Última atualização: 08/03/2019

Capítulo Único


Acordei com leves beijos no meu pescoço e a sensação de paz irradiando por meu corpo. Fiquei dividido entre apenas aproveitar o carinho que recebia e retribuir o amor que aquela mulher incrível me dava. Agradeci mentalmente a imensa sorte que eu tinha de ter me deparado com alguém tão impressionante.
Em um movimento rápido, virei meu corpo sobre o dela, que deu uma gargalhada – ao mesmo tempo assustada e achando graça da situação.
- Você fica me provocando assim e não espera que eu vá acordar? – sorri enquanto eu mesmo passava a distribuir beijos pela pele exposta dela. Um suspiro quase imperceptível deixou os lábios dela e eu sabia que, assim como eu tinha gostado do carinho, ela também estava gostando.
- Minha intenção era realmente essa.
Levantei o rosto para apreciar aquele sorriso que poderia ver todos os dias e não me cansaria jamais. Eu não era o tipo de pessoa que se importava com sorriso perfeito, completamente alinhado ou com perfeições no geral. Muito pelo contrário, isso me assustava. Mas, para mim, era uma pessoa perfeita. Os defeitos dela eram irritantes, não vou negar, mas conseguia entender que tudo nela sobressaía isso.
- Eu te amo. – As palavras simplesmente saíram, naturais como nenhuma outra frase que eu lembrava ter proferido.
Por um momento, ela ficou apenas me encarando, e apesar de estarmos juntos há oito meses, achei que essa seria a hora que ela simplesmente levantaria e sairia andando, assustada com o que eu havia dito. Meu coração estava prestes a sair pela boca e minhas mãos passavam todo suor que produziam para o lençol.
E, então, um sorriso maior ainda brotou no rosto dela e ela disse: - Eu também te amo.
Lentamente, encostei meus lábios nos dela e deixei que esse gesto expressasse o que nenhuma palavra poderia no momento. Sentia a pura felicidade, como jamais havia sentido em toda minha vida. Ela era o amor da minha vida.
Sabia que se meus amigos pudessem ouvir meus pensamentos naquele momento, eles estariam prontos pra julgar que eu só estava há oito meses com ela, que eu mal sabia onde ela trabalhava ou que sequer tinha visto foto de sua família. Mas não importava, meu coração não entendia esse tipo de coisa. Ele só entendia que a mulher que estava na minha frente era a mulher que eu gostaria de passar o resto da vida junto, a mulher que eu gostaria de acordar todos os dias ao lado.
Enquanto me encontrava absorto nos pensamentos, ouvi o celular dela tocar. Não me recordava de uma única situação que ela não tivesse atendido aquele telefone, só que pra mim aquilo que estávamos vivendo ali era diferente.
- Não atende. – Pedi inutilmente, beijando novamente a pele de seu pescoço.
- Ahhh, não faz assim, amor. Você sabe que preciso atender. – A expressão no rosto dela me fez compreender que sair daquela bolha que estávamos era tão difícil pra ela quanto pra mim. Forjando um biquinho triste, saí de cima dela para que ela pudesse atender a ligação.
Ela colocou as pernas pra fora da cama, sentando-se na mesma e ficando de costas pra mim enquanto atendia. Fiquei observando os traços dela enquanto ela conversava e percebi quando suas costas tensionaram.
- O quê? Você tem certeza? É ele mesmo? – não conseguia ouvir o que era pronunciado do outro lado da linha, mas sabia que a resposta não a tinha agradado. Ela respondeu que compreendia o que aquilo significava, o que quer que aquilo fosse. Após alguns segundos apenas ouvindo, desligou o telefone e começou a chorar. Em todo o tempo que ficamos juntos, eu jamais havia visto chorar. Ela se dizia durona, mas pra mim sempre tinha sido algo maior. Acreditava que fosse um trauma do passado ou algo do tipo.
Rapidamente, fui até o lado dela e a puxei pra mim. Não sabia o que estava acontecendo, porém sabia que no momento que ela estivesse pronta me contaria. Fiquei ali, abraçando-a pelo que pareceu uma hora inteira e só então limpou as lágrimas, clareou a garganta e me olhou. Foi o olhar mais triste que já tinha visto. E eu me senti inseguro, triste.
- Preciso te contar uma coisa.
No fundo, eu sabia que depois que ela me contasse o que aquela ligação tinha revelado, nós não seríamos mais os mesmos. Eu só não imaginava o quanto.

(...)

Eu ouvia todas as palavras que saíam da boca dela, mas minha mente estava longe e nada daquilo fazia sentido. Parecia tudo uma grande pegadinha, e até imaginei que uma câmera estaria escondida em algum lugar, apenas esperando o momento para gravar minha reação quando ela dissesse quer era mentira e ela era uma youtuber. Não fosse pelo olhar no rosto dela, minha hipótese poderia ser verdadeira. Aquilo tudo estava doendo tanto nela que ela parecia prestes a quebrar. Meu coração acelerava e se acalmava, incapaz de saber no que acreditar.
- Você está me ouvindo? Você consegue entender o que está acontecendo? Sei que é muita coisa pra digerir em tão pouco tempo, mas eu realmente acreditei que eu poderia fugir disso – ela deu uma risada irônica e fixou seu olhar no chão. – Achei que isso nunca aconteceria, que dessa vez seria diferente, porque você é diferente.
Ela me olhou nos olhos, e toda a nuvem de confusão que pairava sobre mim sumiu. Era real. A dor veio rápida e precisei respirar fundo pra não sucumbir naquele momento. Não conseguia entender como de um momento lindo como o que tínhamos vivido logo ao acordar, nós fomos parar naquilo ali. De repente, no entanto, todas as peças começaram a se encaixar. Seu trabalho. O fato de nunca ter me apresentado pra nenhum de seus amigos. A falta de fotos de família. Termos ficado tão pouco tempo na sua casa. Inclusive a forma como nos conhecemos.

antes


Estava atrasado - para os meus padrões - para uma entrevista na Universidade Machado de Assis, ainda não sabia se eu queria de fato me estabelecer por ali por perto, mas era apenas um tiro no escuro. Não tinha nada a perder, se levasse em conta que eu já tinha um emprego na Univerdade José de Alencar.
Caminhava a passos apressados pela rua das Palmeiras quando alguém esbarrou em mim. Pisquei rapidamente para compreender o que acontecia, e naquele momento, em meus braços se encontrava a mulher mais linda que eu já tinha visto.
- Por favor, me beija. Tem alguém me perseguindo.
Seu olhar era tão desesperado e sequer tive tempo de responder quando ela encostou na parede e me puxou junto, colando nossos lábios.
Atordoado, apenas segui os movimentos que eram feitos por ela. E eu gostei, de cada segundo. Nosso beijo se aprofundou por um tempo e minhas mãos foram parar em sua cintura.
Foi ali que eu me apaixonei.

NARRADOR
Alisson não era o nome dela, mas aparentemente esse era o nome que ela teria que usar por enquanto. Já não sabia mais quanto tempo fazia que estava presa dentro daquela vida de personagens, e estava começando a ficar cansada de tudo aquilo.
Foi quando ela viu.
Ele estava apenas de passagem e não parecia preocupado com nada no mundo. Seus passos eram determinados e ele parecia saber exatamente o que queria.
Pelo menos era a impressão que ele passava.
Rapidamente, ao pensar em atravessar a rua, Alisson o avistou.
Era o mesmo homem que a tinha perseguido no dia anterior enquanto ela fazia o reconhecimento de campo de sua atual missão. Se infiltrar na escola secundária Mendes Fontoura. Ela precisava agir de forma rápida e comedida. Não poderia dar na cara de que estava fugindo, mas precisava despistá-lo. Ele não era uma ameaça. Ainda.
Foi, então, que uma brilhante ideia surgiu. Ela atravessou a rua correndo, puxou aquele homem pelo ombro e perguntou se poderia beijá-lo. Para um homem que parecia decidido de seu destino, ele pareceu perder bastante tempo tentando entender o que ela havia acabado de dizer.
Alisson agiu mais rápido e puxou-o pela gola, trazendo-o em sua direção e utilizando o corpo dele como escudo. Ela o beijou. Ela não conseguiria comparar aquele beijo com qualquer outra coisa que já tinha experienciado. Era completamente diferente, era melhor.
Quando o beijo chegou ao fim, ela finalmente lembrou por qual motivo tinha feito aquilo e olhou ao redor. Já não via mais o cara suspeito em lugar nenhum, e suspirou de alívio. Depois, entraria em contato com seus superiores e enviaria aquela nova informação. Nada era coincidência. Não no ramo dela.
Quando teve certeza de que a barra estava limpa, ela olhou nos olhos do homem que havia acabado de compartilhar o melhor beijo da sua vida. Mal lembrara a última vez que tinha beijado alguém por livre e espontânea vontade.
Ele ainda parecia perplexo com toda cena, e por mais que isso pudesse ser um pouco fofo, estava começando a irritá-la. Ela não era acostumada a perder tempo na vida.
- Olha, me desculpa, tá legal? Eu nem perguntei se você tinha namorada ou esposa, sei lá. Obrigada mesmo. Tinha um cara me perseguindo e eu só não sabia mais como despistá-lo.
Quando ela fez menção de sair, ele a segurou pelo braço.
- Desculpa, eu só estou um pouco confuso. É bastante coisa pra digerir em pouco tempo. – Ele olhou ao redor, parecendo procurar por uma saída, ou apenas tentando lembrar o que ele estava fazendo antes de tudo acontecer.
Por um breve momento, ela se imaginou contando a ele sua real profissão. Aquilo realmente seria um acontecimento e tanto pra cabeça dele. Felizmente, ela não teria que fazer aquilo.
- Tudo bem, eu imagino. Então, eu vou... – ela apontou pra direção que ele estava seguindo anteriormente.
- Ei... – ele tocou gentilmente o braço dela. – Você não gostaria de tomar alguma coisa? Talvez um café?
- Não gosto de café. – Ela disse categórica. Ele pareceu um tanto embaraçado, então ela completou. – Mas eu adoraria tomar um suco.
Os dois sorriram um para o outro, e ele apontou para frente, para que seguissem na direção do restaurante mais próximo. Ela se sentia mais leve do que nunca. Era bom ter alguns momentos de normalidade em sua vida.
- Ah, a propósito, meu nome é .
- E o meu... – ela pensou alguns segundos. – Meu nome é .
Como era bom poder ser ela mesma de novo.

(...)

sabia que manter aquele relacionamento era um risco muito grande, tanto pra vida dela quanto pra vida dele. Portanto, quando ela recebeu aquela ligação durante a manhã, a ligação que mudaria toda sua vida – de novo -, não foi nenhuma novidade. O maior problema de todos seria descobrir o que e como contar para que ela teria que simplesmente sumir da vida dele.
Durante os oito meses de relacionamento, ela pensou nas inúmeras reações que poderia ter caso esse dia chegasse. Até tinha pensado em fingir sua própria morte, mas agora que tudo era real e ela teria que partir de verdade, não parecia justo com que ela fizesse isso. Era muito mais fácil pensar em tudo aquilo do que escolher o que fazer agora que sua vida não lhe pertencia mais.
Ela estava cansada da vida que levava, cansada de ter que deixar pra trás pessoas que era gostava e que a faziam tão bem – ao contrário do pessoal que trabalhava com ela e que ela sequer sabia se podia confiar. queria uma vida normal, com uma rotina chata que a entediasse e que a fizesse ficar encarando o teto por horas sem saber o que fazer. Queria uma casa pra chamar de sua, onde viveria com e seus filhos. Ela não queria mais procurar por esconderijos, investigar pessoas e lugares, atirar, ou até mesmo matar. Pra ela aquilo já não era mais vida.
Quando tinha sido recrutada, bem jovem, após seus pais morrerem, tudo aquilo parecia o mundo. tinha, finalmente, um proposito na vida. Saberia pra onde seguir e o que fazer. Não precisava mais ficar perdida e procurando o rumo que deveria tomar. Agora, no entanto, ela via tudo aquilo com outros olhos. Não seria ingrata de dizer que aquele trabalho, ironicamente, a havia salvo. Quem diria, ter que matar pessoas daria a ela uma razão pra viver.
queria uma forma de escapar daquilo.
Então, depois de ouvir a ligação de sua superiora, indicando que era hora de extração, ela teve uma ideia. Ela fingiria sua morte... Mas não para .

(...)

Já fazia três meses que não a via. Ele acreditava que, com o tempo, tudo passaria, os sentimentos ficariam menores e logo mais seria apenas mais uma pessoa em sua vida. Só que nada disso tinha acontecido. Toda vez que ele acordava pela manhã, o cheiro dela nos lençóis era a primeira coisa que ele sentia. Ele tinha medo que o cheiro dela passasse logo, pois tinha sido a única lembrança que ela tinha deixado.
Enquanto caminhava a caminho da universidade, se distraiu e só voltou a si quando sentiu do solavanco no ombro direito. Ele olhou rapidamente para trás para ver quem tinha esbarrado nele e reparou um homem caminhando apressadamente na direção oposto. Pensando ser apenas mais uma pessoa mal-educada, continuou a caminhada.
Quando atingiu certa altura, quase chegando à universidade, colocou as mãos nos bolsos, para aquecê-las. Foi quando se deparou com um pedaço de papel que continha um endereço. Em Singapura. Mas não foi nada disso que chamou sua atenção, mas sim a assinatura no fim: “”. Ao ver aquilo, apressou os passos.
A primeira coisa que fez assim que chegou em sua sala, na Universidade José de Alencar, foi procurar exatamente o que aquele endereço significava. Ele sabia que tentaria entrar em contato, e aquilo definitivamente era uma forma de se contatar. Assim que pesquisou o endereço no Google Maps e avaliou a rua, os arredores e a distância do aeroporto, foi logo pesquisar um pouco mais sobre Singapura. Ele ficou aliviado por ver que era um dos países mais seguros que existia, e que tinha penalidades pesadas para aqueles que descumprissem a lei.
Uma onda de euforia tomou conta dele por pensar que sua espera finalmente terminaria, que poderia, enfim, ver sua amada e não ter mais que fugir dela. O professor não se importava de ter que mudar de país, imaginava como era perigosa a vida de . Ele correria esse risco pelo amor que sentia por ela. Por ela valeria a pena.
Seus planos começaram naquela tarde mesmo, enquanto ele ia até a sala da administração da universidade. Ele só iria tirar duas semanas, afinal, tinha férias em haver. Como era o início do período letivo, teria que esperar pelo menos algumas semanas até que encontrassem um substituto temporário. Para ele era perfeito, pois teria tempo de comprar a passagem e organizar tudo que precisasse a respeito da viagem: onde ficaria caso precisasse passar alguns dias em Singapura, o que faria com seu apartamento ou até mesmo com seu carro. Assim que saiu de lá, foi para casa fazer suas malas. Mesmo sabendo que não embarcaria no dia seguinte, não conseguia conter em ansiedade. Ele sequer saberia se ficaria apenas duas semanas fora, poderia ser pra sempre. Poderia pensar em mudar seu nome e encontrar emprego em outro lugar, qualquer coisa viria em segundo plano.
sempre tinha se considerado uma pessoa que arriscava de menos e pensava demais. Aliás, era até uma das coisas que reclamava sobre ele. Porém, em relação a ela, ao amor que sentia por ela e que jamais sentiria por outra pessoa, ele tinha vontade de jogar tudo pela janela e só seguir em frente. Tudo que ele tinha no bolso era um papel com um endereço aleatório, e mesmo assim seu primeiro instinto foi de correr atrás do tempo que havia perdido com o amor da sua vida.
chegou ao aeroporto que tinha sido protagonista de uma das cenas mais tristes de sua vida. Porém, naquele momento aquele lugar era o responsável por conectá-lo novamente a quem previamente ele havia separado. No guichê da companhia aérea. fez o check-in e despachou suas bagagens, ansioso para que toda a viagem passasse o mais depressa possível.
O embarque não demorou muito para ser anunciado e logo estava dentro do avião. Como ele obstruía o corredor do avião, uma pessoa pediu passagem, o que fez com que ele tivesse que sair do lugar enquanto guardava a bagagem de mão no compartimento indicado. Por conta dessa movimentação, conseguiu reparar em um homem sentado a algumas poltronas de distância que encarava firmemente qualquer movimento que fizesse. Na hora, não levou muito em conta, mas quanto mais horas de viagem passavam, mais ele ia maturando a ideia de que aquele homem poderia estar de alguma forma interessado nele. E não no jeito positivo. Algumas vezes se esticou na poltrona para checar se ainda estava sendo observado e constatou que sim. O outro homem sequer fazia questão de esconder seu interesse.
Depois que o avião pousou no aeroporto Changi, percebeu que o homem que o perseguia já não se encontrava por perto. O que, de certa forma, foi um alívio. Ele não sabia com que tipo de pessoa que tinha que lidar no trabalho, e se aquele homem sequer tinha alguma coisa a ver com aquilo, então era bom não ser mais seguido por ninguém. Deixando aquilo de lado um pouco, checou o celular à procura de mensagens de , apenas por força do hábito, pois sabia que não encontraria nada lá. Mas, dessa vez, não ficara triste por não encontrar nada. Afinal, estaria prestes a tê-la em seus braços novamente.
Com esse pensamento em mente, pegou o primeiro táxi que encontrou disponível e entregou o endereço em um pedaço de papel. Ele não saberia se teria que entrar dentro do prédio correspondente ao endereço ou se esperaria em frente ao mesmo. Decidiu que tomaria essa decisão quando chegasse lá.
A viagem de táxi não demorou muito tempo e logo ele já se encontrava no endereço combinado. Esperou ali em frente por alguns minutos e viu que mais um táxi se aproximava dele. O veículo parou em sua frente e o motorista abaixou o vidro.
- ?
- Sim, pois não? – Ele não sabia se deveria desconfiar daquilo tudo ou se era parte do plano de . Fazia certo sentido que ela não fosse busca-lo, pois era perigoso para os dois, mas ele não sabia até onde poderia confiar em qualquer um.
- Estou aqui em nome de – o motorista tinha uma pronuncia muito boa no inglês, mas seu sotaque denunciava que ele não era americano ou inglês. Porém não conseguiria apontar de onde ele poderia ser, além do mais por conta de sua aparência não daria pra dizer nada.
Após alguns momentos de indecisão, entrou no táxi. Lentamente, um vidro que separava o motorista de foi erguendo aos poucos. Ele, completamente desconfiado, tentou abrir a maçaneta da porta, pularia do carro em movimento caso necessário. No entanto, a mesma não abriu. Desespero começou a tomar conta dele quando viu que o vidro estava totalmente erguido e o motorista sequer olhava em sua direção, mesmo quando fora chamado. tentou abrir os vidros, mas sem sucesso. As portas traseiras deveriam estar com travas de segurança para criança, pois nenhuma das tentativas de fuga de funcionava. De repente, ele ouviu um som vindo da lateral dos bancos dianteiros. Uma fumaça começou a sair de canos muito pequenos, que não tinha notado anteriormente em seus momentos de desespero. E, então, tudo começou a ficar borrado, até que não sobrou mais forças em seu corpo e tudo ficou escuro. A última coisa que lembrou antes de apagar foi a voz de sua mãe dizendo para nunca confiar em estranhos.

(...)

O único som que conseguia ouvir era de seu coração batendo acelerado. O cheiro era de algo podre, como se alguma coisa tivesse morrido ali por perto e tivessem esquecido de enterrar. Isso não era um bom sinal, e o fato de estar com as mãos amarradas nas costas, os olhos vendados e a boca amordaçada também não colaborava para que ele se acalmasse. Depois de se debater um tempo, ouviu ao fundo risadas. Ele não estava sozinho.
- Sabe, não vai adiantar ficar se debatendo assim – a voz era projetada à sua frente, e parecia masculina, isso era tudo que ele conseguia apontar naquele momento.
Inutilmente, ele tentou se livrar das amarras mais uma vez, apenas causando machucados em seus pulsos. Cada tentativa o deixava mais frustrado, porque ele não conseguia ver o que estava acontecendo e nem sequer perguntar o porquê de tudo aquilo. Ao fundo, sua consciência ficava apenas repetindo o nome de . Tinha tudo a ver com ela, ele só não tinha descoberto o que.
- Ok, isso tudo está muito engraçado e tudo mais, mas vou mandar a real pra você – um barulho de ferro arrastando ecoou por todo lugar e sentiu uma respiração muito perto do seu rosto. Sua reação natural foi de afastar a cabeça, mas algo a puxou novamente para frente, fazendo com que ele sentisse a respiração mais uma vez. Essa era a voz de outra pessoa, então ele sabia que tinha mais duas pessoas além dele no que ele julgou ser um galpão vazio por conta do eco. – Caso não tenha ficado claro, você tá aqui por causa da sua namoradinha. E nós queremos saber onde é que ela tá.
A mão que tinha puxado ainda fazia pressão em seu pescoço, e ele só queria que tirassem aquela venda dele. Num movimento rápido, a mordaça que cobria sua boca saiu.
Ainda assustado, pensou um pouco: - Não sei... não sei onde ela tá. Eu achei que a encontraria aqui. Em Singapura.
Novamente, risadas irromperam no galpão. girou a cabeça pra todos os lados, porque vozes pareciam vir de todos os cantos.
- Meu querido, - alguns tapinhas foram dados em seu rosto – não estamos mais em Singapura.
- Que merda... Que merda é essa? – a explosão de surpreendeu até ele mesmo. – O que tá acontecendo aqui? Tira essa porcaria do meu olho!
- Baixa essa bola aí, parceiro! – o cara na sua frente alterou a voz. – Tá pensando que manda aqui, é?!
- To pensando que vocês são uns covardes que tem que amarrar alguém pra conseguir o que quer. Vocês não sabem fazer o trabalho e ficam envolvendo os outros no meio. Um bando de incompetentes, isso sim.
não saberia dizer de onde teve coragem pra dizer tudo aquilo, mas a julgar pelo estado que seu coração batia e o nervoso de saber que eles estavam atrás de , ele pode ter uma ideia de onde tudo aquilo veio. Ele não queria que aqueles caras relassem um dedo nela, não queria que nada de ruim acontecesse pra ela, independente de quem ela fosse ou que profissão tivesse. Ela era a melhor pessoa pra ele, e nada do que dissessem mudaria aquilo. Ninguém conseguiria mentir por oito meses, certo?!
Não teve um aviso prévio, ele sequer pode ver chegando, mas o soco atingiu em cheio seu rosto, derrubando sua cadeira no chão. ficou com a face contra o chão e sentiu um líquido quente escorrer por seu nariz, que latejava.
- Seu idiota! – ele conseguiu resmungar entredentes.
- Apaga esse resmungão aí!
No instante seguinte, ouviu passos se aproximando de sua cadeira e um pano molhado sendo colocado sobre seu nariz. A dor era excruciante, mas logo ela foi passando. E, então, ele lembrou do táxi e que tudo estava se repetindo.

(...)

Estouros soavam ao fundo e uma mão suave acariciava seu rosto. , mesmo vendado, quase conseguia ver o rosto de . Ela acordando, naquela manhã, dizendo que o amava, passando a mão por seus cabelos. De repente, como uma nuvem de fumaça, tudo se desfez.
- , eu preciso que você acorde! – a voz o trouxe de volta aos poucos.
- ?! - O desespero que soava em sua voz entregava o quanto ele queria aquela mulher, mas, acima de tudo, o quanto queria que ela estivesse bem.
- Sim, sou eu! Preciso que se levante. – Assim que ela disse isso, mais estouros soaram no espaço. removeu a venda de e sorriu para ele, seu coração acelerando à medida que percebia que aquilo era real. Ele estava ali. Rapidamente, ela desfez os nós que o prendiam à cadeira e o ajudou a levantar. não se lembrava de ter apanhado quando acordado, porém seu corpo todo doía. Ele mal conseguia ficar ereto, pois tudo ardia. – ...
O tom de voz de era quase um sussurro ao ver o que havia acontecido com ele. Ela queria ter chegado antes, deveria ter estado mais atenta e conseguiria salvá-lo muito antes.
- Relaxa, só vamos sair daqui.
Olhando ao redor, percebeu que estava em uma sala fechada. O barulho vinha por trás da porta que ele encarava e parecia muito com sons de tiro. A apreensão no rosto dele logo foi detectada por , que o tranquilizou.
- Nós entramos em confronto com a família Campinni, mas tem uma saída pelos fundos e acho que conseguimos chegar lá se formos rápido.
Mal as palavras saíram de sua boca, abriu a porta e gritou para se abaixar. Ela sacou a arma que carregava no coldre, e foi só então que a notou. Mesmo a vendo em ação, era difícil assimilar que ela era uma agente secreta.
Movido pela adrenalina, se abaixou e seguiu por todo caminho que ela foi. Eles desviaram por trás de caixas enormes, e percebeu que eram elas que emanavam o cheiro forte que ele sentira antes. Ao tentar tapar seu nariz, ele gemeu de dor. Tinha esquecido que havia levado um soco.
parou do nada e fez sinal para que parasse também. Ela apontou para frente e pode ver a porta dos fundos do galpão e alguém bloqueando a passagem. Um homem ruivo, alto e musculoso segurava a arma na mão e olhava rapidamente para todos os lados. Logo, logo ele notaria e , afinal o lugar que eles estavam não era tão escondido.
abalançou um pouco a cabeça e olhou tristemente para . – Vou precisar fazer uma coisa e você vai ter que confiar em mim – ela respirou fundo, mais tiros soaram. – Eles tinham que ir logo, não sabiam quem estava à frente da batalha que estava sendo travada. – Esse é o herdeiro da família Campinni, ele tá atrás de mim e não vai deixar ninguém sair vivo daqui. Eu conheço ele. Preciso atirar.
As palavras dela não eram uma pergunta, mas soavam como tal. Ela não sabia como iria reagir a essa parte do trabalho dela e isso a preocupava. Só que no momento eles não tinham outra opção. Giorgio Campinni não deixaria ninguém sair dali com vida, muito menos ela e .
Quando concordou com a cabeça, virou na direção de Giorgio e apontou a arma para ele. No instante que seu dedo se acomodou no gatilho para apertar, um estrondo soou muito perto deles e eles viram Giorgio cair no chão pesadamente. se ergueu só um pouco para ver quem estava ali por perto e notou que era um de seus companheiros, Casanova. Ele andou um pouco mais afrente, segurando a arma em posição caso percebesse que Giorgio poderia se levantar, mas constatou que o mesmo estava morto. saiu de onde estava e Casanova a olhou.
- Vocês precisam sair daqui agora.
não precisou ouvir duas vezes, logo estava passando pela porta com em seu encalço. tomou a frente e correu até o mato que cercava o galpão, encontrando o carro da equipe e adentrando no mesmo. a seguiu e fechou a porta atrás de si.
- Olha, eu nem sei o que... Acho que to em choque. – balançou a cabeça e sentiu a dor correr por todo seu corpo. – Você não precisa ajudar seus amigos?
sorriu ao som da palavra. Por mais que considerasse as pessoas que trabalhavam com ela, não poderia chamar ninguém ali de amigo. Só que aquela era uma conversa pra outra hora. Um sorriso brotou em seu rosto repentinamente e a encarou, confuso.
- Não vou voltar – afirmou categórica.
- Mas eles não precisam de você? Consigo me virar aqui sozinho, se for por...
- Não! – ela interrompeu. – Não vou voltar mais pra lá ou pra eles. Acabou tudo aquilo. Eu to fora.
ficou esperando qualquer reação de , mas o mesmo parecia uma página em branco.
- O que isso quer dizer? – sua voz não entregava suas reais emoções.
- Quer dizer que eu vou embora... com você, .
queria que aquele momento fosse mais romântico, que tudo colaborasse para que eles tivessem um momento a sós enquanto ela contava a decisão de se demitir e de largar tudo para ficar com . No entanto, eles tinham que sair dali. Ela ligou o carro e acelerou. Eles não conseguiam ver nada, a única rota que seguiam era a indicada pelo GPS.
temia que o carro caísse em alguma vala no meio daquele matagal ou então que batesse em alguma coisa, porque pela velocidade que dirigia não seria possível frear a tempo de evitar uma colisão brusca. Sua cabeça era uma mistura de adrenalina por tudo que tinha passado, êxtase por finalmente ver e incredulidade. A felicidade mal cabia nele de saber que ela também queria ficar com ele, que ela tinha estado ali para salvá-lo. O seu medo maior era de que ela se arrependesse de deixar isso para trás só por causa dele e se arrepender de sua decisão no futuro. Ele queria ficar com ela, mas não que isso custasse a felicidade dela.
- , eu não quero que você largue tudo por mim – disse, sério.
O carro balançou um pouco quando se virou rapidamente na direção dele. Ela não podia acreditar que ele a estava negando. Não era possível que ele já tinha esquecido dela...
- , eu... – sua voz morreu, pois ela não sabia nem o que dizer. - , eu quero mais que tudo nesse mundo ficar com você, mas não quero que você desista da sua vida por mim. Eu jamais me perdoaria por isso.
O coração de se preencheu do que ela só podia chamar de amor. Saber que se importava com ela a ponto de sacrificar sua felicidade para ver a dela era a prova de amor mais linda que ela já tinha visto. Ela sabia que ele nunca a faria desistir de algo que amava só porque ele queria, ele não era assim.
- Se precisar, eu vou com você. Eu me escondo, eu fujo, vou pra onde quer que você precise ir. Eu não ligo, . Só quero ficar com você.
As palavras de preenchiam o carro e alimentavam mais ainda o que sentia por ele. Ela não ia desistir de ser espiã porque queria ficar com ele. Apesar de ainda gostar um pouco do que fazia, não era mais o que ela queria. queria uma família, e ela precisava contar isso a ele.
- Não precisa fazer nada disso, – ela o encarou rapidamente, o sorriso brotando mais uma vez em seu rosto. – Eu vou deixar de ser agente porque eu quero, porque... Porque eu quero me casar com você, ter filhos com você e construir um lar.
Eles finalmente chegaram à estrada de terra e podia enxergar o que se passava à sua frente. O GPS indicava mais um quilômetro e meio até o local de destino. queria que chegasse logo, porque queria dizer tudo aquilo de novo olhando nos olhos de .
- Ok, eu aceito. Eu aceito casar, ter filhos, ficar junto com você e envelhecer ao seu lado. – repousou a mão sobre a mão de que se encontrava no câmbio. Ele sorriu, porém com o movimento seu nariz doeu novamente.
queria parar o carro e pular em cima de , enchê-lo de beijos e abraços apertados e não largar nunca mais. Só que antes disso eles tinham que chegar . Como uma forma de mostrar a o quanto tinha gostado de suas palavras, ela virou a palma da mão pra cima e entrelaçou seus dedos aos dele.
Mais cinco minutos e virava o volante para passar pelos portões de ferro. Uma estradinha sinalizada levava a um avião de pequeno porte que estava ligado. Ela acelerou mais um pouco e estacionou ao lado da aeronave. Assim que ela desceu do carro, imitou seu gesto. Os dois seguiram em direção ao avião e observou conversar brevemente com o piloto. Ela acenou para que ele entrasse dentro da aeronave e fez o mesmo. Dois minutos depois, o avião já estava pronto para levantar voo.
- Pra onde vamos? – perguntou.
O sorriso no rosto de era grande quando ela respondeu.
- Criar nossa família. ... Eu tô grávida.









FIM.




Nota da autora: Espero que gostem! Qualquer coisa, manda um e-mail. <3









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