e, honestamente, eu estava com vontade de ser carinhosa com ele depois de me lembrar do nosso passado conturbado.
Tentei cutucá-lo enquanto chamava o seu nome, mas ele simplesmente não se mexeu, troquei de tática e passei a chacoalhar o seu braço com um pouco mais de força, conseguindo só uns resmungos em resposta. Suspirei, olhei para os lados para me certificar que as outras pessoas da cabine estavam muito entretidas nos seus próprios afazeres e dei de ombros colocando a minha ideia em ação. Passei as mãos em seu rosto devagar, tentando chamar a sua atenção ao mesmo devagar.
- ? , acorda, nós já vamos começar a preparação para o pouso. – Falei baixo, carinhosamente.
- Hum? – Ouvi sua resposta arrastada e ri.
- Nós vamos pousar em pouco tempo, achei melhor te chamar para que não seja uma surpresa depois.
- Ah, certo. Obrigado. – Ele falou abrindo um dos olhos apenas e sorrindo fraco. – Fazia tempos que ninguém me acordava dessa forma. Você poderia fazer mais vezes, eu nunca iria cansar.
Gargalhei e dei um leve tapa no seu braço enquanto tentava com todas as minhas forças esconder o meu rosto corado. Arrumei o travesseiro em que eu estava apoiada no devido lugar e virei-me para o garoto, que agora se espreguiçava.
- Dormiu bem, afinal? – Ele perguntou antes de fazer um gesto com a cabeça indicando a cadeira da aeronave. – Por conta do seu medo e tal.
- Sim, sim, consegui até sonhar, por incrível que pareça. Não me lembro da última vez que isso aconteceu num avião.
- Fico feliz por isso, . Quem sabe não é um início de melhora? – Ele disse encorajador, como se realmente acreditasse no que tinha dito. Eu concordei com a cabeça, mas no meu íntimo sabia que o motivo da minha calmaria não era porque eu estava me acostumando com a viagem ou algo assim, era porque ele estava do meu lado e me fazia esquecer os problemas.
- É, pode ser. Talvez eu até me torne uma viajante frequente daqui pra frente. – Brinquei e o vi ficar pensativo.
- Espero que me chame para as suas viagens. – Ele disse travesso mordendo os lábios.
- Vou considerar a ideia.
Não muito depois ouvimos da cabine a mensagem de que o procedimento de pouso havia sido iniciado e que deveríamos nos preparar para isso. Voltei com a minha cadeira para o lugar tal como éramos instruídos e guardei as minhas coisas nos lugares, de forma a ficar pronta para sair quando a aeronave parasse. Olhei para o lado e vi que permanecia parado me observando, mas que não tinha voltado com a sua poltrona para a posição vertical. Arqueei a sobrancelha como se esperasse uma resposta dele por isso e só o vi dar de ombros. Era uma besteira, eu sabia, mas eu tinha medo de avião e queria tudo organizado conforme as regras!
- Você não vai arrumar a cadeira?
- Não estava pensando em fazer isso, não. Assim está tão confortável... – Ele respondeu se espreguiçando falsamente enquanto mantinha um sorriso de lado.
- A sua amiga Cindy vai vir brigar com você. – Soltei como se não me importasse, mas por dentro só queria que ele fizesse o que tinha que ser feito.
- Bom, se te incomoda muito, fique à vontade para apertar esse botãozinho aqui. – O garoto apontou para o lado esquerdo da sua cadeira – o oposto do lado em que eu estava – e abriu um grande sorriso com todos os dentes, deixando uma feição bem sapeca transparecer em seu rosto. – É só se esticar aqui por cima do meu colo e pressionar, nada demais.
Rolei os olhos e reprimi um sorriso com a brincadeirinha boba. Eu sabia das suas segundas intenções e não queria brigar, então apenas me estiquei toda por cima dele, mas não sem provocá-lo um pouquinho em retorno, esbarrando em seu corpo de forma bem lenta e estratégica. Escutei o seu suspiro alto e segurei uma risadinha, finalmente apertando o botão de retorno da poltrona ao lugar normal e me afastando em seguida com um sorriso de vitória nos lábios.
Nós dois nos olhamos e gargalhamos da brincadeira boba, esquecendo completamente do resto dos passageiros da cabine, como se estivéssemos sozinhos no nosso mundinho. Quando nos acalmamos voltamos a conversar sobre um assunto banal qualquer, que emendou em outro assunto, que emendou em outros assuntos... e permanecemos entretidos assim pelo resto do tempo.
Quando as rodas desceram e nós sentimos um solavanco na aeronave, automaticamente segurou a minha mão para me acalmar, mas a verdade era que eu tinha me esquecido totalmente do pânico e apenas aproveitei o momento para sentir as nossas mãos entrelaçadas como se fosse um ato natural. Ficamos assim até que o avião parasse por completo e, embora estivesse aliviada da viagem ter terminado, sentia também um aperto no coração por saber que iríamos ter que dizer tchau.
Antes que eu sequer me manifestasse sobre continuarmos em contato ou algo assim, levantou-se da cadeira em direção ao seu antigo lugar sem nem olhar para trás. Fiquei confusa por sua atitude e um pouco receosa com a possibilidade dele sair e não se despedir de mim, então assisti seus movimentos de longe. Vi o garoto abrir o bagageiro e retirar sua mala de lá para logo em seguida voltar o corpo para a minha direção, sorrir abertamente e voltar para mim.
- Achei que iria me abandonar.
- Eu bem que pensei em pegar as coisas e sair correndo, mas as portas ainda não estão abertas então meu plano foi frustrado. – Ele tirou sarro e sentou-se de novo ao meu lado, voltando a pegar em minha mão. Por mais errado que isso parecesse agora, devido ao fato de que estávamos já em terra firme, a sensação era tão boa que eu só queria senti-la por mais um tempinho.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas travando uma guerra boba com os dedos de nossas mãos. Quando vi a porta do avião ser finalmente aberta respirei fundo e percebi que era o momento de voltarmos à realidade.
- A porta se abriu, vamos?
- Sim, vamos lá. – Ele disse e levantou-se da poltrona, já abrindo o bagageiro de cima de nossas cabeças e pegando a minha mala de lá de dentro. Quando estiquei minhas mãos para que ele passasse a mala para mim, só o vi negar com a cabeça, antes de me fazer uma pergunta. – Você está de carro?
- Não. – Respondi sinceramente. Eu odiava dirigir e nunca deixava o meu carro no estacionamento do aeroporto a não ser que fosse extremamente necessário, então estava planejando pegar um táxi até chegar em casa.
- Deixa que eu te levo então. – falou naturalmente e iniciou sua caminhada até a porta do avião, não me deixando outra saída que não o acompanhar.
- Você deixou o seu carro parado aqui?
- Sim. Fui à Nova Iorque só por dois dias, então achei que valeria a pena. E não é que eu tinha razão? – Ele falou e olhou de rabo de olho para mim sorrindo travesso.
Caminhamos juntos até a saída destinada aos embarques domésticos e como nenhum de nós tinha despachado mala nenhuma, pudemos sair do aeroporto sem chamar a atenção de ninguém e sem encontrar nenhum paparazzi pelo caminho.
Entrei no carro de e, embora fosse um veículo diferente daquele que eu costumava conhecer, o cheiro tão característico do garoto permanecia lá. Assisti-o guardar as malas no banco de trás e entrar no carro, ligando o rádio quase que imediatamente. Fomos o caminho inteiro até a minha casa cantando músicas antigas, rindo e comentando curiosidades sobre as nossas próprias composições. Aparentemente sua banda iria dar um tempo na carreira e então ele passaria a ter mais tempo livre, tempo esse que ele jurou para mim que iria usar para tentar achar o próprio caminho, qualquer que fosse este.
No momento em que vi que nos aproximávamos de minha rua, abri a minha bolsa e retirei de lá o controle da garagem, permitindo que seu carro entrasse no local. Me estiquei em direção ao banco de trás e peguei minha pequena mala, já pronta para sair do veículo. Quando, porém, ele parou o carro eu me descobri parada sem saber o que fazer. Olhei para os seus olhos e estes permaneciam vidrados em mim, sendo desviados apenas para discretos olhares a casa.
- Ele está aí? – perguntou e eu imediatamente sabia que ele se referia ao Anthony.
- Eu não sei, mas presumo que não, senão ele já teria vindo até aqui. – Respondi incomodada.
- Ah.
- Obrigada pela carona, , e pela ajuda no avião também. – Falei sincera e abri um sorriso simpático, vendo-o assentir calmamente.
- Não foi nada, eu me diverti como não me divertia há tempos. – Peguei em sua mão e depositei um beijo leve em seu rosto porque me parecia ser a única forma de entrar em contato físico um pouco mais íntimo com ele sem que fosse inadequado. Eu queria que ele soubesse que eu também havia dito um bom tempo, mesmo com as circunstâncias, e que eu tinha um carinho enorme por ele.
- Você está precisando sair um pouco mais então. – Brinquei e finalmente me permiti levantar do banco e sair do carro, batendo a porta em seguida. abaixou a janela do passageiro e eu larguei minha mala no chão e me debrucei ali uma última vez. – Nos vemos por aí então?
- Pode ter certeza. Ainda não vimos o fim da linha desse trem, querida. A estação final ainda não chegou para nós dois. – Ele falou surpreendendo-me por usar a mesma analogia sobre o nosso relacionamento que eu havia usado mais cedo. Sorri com sua resposta e mordi os lábios, sorrindo.
- Definitivamente não.
- Até a próxima, então. Se cuida.
- Você também. – Respondi e dei um passo para trás, permitindo que ele andasse com o carro em direção ao portão da mesma forma que tinha feito quando terminamos a primeira vez.
Meu coração ameaçou doer um pouco pela comparação, mas, diferentemente daquele dia, ele olhou para trás antes de arrancar com o carro, e, mais do que isso, eu sabia agora que, eventualmente, ele iria voltar. Ele sempre iria voltar, não importava o que qualquer um dissesse ou fizesse para nos afastar. O nosso círculo vicioso era uma maldição às vezes, mas era também a garantia de que cedo ou tarde seríamos nós dois juntos viajando pela linha ferroviária da vida.
E eu mal podia esperar para esse dia chegar para que iniciássemos uma nova aventura.
Suspirei alto e pude ver o motorista olhar para o banco de trás pelo retrovisor do carro com um olhar suplicante, como se pedisse desculpas pelo inconveniente. Sorri o mais simpática que consegui, não era sua culpa afinal. Chequei o horário na tela do meu celular e o desbloqueei com o intuito de ligar para o meu agente, Phillip. Pelo ritmo que as coisas estavam eu iria definitivamente perder a hora de embarque para Los Angeles e precisava de uma alternativa, já que passar a noite na cidade que nunca dorme não era uma opção. No dia seguinte eu teria uma gravação de um comercial qualquer em Santa Monica, e queria estar descansada das seis horas de voo que estavam por vir.
A ligação durou menos de 5 minutos e Phillip ficou responsável por resolver essa bagunça. Os meus planos de aproveitar a noite de Los Angeles ainda hoje estavam definitivamente cancelados. Suspirei de novo e, quase como uma resposta à minha lamentação, o carro começou a se movimentar. Decidi não comemorar para que a minha sorte não fosse para o ralo, mas não achei ruim quando o motorista virou à esquerda em uma rua sem trânsito nenhum, cortando caminho. Ao invés de trafegarmos pelas grandes – e congestionadas – avenidas, o carro foi seguindo por vias alternativas, como se corresse contra o relógio.
Chequei o horário novamente, fiz uns cálculos mentais do tempo de deslocamento até o aeroporto e concluí que, se continuássemos andando no ritmo em que estávamos, eu conseguiria pegar o voo faltando exatos 15 minutos para a decolagem. Eu não precisaria passar por quase nenhuma checagem de segurança, mas, caso fosse necessário, poderia entrar nas filas especiais e terminar com a chateação em apenas alguns minutos. Ser famoso tinha as suas vantagens.
Desci do carro o mais rápido que consegui com um enorme sorriso no rosto. 18 minutos para a decolagem, aquele motorista era um anjo. Agradeci pelo o que me pareceu à décima vez e finalmente caminhei em direção à entrada da sala de embarque. Passei por todos os procedimentos necessários em menos de 5 minutos e, quando vi, já seguia o meu caminho rumo à aeronave.
Só percebi o quão nervosa estava quando respirei fundo antes de efetivamente adentrar o avião. A verdade é que por mais que eu viajasse com bastante frequência, eu ainda tinha pânico de voar. A sensação de estar totalmente entregue ao destino naquele objeto monstruoso a milhares de quilômetros de altura, sem nenhuma saída de emergência, me aterrorizava. Balancei a cabeça rapidamente para tirar esses pensamentos da mente e fui em direção ao meu lugar.
Sentei na minha grande cadeira após colocar a bolsa no bagageiro e olhei ao redor. Poucos assentos estavam ocupados na classe executiva, que já não era muito grande por ser um voo doméstico. Além de mim, havia apenas uma senhora de uns 60 anos duas fileiras na minha frente e um casal atrás de mim, mas do outro lado do corredor. Eles não expressaram nenhuma emoção quando entrei no avião, então presumi que não deveriam saber quem eu era. Melhor assim. Os comissários de bordo, por outro lado, me lançavam olhares periódicos e pareciam um pouco ansiosos, sorri para duas aeromoças que me encaravam e vi suas bochechas ruborizarem. Deixei pra lá e decidi que quando aterrissássemos em Los Angeles eu tiraria uma foto com eles para agradecer, como era de bom tom.
Fechei os olhos e liguei a música no meu celular enquanto colocava o fone nos ouvidos. Já o havia desligado de qualquer conexão, então ouvir música como um calmante natural era tudo o que me sobrava. O nervosismo começou a passar gradativamente, e eu sabia que estávamos quase prontos para que as portas do avião se fechassem e para que iniciássemos o procedimento de decolagem.
Sentia-me quase bem quando meu coração deu um pulo inesperado. Os batimentos disparam como loucos e minhas mãos começaram a suar quase instantaneamente. Abri os olhos assustada para descobrir a razão daquela reação repentina e entendi nos momentos em que coloquei os olhos no passageiro que estava se acomodando na primeira fileira da aeronave.
Os cabelos castanhos bem penteados para trás e a jaqueta preta surrada não deixavam dúvidas que, de fato, eu estava em uma enrascada.
, meu primeiro namorado e primeiro amor, vocalista da banda mais famosa do momento e queridinho das adolescentes americanas, o cara que havia me feito mais feliz nesta vida toda, mas que havia deixado meu coração em pedacinhos quando foi embora, estava na minha frente.
Ele não pareceu ter me notado até o momento, mas, por mais que isso me incomodasse um pouquinho lá no fundo, eu sabia que a sua cabeça deveria estar a mil pelo o seu quase atraso. Tão típico dele. E tão parecido comigo.
Diferentemente da reação à minha chegada, os comissários de bordo pareciam irritados com por ter chegado em cima da hora. Eles correram para fechar as portas, como se estas só tivessem permanecido abertas para o recém-chegado, e iniciaram o ritual para que pudéssemos partir. Vi no televisor à minha frente à previsão de duração do voo e suspirei. Seriam 6 longas horas.
Eu estava tensa, minhas costas estavam eretas e meu olhar permanecia vidrado na parte da frente da cabine. Eu poderia culpar o meu medo de avião por estar assim, poderia dizer que odiava a subida da aeronave em direção às nuvens e que tudo o que mais queria era voltar ao chão, mas a verdade é que o pânico de agora tinha outra origem.
Muito embora estivesse algumas fileiras na minha frente, eu assistia a todos os seus movimentos, quase hipnotizada. Ele parecia relaxado enquanto olhava a vista pela janela, sem nem mesmo reparar no que tinha ao seu redor.
Dei um pulo na cadeira quando ouvi o sinal que anunciava que já era permitido desabotoar o cinto por estar tão perdida nos meus próprios pensamentos. Não me movi nenhum centímetro, mas um alerta disparou na minha cabeça quando percebi que o garoto, cuja existência ocupava toda a minha mente, estava levantando. Certamente ele iria ao banheiro ou pegaria algo em sua mala. Eu torcia secretamente pela segunda opção. Quando, porém, ele chegou ao corredor e não olhou para cima, me desesperei. Agarrei a primeira revista que consegui e virei o rosto para o lado contrário ao de onde ele passaria, cobrindo-o com o que identifiquei ser a Vogue do mês.
Respirei fundo e continuei nessa posição até achar que estava segura para olhar para o lado. O corredor estava vazio e ele não estava em lugar nenhum que pudesse observá-lo. Decidi que iria repetir a estratégia assim que escutasse a porta do banheiro abrir.
Pela primeira vez naquele voo, arrisquei olhar pela janela e, só de ver a cidade minúscula lá embaixo, um calafrio subiu pelas minhas costas. O dia estava lindo, mas nem isso era suficiente para me deixar relaxada de forma a aproveitar a viagem. Devo ter ficado tempo suficiente perdida em meus pensamentos porque, quando virei para o corredor com o intuito de checar se a luzinha que indicava que o banheiro estava ocupado, continuava acessa, dei de cara com .
Ótimo.
Ele estava com um meio sorriso no rosto e com os braços cruzados, enquanto apoiava o seu corpo na poltrona de trás. Senti todo o sangue de meu rosto descer para o resto do meu corpo e, pela sua expressão, percebi que minha cara de susto deveria estar evidente. Nenhum de nós se arriscou a falar nada no primeiro momento, então engoli em seco e sustentei o olhar do meu ex-namorado até o momento em que ele decidiu se pronunciar.
- Você está me evitando, ? – Ele perguntou tentando esconder um meio sorriso.
Bufei e rolei meus olhos antes de responder seca.
- Não seja idiota, você sabe que odeio aviões e que nunca consigo relaxar enquanto esse negócio não pousar.
arqueou a sobrancelha de forma divertida e descruzou os braços antes de prosseguir.
- Então o fato de você ter coberto o seu rosto com uma revista quando me levantei foi só coincidência? – Senti minhas bochechas queimarem e virei o rosto rapidamente para a janela para disfarçar. Ele certamente percebeu, mas, por algum motivo, não mencionou nada. – Não sabia que ainda tinha medo de aviões, pensei que já teria se acostumado agora ou que, pelo menos, não fosse mais tão aterrorizante assim.
Dei de ombros e suspirei. Eu bem que queria ter me acostumado com isso tudo, mas, mesmo com anos de terapia, ainda ficava paralisada de medo enquanto estava nas alturas. Entortei a boca e mordi o lábio. Vi que o garoto já havia entendido minha resposta com a demora pra responder e meu subconsciente gritava para que eu simplesmente não dissesse mais nada para que ele fosse embora. No entanto, ao contrário do que o que a minha razão dizia, eu simplesmente disparei a falar.
- Ainda não, continua a mesma coisa de antes. Eu me sinto impotente o tempo inteiro enquanto estou aqui em cima e só consigo pensar em coisas ruins. Já tentei de tudo para melhorar esse medo bobo, mas simplesmente não consigo. É realmente uma porcaria.
me encarou por alguns segundos antes de direcionar o seu olhar para a frente da cabine, procurando uma aeromoça. Quando a encontrou, fez sinal para que ela se aproximasse, a jovem parecia estar à beira de um ataque de nervos quando chegou à nossa frente, falando quase num sussurro:
- Olá, senhor, vocês estão precisando de alguma coisa? – Perguntou sorridente, mas vi que suas mãos tremiam um pouco.
- Você poderia nos trazer água, por favor? A aqui não é muito fã de aviões e eu estou com sede, para ser sincero. – Ele sorriu encorajando a mulher a ir atrás dos seus pedidos e simplesmente sentou-se ao meu lado sem nem ao menos pedir licença.
- O que você está fazendo, ? Você não pode ficar aqui, o lugar é marcado e você sabe como eles são chatos com isso de ficar mudando de cadeiras e tal. - Reclamei um pouco rápido demais, mas não poderia ajudar. Eu não havia inventado esse problema das cadeiras, mas talvez não fosse algo com o que se preocupar naquele momento uma vez que havia lugares de sobra, mas a verdade é que eu estava em pânico e o queria longe dali. – Volta lá pro seu lugar, vai. Eu vou tentar dormir para ver se me acalmo.
- Relaxa, , não vai dar nada. Quer ver? – Ele respondeu sorrindo de lado quando a aeromoça se aproximou. – Obrigada, Cindy. É o seu nome, certo? - A menina assentiu animadamente e eu rolei os olhos achando graça de ela ficar eufórica com o fato dele ter lido o seu nome no crachá. – Ótimo. Eu queria saber se, por acaso, eu poderia ficar aqui sentado? Como te disse antes, a não gosta de voar e eu e ela somos amigos de longa data e temos assuntos para colocar em dia. Achei que como têm bastantes lugares vagos por aqui...
- Claro, senhor. Não há nenhum problema, imagina! Fique aqui o tempo que quiser, e se precisarem de alguma coisa é só chamar que estaremos à disposição.
sorriu para a menina, que saiu correndo dali e eu não pude segurar uma risada.
- Você é ridículo. A menina estava quase tendo um ataque cardíaco, você poderia ter pedido para ela para transar no banheiro que ela teria aberto a porta para você. – Eu disse e gargalhou.
- Quer tentar? – O garoto perguntou sapeca.
- O quê? – Respondi ainda incerta sobre o que ele queria dizer.
- Pedir para transarmos no banheiro. – disse óbvio, levantando a sobrancelha.
Arregalei meus olhos e engasguei com a água. O menino deu uns tapinhas nas minhas costas para me ajudar a respirar, mas estava claramente achando graça da minha reação.
- Eu estava só brincando, . Não vou pedir pra ela abrir a porta pra gente, gosto de ser discreto. – Ele disse brincalhão, ameaçando levantar-se da cadeira.
- , cala a boca. – Respondi rindo e arregalei a sobrancelhas como se o perguntasse se iria sentar de novo ou não. - Eu não estava falando de nós dois, por favor. Eu só fiz uma constatação inocente.
- Eu sei, mas eu bem que queria saber se ela realmente me deixaria fazer isso em pleno voo. – O garoto rebateu com uma feição pensativa. Arqueei a sobrancelha e permaneci quieta, esperando-o continuar. – Não estou brincando, queria mesmo saber se ela sucumbiria à minha vontade assim tão rápido.
- Para de ser trouxa, . – Dei uma risadinha baixa, desviando o olhar de seu rosto e olhando para a aeromoça, que ainda dava espiada em nós de tempos em tempos. – Mas, se estamos falando sério, eu acho que ela realmente deixaria.
- Eu também acho.
Nós dois gargalhamos e eu o observei beber a água toda de uma vez. Meu copo já estava vazio também, mas, de alguma forma, eu havia esquecido a razão pela qual eu tinha-o em mãos. Típico. Como nos velhos tempos, todas as vezes em que estava próximo a mim, meus problemas se esparramavam pelo chão, como se fossem insignificantes.
Balancei minha cabeça como se pudesse afastar esses pensamentos e me virei simpática para o garoto ao meu lado antes de me manifestar.
- Ok, de verdade agora, eu quero dormir. Volte para o seu lugar, vai. - abriu a boca em sinal de indignação e negou veementemente com a cabeça, como se rejeitasse a minha fala.
- Dormir? Às três horas da tarde? Não, você não vai. Eu estava falando sério com a Cindy, temos muito papo para colocar em dia. Além do mais, o voo é longo e eu não tenho absolutamente nada pra fazer no meu lugar, então não, obrigada, vou ficar por aqui.
Rolei os olhos com o drama exagerado e desisti de responder alguma coisa negativa. Eu o conhecia o suficiente para saber que, se era o que ele queria, ficaria ali ao meu lado durante o voo todo, mesmo contra a minha vontade. Além do mais, a verdade é que eu sentia falta de conversar com ele e sentia como se talvez ele pudesse me distrair enquanto permanecíamos voando. Caso o garoto se retirasse, havia uma grande chance do meu pânico se manifestar mais forte do que nunca. Deixá-lo ficar era, então, o mesmo que matar dois pássaros com uma só pedra, e eu estaria ganhando duas vezes.
- Tudo bem então, eu desisto. Mas fique sabendo que, se vou ficar acordada, você vai aguentar caso eu tenha uma crise de pânico e precise respirar fundo nessa geringonça. – Disse brincando antes de piscar o olho para ele.
- Combinado, eu posso lidar com isso. Só não me faça pagar muito mico por que senão serei obrigado a fingir que estou dormindo.
- Não posso prometer nada. – Falei com um sorriso discreto. gargalhou e fingiu que estava levantando de sua cadeira de novo. – Ei, aonde você vai? Pode voltar aqui, querido. Você diz que vai ficar do meu lado, mas cai fora na primeira dificuldadezinha? Eu nem comecei a chorar ainda! Não, senhor, pode sentar de novo.
Coloquei a minha mão direita em seu braço e o puxei para baixo. O nosso contato físico não durou nem mesmo 5 segundos, mas foi mais do que o suficiente para que o meu estômago embrulhasse e que um calafrio subisse na minha espinha. Eu havia sentido falta dessa sensação. Tentei não esboçar nenhuma reação externa com relação a isso – afinal, só havia sido um toque completamente inocente -, mas tinha certeza de que eu deveria estar um pouco corada. não pareceu notar e soltou uma gargalhada quando despencou no banco ao meu lado.
- Ok, ok, já que você insiste, eu fico. – Ele parou de sorrir e fechou um pouco a expressão enquanto direcionava o seu olhar bem dentro dos meus olhos. – Como você está? Faz um bom tempo desde a última vez que nos falamos.
Suspirei e sorri de lado. Fazia séculos que o garoto e eu não conversávamos a sós e sobre nossas vidas, mas eu me sentia segura e acolhida me abrindo com ele, mesmo depois de tantos anos, como se nada tivesse mudado.
- Estou bem, hoje. Acho que finalmente consegui colocar a minha cabeça um pouco no lugar e me achei. As coisas vão bem, tudo vai seguindo. – Respondi e logo abri um sorriso. Nos últimos tempos tudo estava mais tranquilo, eu continuava tendo grande sucesso na carreira solo musical e, muito embora tivesse enfrentado tempos difíceis antes, minha vida pessoal estava estável. - E você, como está?
- Honestamente? Já estive melhor. – Ele fez uma careta engraçada e eu arqueei a sobrancelha. – Quero dizer, profissionalmente as coisas estão ótimas, a banda vai bem e tenho produzido bastante. Mas, pessoalmente tenho estado um pouco perdido. E, se estamos sendo sinceros por aqui, não sei o que estou fazendo.
Sua voz havia soado fraca na última frase, quase como se fosse um segredo que estivesse escondendo dos outros. Mas não de mim. Um arrepio passou pelo meu corpo com a sinceridade da confissão e pela confiança que o garoto depositava em mim, mas, mesmo assim, fiquei em silêncio sem saber muito que dizer. Eu poderia pedir para que ele compartilhasse mais, mas achei que isto não estivesse no meu direito. Se ele quisesse continuar eu o daria espaço, mas não o forçaria a dizer nada. Decidi deixar o clima da conversa um pouco mais leve, pelo menos naquele momento, e fiz graça.
- Bom, se eu fosse você eu daria uma chance para aquelas pessoas que leem o futuro, sabe? Talvez eles possam te dar uma ajudinha sobre o seu caminho daqui pra frente. – Dei de ombros e pareceu totalmente confuso e em choque. – Talvez você só não esteja vendo os erros que vem cometendo em sua vida pessoal.
- Por favor, me diz que você está brincando e que não passou a seguir esse tipo de coisa. – Fiz uma falsa careta ofendida antes de ouvi-lo acrescentar. - Nada contra, mas não faz o seu tipo.
- Não estou brincando.
O homem ao meu lado disfarçou a surpresa e sorriu. Podia parecer um assunto bobo, mas a verdade é que eu sempre havia sido muito cética e muito controladora. Não existia nenhuma lenda no mundo que me fizesse acreditar que outro alguém estava no governo da minha vida, sempre pensei que eu era a única responsável por traçar meus próprios caminhos, e sabia disso. Ele sabia que a crença em algum possível resultado predestinado não fazia o meu tipo, mas o que ele não sabia era que, apesar de estar brincando com toda essa história de ler o futuro, eu realmente tinha passado a acreditar que talvez eu não pudesse estar sempre no comando. Tinha aprendido a abrir mão um pouquinho, a deixar as coisas fluírem no ritmo necessário, e havia entendido que, por mais que pudéssemos tentar nos afastar de determinadas situações, algumas coisas fluem como em um grande círculo vicioso, sempre nos levando de volta a certo lugar, como obra do destino.
- Poxa, , você está mesmo mudada. Nunca pensei que fosse realmente dar o braço a torcer por essa ideia de uma força maior. Surpreendente. – Torci um pouco o lábio e logo soltei uma gargalhada alta, que não passou despercebida pelos outros três ocupantes daquela parte do avião.
- Eu estava mentindo, mas você pareceu acreditar tanto nessa ideia que eu quase decidi passar a explorar esse meu lado mais místico e sobrenatural. – Rebati, ainda sorrindo e olhando-o diretamente nos olhos.
- Eu realmente acreditei. – Ele respondeu rindo e chacoalhando a cabeça. – Esse seu teatrinho é meio injusto, sabia? Eu não consigo saber quando está atuando e quando está contando verdades. Você é uma boba.
- Desculpe, não resisti. Me pareceu uma oportunidade tão boa para simplesmente deixar passar. E, convenhamos, se eu realmente acreditasse fielmente na possibilidade de alguém prever o meu futuro com precisão, eu iria simplesmente perguntar para uma profissional antes de entrar em qualquer avião se eu sairia viva. O seu trabalho por aqui seria totalmente dispensável nesse caso. – Sorri de lado e olhei pra fora da janela do avião. Um calafrio passou pelo meu corpo, mas eu não expressei nenhuma reação. estava com os olhos fixos na parte da frente da aeronave, como se estivesse refletindo sobre alguma coisa, então decidi continuar a explicar a minha não-tão-brincadeira. – Agora, de verdade, eu estava extremamente perdida até um tempo atrás, sabe? Mas as coisas começam a se ajeitar quando a hora certa chega, pode acreditar. Não estou dizendo que é por conta de alguma força mística e dominadora, acho que é mais pelo destino. O que tiver que acontecer vai acontecer, independentemente do quanto lute contra isso ou o quanto evite. Agora você pode estar se sentindo uma bagunça, mas logo mais você acha o seu caminho.
virou o seu rosto para mim enquanto eu falava e sorriu. Acompanhei seu sorriso e, em um momento de coragem repentina, segurei em sua mão direita que estava pousada na cadeira ao meu lado. Sua feição, antes confusa, suavizou e me transmitiu uma calma que há muito eu não sentia. Parecia que a conexão dos nossos olhares em conjunção com o toque de nossa pele criava uma bolha de intimidade, deixando o ambiente todo insignificante. O garoto engoliu em seco, suspirou, e finalmente falou, com a voz mais rouca do que minutos antes.
- Acho que o destino sempre quis que nos encontrássemos.
- Talvez, ou talvez tenhamos sido um acidente de percurso. – Respondi sincera e encarei o seu rosto por tempo, definitivamente, maior do que o adequado. Parei para admirar seus cabelos, sua testa, seus grandes olhos brilhantes, sua boca e, por fim, sua mandíbula. Senti um arrepio passar pelo meu corpo inteiro e lembrei-me de quando nos conhecemos, anos atrás.
Sábado, 11 de abril de 2009. – Páscoa.
Eu odiava jantares de gala com celebridades, e odiava ainda mais o fato de estar sendo obrigada a comparecer a um evento desses bem na véspera da Páscoa, quando, na realidade, eu queria mesmo era estar com a minha família.
Levantei-me da mesa em que tinha sido acomodada – desculpando-me imediatamente com aqueles que permaneciam no lugar – e me dirigi ao enorme jardim dos fundos. A celebração estava sendo na casa de um grande produtor musical, e todos os cantores que possuíam contrato com a sua gravadora tinham sido convidados.
Procurei com os olhos algum local em que pudesse me acomodar e aproveitar a brisa fresca daquele quente mês de abril em Los Angeles. Visualizei um banco em um lugar um pouco mais afastado, perto de uma grande piscina e fui até lá, pegando no caminho uma taça da champagne que estava sendo oferecida pelos garçons.
Suspirei alto e tomei um gole da bebida que estava em minhas mãos e segundos depois senti uma presença desconhecida ao meu lado. Virei minha cabeça e o vi. Ele era absolutamente lindo, com um sorriso aberto de orelha a orelha e um charme de bad boy que contrastava enormemente com a delicadeza com a qual me abordou em seguida.
- Te incomodo se ficar por aqui? Posso ir procurar outro lugar para ficar, se preferir. – Perguntou olhando diretamente em meus olhos, como se procurasse a resposta por ali. Balancei a minha cabeça em sinal de negação e engoli em seco, ainda muito confusa para conseguir falar alguma coisa. – Obrigada. Sou , muito prazer. E pode me chamar de , me parece mais natural.
O garoto estendeu a mão direita em minha direção e eu pisquei brevemente antes de, finalmente, apertá-la com as minhas mãos geladas. Em questão de milésimos após o nosso contato físico, senti meus pelos do corpo se arrepiarem e meu coração dar uma cambalhota. Deus, eu só torcia para que ele não tivesse percebido o quanto a sua presença estava me afetando!
- Prazer, , mas todo mundo me chama de . – Soltei suas mãos após terminar a frase e sorri disfarçando o meu desconforto. – Acho que nunca havíamos nos encontrado, certo? Você também possui contrato com a gravadora?
- Definitivamente não – Respondeu rapidamente. - Eu me lembraria, caso tivesse te visto algum dia. – Senti o meu rosto queimar e abaixei o olhar para o meu colo, arrancando um sorriso de canto do menino ao meu lado. – Eu tenho uma banda de pop-rock, sou o vocalista e dois amigos meus tocam instrumentos. Acabamos de assinar com os caras do estúdio e tivemos a sorte de sermos convidados para esse jantar. Presumo que você seja cantora também, certo?
- Oh, sim! Eu canto faz um tempinho e já lancei um álbum com a gravadora. Posso dizer que sou a personificação do clichê de cantora pop, mas adoro o que faço. – Dei uma risadinha baixa e vi que ele olhava-me com atenção, como se estivesse realmente interessado no que eu estava falando. - Mas, assim como você, ainda estou caminhando nesse mundo da música, espero que dê certo.
- Vou torcer por você.
- Obrigada. – Respondi tímida. – Eu também.
- Mas o que uma cantora tão bonita faz aqui fora sozinha quando há uma festa inteira acontecendo dentro da casa? - arqueou a sobrancelha e eu dei de ombros com sua pergunta.
- Estava cansada de ficar alimentando os egos do pessoal que está lá. E, honestamente, queria aproveitar um pouco o ar livre também. Mas e você, por que está aqui?
O garoto mordeu o lábio com a minha pergunta e sorriu.
- Porque eu bati os olhos em você enquanto se retirava da mesa e me apaixonei instantaneamente, e eu não me perdoaria nunca se não viesse me apresentar.
Terça-Feira, 3 de novembro de 2009.
Eu escutei o som doce da música que saia do violão e balancei-me conforme a melodia. riu alto e eu o acompanhei, rindo também e apenas parando quando já estava perto o suficiente do garoto para abaixar-me e dar um rápido selinho em seus lábios. O menino parou imediatamente de tocar e segurou o meu rosto, aprofundando um pouco o beijo e deixando o violão cair em seu colo. Permanecemos grudados por alguns minutos, mas eu logo me afastei e sentei ao seu lado, olhando diretamente em seus olhos.
- O que foi? – Escutei a sua voz bem baixinha, como se ele não conseguisse falar mais alto depois do beijo que trocamos. Peguei em suas mãos e coloquei-as em cima do violão novamente.
- Canta pra mim. – Respondi sorrindo e com o coração batendo forte. – Quero ouvir alguma coisa especial.
arrumou o violão em seu colo e pareceu pensar por um segundo antes de finalmente se manifestar, já dedilhando o instrumento.
- Eu tenho muitas coisas especiais pra cantar, tenho muitas músicas sobre você que ninguém nem mesmo ouviu. Você é a minha musa inspiradora, . – O garoto soltou uma risadinha baixa e olhou em meus olhos, como se pudesse me escanear com aquele simples gesto. Não desviei o olhar, mas mordi meu lábio inferior com a expectativa do que estava por vir. – Mas, hoje, quero que ouça uma música que não é minha, mas que é exatamente como sinto quando você está por perto.
Respirei fundo e ouvi sua voz grave começar a entoar “Endless Love”, de Lionel Richie. Sorri automaticamente e senti meu coração dar cambalhotas e as borboletas em meu estômago fazerem a festa. Céus, eu era loucamente apaixonada por aquele homem!
Enquanto cantava, mantinha um sorriso bobo e os olhos fechados. Eu podia sentir que ele realmente queria dizer todas as palavras daquela música e, embora quisesse chorar, não queria atrapalhar a sua performance para mim. Assim, aguardei até o fim da música, quando vi o seu olhar ir automaticamente de encontro ao meu, que estava marejado.
- Eu te amo, . – O garoto falou e eu logo passei o meu braço em volta de seu pescoço e puxando-o para um beijo. Permanecemos com os lábios colados por alguns segundos, antes de me manifestar.
- Eu te amo tanto, tanto, tanto, .
Sábado, 29 de maio de 2010.
bateu as mãos com força no volante do carro, acionando a buzina com violência, e fazendo-me saltar no banco do carona por conta do susto que havia levado.
- Você está ficando louco? Quer provocar uma porcaria de um acidente? – Gritei a plenos pulmões, fazendo o garoto virar o rosto raivoso para mim. – Você é um tremendo idiota.
- , não me provoca porque eu já estou fora de mim.
- Eu não estou nem aí, querido. Aprenda a controlar a sua raiva. – Respondi debochada sem nem ao menos olhar em seus olhos. Que garoto mais mimado e idiota!
Senti o carro fazer uma curva à direita e logo vi que tinha estacionado em uma rua qualquer da cidade, desligando o carro logo em seguida.
- Ah, querida, é fácil para você dizer quando a razão pelo meu descontrole é totalmente sua, não é mesmo? – Ele me respondeu no mesmo tom debochado que eu havia usado e, quando olhei para o seu rosto, vi que estava extremamente vermelho.
- A culpa não é minha de você não aceitar que eu tenho uma vida e que eu é que decido o que quero fazer com ela! – Berrei novamente sem nem me importar se alguém de fora poderia ouvir.
- Não, você tem razão, a vida não é minha, mas a culpa é sua por me colocar de lado em toda e qualquer decisão que tem que tomar, como se eu fosse só um passatempo que você pode usar quando se sentir com vontade. – O garoto respondeu berrando tão ou mais alto que eu.
Respirei fundo e fechei os olhos frustrada. e eu estávamos tendo brigas frequentes por incompatibilidade de horários e por falta de tempo conjunto. Tanto a sua carreira quanto a minha estavam rapidamente decolando, o que acarretava em shows e compromissos nos mais diversos lugares, deixando-nos separados por dias ou até semanas. A verdade é que um relacionamento à distância não era nada se comparado com um namoro com proximidade física. Eu senti falta de seus beijos, abraços e o aconchego em dias ruins e sabia que ele também tinha saudades disso tudo.
Para mim, parecia que, a cada dia separados fisicamente, a nossa capacidade psicológica de lidar com tudo tornava-se menor e, honestamente, eu estava exausta. Estava exausta de tentar, exausta de chorar e exausta de sentir como se estivesse abrindo mão de um sonho em prol de um relacionamento sustentado em uma corda bamba. Atualmente, os poucos momentos em que estávamos juntos, eram quase que completamente dedicados a discussões originadas pela diferença de pensamento entre nós.
E nessa tarde chuvosa de sábado, o problema tinha surgido quando eu o contei que sairia em turnê pelo país na próxima semana. Não seria nada absurdamente grandioso, mas eu cantaria como ato de abertura dos shows de uma grande cantora pop atual, o que me garantia trabalho pelos próximos três meses. Seriam três meses viajando, três meses longe de casa e, consequentemente, longe de .
Obviamente, não pensei que ele fosse aceitar tudo com o maior sorriso do mundo, mas esperava que fosse, ao menos, ficar feliz por mim.
Eu nunca estive tão enganada em minha vida.
- Não fale como se fosse não fizesse a mesma coisa comigo, . – Cuspi as palavras para cima dele, olhando-o com a mesma raiva com a qual ele me olhava. – Você acabou de ficar um mês inteirinho na costa leste, aproveitando a vida, vivendo o sonho de rock star, e vem me passar sermão como se estivesse aqui do meu lado e eu estivesse te ignorando. Não seja hipócrita.
- Você já percebeu que só vê o seu próprio lado nessa porcaria toda? – O garoto respondeu, olhando pra frente e segurando o volante com força, como se precisasse quebrar alguma coisa por ali mesmo.
- E você, já percebeu que só vê o seu lado nessa porcaria toda? – Respondi simplesmente.
- Caralho, ! Eu fiquei um mês fora, UM MÊS, e te liguei todo santo dia pra conversar! Eu te pedi inúmeras vezes para que fosse me visitar, pra que me encontrasse por um fim de semana sequer e você nem cogitou a possibilidade de ir! Eu não estava aproveitando a vida loucamente, garota, você sabe que eu trabalhei absolutamente todos os dias em que estive na bosta do outro lado do país. E, agora que voltei, você me avisa que vai embora em uma semana e vai passar três meses longe de mim? É inacreditável.
O garoto me olhava com descrença e com um olhar assustador, como se me desafiasse a negar o que ele havia dito. E, por mais que eu quisesse, eu não podia. Não podia mentir e nem fingir que, de fato, ele havia tentado me dar atenção por todo aquele tempo e, mais ainda, que tinha me convidado pra ir com ele para o lugar em que estava ficando. Mas ao mesmo tempo, eu tinha a minha carreira e a minha vida pessoal para cuidar e não poderia simplesmente abandonar tudo e partir para o outro lado dos Estados Unidos para acompanhá-lo sem mais nem menos.
- Você sabia muito bem que eu tinha compromissos por aqui, e eu não posso correr atrás de você país afora.
- Bom, nesse caso eu também não. Você tem as suas prioridades e eu tenho as minhas. E, honestamente, me parece que elas não são mais compatíveis.
Olhei assustada para ele e senti um nó se formar em minha garganta instantaneamente. Em segundos minha visão ficou embaçada com as lágrimas que caíam em cascata dos meus olhos, sem que eu ao menos conseguisse impedir.
- O que você está querendo dizer, ? – Perguntei com a voz em um fio, quase inaudível, mas soube que ele havia escutado quando suas mãos desapertaram o volante do carro e foram de encontro à minha, antes que eu a puxasse com força.
- Nada, eu não estou querendo dizer nada. – O garoto respondeu e suspirou, olhando para baixo. Assisti a chuva fraca cair nas janelas do carro e permaneci em silêncio pelo o que me pareceram horas.
- Você acha que isso tudo é demais para nós agora? – Perguntei ainda baixo, torcendo para que ele negasse e me chamasse de louca, rezando para que dissesse que iríamos contornar aquela situação – como já havíamos feito tantas e tantas vezes – e que poderíamos suportar muito mais do que o que estávamos carregando em nossas costas. Mas, no momento em que ele terminou de falar, senti meu coração se despedaçar em milhões de pedacinhos.
- É, eu acho que sim.
- E o que você quer fazer, então? – Rebati a sua frase, querendo que ele fosse o responsável por sugerir qualquer coisa, de forma a tornar mais fácil, para mim, superar tudo aquilo. Eu estava sendo uma egoísta, eu sabia, mas, naquele momento, eu queria que a culpa de qualquer memória ruim entre nós dois fosse toda dele.
- Acho que devemos nos separar, pelo menos por um tempo. – Olhei para o seu rosto pela primeira vez em alguns minutos e vi que ele também estava chorando. Céus, como é que alguma coisa tão dolorida para todas as partes envolvidas pode parecer a melhor solução para os problemas?
- Certo. – Respondi rapidamente, já que era a única coisa que eu conseguia falar sem simplesmente desabar. – Por favor, me deixa em casa.
Ele acenou afirmativamente, respirou fundo e voltou a andar com o carro. O caminho me pareceu durar horas e eu fui o trajeto inteiro sentindo as lágrimas descerem pela minha bochecha. Pude ouvir fungadas vindas de de tempos em tempos, mas não me atrevi a olhar para ele mais uma vez. Eu só queria chegar em casa, deitar em minha cama e chorar pelos próximos anos.
Quando o carro chegou na frente da minha garagem, o garoto pegou o controle remoto do portão, que estava em seu porta-luvas, e abriu a porta, entregando-me o objeto logo depois. Aquele gesto apenas me fez soluçar mais alto, já que me pareceu que ele estava, de fato, distanciando-se de mim. Era como se significasse que ele estava abrindo mão de mim, devolvendo-me, junto com a chave, o meu coração, que era dele até o momento.
Logo que o carro parou, eu abri a porta e me pus de pé, já do lado de fora. Ainda chovia, mas eu não me importava. Na verdade, naquele momento nada mais me importava.
- Obrigada, por isso e por todo o resto. – Falei olhando para dentro do carro e pude ver o garoto desabotoar o cinto de segurança e pular para o banco do carona, ficando mais próximo de mim. – Eu te desejo toda a sorte do mundo.
- ... eu espero que seja muito feliz. Se você precisar de qualquer coisa em qualquer momento da sua vida, é só me chamar. – Acenei afirmativamente com a cabeça e decidi deixar o orgulho de lado, abaixando-me e indo em sua direção para abraçá-lo o mais forte que consegui. O garoto colocou o rosto em meus cabelos molhados e os cheirou, eu só conseguia pensar que não queria que ele me soltasse nunca mais. – Eu vou sentir sua falta todos os dias, todas as horas. Eu te amo com tudo em mim.
- Eu também, . – Respondi já me distanciando dele, antes de sentir sua mão grudar os nossos lábios gentilmente, antes de darmos um último beijo. Um beijo de adeus. – Mas agora você precisa me deixar ir, porque eu não consigo fazer isso por nós dois.
O garoto acenou afirmativamente e me soltou, voltando ao banco do motorista. Fechei a porta do seu carro e dei um passo para trás, acionando novamente a porta da garagem para que ela abrisse e deixasse o caminho livre para ele sair. arrancou com o carro sem nem ao menos olhar para trás e desapareceu da minha vista. Ele tinha partido. Meu coração estava em cacos. E eu só pensava no quanto eu ainda o queria ali.
Fui arrancada dos meus devaneios ao ser chacoalhada de um lado para o outro por conta de uma turbulência repentina. Meu coração, que já estava acelerado pelas lembranças, pareceu vir à minha boca e, sem nem ao menos raciocinar, segurei a mão do garoto com a maior força que consegui e fechei os olhos. O aviso de afivelar os cintos, que havia sido desligado já há um tempo, foi novamente acionado pelo piloto, fazendo-me resmungar baixinho pelo o que estava por vir.
Procurei com os olhos os comissários de bordo – olhar para eles sorridentes e à vontade na aeronave me deixava um pouquinho menos em pânico -, mas quando os encontrei, pude apenas ver Cindy sentar e a afivelar o cinto em sua cadeira enquanto sua colega de trabalho pegava no telefone e dava início a um anúncio da tripulação.
- Senhoras e senhores, estamos passando por uma área de instabilidade no momento, então pedimos que afivelem os cintos e permaneçam em seus devidos lugares, até segunda ordem, para garantir a segurança e evitar acidentes. A situação está completamente controlada e estamos em contato com as torres de comando e com os aviões que realizam a mesma rota. Agradecemos a atenção.
Fechei a janela do meu lado e olhei para o garoto com uma cara que, eu poderia jurar, seria engraçada não fosse o meu desespero. Ele sorriu carinhoso e passou a fazer um carinho na minha mão com seu dedão, claramente tentando me passar confiança. Engoli em seco e respirei fundo tentando me acalmar e evitar protagonizar qualquer tipo de cena.
- Ei, calma, . – falou delicado e ainda sorrindo. – Você mesma ouviu o que a aeromoça disse agora, não tem nenhum tipo de perigo, provavelmente só estamos passando em uma área com muito vento ou algo assim, nada demais. Essa geringonça aqui é indestrutível, pode ter certeza.
Assenti devagar e soltei a minha mão da dele, passando-a pela minha calça para limpar o suor que se acumulava no local. Eu tremia involuntariamente e sentia meu estômago afundar todas as vezes em que o avião despencava alguns metros pela turbulência. Passei o olho pelo resto da cabine e vi que apenas eu parecia nervosa naquele momento, então forcei o meu cérebro a tentar entender que não havia, de fato, nada a temer.
- Sim, eu sei, eu sei. Esse discurso é muito bom e verdadeiro, mas não faz muito sentido na minha cabeça quando estamos balançando a quase 11.000 metros de altura. – Respondi ainda insegura e o ouvi soltar uma risadinha baixa perto de mim. Olhei para ele incrédula e fingindo estar brava. – Você está rindo de mim, ?
- Sim, não... Talvez. – Ele falou mordendo o lábio inferior na tentativa de esconder um sorriso. – Não é bem rindo de você, mas sim de como você tem medo de avião, mas não liga de ir naquelas tirolesas enormes e fazer arvorismo a centenas de metros de altura. Aquilo lá é muito menos seguro que isso aqui.
Dei uma risadinha baixa, realmente achando graça da minha incoerência, mas, ainda incapaz de deixar o orgulho completamente de lado e dar o braço a torcer de forma a admitir que os meus motivos pra gostar ou não de cada uma dessas coisas talvez fossem incompatíveis.
- É, bom, de certa forma você tem razão, mas o negócio pra mim é que aqui eu não tenho controle de nada. Se o piloto decidir dormir e largar o controle do avião, eu estarei ferrada e totalmente nas mãos dele, agora no arvorismo, tirolesa, eu só caio se eu mesma for idiota, e mesmo assim estarei muito mais perto do chão.
- Mas não importa, caiu lá, morreu. Aqui a gente ainda pode pousar de um jeito divertido e vai ter histórias pra contar. – O menino fez graça e eu bufei e cruzei os braços, fazendo birra só porque eu sabia que isso iria sensibilizá-lo. – Ah, bonitinha, eu estou só brincando com você, e tentando te distrair. Não vai acontecer nada ruim aqui e nem em nenhum desses brinquedos que você gosta de ir. Eu entendo e respeito o seu medo.
terminou de falar e se inclinou para mim, beijando-me rapidamente na bochecha e se afastando logo em seguida. Fiquei estática por um momento, tentando assimilar o que tinha acontecido, e olhei para ele um pouco confusa, como se pedisse explicações. Quase como se pudesse ler meus pensamentos, ou a minha linguagem corporal, o menino soltou uma gargalhada e começou a falar.
- Foi só um beijo de desculpas, , nada demais! – Ele se inclinou novamente para perto de mim e sussurrou, deixando-me extremamente corada. - Nós já fizemos muito mais do que isso, sabe? Um beijinho no rosto não deveria nem ser considerado alguma coisa entre você e eu.
- , cala a boca! – Reclamei falsamente ofendida e dei um tapa em seu braço, rindo um pouco do eu ele tinha acabado de falar. – Eu só fiquei um pouco em choque da razão pela qual fez isso, e não pelo beijo em si. Mas agora que disse que foi um beijo de desculpas já entendi, e você está desculpado.
Ele abriu um grande sorriso e eu o segui fazendo o mesmo gesto. O avião tremeu um pouquinho e eu rapidamente tirei o sorriso do rosto e agarrei a cadeira da forma que consegui. Quase como se quisesse me mostrar que estava lá por mim, gentilmente retirou a minha mão do braço da cadeira e entrelaçou-a nas dele de novo.
Senti meu coração dar um pulo com a sua demonstração de proteção e o meu medo pareceu diminuir consideravelmente. Fiquei quieta por um tempo apenas normalizando a respiração – que tinha disparado com o susto da turbulência –, mas logo decidi me manifestar para que a melodia da voz de preenchesse todos os meus pensamentos e levasse o pânico embora de vez.
- Vamos falar de alguma outra coisa, por favor, para que minha cabeça vá para outro lugar. – Pedi ao garoto, que prontamente assentiu com a cabeça.
- Certo, começa me contando então o que você fez nos últimos 2 anos em que não nos vimos, ou será que foram 3? – Ele fez uma careta pela última parte e eu sorri com a sua confusão.
- Foram 2 anos e pouquinho, , quase três. A última vez que nos encontramos foi no VMA de 2015, em agosto. Eu lembro que nos cumprimentamos nos bastidores e você performou um pouco depois que apresentei algum prêmio. – Respondi e o vi pensando um pouco até sua feição passar para uma de quem havia finalmente entendido alguma coisa.
- Ah sim, lembro bem desse dia! Você estava vestida de vermelho, certo? – Assenti rapidamente e vi um sorriso safado surgir em seu rosto. – Estava deslumbrante, se me permite dizer.
- Ah, hum, obrigada. – Falei sentindo o meu rosto queimar e mordi o lábio inferior. – Eu estava meio aérea naquele dia, me lembro. Tinha tido uma discussão um pouco antes da premiação e acabei indo sozinha.
Ele concordou com a minha fala e não perguntou nada quanto ao teor da briga, o que me fez agradecê-lo internamente uma vez que tinha sido com o meu namorado e eu não tinha a mínima vontade de compartilhar isto com ele.
- Bom, mas desde aquele dia, e até um pouco antes dele também, quando paramos de nos falar, o que é que você tem feito? Como tudo tem andado?
- Acho que no geral as coisas não mudaram muito se comparado com aquilo que você já sabe. – Falei apertando um pouco a mão dele quando senti uma turbulência um pouco mais forte sacudir o avião. O menino devolveu o aperto e novamente iniciou uma carícia no lugar. – Continuo morando naquela mesma casa em Toluka Lake e tenho a Penny como cachorrinha. Meus pais ainda moram no Kentucky, mas têm ido me visitar com muita frequência, então o nosso contato aumentou muito desde então, sabe? E continuo com o mesmo emprego, cantando por aí, não larguei a vida de artista por enquanto. – Fiz graça e vi um sorriso tímido em seus lábios.
- Você quase não mudou, então. Mas fico muito feliz de saber que tem visto bastante os seus pais, eu lembro de como você sentia muitas saudades deles. – Concordei e o vi assentir também, antes de voltar a falar. – O seu pai está melhor? Li uma notícia há algum tempo que ele tinha descoberto um câncer agressivo e que estava em tratamento.
Arqueei a sobrancelha por perceber que o garoto se interessava pela minha vida pessoal mesmo que longe de mim, mas decidi não falar nada quanto a isso e apenas respondi a sua pergunta.
- Ele está indo, sabe? Não tem como ele ficar 100%, mas acho que o tratamento tem feito ele sofrer um pouco menos. É um câncer sem cura, então só podemos aproveitar o tempo que nos resta juntos. – Suspirei e olhei para baixo. Era difícil para mim, falar daquilo com qualquer pessoa, mas tinha um carinho muito grande pelos meus pais – que era verdadeiramente recíproco – e eu achava que ele merecia saber uma vez que tinha perguntado.
- E você está bem com tudo isso? – O garoto perguntou gentilmente e eu o olhei nos olhos, encontrando uma calmaria imensa lá.
- Sim, estou bem. Passei por momentos difíceis uns anos atrás, mas agora tudo está sob controle. Acho que fazia uns bons anos que eu não me sentia tão feliz como estou agora. Como já falei, parece que tudo se encaixou em determinado momento. - concordou e sorriu e eu sorri também. Ele franziu as sobrancelhas e respirou fundo antes de finalmente me perguntar algo que parecia o estar incomodando há um tempo.
- E você está mesmo noiva, afinal? – Ele perguntou com uma aparente inocência, mas eu sabia que a pergunta não era tão inocente assim. Engasguei um pouco com o susto que levei, mas logo me recompus e o olhei assustada.
- Noiva? Como assim noiva? Eu não estou noiva de ninguém! De onde você tirou isso? – Perguntei com a voz um pouco mais aguda que o normal.
- Eu ouvi em um programa que você tinha ficado noiva do Anthony no começo desse ano. Eles disseram que você já tinha até decidido como e onde seria o casamento e que ele já tinha, inclusive, vendido à própria casa pra morar com você, foi até mostrada uma foto sua usando um anel e coisa assim. Eu acreditei que fosse verdade. – Ele respondeu olhando para mim com um pequeno sorriso nos lábios. Eu ouvia com atenção tudo o que ele dizia, mas estava honestamente chateada por ele ter acreditado que eu pudesse realmente me comprometer sem nem ao mesmo comentar algo com ele. Deus, estávamos afastados, era bem verdade, mas ele era importante o suficiente para mim para que eu pelo menos o comunicasse, de forma privada, isso!
- Não, de forma alguma. Nós não estamos noivos e eu nem tenho planos para isso também. Eu não sei por que a imprensa insiste em espalhar esse tipo de coisa sem pé nem cabeça, não sei de onde tiram isso. Anthony e eu continuamos juntos, mas apenas como namorados, nada mudou. E eu te diria se estivesse comprometida, você deveria saber. – Respondi um pouquinho incomodada. – Bom, na verdade, ele vendeu a própria casa mesmo, como você tinha dito, mas só está morando junto comigo até encontrar algum outro lugar legal para comprar. Ele está procurando, sabe? Mas até o momento não achou nada. Mas, enfim, não estamos noivos só por isso e eu realmente não sei qual anel pode ser tão bonito para parecer um anel de noivado.
riu da minha pequena brincadeira no final da fala e mordeu os lábios com a minha resposta.
- Aposto que você tem um monte de anéis maravilhosos que possam parecer de compromisso, eu mesmo lembro de ter visto alguns já. Mas, bom, se não tem, já sei o que posso te dar de aniversário esse ano. – Sorri, fiz um biquinho divertido de aprovação e assenti, como se aceitasse a oferta. – De qualquer forma, eu não ficaria surpreso se você e Anthony tivessem decidido dar um novo passo. Já são três anos juntos, não?
- É sim, um pouco mais do que isso na realidade, não sei ao certo o quanto, nós não comemoramos isso. – Falei rapidamente, sem dar muitos detalhes. – Enfim, sem noivados em vista para mim, mas e quanto a você? Alguém interessante que valha a pena comentar? – O garoto coçou a cabeça com a mão livre e entortou os lábios, eu entortei minha cabeça em resposta e esperei.
- Não, estou completamente sozinho. Namorei uma menina uns tempos atrás, mas não deu muito certo, ela era muito diferente de mim e minha mãe a odiava, o que tornava tudo mais difícil. – Ele deu de ombros como se não se importasse e eu ri.
- Ah, Dona Cheryl, sempre tão estrita com as namoradas dos filhos... – Brinquei falando de sua mãe e arranquei uma gargalhada dele. – Quem diria que iria se render aos gostos da mãe sobre as namoradas?
- Eu não posso contradizê-la, não é mesmo? Se a minha mãe não curte a garota com a qual estou ficando tenho que abrir mão, senão vou ouvir um sermão absurdo. Mas ela não é tão chata assim sempre. Ela ama você, me pergunta todas as vezes que vou lá como é que você está, mesmo comigo dizendo que não sei, reclama que está com saudades e me diz sempre que nós dois ainda vamos nos casar um dia.
Novamente senti minhas bochechas ruborizarem e abaixei a cabeça, desviando o olhar do rosto do menino ao meu lado. Quando finalmente tomei coragem para olhá-lo vi que ele também estava um pouquinho vermelho, como se dizer aquilo também estivesse o deixado sem graça.
- Eu sinto falta dela também, tenho que fazer uma visita quando ela estiver livre. – Falei simplesmente, ignorando a última frase do garoto.
- Ah, ela iria amar. Pode aparecer o dia que quiser, pode ter certeza, minha mãe vai ficar nas nuvens em te receber. Ela nunca gostou de nenhuma nora nem a metade do que gosta de você até hoje. – falou e sorriu, olhando bem em meus olhos.
- Ela é adorável e extremamente doce comigo. É quase como uma segunda mãe pra mim, uma que sempre estava por perto. Você não faz ideia do quanto saber que ela ainda tem uma grande consideração por mim me deixa feliz! – Disse animada e vi o garoto balançar a cabeça em descrença e riu baixinho antes de falar.
- Você não pode ter pensado que algum dia ela tenha sequer cogitado a possibilidade de gostar um pouquinho menos de você! Honestamente, acho que aquela mulher te adora mais do que a mim mesmo. Quando terminamos da última vez ela chorou copiosamente por semanas! – Ele me confidenciou e eu ergui as sobrancelhas surpresa.
- Coitada, ! Eu não sabia disso, senão teria ligado para me desculpar. Você deveria ter me dito!
- Não teria muito o que fazer na época, nós estávamos acabados e eu achei que qualquer contato seria mais dolorido do que deixar as coisas como estavam. – disse olhando em meus olhos, o que me fez engolir em seco. – Não tinha muito que fazer entre nós, não é mesmo? – Ele arqueou a sobrancelha como se quisesse que eu confirmasse sua pergunta e eu apenas o fiz, meneando a cabeça lentamente.
- Acho que não, acho que foi melhor assim mesmo. – Respondi e me mexi desconfortavelmente na cadeira. O avião ainda balançava, mas minha atenção estava totalmente focada na conversa e no homem ao meu lado, o que fazia com que todo o pânico fosse simplesmente deixado de lado um pouquinho.
- Você acha que teria dado certo? – perguntou-me e eu ergui a sobrancelha, confusa. – Quero dizer, nós dois. Você acha que, se tivéssemos insistido um pouco mais, nós teríamos sido felizes juntos?
Mordi o meu lábio inferior e respirei fundo. Será que teríamos dado certo? Será que nós dois teríamos conseguido passar por cima dos nossos muitos problemas para ficarmos juntos permanentemente? Onde estaríamos agora?
- Sinceramente? Eu não sei. Às vezes eu acho que nós dois estamos presos em um trem que corre em uma linha circular, o que faz com que nosso relacionamento siga sempre a mesma série de acontecimentos: nos apaixonamos, aproveitamos a companhia um do outro, brigamos e terminamos. É como se o trem fosse selado de todos os lados e não conseguíssemos jamais saltar dele para que possamos procurar uma história diferente. Parece uma maldição sem fim, algo do qual não conseguimos escapar.
- Essa comparação é um pouco estranha, tenho que admitir, mas faz um sentido assustador. – Ele disse e eu ri baixinho, ainda que por dentro estivesse um pouco triste com a constatação. Nós estávamos presos em algo fadado ao fracasso, certo? Talvez. Talvez não. – Mas, ao mesmo tempo, com essa comparação, se estamos presos em um trem que corre em uma linha circular, não tem como fugirmos um do outro porque sempre vamos voltar ao mesmo lugar, não é mesmo?
- Pensando por esse lado, sim. – Respondi sem fazer nenhuma constatação adicional.
- E se voltamos para isso, você acha que daríamos certo mais uma vez? – perguntou, novamente fazendo-me pensar naquilo. Será? Será que seríamos incapazes de sair daqueles círculos viciosos? Ou será que em determinado momento, poderíamos agir em conjunto para procurar um desvio nos trilhos malditos?
- Acho que sim. Se pudéssemos abrir mão de algumas coisas de modo a evitar uma nova sucessão daquela linha do tempo já tão conhecida, talvez fôssemos capazes de achar uma nova estação para parar o vagão. – Refleti ainda pensativa e, quando o encarei, ele me olhava com um semblante extremamente confuso. – O que eu quis dizer com essa frase é que sim, poderíamos dar certo. Mas, para isso, precisaríamos mudar algumas coisinhas pra que não acabássemos indo pro mesmo caminho de todas as outras vezes, com as brigas e desconfianças. Talvez assim, pudéssemos fazer funcionar.
- Certo, concordo com você. Só não entendo o porquê não falou isso de uma vez. O que disse sobre estação e linha do tempo e não sei mais o que me confundiu inteirinho. Por que sempre tão complicada, ? – debochou de brincadeira e eu ri baixinho.
- Eu sou uma cantora e compositora, querido. Sempre acho uma forma artística de expor aquilo que estou pensando. É um dom e é bonito, não negue. – Respondi divertida, arrancando um sorriso do garoto.
- Não nego nada, mas tenho que dizer que a primeira coisa que devemos mudar entre nós para fazer qualquer coisa funcionar é isso. Por favor, fale inglês, eu sou homem, não consigo entender essas comparações automaticamente, sou burro. – Arqueei a sobrancelha em surpresa e mudei minha feição para uma tão confusa quanto àquela que o garoto possuía alguns minutos atrás.
- Nós estamos tentando agora? – Indaguei receosa.
- Não deveríamos? – Ele perguntou aparentemente inocente.
Decidi não responder, deixando os meus olhos falarem por mim, olhando bem nos fundos da sua íris. Eu esperava de coração que ele entendesse, que fosse capaz de ler as minhas razões e os motivos para a recusa dessa quase-proposta informal.
Permanecíamos os dois quietos, envolvidos em nosso mundinho particular, sem nem mesmo dar atenção à volta. Pude ver o seu olhar passar por todos os pontos do meu rosto e se fixar em minha boca antes de, finalmente, voltar para a minha linha de visão, fazendo-me soltar a respiração que eu nem ao menos sabia estar prendendo.
O avião balançava, agora freneticamente, provavelmente enfrentando a parte mais forte da turbulência até então. Eu sentia o meu corpo ser chacoalhado de um lado para o outro, ouvi alguns gritinhos à distância, mas minha mão continuava protegidas pelas grandes mãos de , passando-me uma calmaria inigualável. E eu não podia estar ligando menos para isso no momento. A verdade é que o balançar da aeronave era só uma marolinha perto das cambalhotas e dos apertos constantes que insistiam em machucar o meu coração. Deus, fazia tanto tempo desde a última vez em que ele tentou algum tipo de aproximação a mim, que, só de ouvi-lo cogitar qualquer possibilidade quanto a isso, e saber que eu não poderia sequer pensar em aceitar, o meu mundo todo parecia entrar em colapso! Eu era tão azarada.
Engoli em seco e lutei contra minha vontade de simplesmente desviar o rosto dali e de deixar uma lágrima teimosa escapar. Respirei fundo e, depois do que me pareceram horas, ele finalmente se manifestou, com um sorriso triste escondido na lateral dos seus lábios.
- Você gosta mesmo dele, não? Acha que encontrou o cara? – Eu sabia que o garoto estava se referindo ao meu namorado e, se estivermos sendo sinceros, ele era grande parte da razão pela qual tentar com já não me parecia plausível ali. Grande parte, mas não tudo.
Dei de ombros, evitando responder aquilo tão rápido. Sim, eu gostava de Anthony, gostava de verdade, mas a situação toda era complicada. Nosso relacionamento começou de forma conturbada e, mesmo estável, tinha lá os seus altos e baixos, o que me levava a questioná-lo com certa frequência.
Tony, como eu o chamava, era um bom companheiro e um ótimo ouvinte, era engraçado, extremamente bonito aos meus olhos, sabia apreciar os pequenos pontos positivos da vida e era carinhoso como poucos. Com ele eu tinha aquele relacionamento confortável, natural e que eu sabia poder ser duradouro, se eu quisesse e pudesse ignorar os percalços do caminho. Ele me completava, era bem verdade, mas era só. Por mais difícil que pudesse ser admitir aquilo, eu poderia viver sem a sua completude, poderia achar a suficiência em mim mesma tranquilamente, poderia deixar a sua parte ir.
Eu sabia que essa era a sensação que muitos procuram em um relacionamento, mas quando já se viveu além disso, aceitar ser apenas completa me parecia ser pouco, e me parecia errado dizer que o cara certo só me proporcionava aquilo.
Em contrapartida, me transbordava. Todas as vezes que eu o tinha, sentia como se nada no mundo pudesse me fazer tão feliz. Deixá-lo ir sempre me matava um pouquinho e eu demorava pra conseguir me colocar em pé novamente. Era doentio, de certa forma, mas era, ao mesmo tempo, como a minha solução de problemas, como um remédio para o meu coração.
Isso me parecia ser o certo para a pessoa certa.
Mas eu não poderia dizer a ele.
Limitei-me então a engolir em seco novamente e morder o lábio, tentando disfarçar o nervosismo absurdo que tomou conta de mim pela pequena reflexão que a sua pergunta me levou a fazer. Céus, não poderia haver lugar e jeito pior do que aquele para pensar sobre tudo o que eu havia tentado, por anos, sufocar dentro de mim.
Eu estava nas alturas - literalmente. Tê-lo tão perto de mim fazia com que meu coração saltasse, acelerando os meus batimentos cardíacos de uma forma que eu tinha certeza não ser nada saudável. Eu sentia o seu toque firme e seu sorriso sincero a cada pequena turbulência que enfrentávamos pelo caminho, o que quase me fazia esquecer do meu medo irracional de voar. Ali, naquele avião, ele era o meu porto seguro. E talvez, só talvez, ele também o fosse em terra firme.
Mas também, talvez, só talvez, eu devesse deixar a vida seguir até que nos esbarrássemos em outro momento, até que minha resposta à sua pergunta mudasse, até que pudéssemos tentar uma outra vez.
- Sim, ele é um cara legal, gosto da sua companhia. É tudo muito leve e simples entre nós.
- E você não poderia fazer isso com ele. – disse abaixando a cabeça e desviando um pouquinho o rosto de mim.
- E eu não poderia fazer isso com ninguém. Não poderia abandoná-lo sem razão, iria destruí-lo. Só iria resultar em sofrimento para todos os lados, você sabe disso tanto como eu. – Respondi simplesmente, apertando de leve as suas mãos como em uma forma de carinho.
- Talvez um dia. – Ele falou com um meio sorriso fraco e eu o acompanhei, grata por ver o assunto sendo sutilmente encerrado.
- Quem sabe?
Depois do que me pareceu uma eternidade – que na verdade não deveria ter durado mais do que cinco minutos desde que mudamos de assunto -, o avião finalmente pareceu se estabilizar por completo e o piloto desligou o sinal de abotoar os cintos. Eu me permiti respirar mais tranquila e soltei a mão de , só então percebendo que a minha mão suava frio e eu estava tremendo. O garoto olhou para mim e sorriu, como se me encorajasse a ficar mais calma agora que o pior já tinha passado, e eu retribuí o sorriso, bocejando logo em seguida.
- Você pode se encostar nos meus ombros se quiser dormir. – Ele disse carinhoso. Assenti como se agradecesse, mas recusei.
- Não acho que devo, quase quebrei a sua mão uns minutinhos atrás, não posso abusar tanto assim. – Brinquei, disfarçando o fundinho de verdade na minha fala. Eu queria estar perto dele, mas eu não tinha tanta certeza se cair no sono respirando o seu perfume iria ser benéfico para o meu subconsciente, e eu não podia abusar da sorte. Tê-lo ali já estava bom demais.
- Ah, que nada, mas fica a seu critério. Te garanto que meu ombro faz bem o papel de travesseiro. - Dei uma risadinha baixa e apoiei a minha cabeça na parede do avião, colocando a pequena almofada que havia sido fornecida pela companhia aérea entre minha cabeça e a lataria, ficando um pouquinho mais confortável.
Não demorou mais do que cinco minutos para que eu caísse no sono – um verdadeiro recorde pessoal para o quesito “cochilo no avião” -, já que eu estava mais relaxada, nas alturas, do que jamais me lembrava ter estado. No entanto, meu subconsciente foi diretamente ao encontro com a sensação de paz que eu estava sentindo nas alturas, levando-me para os caminhos tortuosos, cheio de lembranças doloridas da montanha-russa que era o meu relacionamento com .
Domingo, 26 de fevereiro de 2012.
Eu estava curtindo mais a vida nos últimos tempos do que jamais havia curtido. Não precisava dar satisfações para ninguém, não dependia de nenhuma autorização para fazer o que quer que me desse na telha e, principalmente, era livre e completamente independente para decidir, sozinha, quem seria o próximo a ocupar a minha cama.
Terminar com fez com que minha carreira fosse alavancada rapidamente e os últimos meses tinham mudado a minha vida drasticamente. Eu já tinha um público consolidado em meus shows tanto na América quanto no resto do mundo, já ganhava “salário de gente grande” e tinha a gravadora em minhas mãos quando queria. Isso tudo havia sido fruto do meu esforço pessoal, mas, era bem verdade que ter permanecido solteira para dedicar atenção exclusiva ao estrelato tinha sido uma vantagem considerável.
Eu não falava com meu ex-namorado desde aquele dia em que ele deu meia volta com o carro e partiu da minha casa, deixando-me para trás sem nem mesmo parecendo se arrepender. Como num acordo mútuo, não frequentávamos os mesmos ambientes e nem compartilhávamos o mesmo grupo de amigos. Sempre que chegava ao meu conhecimento que estaria em determinado local eu simplesmente não aparecia, e eu acreditava que o contrário era igualmente verdade. Era como se estivéssemos evitando nos machucar e eu agradecia aos céus por isso porque a ferida que ele havia causado em meu coração mal havia cicatrizado.
Como que por sorte ou azar do destino, o jantar de comemoração dos 10 anos da gravadora, que havia sido marcado para aquele pacato domingo de 23 de fevereiro, tinha como regra implícita a presença de todos os artistas que possuíssem algum vínculo de trabalho com a companhia, como era o meu caso. E como era o caso de . Eu sabia que o garoto iria comparecer ao evento, mas torcia silenciosamente para que nossos horários se desencontrassem.
Levei um tempo um pouquinho maior do que o normal para me arrumar para a festa, não porque eu queria eventualmente causar ciúmes para se eu o encontrasse ou algo do tipo, mas sim porque queria que ele visse que eu permanecia muito bem, obrigada, sem ele.
Não demorou muito para que eu estivesse já no carro a caminho do evento, com minhas mãos tremendo e minhas costas suando, apesar de querer negar com todas as minhas forças que essas reações físicas estivessem, de fato, acontecendo. Respirei fundo antes de descer e abri o maior sorriso possível à chuva de fotógrafos que esperava na frente da porta do clube em que ocorreria a festa.
Dentro encontrei muitos conhecidos, cumprimentei alguns amigos e ignorei outros tantos, mas instantaneamente a minha visão foi atraída por um par de olhos um tanto familiar, que despertava borboletas no meu estômago e calafrios em lugares que eu nunca nem pensei existir. Engoli em seco e fui logo atrás de uma bebida de um garçom que estava passando por perto de onde eu me encontrava, engolindo tudo de uma vez só. Colei em uma amiga que estava passando pelo local, comecei um assunto qualquer e fingi estar extremamente interessada no que ela tinha a dizer por, pelo menos, os próximos trinta minutos seguintes.
não parecia ter me notado, ou, pelo menos, estava me ignorando, porque até então não havia tentado se aproximar. Eu tinha ouvido suas risadas ao longe algumas vezes, como se sobressaíssem naquele mundaréu de vozes, mas tentei ao máximo agir como se elas jamais tivessem sido percebidas por mim. Quando achei que já tinha ficado tempo o suficiente naquele lugar, comecei a me despedir de todo mundo que me interessava e caminhei em direção à saída, só para sentir meu braço sendo puxado para trás assim que meu pé esquerdo cruzou a linha da porta que separava o ambiente da festa daquele que levava ao jardim.
- Mas o que é isso? – Perguntei um pouco assustava ao meu tempo em que tentava puxar o meu braço daquelas mãos firmes.
- Desculpe se te assustei, só queria te dizer “oi” antes que fosse embora. – disse um pouco desconcertado, retirando a mão do meu braço com rapidez. – Te machuquei?
- Não, não, está tudo bem, só tomei um susto mesmo. – Falei massageando o local que o menino tinha puxado antes, mas tentando a todo custo disfarçar o ato para que ele não se sentisse culpado.
- Ótimo. Bom, então, oi. – Ele disse coçando a cabeça logo antes de sorrir.
- Oi. – Respondi um pouco seca, incerta do que falar.
- Tudo bem? Como você está? Vi que sua carreira está indo muito bem, parabéns. Como tudo tem sido? – O garoto falou um pouco rápido demais, arrancando risos de mim pela sua afobação.
- Respira, . Estou ótima, aproveitando bastante o que posso e curtindo o bom momento profissional. E você?
- Tudo ótimo também. Você já está indo? Fica mais um pouco, . – falou se aproximando um pouco para que eu pudesse ouvi-lo em meio a todo aquele barulho.
- Eu acho que não posso, realmente tenho que ir. – Respondi sorrindo de lado.
- Você tem algum compromisso amanhã?
- Sim. – Falei automaticamente, antes de dar o braço a torcer e abrir o jogo. - Não, só cansei de ficar aqui mesmo.
- Bom, nesse caso eu também. Já marquei ponto aqui e acho que posso dar no pé. Quer ir comigo para algum lugar? Podemos comer alguma coisa e conversar. – O garoto mordeu seus lábios esperando uma resposta minha, e, embora sua pose fosse a de quem estava certo com a pergunta que havia feito, seu nervosismo era percebido pela batida suave e incessante dos seus pés no chão, perto o suficiente de mim para que eu percebesse.
- Hum, certo, acho que tudo bem. Vamos comer algo porque eu estou faminta, e colocamos o papo em dia também.
sorriu abertamente e pegou nas minhas mãos como num ato natural, me guiando para uma saída lateral, longe dos paparazzi que faziam plantão por ali.
Fomos diretamente para uma hamburgueria, conversamos até sermos expulsos pelo gerente do lugar devido à hora avançada e acabamos em minha cama logo depois de termos assistido ao pôr do sol juntos, após de uma noite mágica e intensa.
Segunda-Feira, 11 de junho de 2012.
me beijou mais uma vez e deitou-se ao meu lado, puxando-me para si. Virei-me de frente tentando ficar mais perto dele e coloquei minha cabeça entre seu rosto e ombro, aconchegando-me ali e sentindo o seu aroma.
- Você vai dormir? – Escutei sua voz sonolenta me perguntar e limitei-me a responder negativamente só com um som. riu e, apesar de querer lutar contra isso pela vontade de permanecer quietinha como estava, acabei o acompanhando, rindo também. – Quer assistir algum filme?
- Não.
- Quer comer?
- Também não. – Falei com a voz arrastada e preguiçosa.
- Quer fazer o que? – O garoto me perguntou enquanto acariciava meu cabelo.
- Ficar aqui um pouquinho com você, sem me mexer, só aproveitando a folga. – Respondi manhosa, dando um beijo em seu pescoço logo em seguida.
- Ah, ... eu sei que você quer só tirar proveito de mim. – Ele brincou e eu o abracei o mais forte que pude.
- Quero mesmo, quero ficar aqui enquanto posso usar você. – Ri baixinho e olhei para o seu rosto, procurando algum sinal sobre sua opinião em ficarmos por ali. – Tudo bem para você?
- Tudo ótimo, lindinha. A única coisa é que mais tarde tenho compromisso, tudo bem?
Respirei fundo e abaixei a cabeça como se estivesse apenas pensando no que o garoto havia dito. Em circunstâncias normais, eu não teria argumento nenhum para sequer contestar o compromisso, era a vida dele, certo? Certo. Mas no meu íntimo eu sabia que esse código “compromisso” era sinônimo de encontro com alguma outra garota qualquer, caso contrário ele simplesmente falaria o que quer que fosse fazer. Suspirei e engoli o choro antes que deixasse uma lágrima idiota escapar pelos meus olhos.
- Ah, ok. Não demoro por aqui então. – Disse me desvencilhando do garoto e já me preparando para pegar a minha roupa espalhada pelo chão do quarto. Antes que eu pudesse efetivamente levantar, senti colocar a sua mão delicadamente em cima da minha, como se pedisse silenciosamente para que eu não fosse.
- Ei, , não fica assim. Nós tínhamos combinado que seríamos apenas amigos com benefícios, não é mesmo? – Acenei afirmativamente com a cabeça, muito embora permanecesse de costas para ele. - Não tem nada fixo entre a gente, não tem como cobrarmos qualquer coisa um do outro.
- Eu sei, entendi isso já. Não falei absolutamente nada. – Dei de ombros e finalmente virei-me, olhando em seus olhos e quase me perdendo na imensidão deles. – Não vou te cobrar satisfação, , faça o que quiser.
- Então volta aqui, fica mais um pouco comigo.
- Perdi a vontade, acho que vou indo pra casa. Obrigada por me receber aqui. – Falei e me inclinei para deixar um beijo em sua bochecha, levantando-me em seguida para colocar o vestido que eu usava na noite passada e o tênis, que estava largado em outro canto do cômodo.
- Nos vemos logo? – perguntou com um sorriso sapeca no rosto depois de me assistir colocar a roupa na sua frente.
- Pode ser. Nos falamos depois.
E com isso saí do quarto. não me acompanhou até a porta e nem mesmo pareceu arrependido de qualquer coisa que tenha dito mesmo que eu tenha ficado visivelmente chateada. Mas ele estava certo, não tínhamos nada rotulado, e por mais que eu amasse estar em sua companhia e me dedicasse exclusivamente, não poderia exigir dele que pensasse como eu.
Nós estávamos saindo como amigos – e mais do que isso – desde o reencontro na festa da gravadora, meses atrás. Por um lado, eu estava satisfeita com a forma como as coisas estavam se desenvolvendo, mas por outro estava me machucando por saber que se dependesse dele, ficaríamos só naquilo por um bom tempo.
Eu queria dar um basta na situação toda, mas ao deixar a casa do garoto naquele dia eu mal sabia que demoraria ainda algumas semanas para que eu tomasse coragem e tivesse forças para efetivamente fazer isso.
Quarta-Feira, 14 de agosto de 2013.
O toque incessante do meu celular continuava estridente e eu corria de um lado para o outro da minha casa tentando encontrá-lo. Já fazia cinco minutos que eu estava procurando o objeto sem obter sucesso algum, mas, quem quer que fosse que estivesse me ligando, parecia estar realmente interessado em falar comigo.
Quando a musiquinha irritante parou, respirei afobada tentando adivinhar se isso significava que a pessoa tinha desistido ou se era só uma pausa estratégica para que tudo começasse de novo. Antes que eu precisasse sequer me preocupar com a resposta, avistei o aparelho enfiado entre livros de uma estante e corri para alcançá-lo. No entanto, o susto que levei no momento em que olhei no visor o remetente das chamadas perdidas quase me fez lançar o celular ao chão e sair correndo.
.
6 chamadas perdidas.
Fazia quase um ano que não conversávamos direito e, se nesse meio tempo nos encontramos socialmente 5 vezes, foi muito. Nesses momentos éramos corteses um com o outro, claro, e já não mais evitávamos a presença alheia, mas agíamos apenas como conhecidos e nada mais. Era mais uma decisão minha, mas ele parecia ter entendido e respeitava o suficiente para nem sequer contestar.
Mas, por qualquer razão, agora ele tinha me ligado insistentemente e eu não poderia dar as costas e ignorar.
Disquei de volta o número que sabia de cor e coloquei o celular na orelha, ouvindo os toques pausados que indicavam que a ligação estava, de fato, sendo feita. Meu coração batia forte pelo medo de algo grave ter acontecido com , mas ao mesmo tempo eu sabia que, se esse fosse o caso, eu provavelmente não seria a sua primeira opção de contato.
- Alô?
- Me ligou? - Falei um pouco apressada demais, tentando esconder pelo menos um pouco do meu desespero óbvio.
- Finalmente você respondeu, lindinha. Estava com saudades. – Ouvi sua voz arrastada do outro lado da linha, seguida de uma risada alta. – Eu te liguei um milhão de vezes e ninguém atendeu, achei até que estava ocupada, se é que me entende.
- Eu tinha perdido meu telefone, mas isso não vem ao caso agora. – Respondi ríspida antes de continuar de forma a provar minha suposição. – Você realmente está me ligando bêbado, ?
- Bêbado, eu? Não, não, não. Não estou bêbado. Estou alegre, é diferente. – Ele disse como se fosse óbvio.
- Por que me ligou? – Falei cansada. Eu não poderia fazer nada ali, e estender a ligação e arriscar ouvir algo que não deveria ser dito talvez não fosse a melhor ideia.
- Porque estava com saudades, oras, já te disse isso. Queria ouvir sua voz, saber de você, sentir o seu cheiro...
- Você não vai sentir o meu cheiro por aqui, , e, se quiser mesmo falar comigo, a melhor ideia é fazer isso quando você for lembrar de alguma coisa, não é mesmo? – Disse como se fosse tão óbvio como quando ele afirmou não estar bêbado.
- Não, porque eu vou me lembrar disso amanhã, então, por favor, não desliga. – Sua voz mudou de divertida para chorosa na última frase e quem teve vontade de rir naquele momento fui eu.
- E como você pode ter tanta certeza que vai saber exatamente o conversamos quando acordar?
- Simples. Porque eu não esqueço nada que tenha a ver com você.
Suas palavras me atingiram em cheio e engoli em seco, pensando no que responder depois disso. Eu sabia que ele estava falando mais do que normalmente faria por culpa exclusiva da bebida, mas, ao mesmo tempo, eu realmente acreditava na ideia de que são nesses momentos que colocamos pra fora o que realmente pensamos.
- Tudo bem. – Falei simplesmente.
- “Tudo bem, você não vai desligar” ou “tudo bem, passar bem”? – O garoto me perguntou com a voz ainda arrastada, mas parecendo genuinamente confusa entre as duas opções.
- Tudo bem, eu não vou desligar, ainda que acredite fielmente que amanhã você vai acordar sem nem saber que me ligou. – Suspirei audivelmente antes de prosseguir de forma a manter a conversa com o meu ex-namorado. – Sobre o que quer falar?
- Sobre tudo, quero saber tudo de novo que há com você.
E então eu falei. Contei da minha carreira, o atualizei sobre minha família e comentei sobre algumas coisas que haviam mudado em minha vida social desde o nosso último afastamento. Falei, falei e falei. Falei tudo o que lembrava, tudo o que queria, e tirei um peso das minhas costas pela sensação – momentânea, é bem verdade – de que um antigo amigo tinha finalmente voltado pra mim.
E eu ouvi também. Ouvi sua voz arrastada me contando sobre as besteiras que tinha aprontado, suas gargalhadas exageradas por conta do álcool e pseudodeclarações de amor incentivadas pela madrugada. E, por mais que eu tentasse evitar por conta do pensamento racional de que tudo não passaria de consequências de uma madrugada boêmia, quando desligamos senti um sorriso enorme se formar em meus lábios.
E, no dia seguinte, ele me ligou. Sóbrio. E no outro também. E no outro. E no outro...
Quarta-Feira, 19 de dezembro de 2013.
e eu estávamos “ficando” desde o dia em que ele me fez a fatídica ligação bêbado. Tínhamos nos encontrado uns dias depois e, como se não pudéssemos fugir dessa situação, acabamos, novamente, um nos braços do outro.
Não havíamos assumido nada para a imprensa e nem para ninguém pelo simples fato de que nós mesmos não sabíamos aonde tudo isso iria nos levar. Por enquanto tudo o que estava acordado era que éramos alguma coisa exclusiva, o que eliminava um pouco do problema que nos levou a terminar da última vez, e de que deveríamos nos ver pelo menos uma vez por semana, como se para evitar que priorizássemos demais a carreira em detrimento do relacionamento, de resto iríamos descobrindo aos poucos.
Estávamos indo, eu só não sabia para onde, mas esperava do fundo do meu coração que fosse para um lugar diferente do que do nosso antigo caminho de vai e vem.
Por conta da proximidade do Natal e da necessidade de cada um de nós de comemorar com as nossas respectivas famílias, havíamos combinado de fazer um pequeno jantar íntimo em sua casa. Nós estávamos muito bem e esse momento seria uma oportunidade boa para nos curtirmos.
Eu tinha comprado um relógio de presente para ele e junto iria dar uma foto nossa em um porta-retratos bonitinho. Não queria exagerar no romantismo da coisa, mas ao mesmo tempo não queria dar a ele nada que fosse só material e que não fosse ligado a nós mesmos.
Depois de conversarmos, comermos, rirmos e discutirmos um pouco pela graça da coisa, levantou-se da mesa em que nos encontrávamos e foi em direção a uma escrivaninha da sala, pegando uma caixinha pequena e caminhando em direção a mim. Meu coração acelerou com o medo do que quer que estivesse naquela embalagem, mas, quando ele se sentou ao meu lado e a abriu revelando uma pulseira delicada e com um único pingente com a forma de dois círculos entrelaçados, voltei a respirar fundo, aliviada.
- Feliz Natal, . – Ele falou já pegando na pulseira e a colocando em meu pulso. Passei a mão pelo objeto e sorri, beijando-o brevemente em seguida. – Eu sei que pode parecer bobo, mas olhei esse pingente e lembrei de nós dois imediatamente, de como somos completos sozinhos, mas muito mais bonitos e certos juntos, sabe? Que nem esses dois círculos aqui.
Fiquei por um tempo pensando na sua explicação e sorri com a forma com a qual ele enxergava a situação e em como interpretava isso. era extremamente romântico quando queria, afinal.
- Que bonito, . Eu amei, muito obrigada. Acho que o meu presente ficou um pouco bobo agora, mas espero que goste também. – Disse ansiosa, já me esticando na cadeira para alcançar a minha bolsa e retirar o pacote de lá. O entreguei ao garoto à minha frente, que sorriu largamente e rasgou o papel sem nem um pingo de delicadeza. Eu ri do seu jeito afobado e vi seu sorriso sincero ao olhar o relógio que havia comprado, mas esse ficou pequeno se comparado a como ele ficou após olhar o porta-retratos de nós dois.
- Não é bobo, , não é bobo de maneira alguma. Eu adorei o relógio, obrigada por isso, inclusive, mas a nossa foto é especial. Eu adoro o seu sorriso nela... e o meu também. – Ele acrescentou presunçoso e eu dei uma risada divertida. Ele sempre conseguia fazer uma gracinha mesmo nos momentos mais patéticos da coisa toda. – E, bom, já que você me deu dois presentes, me sinto melhor de te mostrar um outro que acabei adquirindo também. Eu tinha pensado inicialmente em te contar depois ou...
- Outro presente? O que é? Fala logo, , eu estou curiosa.
- É isso aí, olha. – E então ele me estendeu o braço e arregaçou a manga da camisa curta que usava, revelando uma pequena tatuagem com a forma do pingente que ele tinha me dado antes. Era delicada assim como a joia que eu tinha recebido, mas, muito embora o seu corpo fosse coberto de desenhos naquele lugar, parecia se destacar aos meus olhos. Eu sorri mais ainda, mais do que achava ser possível, e me joguei em seus braços.
- Você é louco de tatuar isso no seu braço! E se, se arrepender mais pra frente? - Disse como se fosse uma constatação óbvia.
- Bom, hoje, agora, isso significa muito para mim então eu sei que, independentemente do momento, sempre que a olhar eu vou lembrar do quão feliz eu sou e fui, e pra mim isso é suficiente.
Beijei a sua tatuagem e fechei os olhos pensando no quão sortuda eu era. Nós não éramos nada rotulados naquele momento, mas agora estávamos marcados permanentemente em algum lugar, e se para ele as boas lembranças seriam suficientes um dia, pra mim isso tudo deveria bastar agora.
Sexta-feira, 21 de março de 2014.
- , não há nada com o que se preocupar, por Deus! – Reclamei um pouco incomodada com a cara feia do garoto.
- É fácil falar quando o problema não é com você. – Ele resmungou e afastou a mão de perto da minha quando tentei alcançá-la. - Não é pelo ciúme, sabe? É pelo papel de trouxa que eu estou fazendo.
- É pelo ciúme. – Falei simplesmente porque era a verdade.
- Tá, dane-se, é pelo ciúme sim, não estou nem aí. De qualquer forma, eu estou fazendo um papel de trouxa também e isso está me irritando.
Rolei os olhos com a sua afirmação e bufei audivelmente para que ele soubesse o quão chato aquilo estava ficando.
- Você não está fazendo papel de trouxa nenhum e sabe disso.
- Até parece! – respondeu irritado como se fosse uma criança raivosa e saiu andando, deixando-me parada no jardim da gravadora para assisti-lo entrar na casa. Suspirei e fui atrás dele pela milésima vez naquele mês. Quando o alcancei, já dentro do prédio, agarrei-o pela mão à força e entrei na primeira sala que encontrei, trazendo-o junto.
- Vamos colocar as cartas na mesa de novo, certo? Eu não tenho absolutamente nada com o Anthony, nenhum tipo de relacionamento e nenhum tipo de afinidade da qual você não tenha conhecimento. Eu me atrevo a dizer até que nem amigos nós realmente somos, se quer bem saber. Está tudo restrito ao profissional. Nós trabalhamos juntos num filme e pronto.
O garoto me olhou com os olhos semicerrados e mordeu os lábios, mas não se atreveu a dizer nenhuma palavra - boa ou ruim – sobre o que eu havia acabado de falar, como se elas fossem indiferentes a ele. Soltei da sua mão e caminhei até o outro lado da sala para me acalmar antes de deixar a minha impaciência tomar conta. Eu estava ficando com raiva e ele sabia muito bem disso.
- , por favor, colabora comigo. Você sabe muito bem que eu tenho passado tempo com o Anthony por exigência dos produtores e não por vontade própria. Sabe que somos contratualmente obrigados a sermos amigos para trazer visibilidade para o nosso filme e que a ideia de estarmos em um relacionamento é pura e simples invenção da mídia.
- Que bom para vocês. – Ele disse debochado, obrigando-me a contar até 10 antes de respondê-lo.
- É bom mesmo, obrigada. Enfim, seja racional e confie em mim. Eu não tenho interesse nele.
- Mas o contrário não pode ser dito tão facilmente assim, não é mesmo? Ele é caidinho por você e se qualquer brecha aparecesse, ele faria de tudo para ficarem juntos. – Preparei-me para responder a afirmação do garoto, mas, antes mesmo que eu pudesse falar alguma coisa, disparou. – Não se atreva a negar, você sabe que é verdade.
- Tudo bem, não vou negar. Mas você deve saber também que as coisas só podem se desenvolver se dois lados quiserem, e, como o meu lado o vê exclusivamente como um colega de elenco, não tem como nada acontecer.
O garoto suspirou e coçou a cabeça, relaxando os ombros em seguida, como se estivesse se rendendo finalmente.
- Maldito o dia em que você decidiu fazer parte de um filme. Por que você não poderia ser só cantora, sem precisar ter problemas de contrato de relacionamento público e coisas assim? – Ele disse baixo, mas visivelmente machucado. – E no final quem se dá mal com tudo isso sou eu. Eu que tenho que ver especulações da mídia sobre a minha garota com outro cara, eu que tenho que assistir vocês em passeios recorrentes pela cidade, eu que tenho que ser taxado de melhor amigo quando na verdade sou muito mais.
- Eu sinto muito por isso, mas foi você que quis deixar as coisas escondidas, . – Respondi me aproximado lentamente para que ele não se afastasse de mim de novo. - Eu não me importo de ter um relacionamento público, mas não é isso que temos, exatamente porque as duas partes têm que concordar com algo assim. E é porque o mundo acha que eu estou solteiríssima que os produtores conseguiram me fazer assinar um contrato em que eu passaria tempo com o meu colega de elenco pra promover o filme. Eu não tinha desculpas para não aceitar, sabe? Pelo menos nada relevante que justificasse uma recusa, então fiquei sem saída.
- Mas me machuca, .
- Me desculpa, de verdade. Mas também machuca a mim, ver você agir assim dia assim e outro comigo, me obrigando a ter essa conversa sem sentido de novo, e de novo, e de novo, como se eu estivesse fazendo tudo com a intenção de te ferir. – Sentei-me ao seu lado no único sofá daquele lugar e senti sua mão tocar, com calma, a minha, entrelaçando-as em seguida.
- Me desculpa também. – Assenti em silêncio e o acompanhei com os olhos quando ele abaixou a cabeça e depositou um beijo suave em nossas mãos.
- Você vai confiar em mim plenamente? – Perguntei baixinho. Ele ficou um tempo quieto, mas quando finalmente se manifestou arrancou um sorriso de mim.
- Vou.
Quarta-Feira, 28 de maio de 2014.
O garoto segurava em minha cintura com força enquanto rodopiávamos no imenso salão de dança em meio a tantos outros casais. Eu era péssima em manter a coordenação motora em momento assim, mas ele me conduzia com maestria, como um verdadeiro professor, fazendo com que eu me sentisse como uma verdadeira dançarina. Muito embora a sensação fosse positiva, eu sabia que a verdadeira razão para todo esse espetáculo era que estava se sentindo ameaçado e queria me impressionar.
Estávamos numa festa com os atores, produtores e todos os envolvidos no filme que eu tinha participado. Apesar do grande problema que tinha trazido para o meu relacionamento, o meu papel nele não era de protagonista ou nem nada disso, era apenas um personagem secundário. Eu não estava me entregando à vida de atuação nem nada disso, pelo contrário, tinha sido só uma experiência diferente que eu queria tentar e percebi que não era para mim. Mas o estrago estava feito já que nessa pequena participação nas telas eu fazia par romântico com Anthony. E detestava esse fato.
Eu o havia apresentado a todo mundo como meu namorado porque parecia o certo a se fazer, mas isso não parecia ter sido o suficiente para tirar o medo dele de algo ruim acontecer.
Ele tinha cumprido a sua promessa de confiar em mim, o problema é que a convivência extrema com Anthony havia nos feito amigos, o exato oposto do que eu esperava. Não era culpa de ninguém, é claro, mas esse ganho de intimidade certamente não contribuiu positivamente para acalmar os monstros do meu companheiro e, por conta disso, estávamos brigando de novo, desgastando a nossa relação por bobagens mais uma vez.
- Será que eu posso? – Ouvi uma voz grave atrás de mim perguntar a e virei-me imediatamente para checar quem era ao ver o seu semblante mudar para um ligeiramente irritado. Era Anthony.
- Pode o quê? – Vi o garoto responder com uma falsa atitude de quem não havia entendido, mas que mesmo assim não tinha gostado da pergunta.
- Dançar com a , oras. Assisti vocês de longe e ela parece ser ótima nisso, então queria saber se poderia me ensinar? – Anthony virou-se para mim e arqueou a sobrancelha, como se tivesse decidido ignorar o e esperasse uma resposta só minha. – Só uma dança?
- Hm, tudo bem, eu acho. – Falei bem rápido e baixo e me desvencilhei dos braços de sem nem mesmo me atrever a olhar para os seus olhos. Peguei na mão de Anthony e o arrastei para um pouco longe dali para dançarmos a próxima música – que eu esperava do fundo do meu coração que fosse uma agitada.
- Acho que o seu namorado não gosta muito de mim, hein? – O garoto disse, soltando uma risadinha baixa, ação que eu inconscientemente acompanhei dando uma risada nervosa.
- Paciência, nós dois somos amigos, não é mesmo? Ele vai ter que aprender a conviver. – Respondi com uma entonação que eu esperava que passasse a mensagem de que eu não queria falar sobre isso. Quando a música recomeçou numa batida bem animada, permiti-me suspirar de alívio e sorrir.
Anthony e eu dançamos por um tempo, mas eu tomei o cuidado de manter certa distância o tempo todo de forma a não provocar mais do que o preciso. Quando avisei ao garoto que iria voltar para o meu namorado, senti-o se aproximar e depositar um beijo inocente de agradecimento no meu rosto, fazendo-me sobressaltar e sair dali logo em seguida mais rápido do que o inicialmente planejado.
estava sentado em uma mesa sozinho enquanto mexia em seu celular freneticamente. Sua expressão estava fechada, como era de se esperar, mas decidi fingir que não tinha percebido e cheguei ao local como se nada tivesse acontecido.
- Quer dançar? – Perguntei inocente.
- Não, mas pode ir para lá se quiser. – Ele deu de ombros parecendo indiferente com a ideia. – Dança com o Anthony, aposto que vai chamar a atenção do pessoal, vocês formam um casal bonito, afinal.
Minha boca, que estava sutilmente aberta para permitir que eu acalmasse a respiração descompassada por conta da dança, foi ao chão com a sua última frase e eu me senti extremamente ofendida pela insinuação absurda que meu namorado estava fazendo. Sentei-me ao seu lado antes que eu decidisse chutá-lo ou algo estúpido assim, mas afastei a minha cadeira uns bons centímetros de forma a mostrar a ele o quão brava eu estava. Porém, antes de simplesmente começar a ignorá-lo, como tinha decidido fazer, soltei uma última frase cheia de raiva.
- Você é um tremendo idiota.
Sexta-feira, 15 de Junho de 2013.
Meu celular vibrou rapidamente revelando que eu havia recebido uma mensagem. olhava em meus olhos atento para ver quais seriam os meus próximos movimentos, e eu não pude fazer outra coisa senão esticar o braço e pegar o aparelho de cima da mesa do restaurante para olhar o visor. Mordi o lábio lendo o conteúdo da mensagem e respirei fundo, incerta do que responder.
- É o Anthony de novo? – perguntou parecendo um pouco incomodado.
- Sim. Ele quer saber se vou me atrasar para o jantar do elenco de hoje à noite.
- Ele já não te perguntou isso? – Embora o tom de voz do garoto tenha sido de crítica, ele tinha um ponto relevante.
Sim, Anthony já tinha me perguntado se eu iria me atrasar, o que mostrava que ele estava provavelmente só tentando puxar assunto. Isso vinha acontecendo há uns dias e estava verdadeiramente me incomodando e incomodando , mas eu não podia simplesmente cortar relação com o meu colega por enquanto. O filme saía em um mês e até lá qualquer chamada da mídia sobre nós dois era necessária.
- Já, eu não vou responder. – Falei decidida, vendo meu namorado assentir com a cabeça. – Eu nem sei o que te dizer quanto a isso, .
- Eu não acho que você possa me dizer qualquer coisa, . Já deixou claro que está num beco sem saída nesse momento e eu entendo, entendo mesmo. Sei que a culpa não é sua, não sei nem se tem um culpado nisso tudo, sabe? – Assenti silenciosamente e engoli em seco, esperando que ele continuasse com o que quer que quisesse dizer. – Eu acho que estamos nos machucando por tão pouco, por tanta bobagem...
- Eu sei. – Respondi simplesmente já que era incapaz de dizer qualquer coisa além.
- Eu realmente gosto de você, você sabe disso. – Concordei de novo, já sentindo os meus olhos queimarem. O fato dele não falar em amor não me incomodou, pelo contrário. Eu sentia que não iria aguentar se ele pronunciasse essas quatro letras pra mim naquele momento, muito embora soubesse que ele me amava sim e era isso que queria dizer nas estrelinhas.
- Eu sei. É recíproco, você sabe também. – Dessa vez quem concordou foi . Olhei fundo em seus olhos e não consegui achar nada lá que não uma tristeza profunda. O garoto se esticou em um pouco e começou a fazer um carinho sutil em minha mão direita, a mesma em cujo pulso encontrava-se a pulseira que ele havia me dado no Natal.
- Podemos continuar mais pra frente, quando tudo estiver mais simples, com menos regras e menos pessoas interferindo, quando pudermos voltar a ter um relacionamento a dois.
Eu não respondi imediatamente embora soubesse exatamente o que dizer. Não pretendia continuar depois pelo simples fato de não querer parar com nada. Não queria ter que levar em consideração a opinião de terceiros porque nenhum indivíduo fazia a mínima ideia do que eu sentia enquanto sofria a noite precisando dele, e só dele, ao meu lado. Eu o queria ali, agora, sempre, mas sabia também que não abrir mão de nós dois seria egoísmo de minha parte porque eu só continuaria o machucando mais e mais.
- Quando tudo estiver mais simples. – Repeti só para ter certeza.
- Sim. Talvez demore menos do que pensamos. – Ele falou como se me incentivasse e esboçou um meio sorriso. Tentei retribuir, mas não obtive sucesso, conseguindo só deixar algumas lágrimas caírem pela minha face. levantou de sua cadeira e se abaixou ao meu lado, ignorando completamente o fato de que estávamos num restaurante público e que a cena poderia chamar alguma atenção. Ele limpou o meu rosto cuidadosamente, arrumou o meu cabelo e passou os seus dedos por todos os pontos da minha face, como se a decorasse. Fechei os olhos por um segundo aproveitando aquele carinho e lembrando de todos os momentos bons que tivemos juntos. Seria dolorido, mas eu era grata por tê-los vividos.
- Amigos a partir de agora? – Indaguei o garoto olhando diretamente em seus olhos.
-Sempre, sempre, sempre amigos. – Ele disse e eu finalmente me permiti chorar tudo o que estava guardando. E dane-se o que as pessoas do restaurante e do resto do mundo iriam pensar. Eu estava perdendo o amor da minha vida mais uma vez.
Me mexi desconfortavelmente no assento do avião e, não conseguindo encontrar nenhuma posição que me fosse confortável, decidi abrir os olhos para entender o que estava acontecendo. Toquei na telinha a minha frente para ver o mapa do trajeto apenas para descobrir que faltavam pouco mais de 45 minutos até que pousássemos em Los Angeles.
estava dormindo ao meu lado, então eu presumi que tinha caído no sono algum tempo depois de mim. Como não havia testemunhas que pudessem flagrar qualquer ação minha por ali – não que eu soubesse, pelo menos - me permiti analisar o garoto com a devida calma. Seu rosto estava igual ao que me lembrava, quase como se o tempo não tivesse passado nem um pouco, seu lábio ainda era carnudo e extremamente atraente e seu cabelo cacheado e farto trazia um traço angelical à sua face enquanto seus olhos estavam fechados.
Fazia tempos que eu não sonhava com , eu tinha tentado lutar com todas as forças contra qualquer memória que me remetesse a ele e tinha tido muito sucesso até então. Depois de termos terminado a última vez, eu passei por momentos difíceis e, bem, Anthony estava lá, primeiro como um amigo, depois, como um amante eventual, e, mais tarde, como um companheiro. Eu havia sucumbido aos seus charmes e permiti que a parte romântica do nosso relacionamento se desenvolvesse, contrariando totalmente o meu discurso inicial de que nunca teria nada entre nós.
e eu continuamos em contato por um tempo, mas, quando a informação de que eu estava com Anthony foi confirmada à mídia, o garoto pareceu ter cortado todo o contato comigo e eu respeitei a sua decisão porque acreditava ser uma situação dolorida para ele. Ele nunca falou nada para mim e jamais chegou aos meus ouvidos algum tipo de comentário dele sobre Tony e eu – positivo ou negativo, sua opinião era, então, uma incógnita, mas, sinceramente, eu preferia deixá-la assim.
Olhei para frente da cabine do avião e vi uma movimentação dos comissários de bordo que presumi ser para avisar os passageiros do procedimento de pouso, já que obviamente o momento da comida havia passado – e eu tinha perdido. Decidi acordar o garoto ao meu lado antes que o aviso sonoro fizesse isso por mim, achei que seria um gesto legal e, honestamente, eu estava com vontade de ser carinhosa com ele depois de me lembrar do nosso passado conturbado.
Tentei cutucá-lo enquanto chamava o seu nome, mas ele simplesmente não se mexeu, troquei de tática e passei a chacoalhar o seu braço com um pouco mais de força, conseguindo só uns resmungos em resposta. Suspirei, olhei para os lados para me certificar que as outras pessoas da cabine estavam muito entretidas nos seus próprios afazeres e dei de ombros colocando a minha ideia em ação. Passei as mãos em seu rosto devagar, tentando chamar a sua atenção ao mesmo devagar.
- ? , acorda, nós já vamos começar a preparação para o pouso. – Falei baixo, carinhosamente.
- Hum? – Ouvi sua resposta arrastada e ri.
- Nós vamos pousar em pouco tempo, achei melhor te chamar para que não seja uma surpresa depois.
- Ah, certo. Obrigado. – Ele falou abrindo um dos olhos apenas e sorrindo fraco. – Fazia tempos que ninguém me acordava dessa forma. Você poderia fazer mais vezes, eu nunca iria cansar.
Gargalhei e dei um leve tapa no seu braço enquanto tentava com todas as minhas forças esconder o meu rosto corado. Arrumei o travesseiro em que eu estava apoiada no devido lugar e virei-me para o garoto, que agora se espreguiçava.
- Dormiu bem, afinal? – Ele perguntou antes de fazer um gesto com a cabeça indicando a cadeira da aeronave. – Por conta do seu medo e tal.
- Sim, sim, consegui até sonhar, por incrível que pareça. Não me lembro da última vez que isso aconteceu num avião.
- Fico feliz por isso, . Quem sabe não é um início de melhora? – Ele disse encorajador, como se realmente acreditasse no que tinha dito. Eu concordei com a cabeça, mas no meu íntimo sabia que o motivo da minha calmaria não era porque eu estava me acostumando com a viagem ou algo assim, era porque ele estava do meu lado e me fazia esquecer os problemas.
- É, pode ser. Talvez eu até me torne uma viajante frequente daqui pra frente. – Brinquei e o vi ficar pensativo.
- Espero que me chame para as suas viagens. – Ele disse travesso mordendo os lábios.
- Vou considerar a ideia.
Não muito depois ouvimos da cabine a mensagem de que o procedimento de pouso havia sido iniciado e que deveríamos nos preparar para isso. Voltei com a minha cadeira para o lugar tal como éramos instruídos e guardei as minhas coisas nos lugares, de forma a ficar pronta para sair quando a aeronave parasse. Olhei para o lado e vi que permanecia parado me observando, mas que não tinha voltado com a sua poltrona para a posição vertical. Arqueei a sobrancelha como se esperasse uma resposta dele por isso e só o vi dar de ombros. Era uma besteira, eu sabia, mas eu tinha medo de avião e queria tudo organizado conforme as regras!
- Você não vai arrumar a cadeira?
- Não estava pensando em fazer isso, não. Assim está tão confortável... – Ele respondeu se espreguiçando falsamente enquanto mantinha um sorriso de lado.
- A sua amiga Cindy vai vir brigar com você. – Soltei como se não me importasse, mas por dentro só queria que ele fizesse o que tinha que ser feito.
- Bom, se te incomoda muito, fique à vontade para apertar esse botãozinho aqui. – O garoto apontou para o lado esquerdo da sua cadeira – o oposto do lado em que eu estava – e abriu um grande sorriso com todos os dentes, deixando uma feição bem sapeca transparecer em seu rosto. – É só se esticar aqui por cima do meu colo e pressionar, nada demais.
Rolei os olhos e reprimi um sorriso com a brincadeirinha boba. Eu sabia das suas segundas intenções e não queria brigar, então apenas me estiquei toda por cima dele, mas não sem provocá-lo um pouquinho em retorno, esbarrando em seu corpo de forma bem lenta e estratégica. Escutei o seu suspiro alto e segurei uma risadinha, finalmente apertando o botão de retorno da poltrona ao lugar normal e me afastando em seguida com um sorriso de vitória nos lábios.
Nós dois nos olhamos e gargalhamos da brincadeira boba, esquecendo completamente do resto dos passageiros da cabine, como se estivéssemos sozinhos no nosso mundinho. Quando nos acalmamos voltamos a conversar sobre um assunto banal qualquer, que emendou em outro assunto, que emendou em outros assuntos... e permanecemos entretidos assim pelo resto do tempo.
Quando as rodas desceram e nós sentimos um solavanco na aeronave, automaticamente segurou a minha mão para me acalmar, mas a verdade era que eu tinha me esquecido totalmente do pânico e apenas aproveitei o momento para sentir as nossas mãos entrelaçadas como se fosse um ato natural. Ficamos assim até que o avião parasse por completo e, embora estivesse aliviada da viagem ter terminado, sentia também um aperto no coração por saber que iríamos ter que dizer tchau.
Antes que eu sequer me manifestasse sobre continuarmos em contato ou algo assim, levantou-se da cadeira em direção ao seu antigo lugar sem nem olhar para trás. Fiquei confusa por sua atitude e um pouco receosa com a possibilidade dele sair e não se despedir de mim, então assisti seus movimentos de longe. Vi o garoto abrir o bagageiro e retirar sua mala de lá para logo em seguida voltar o corpo para a minha direção, sorrir abertamente e voltar para mim.
- Achei que iria me abandonar.
- Eu bem que pensei em pegar as coisas e sair correndo, mas as portas ainda não estão abertas então meu plano foi frustrado. – Ele tirou sarro e sentou-se de novo ao meu lado, voltando a pegar em minha mão. Por mais errado que isso parecesse agora, devido ao fato de que estávamos já em terra firme, a sensação era tão boa que eu só queria senti-la por mais um tempinho.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas travando uma guerra boba com os dedos de nossas mãos. Quando vi a porta do avião ser finalmente aberta respirei fundo e percebi que era o momento de voltarmos à realidade.
- A porta se abriu, vamos?
- Sim, vamos lá. – Ele disse e levantou-se da poltrona, já abrindo o bagageiro de cima de nossas cabeças e pegando a minha mala de lá de dentro. Quando estiquei minhas mãos para que ele passasse a mala para mim, só o vi negar com a cabeça, antes de me fazer uma pergunta. – Você está de carro?
- Não. – Respondi sinceramente. Eu odiava dirigir e nunca deixava o meu carro no estacionamento do aeroporto a não ser que fosse extremamente necessário, então estava planejando pegar um táxi até chegar em casa.
- Deixa que eu te levo então. – falou naturalmente e iniciou sua caminhada até a porta do avião, não me deixando outra saída que não o acompanhar.
- Você deixou o seu carro parado aqui?
- Sim. Fui à Nova Iorque só por dois dias, então achei que valeria a pena. E não é que eu tinha razão? – Ele falou e olhou de rabo de olho para mim sorrindo travesso.
Caminhamos juntos até a saída destinada aos embarques domésticos e como nenhum de nós tinha despachado mala nenhuma, pudemos sair do aeroporto sem chamar a atenção de ninguém e sem encontrar nenhum paparazzi pelo caminho.
Entrei no carro de e, embora fosse um veículo diferente daquele que eu costumava conhecer, o cheiro tão característico do garoto permanecia lá. Assisti-o guardar as malas no banco de trás e entrar no carro, ligando o rádio quase que imediatamente. Fomos o caminho inteiro até a minha casa cantando músicas antigas, rindo e comentando curiosidades sobre as nossas próprias composições. Aparentemente sua banda iria dar um tempo na carreira e então ele passaria a ter mais tempo livre, tempo esse que ele jurou para mim que iria usar para tentar achar o próprio caminho, qualquer que fosse este.
No momento em que vi que nos aproximávamos de minha rua, abri a minha bolsa e retirei de lá o controle da garagem, permitindo que seu carro entrasse no local. Me estiquei em direção ao banco de trás e peguei minha pequena mala, já pronta para sair do veículo. Quando, porém, ele parou o carro eu me descobri parada sem saber o que fazer. Olhei para os seus olhos e estes permaneciam vidrados em mim, sendo desviados apenas para discretos olhares a casa.
- Ele está aí? – perguntou e eu imediatamente sabia que ele se referia ao Anthony.
- Eu não sei, mas presumo que não, senão ele já teria vindo até aqui. – Respondi incomodada.
- Ah.
- Obrigada pela carona, , e pela ajuda no avião também. – Falei sincera e abri um sorriso simpático, vendo-o assentir calmamente.
- Não foi nada, eu me diverti como não me divertia há tempos. – Peguei em sua mão e depositei um beijo leve em seu rosto porque me parecia ser a única forma de entrar em contato físico um pouco mais íntimo com ele sem que fosse inadequado. Eu queria que ele soubesse que eu também havia dito um bom tempo, mesmo com as circunstâncias, e que eu tinha um carinho enorme por ele.
- Você está precisando sair um pouco mais então. – Brinquei e finalmente me permiti levantar do banco e sair do carro, batendo a porta em seguida. abaixou a janela do passageiro e eu larguei minha mala no chão e me debrucei ali uma última vez. – Nos vemos por aí então?
- Pode ter certeza. Ainda não vimos o fim da linha desse trem, querida. A estação final ainda não chegou para nós dois. – Ele falou surpreendendo-me por usar a mesma analogia sobre o nosso relacionamento que eu havia usado mais cedo. Sorri com sua resposta e mordi os lábios, sorrindo.
- Definitivamente não.
- Até a próxima, então. Se cuida.
- Você também. – Respondi e dei um passo para trás, permitindo que ele andasse com o carro em direção ao portão da mesma forma que tinha feito quando terminamos a primeira vez.
Meu coração ameaçou doer um pouco pela comparação, mas, diferentemente daquele dia, ele olhou para trás antes de arrancar com o carro, e, mais do que isso, eu sabia agora que, eventualmente, ele iria voltar. Ele sempre iria voltar, não importava o que qualquer um dissesse ou fizesse para nos afastar. O nosso círculo vicioso era uma maldição às vezes, mas era também a garantia de que cedo ou tarde seríamos nós dois juntos viajando pela linha ferroviária da vida.
E eu mal podia esperar para esse dia chegar para que iniciássemos uma nova aventura.
Fim
Nota da autora: Oi gente! Muito obrigada por terem tirado um tempinho para ler essa história! Espero que tenham curtido essa viagem. Poder participar da fisctape da minha artista favorita no mundo todo e, com essa música ainda, foi uma experiência muito especial. Quem me conhece sabe que Full Circle possui um significado enorme para mim e eu não poderia ter ficado mais feliz em ser a responsável por atribuir uma história à letra. Infelizmente esse casal vai e vem não ficou junto agora, mas tenho certeza absoluta que num universo paralelo esse círculo vicioso já deu sua volta e eles estão agarradinhos. De novo, muito obrigada pela oportunidade de trazer essa narrativa – que estava na minha cabeça há anos! – à luz e espero que possamos nos encontrar novamente. Beijinhos!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.