Parte 01
— Eu avisei que não queria ser atrapalhada enquanto estivesse em reunião! — A assessora confrontou a recepcionista assim que chegou até o térreo do edifício. — Agora, me diz o que pode existir de tão importante para me interromperem...
— Senhorita ... — a mulher, que estava apenas cumprindo o trabalho designado, a interrompeu assustada. — Sua irmã... — apontou para um ponto acima do ombro dela — Está aqui.
arregalou os olhos, virando-se em câmera lenta até enxergar a irmã do meio parada naquele hall com uma cara nada boa.
Então, não houve abraços de saudade ou um cumprimento amigável. Depois de anos, a primeira coisa que a assessora ouviu de um familiar foi:
— Vovó está morrendo.
— Senhorita ... — a mulher, que estava apenas cumprindo o trabalho designado, a interrompeu assustada. — Sua irmã... — apontou para um ponto acima do ombro dela — Está aqui.
arregalou os olhos, virando-se em câmera lenta até enxergar a irmã do meio parada naquele hall com uma cara nada boa.
Então, não houve abraços de saudade ou um cumprimento amigável. Depois de anos, a primeira coisa que a assessora ouviu de um familiar foi:
— Vovó está morrendo.
Parte 02
Vovó está morrendo.
Aquelas três palavras simplesmente não lhe saíam da cabeça. Enquanto arrumava as malas para retornar à cidade natal, toda a estabilidade mental que juntara com o passar dos anos parecia estar escorrendo por suas mãos. Os dedos tremiam tanto que na tentativa de dobrar a quarta blusa, ela desistiu, limitando-se a amassar o maior número de peças que conseguisse dentro da bolsa.
— Tem certeza de que não quer ajuda? — A assistente que a acompanhava insistiu pela terceira vez, sentindo-se impotente.
se obrigou a engolir o nó na garganta para erguer a cabeça e encarar a outra mulher. De olhos marejados e visivelmente fragilizada, garantiu:
— Está... Tudo bem. — Houve uma tentativa mal sucedida de forçar um sorriso. — Vai ficar tudo bem.
Fazia tempo que não sabia o que era se sentir perdida, sem uma direção. Ela nem sabia por que se surpreendia ainda, qualquer coisa que partisse da cidade onde tinha nascido tinha um grande potencial destrutivo.
De repente, sentia-se como se fosse a mesma adolescente desesperada para fugir de tudo e todos. havia feito um juramento silencioso de que jamais pisaria aquelas terras outra vez, até agora.
Lightville era a típica cidade interiorana onde todo mundo sabia o que estava acontecendo e tudo que você fazia era discutido. Chegava a ser irônico um lugar daquele ter o termo luz no nome, sendo que sempre se sentiu engolida pela escuridão. Aquele era um município onde somente os recursos e as construções cresciam, pois a população estava viciada em viver os séculos passados.
— Faz quanto tempo que vocês descobriram que ela está doente?
Dentro do avião, sentadas lado a lado, as irmãs mal se encaravam. Era constrangedor que não conseguissem agir como família nem nos momentos mais difíceis.
— Não muito — a mais nova respondeu robótica, com o olhar perdido no encosto do lugar da frente. — Vovó ainda tentou mascarar os sintomas por um tempo, sabe como eles são... Doença é sinal de fraqueza e não queriam os vizinhos espalhando boatos. — Os olhos dela reviraram.
— Imagino que não funcionou, porque ela hospitalizada deve ter sido um escândalo.
Dessa vez, a resposta veio somente por um aceno de cabeça. Nervosa, Emily brincava com os dedos das mãos que descansavam sobre o colo. Sua boca estava tão seca que só faltava se engasgar com todas as palavras que tentava colocar para fora. Os lábios se abriam e fechavam, sem saber por onde começar, afinal, estava de volta, ainda que fosse por pouco tempo.
— Estou feliz que esteja de volta, — foi só o que saiu.
Depois do voo, as duas ainda precisaram enfrentar uma viagem de carro. Dentro do automóvel alugado que pertenceria à nos próximos dias, Emily contou com mais detalhes sobre o caso clínico da avó, atualizou-a sobre a cidade e revelou como ainda precisariam arrumar um lugar para a mais velha dormir, uma vez que o antigo quarto na casa dos pais havia sido ocupado para guardar tralhas.
— Não tem problema. Não tinha pretensão nenhuma de voltar para casa — a mais velha disse fria, ocupada com a estrada.
— Vocês vão ter que se resolver algum dia! — Suspirou. — Papai e mamãe estão ficando velhos, . Você aguentaria carregar esse fardo se fossem eles no lugar da vovó?
— Eu nunca fiz nada errado. — Os dedos que cobriam o volante ficaram esbranquiçados pelo excesso de força aplicado.
— Não é sobre quem está certo. Eles nasceram e são de uma geração diferente, já estão com um tipo de mentalidade formada. Você sabe que não estou pedindo para mudá-los, mas ligar às vezes para dar alguma satisfação, avisar que está tudo bem seria um bom começo. Papai morre de preocupação, mesmo você estando com trinta anos.
manteve-se calada. Elas iriam brigar, ainda mais, se continuassem com o assunto. A quantidade de coisas que estavam entaladas e prestes a cuspir teve que ser engolida outra vez. Quem precisava ouvir não era a irmã.
— Chegamos — deu o assunto por encerrado. — Irei me instalar no hotel e depois encontro vocês no hospital.
Aquelas três palavras simplesmente não lhe saíam da cabeça. Enquanto arrumava as malas para retornar à cidade natal, toda a estabilidade mental que juntara com o passar dos anos parecia estar escorrendo por suas mãos. Os dedos tremiam tanto que na tentativa de dobrar a quarta blusa, ela desistiu, limitando-se a amassar o maior número de peças que conseguisse dentro da bolsa.
— Tem certeza de que não quer ajuda? — A assistente que a acompanhava insistiu pela terceira vez, sentindo-se impotente.
se obrigou a engolir o nó na garganta para erguer a cabeça e encarar a outra mulher. De olhos marejados e visivelmente fragilizada, garantiu:
— Está... Tudo bem. — Houve uma tentativa mal sucedida de forçar um sorriso. — Vai ficar tudo bem.
Fazia tempo que não sabia o que era se sentir perdida, sem uma direção. Ela nem sabia por que se surpreendia ainda, qualquer coisa que partisse da cidade onde tinha nascido tinha um grande potencial destrutivo.
De repente, sentia-se como se fosse a mesma adolescente desesperada para fugir de tudo e todos. havia feito um juramento silencioso de que jamais pisaria aquelas terras outra vez, até agora.
Lightville era a típica cidade interiorana onde todo mundo sabia o que estava acontecendo e tudo que você fazia era discutido. Chegava a ser irônico um lugar daquele ter o termo luz no nome, sendo que sempre se sentiu engolida pela escuridão. Aquele era um município onde somente os recursos e as construções cresciam, pois a população estava viciada em viver os séculos passados.
— Faz quanto tempo que vocês descobriram que ela está doente?
Dentro do avião, sentadas lado a lado, as irmãs mal se encaravam. Era constrangedor que não conseguissem agir como família nem nos momentos mais difíceis.
— Não muito — a mais nova respondeu robótica, com o olhar perdido no encosto do lugar da frente. — Vovó ainda tentou mascarar os sintomas por um tempo, sabe como eles são... Doença é sinal de fraqueza e não queriam os vizinhos espalhando boatos. — Os olhos dela reviraram.
— Imagino que não funcionou, porque ela hospitalizada deve ter sido um escândalo.
Dessa vez, a resposta veio somente por um aceno de cabeça. Nervosa, Emily brincava com os dedos das mãos que descansavam sobre o colo. Sua boca estava tão seca que só faltava se engasgar com todas as palavras que tentava colocar para fora. Os lábios se abriam e fechavam, sem saber por onde começar, afinal, estava de volta, ainda que fosse por pouco tempo.
— Estou feliz que esteja de volta, — foi só o que saiu.
Depois do voo, as duas ainda precisaram enfrentar uma viagem de carro. Dentro do automóvel alugado que pertenceria à nos próximos dias, Emily contou com mais detalhes sobre o caso clínico da avó, atualizou-a sobre a cidade e revelou como ainda precisariam arrumar um lugar para a mais velha dormir, uma vez que o antigo quarto na casa dos pais havia sido ocupado para guardar tralhas.
— Não tem problema. Não tinha pretensão nenhuma de voltar para casa — a mais velha disse fria, ocupada com a estrada.
— Vocês vão ter que se resolver algum dia! — Suspirou. — Papai e mamãe estão ficando velhos, . Você aguentaria carregar esse fardo se fossem eles no lugar da vovó?
— Eu nunca fiz nada errado. — Os dedos que cobriam o volante ficaram esbranquiçados pelo excesso de força aplicado.
— Não é sobre quem está certo. Eles nasceram e são de uma geração diferente, já estão com um tipo de mentalidade formada. Você sabe que não estou pedindo para mudá-los, mas ligar às vezes para dar alguma satisfação, avisar que está tudo bem seria um bom começo. Papai morre de preocupação, mesmo você estando com trinta anos.
manteve-se calada. Elas iriam brigar, ainda mais, se continuassem com o assunto. A quantidade de coisas que estavam entaladas e prestes a cuspir teve que ser engolida outra vez. Quem precisava ouvir não era a irmã.
— Chegamos — deu o assunto por encerrado. — Irei me instalar no hotel e depois encontro vocês no hospital.
Parte 03
— Escuta... — falava ao celular, escorada no balcão de atendimento do hotel. — Não sei quando eu volto, mas vai dar tudo certo. O sinal daqui parece bom. Preciso dos relatórios até amanhã no meu e-mail. Não deixe Josh sair sem pelo menos dois seguranças, não importa o quanto ele garanta que vai se virar. Não queremos escândalos, estamos entendidas? — Os olhos recaíram na mulher que fazia seu cadastro. — Conversamos depois. — Encerrou a ligação sem esperar uma resposta.
— Senhorita , tudo certo com a sua reserva. Aqui está a chave do seu quarto. — Deslizou um cartão. — O café da manhã é servido até às onze horas. O serviço de quarto está disponível para sempre que precisar. O Hotel Cardash te deseja uma excelente hospedagem.
— Obrigada! — Tomou a chave com uma mão e a mala de rodinhas com a outra. — Tenha um bom trabalho.
Enquanto caminhava para os elevadores, os olhos estavam ocupados com a tela do celular, por onde a assistente mandava as últimas atualizações dos clientes que assessoravam. Mesmo distraída, os bons reflexos e instintos apurados a fizeram frear no instante em que um carrinho de bagagens invadiu seu campo de visão, parando quase que em cima dos pés cobertos pelas botas de camurça.
ergueu os olhos para encontrar o responsável.
Tudo ao redor pareceu congelar.
Aqueles traços, aqueles olhos... Os joelhos ameaçaram ceder.
Com a mesma velocidade que as coisas pareceram parar, tratou de fazê-las voltarem. Murmurou um pedido de desculpas embaraçado e acelerou os passos, indo em direção ao cubículo de metal. Quando estava a uma distância segura, ousou virar para trás e o segundo momento de vergonha aconteceu: o homem do carrinho também a encarava. virou o rosto para frente com agilidade, obrigando-se a engolir seco.
Lightville era como um campo minado, para todo passo que desse, encontraria surpresas. Respirou fundo, colocando na cabeça que tinha outras prioridades no momento.
Pronto para mais uma leva de malas, o homem não conseguiu segurar o ímpeto de perguntar sobre a mulher com quem esbarrara instantes atrás para as colegas da recepção.
— A mulher que acabou de passar é uma turista? — Quis saber, inquieto com o que achava que ter visto.
— Sinceramente, ? Todos nessa cidade são estranhos para mim. — A recepcionista riu. — Porque, no caso, eu sou a turista. Esqueceu que acabei de chegar?
— Ela não disse nada? — Ignorou o questionamento da colega.
— Parecia importante. — Deu os ombros. — Não que eu seja pessoa de bisbilhotar a conversa dos outros... — foi se isentando da culpa. — Mas acho que ela trabalha com algo de segurança, me deixa confirmar uma coisa aqui... — Deu alguns cliques no próprio computador, mas logo parou. — Por que esse interesse? — Encarou suspeita.
— Não é o que você está pensando, Nadine.
— Eu não estava pensando nada. — Fez bico. — Mas agora estou pensando que você em breve vai ser o marido da senhorita Cardash, portanto não deveria estar olhando para todo o rabo de saia que circula aqui. — Cruzou os braços.
— Não devia se meter no que não sabe.
A fala séria desarmou a funcionária, que teve uma crise de consciência. Ela não deveria ter falado daquele jeito com o homem que seria o futuro dono de todo o conglomerado. Nadine precisava do emprego. Engoliu seco, ainda que sentisse que não estava totalmente errada.
— Desculpe. — Baixou o olhar. — Por um momento, me deixei levar e me esqueci da nossa diferença de classes. Peço que esqueça a minha idiotice e não reporte aos senhores Cardash, por favor.
suspirou. Não era a intenção dele soar ameaçador ou babaca.
— Também não precisa falar assim comigo, Nadine. Quando disse que não deveria falar o que não sabe, quis dizer que tem muito mais coisa envolvida do que o amor de dois adultos — amaldiçoou-se por estar falando demais. — Mudando de assunto, conseguiria apenas me informar o nome da nossa cliente recém-chegada?
— Só um segundo... — Buscou as informações na tela. — Aqui! O nome dela é , . Veio da capital.
Bingo!
✨✨✨
O simples pisar àquele lugar foi o suficiente para que desse de cara com os conhecidos. Sua chegada atraiu os olhares de todos naquela parte do hospital. A diferença nas vestimentas e na postura evidenciava que ela era uma recém-chegada na cidade. Enquanto dava os últimos passos para alcançar a rodinha dos familiares, viu pelo canto dos olhos, Cilene, conhecida também como sua mãe, fitá-la por inteira.
A tensão era tão grande que quase se fazia palpável. A família era tão numerosa que ela sozinha era capaz de ocupar a sala de espera quase por inteira. Dali, só sentiu falta do pai, que deveria estar segurando as pontas na mercearia, uma vez que o trabalho nunca deveria parar.
Quis rolar os olhos com esse pensamento.
Os tios por parte da mãe foram os primeiros a quebrar o gelo.
— ? É você mesmo? — Sentiu os olhares analíticos de sempre. — Olha só como está crescida!
— Uma verdadeira mulher!
— Tão elegante.
— Família — cumprimentou, curta. — Como está a vovó?
— Bem mal — a mãe se pronunciou pela primeira vez. — Sofrendo, enquanto alguns parecem estar tendo do bom e do melhor.
contraiu o maxilar. Era óbvio que seu retorno não seria fácil. Só não imaginou que as provocações começariam tão cedo.
— Vovó acabou de ser medicada — Emily interferiu, antes que a irmã mais velha pudesse dar uma resposta mal educada. — Acho que chegou numa hora ruim, . Não sei se ela ainda está acordada, por conta da força dos medicamentos.
— Consigo entrar no quarto dela mesmo assim?
A irmã confirmou com a cabeça.
— E como são os recursos do hospital? Quantas pessoas dividem o quarto com ela?
— Conseguimos um quarto só para ela — foi a vez da tia entrar para a conversa. — Achamos que seria mais cômodo, visto que, como pode ver, somos em um número muito grande. Acabaríamos causando perturbação aos outros pacientes.
— Fizeram bem. — sorriu, um pouco mais aliviada por saber que cuidavam bem da velhinha.
— Não vamos conseguir mantê-la por muito mais tempo. Os médicos são caros, os medicamentos difíceis de manipular e as diárias nem se fala.
— Pode ficar tranquila que essa parte eu assumirei daqui para frente, mamãe.
— Era o mínimo.
escolheu ignorar o desaforo.
— Alguém pode me levar até o quarto?
✨✨✨
— Vovó? — Chamou com a voz falha, como um teste para ver se a mais velha estava desperta. — É a . Estou de volta!
A senhora deitada sobre a cama se moveu devagar, virando o rosto em direção da voz. sorriu quando os olhares se cruzaram.
— ? ? — A voz da outra saiu por um fio. — É você mesma?
O mínimo de esforço foi o suficiente para desencadear uma crise de tosse nela.
entrou em pânico.
— Por favor, não se esforce demais! — Pegou na mão da idosa. — Sou eu, vovó. Mamãe me contou sobre o seu estado. Não gostaria de tentar um tratamento na capital? Temos mais recursos lá e profissionais para acompanhar o seu quadro de melhoras o di... — A mais nova recebeu um aperto nos dedos como um pedido para que se calasse.
— Já vivi o suficiente. Estou morrendo, filha. Nasci em Lightville e é aqui que quero morrer.
— Mas...
— Você cresceu e se tornou uma boa menina, ... — Deu uma tossida. — Cuide das suas irmãs. Sua mãe é dura, mas só quer o seu bem.
— Para de falar como se estivéssemos nos despedindo! — Repreendeu. — Se depender de mim, você ainda vai viver muito, vovó. Farei tudo que estiver ao meu alcance para isso, mas você vai precisar colaborar também.
— Sim, sim, sim... Claro.
Entretanto, duvidou muito que estivesse sendo ouvida direito. Quanto mais velhos ficavam, mais teimosos também. Mais algumas palavras e a neta se despediu, prometendo que participaria da vida da avó com maior frequência agora.
Do lado de fora, a mãe a aguardava com um semblante inexpressivo e fechado.
— Está satisfeita com o que viu? — Havia um rancor na voz. — Enquanto estava sendo imoral com forasteiros, sua avó definhava em uma maca e a família inteira ia junto pelo sofrimento.
Porque era daquele jeito que as pessoas daquela cidade definiam a mudança de vida dela para a capital: imoral. Crescer, encontrar um emprego, ser dona dos próprios atos... Era inadmissível... Quando se nascia mulher.
— E você me falando tudo isso ajuda exatamente no quê, Cilene?
— Ora, sua malcriada! — Levantou a mão em ameaça. — Deveria te dar um tapa pela petulância de responder sua mãe.
riu debochada.
— Para essas coisas, a senhora quer ser a minha mãe, né? Se eu fosse você, baixaria a bola se quiser que continue financiando o tratamento da vovó.
Pela primeira vez, a matriarca recuou, baixando o tom.
— Não se atreveria...
— Tem razão, não faria isso. Tudo que estou fazendo é por consideração à vovó e apenas isso. Só achei bom relembrar que suas manipulações emocionais não funcionam mais, mãe. Eu cresci e não dependo mais de vocês para ter um teto.
— Ingrata.
— Imoral, destrambelhada, gorda, vergonha da família... — listou. — O que mais estou esquecendo? Como disse, não me abalo mais.
Os anos de terapia finalmente estavam se fazendo valer.
— Vai se arrepender um dia, . Mais para frente, vai ver que ser essa vadiazinha liberal não vai te levar a lugar nenhum. Família vai ser sempre a base de tudo. Se continuar ignorando nossos avisos, vai envelhecer e morrer sozinha.
Era surpreendente como a mãe não havia evoluído nada nos pensamentos com o passar dos anos.
— Claro. E a solução para todos esses problemas apontados é um homem. — Trincou os dentes, nervosa. — Confiar a minha vida a um estranho, desde que ele tenha dinheiro. Morrer ao lado de alguém que não amo e também não me ama. Fico melhor sozinha.
— É fácil encher a boca de besteiras. Com o tempo, vai ver que a solidão é mais assustadora do que imagina. Se continuar dando para qualquer um, vai acabar traída, divorciada e violada. Da sua idade, você foi a única que restou sozinha — cuspiu. — Até o garoto dos , aquele que vivia colado com você para cima e para baixo, está noivo. E quem se deu bem foi ele. — Cilene deu uma risadinha. — A esposa é a sucessora da rede de hotéis da cidade.
deu as costas, atordoada.
Não queria dar o gostinho para a mãe de que havia sido afetada pelas notícias.
Os acontecimentos pareciam fazer sentido agora. estava noivo da herdeira dos Hotéis Cardash. Aquele moço das bagagens com quem havia esbarrado na recepção poderia muito bem ser ele, como suspeitara anteriormente. Além da avó, estava quase perdendo o melhor amigo e o primeiro homem que amou.
Os pensamentos internos pareceram ter sido arrastados por um sopro, pela bagunça em que se encontravam no momento. não soube o que dizer para continuar a discussão. Lightville era uma verdadeira representação da Caixa de Pandora. Uma vez dentro, todas as desgraças poderiam chegar.
✨✨✨
Apesar das palavras encorajadoras que deu para a avó, o relatório que os médicos passaram depois que deixou a mãe para trás não era nada positivo. A avó havia perdido muito peso, sofrendo de desnutrição grave. O câncer que inicialmente era no estômago se alastrou para os pulmões devido à demora do diagnóstico. A previsão de no máximo mais três meses para a idosa foi como um soco certeiro na assessora.
— Senhorita , por favor. — Os médicos foram ao encontro dela, que perdeu a força nos músculos por um instante. — Está tudo bem?
Não estava.
— Como revertemos o quadro dela?
— Atualmente, sua avó não consegue se alimentar. Está totalmente dependente das vitaminas e medicações que receitamos em doses grandes. Não há condições de enfrentar a quimioterapia.
precisou crispar os lábios para engolir o choro.
— Ainda temos esperanças, senhorita. Sua avó é uma mulher forte, mas precisaremos de colaboração total se quisermos que ela chegue ao prazo máximo dos três meses.
— Podem contar comigo.
✨✨✨
havia se trancafiado no quarto pelo resto do dia. Depois de deixar a avó, retornou diretamente para o quarto, onde usou todos os recursos para pesquisar mais sobre o quadro da avó e possíveis tratamentos. Câncer era um assunto delicado para todos, mas os avanços da ciência estavam criando cada vez mais saídas.
Batidas na porta a fizeram ficar em alerta.
Com as pálpebras pesando de sono, percebeu que era muito tarde. Fechou o notebook com força e saiu da cama de casal com muito esforço. Estariam trazendo notícias da avó? Por um instante, sentiu medo do que estaria do outro lado da porta. conferiu o relógio no pulso e viu que era realmente tarde, aumentando sua hesitação.
— Quem é? — indagou, colando os ouvidos na porta.
— Serviço de quarto!
Os olhos dela se semicerraram, formando fendas ameaçadoras.
— Eu não pedi nada.
Ou havia pedido e estava tão perturbada de cansaço que se esqueceu?
— Impossível. Pedido feito por .
Sem mais energia para ficar debatendo pela porta, a assessora decidiu que só aceitaria o serviço por obrigação, sem compromisso, e depois voltaria para a cama para enfim apagar.
— Quando pretendia me contar que estava de volta, ?
Aquelas foram as primeiras palavras que ela escutou após abrir a porta.
A precisou abrir e fechar a boca algumas vezes, antes de se recompor por inteira.
— Que tipo de serviço de quarto é esse? — Semicerrou os olhos.
estava diante da porta do quarto de hotel dela, com as mãos no bolso, fazendo perguntas impertinentes para o horário.
— Não respondeu à minha pergunta.
— Tampouco você à minha.
— Eu sabia que era você no salão no instante que meus olhos pousaram na mulher que quase derrubei com o carrinho.
— Parabéns. Quer um prêmio por isso? — Posicionou as mãos na maçaneta, pronta para fechar a porta.
— Você não se atreva... — ele falou, com o olhar preso aos movimentos dela. — Deveria ter me chamado para conversar, . Temos muito que discutir.
— Minha avó está doente, isso você já deve saber. Voltei exclusivamente por ela, não para fazer amigos — por fim, respondeu a primeira dúvida dele.
— A capital te transformou. O deboche está escorrendo pelo canto da sua boca. — O homem cruzou os braços, inconformado. — A cidade é muito pequena para ficar fugindo de mim. Somos adultos, . Vamos ter que conversar em algum momento.
Todos em Lightville pareciam um disco quebrado, insistindo erroneamente que a vida na capital foi o maior problema da vida dela... E não os relacionamentos abusivos, as fofocas sem fundamento... Mas a droga da Capital.
— Desculpa. Não somos conhecidos e próximos o suficiente para tal ato. Vou pedir que se retire e não volte a perturbar, do contrário, reclamarei com a gerência do hotel sobre abuso no atendimento, que por coincidência são os seus sogros, não é isso?
— Eu ia te contar...
— Boa noite, senhor.
— Senhorita , tudo certo com a sua reserva. Aqui está a chave do seu quarto. — Deslizou um cartão. — O café da manhã é servido até às onze horas. O serviço de quarto está disponível para sempre que precisar. O Hotel Cardash te deseja uma excelente hospedagem.
— Obrigada! — Tomou a chave com uma mão e a mala de rodinhas com a outra. — Tenha um bom trabalho.
Enquanto caminhava para os elevadores, os olhos estavam ocupados com a tela do celular, por onde a assistente mandava as últimas atualizações dos clientes que assessoravam. Mesmo distraída, os bons reflexos e instintos apurados a fizeram frear no instante em que um carrinho de bagagens invadiu seu campo de visão, parando quase que em cima dos pés cobertos pelas botas de camurça.
ergueu os olhos para encontrar o responsável.
Tudo ao redor pareceu congelar.
Aqueles traços, aqueles olhos... Os joelhos ameaçaram ceder.
Com a mesma velocidade que as coisas pareceram parar, tratou de fazê-las voltarem. Murmurou um pedido de desculpas embaraçado e acelerou os passos, indo em direção ao cubículo de metal. Quando estava a uma distância segura, ousou virar para trás e o segundo momento de vergonha aconteceu: o homem do carrinho também a encarava. virou o rosto para frente com agilidade, obrigando-se a engolir seco.
Lightville era como um campo minado, para todo passo que desse, encontraria surpresas. Respirou fundo, colocando na cabeça que tinha outras prioridades no momento.
Pronto para mais uma leva de malas, o homem não conseguiu segurar o ímpeto de perguntar sobre a mulher com quem esbarrara instantes atrás para as colegas da recepção.
— A mulher que acabou de passar é uma turista? — Quis saber, inquieto com o que achava que ter visto.
— Sinceramente, ? Todos nessa cidade são estranhos para mim. — A recepcionista riu. — Porque, no caso, eu sou a turista. Esqueceu que acabei de chegar?
— Ela não disse nada? — Ignorou o questionamento da colega.
— Parecia importante. — Deu os ombros. — Não que eu seja pessoa de bisbilhotar a conversa dos outros... — foi se isentando da culpa. — Mas acho que ela trabalha com algo de segurança, me deixa confirmar uma coisa aqui... — Deu alguns cliques no próprio computador, mas logo parou. — Por que esse interesse? — Encarou suspeita.
— Não é o que você está pensando, Nadine.
— Eu não estava pensando nada. — Fez bico. — Mas agora estou pensando que você em breve vai ser o marido da senhorita Cardash, portanto não deveria estar olhando para todo o rabo de saia que circula aqui. — Cruzou os braços.
— Não devia se meter no que não sabe.
A fala séria desarmou a funcionária, que teve uma crise de consciência. Ela não deveria ter falado daquele jeito com o homem que seria o futuro dono de todo o conglomerado. Nadine precisava do emprego. Engoliu seco, ainda que sentisse que não estava totalmente errada.
— Desculpe. — Baixou o olhar. — Por um momento, me deixei levar e me esqueci da nossa diferença de classes. Peço que esqueça a minha idiotice e não reporte aos senhores Cardash, por favor.
suspirou. Não era a intenção dele soar ameaçador ou babaca.
— Também não precisa falar assim comigo, Nadine. Quando disse que não deveria falar o que não sabe, quis dizer que tem muito mais coisa envolvida do que o amor de dois adultos — amaldiçoou-se por estar falando demais. — Mudando de assunto, conseguiria apenas me informar o nome da nossa cliente recém-chegada?
— Só um segundo... — Buscou as informações na tela. — Aqui! O nome dela é , . Veio da capital.
Bingo!
O simples pisar àquele lugar foi o suficiente para que desse de cara com os conhecidos. Sua chegada atraiu os olhares de todos naquela parte do hospital. A diferença nas vestimentas e na postura evidenciava que ela era uma recém-chegada na cidade. Enquanto dava os últimos passos para alcançar a rodinha dos familiares, viu pelo canto dos olhos, Cilene, conhecida também como sua mãe, fitá-la por inteira.
A tensão era tão grande que quase se fazia palpável. A família era tão numerosa que ela sozinha era capaz de ocupar a sala de espera quase por inteira. Dali, só sentiu falta do pai, que deveria estar segurando as pontas na mercearia, uma vez que o trabalho nunca deveria parar.
Quis rolar os olhos com esse pensamento.
Os tios por parte da mãe foram os primeiros a quebrar o gelo.
— ? É você mesmo? — Sentiu os olhares analíticos de sempre. — Olha só como está crescida!
— Uma verdadeira mulher!
— Tão elegante.
— Família — cumprimentou, curta. — Como está a vovó?
— Bem mal — a mãe se pronunciou pela primeira vez. — Sofrendo, enquanto alguns parecem estar tendo do bom e do melhor.
contraiu o maxilar. Era óbvio que seu retorno não seria fácil. Só não imaginou que as provocações começariam tão cedo.
— Vovó acabou de ser medicada — Emily interferiu, antes que a irmã mais velha pudesse dar uma resposta mal educada. — Acho que chegou numa hora ruim, . Não sei se ela ainda está acordada, por conta da força dos medicamentos.
— Consigo entrar no quarto dela mesmo assim?
A irmã confirmou com a cabeça.
— E como são os recursos do hospital? Quantas pessoas dividem o quarto com ela?
— Conseguimos um quarto só para ela — foi a vez da tia entrar para a conversa. — Achamos que seria mais cômodo, visto que, como pode ver, somos em um número muito grande. Acabaríamos causando perturbação aos outros pacientes.
— Fizeram bem. — sorriu, um pouco mais aliviada por saber que cuidavam bem da velhinha.
— Não vamos conseguir mantê-la por muito mais tempo. Os médicos são caros, os medicamentos difíceis de manipular e as diárias nem se fala.
— Pode ficar tranquila que essa parte eu assumirei daqui para frente, mamãe.
— Era o mínimo.
escolheu ignorar o desaforo.
— Alguém pode me levar até o quarto?
— Vovó? — Chamou com a voz falha, como um teste para ver se a mais velha estava desperta. — É a . Estou de volta!
A senhora deitada sobre a cama se moveu devagar, virando o rosto em direção da voz. sorriu quando os olhares se cruzaram.
— ? ? — A voz da outra saiu por um fio. — É você mesma?
O mínimo de esforço foi o suficiente para desencadear uma crise de tosse nela.
entrou em pânico.
— Por favor, não se esforce demais! — Pegou na mão da idosa. — Sou eu, vovó. Mamãe me contou sobre o seu estado. Não gostaria de tentar um tratamento na capital? Temos mais recursos lá e profissionais para acompanhar o seu quadro de melhoras o di... — A mais nova recebeu um aperto nos dedos como um pedido para que se calasse.
— Já vivi o suficiente. Estou morrendo, filha. Nasci em Lightville e é aqui que quero morrer.
— Mas...
— Você cresceu e se tornou uma boa menina, ... — Deu uma tossida. — Cuide das suas irmãs. Sua mãe é dura, mas só quer o seu bem.
— Para de falar como se estivéssemos nos despedindo! — Repreendeu. — Se depender de mim, você ainda vai viver muito, vovó. Farei tudo que estiver ao meu alcance para isso, mas você vai precisar colaborar também.
— Sim, sim, sim... Claro.
Entretanto, duvidou muito que estivesse sendo ouvida direito. Quanto mais velhos ficavam, mais teimosos também. Mais algumas palavras e a neta se despediu, prometendo que participaria da vida da avó com maior frequência agora.
Do lado de fora, a mãe a aguardava com um semblante inexpressivo e fechado.
— Está satisfeita com o que viu? — Havia um rancor na voz. — Enquanto estava sendo imoral com forasteiros, sua avó definhava em uma maca e a família inteira ia junto pelo sofrimento.
Porque era daquele jeito que as pessoas daquela cidade definiam a mudança de vida dela para a capital: imoral. Crescer, encontrar um emprego, ser dona dos próprios atos... Era inadmissível... Quando se nascia mulher.
— E você me falando tudo isso ajuda exatamente no quê, Cilene?
— Ora, sua malcriada! — Levantou a mão em ameaça. — Deveria te dar um tapa pela petulância de responder sua mãe.
riu debochada.
— Para essas coisas, a senhora quer ser a minha mãe, né? Se eu fosse você, baixaria a bola se quiser que continue financiando o tratamento da vovó.
Pela primeira vez, a matriarca recuou, baixando o tom.
— Não se atreveria...
— Tem razão, não faria isso. Tudo que estou fazendo é por consideração à vovó e apenas isso. Só achei bom relembrar que suas manipulações emocionais não funcionam mais, mãe. Eu cresci e não dependo mais de vocês para ter um teto.
— Ingrata.
— Imoral, destrambelhada, gorda, vergonha da família... — listou. — O que mais estou esquecendo? Como disse, não me abalo mais.
Os anos de terapia finalmente estavam se fazendo valer.
— Vai se arrepender um dia, . Mais para frente, vai ver que ser essa vadiazinha liberal não vai te levar a lugar nenhum. Família vai ser sempre a base de tudo. Se continuar ignorando nossos avisos, vai envelhecer e morrer sozinha.
Era surpreendente como a mãe não havia evoluído nada nos pensamentos com o passar dos anos.
— Claro. E a solução para todos esses problemas apontados é um homem. — Trincou os dentes, nervosa. — Confiar a minha vida a um estranho, desde que ele tenha dinheiro. Morrer ao lado de alguém que não amo e também não me ama. Fico melhor sozinha.
— É fácil encher a boca de besteiras. Com o tempo, vai ver que a solidão é mais assustadora do que imagina. Se continuar dando para qualquer um, vai acabar traída, divorciada e violada. Da sua idade, você foi a única que restou sozinha — cuspiu. — Até o garoto dos , aquele que vivia colado com você para cima e para baixo, está noivo. E quem se deu bem foi ele. — Cilene deu uma risadinha. — A esposa é a sucessora da rede de hotéis da cidade.
deu as costas, atordoada.
Não queria dar o gostinho para a mãe de que havia sido afetada pelas notícias.
Os acontecimentos pareciam fazer sentido agora. estava noivo da herdeira dos Hotéis Cardash. Aquele moço das bagagens com quem havia esbarrado na recepção poderia muito bem ser ele, como suspeitara anteriormente. Além da avó, estava quase perdendo o melhor amigo e o primeiro homem que amou.
Os pensamentos internos pareceram ter sido arrastados por um sopro, pela bagunça em que se encontravam no momento. não soube o que dizer para continuar a discussão. Lightville era uma verdadeira representação da Caixa de Pandora. Uma vez dentro, todas as desgraças poderiam chegar.
Apesar das palavras encorajadoras que deu para a avó, o relatório que os médicos passaram depois que deixou a mãe para trás não era nada positivo. A avó havia perdido muito peso, sofrendo de desnutrição grave. O câncer que inicialmente era no estômago se alastrou para os pulmões devido à demora do diagnóstico. A previsão de no máximo mais três meses para a idosa foi como um soco certeiro na assessora.
— Senhorita , por favor. — Os médicos foram ao encontro dela, que perdeu a força nos músculos por um instante. — Está tudo bem?
Não estava.
— Como revertemos o quadro dela?
— Atualmente, sua avó não consegue se alimentar. Está totalmente dependente das vitaminas e medicações que receitamos em doses grandes. Não há condições de enfrentar a quimioterapia.
precisou crispar os lábios para engolir o choro.
— Ainda temos esperanças, senhorita. Sua avó é uma mulher forte, mas precisaremos de colaboração total se quisermos que ela chegue ao prazo máximo dos três meses.
— Podem contar comigo.
havia se trancafiado no quarto pelo resto do dia. Depois de deixar a avó, retornou diretamente para o quarto, onde usou todos os recursos para pesquisar mais sobre o quadro da avó e possíveis tratamentos. Câncer era um assunto delicado para todos, mas os avanços da ciência estavam criando cada vez mais saídas.
Batidas na porta a fizeram ficar em alerta.
Com as pálpebras pesando de sono, percebeu que era muito tarde. Fechou o notebook com força e saiu da cama de casal com muito esforço. Estariam trazendo notícias da avó? Por um instante, sentiu medo do que estaria do outro lado da porta. conferiu o relógio no pulso e viu que era realmente tarde, aumentando sua hesitação.
— Quem é? — indagou, colando os ouvidos na porta.
— Serviço de quarto!
Os olhos dela se semicerraram, formando fendas ameaçadoras.
— Eu não pedi nada.
Ou havia pedido e estava tão perturbada de cansaço que se esqueceu?
— Impossível. Pedido feito por .
Sem mais energia para ficar debatendo pela porta, a assessora decidiu que só aceitaria o serviço por obrigação, sem compromisso, e depois voltaria para a cama para enfim apagar.
— Quando pretendia me contar que estava de volta, ?
Aquelas foram as primeiras palavras que ela escutou após abrir a porta.
A precisou abrir e fechar a boca algumas vezes, antes de se recompor por inteira.
— Que tipo de serviço de quarto é esse? — Semicerrou os olhos.
estava diante da porta do quarto de hotel dela, com as mãos no bolso, fazendo perguntas impertinentes para o horário.
— Não respondeu à minha pergunta.
— Tampouco você à minha.
— Eu sabia que era você no salão no instante que meus olhos pousaram na mulher que quase derrubei com o carrinho.
— Parabéns. Quer um prêmio por isso? — Posicionou as mãos na maçaneta, pronta para fechar a porta.
— Você não se atreva... — ele falou, com o olhar preso aos movimentos dela. — Deveria ter me chamado para conversar, . Temos muito que discutir.
— Minha avó está doente, isso você já deve saber. Voltei exclusivamente por ela, não para fazer amigos — por fim, respondeu a primeira dúvida dele.
— A capital te transformou. O deboche está escorrendo pelo canto da sua boca. — O homem cruzou os braços, inconformado. — A cidade é muito pequena para ficar fugindo de mim. Somos adultos, . Vamos ter que conversar em algum momento.
Todos em Lightville pareciam um disco quebrado, insistindo erroneamente que a vida na capital foi o maior problema da vida dela... E não os relacionamentos abusivos, as fofocas sem fundamento... Mas a droga da Capital.
— Desculpa. Não somos conhecidos e próximos o suficiente para tal ato. Vou pedir que se retire e não volte a perturbar, do contrário, reclamarei com a gerência do hotel sobre abuso no atendimento, que por coincidência são os seus sogros, não é isso?
— Eu ia te contar...
— Boa noite, senhor.
Parte 04
Na sala de fisioterapia, onde havia outra dezena de idosos praticando atividades de esforço leve até moderado, assistia a avó pedalar na bicicleta ergométrica com todas as forças.
O coração errava uma batida toda vez que reparava no quão trêmula e sem fôlego a mais velha ficava para dar uma volta dos pneus. Engoliu o choro. Dos pacientes, a avó era a única que tinha permissão para o acompanhamento por um familiar. Os médicos alertaram que ela não teria forças para uma quimioterapia direta, necessitava de um ganho de força e nutrientes antes.
Os dias que passava acompanhando e ajudando a velhinha com o tratamento eram pesados. Apesar de se considerar sortuda por ter condições de passar mais tempo com ela, a carga emocional que percebia que acabava sugando para si ao fim do dia, retornando para o hotel, era insuportável.
— Vamos lá, vovó... — incentivou, doce. — A senhora está se saindo muito bem.
— É muito difícil! — a mais velha praguejou, atrapalhada com os pedais da bicicleta outra vez.
Com o olhar ficando embaçado, viu a velhinha lhe sorrir orgulhosa com mais uma volta e, outra vez, o peito foi diretamente atingido.
Desde pequena, a filha mais velha de Cilene nunca se reconheceu como uma pessoa muito religiosa. No entanto, naquele momento, ela orou internamente, com todas as forças, para que a avó pudesse ser premiada por um daqueles milagres que presenciava todos os dias nas redes sociais.
“Deus, por favor”, suplicou, “Vovó merece viver um pouco mais”.
✨✨✨
Aproveitando da luz natural que a área da piscina dispunha, tirou alguns documentos que havia trazido consigo, nas malas, para preencher. Ainda que estivesse delegando as atividades de longe, ainda era o dever dela fechar as pontas, como a assessora responsável que era. Com os papeis devidamente assinados, restava apenas a tarefa de digitalizá-los pela câmera do celular para ficar livre.
Mais tarde, pediria qualquer coisa que tivesse no cardápio do hotel, engoliria na base do ódio e retornaria ao hospital. Estava convencida de que não era bom deixar a avó sozinha por muito tempo. Durante o dia, os tios faziam uma rápida visita. Pela tarde, as irmãs apareciam. Aquele era o tempo que tinha para tomar banho, trocar de roupa e fazer ligações. Como todos estavam trabalhando duro, não se importou de oferecer a própria companhia para os horários sem ninguém.
Com os dias se passando, percebeu que a mãe raramente aparecia e quando o fazia, ficava ainda menos que os tios. Deveria estar sendo difícil para ela, entretanto o rancor não permitia que ela compreendesse tal comportamento. Se era difícil para a mãe, deveria ser mais difícil ainda para a avó.
Era falta de consideração.
Era covardia.
Naquele dia, antes de voltar para o Hotel Cardash, presenciou uma família perder um ente querido. A recepção inteira ficou comovida e ela se detestou por imaginar que poderia ser a própria família no cenário. Engoliu seco. Quanto mais tempo passava, percebeu que estava ficando altamente sensível e muito irritadiça, como agora, que não conseguia encontrar uma posição boa para capturar os documentos sem que a sombra atrapalhasse na iluminação.
Bufou.
— Sabia que te encontraria aqui.
nem se deu ao trabalho de se virar ou responder.
— Nada mudou desde aquela noite, . Eu ainda não quero falar com você.
— Perfeito! — Exclamou com uma leve irritação. — Porque eu também não quero falar com essa mulher chata e careta. Pode, por favor, chamar a que era a minha melhor amiga e meu mundo?
A assessora falhou por um segundo em manter a pose de indiferença. Nesse meio tempo, aproveitou para puxar uma das cadeiras e se sentar de frente para ela.
— Ela foi embora há anos, caso ainda não tenha notado.
— Por que voltou, ?
O apelido foi a segunda artimanha que a desarmou um pouco mais.
— Com certeza, não foi por você.
O modo frio com que ela proferiu as palavras o fez gargalhar.
— Não tenho dúvidas, querida. Se ainda existisse algum resquício de consideração aí dentro, teria mandado pelo menos uma carta para avisar que estava bem. Éramos melhores amigos. Fizemos uma promessa de que jamais deixaríamos o outro — relembrou, visivelmente chateado.
— Sabe uma coisa que aprendi sobre promessas lá na capital?
— Hm...
— Promessas foram feitas para serem quebradas. Se fosse meu amigo de verdade, saberia que qualquer lugar no mundo seria melhor que Lightville para mim. Eu ficaria bem.
— Você fugiu feito uma covarde — o homem acusou, fazendo uso do mesmo termo que ela tinha atribuído à mãe, instantes atrás.
sentiu o interior se revirar.
— Por mais que você tenha dito que entendia, nunca saberia o que era estar em minha pele. — O olha vago dela foi direcionado para a madeira da mesa. — Você sabe o que era viver sendo julgada por todos? Renegada pela própria mãe e todas as outras mulheres do bairro por não corresponder às expectativas delas de ser feminina e dona de casa o suficiente para arranjar um casamento? — O tom começava a ficar raivoso. — Você sabe o que era receber olhares reprovadores todos os dias e ser criticada até por respirar dentro de casa? — finalmente olhou diretamente. — Não podia me obrigar a ficar aqui pelo mero capricho seu de ter uma melhor amiga para brincar.
— Era isso que achava? Corrigindo: ainda acha? Você tinha a mim. — Bateu no próprio peito. — Sempre teve!
— Uma pena que, naquela época, você era a mesma coisa que nada. — As palavras afiadas o machucaram muito mais do que gostaria. — Não quero soar ingrata, , mas meu futuro dependia apenas de mim. Essa responsabilidade nunca coube a você. Você foi meu primeiro beijo, meu primeiro homem e ainda primeiro amor — abriu o coração. — Mas minha liberdade vai ser sempre prioridade.
— Ainda não entendo...
— Nem espero que isso aconteça. Por sorte, você compõe os cinquenta e seis por cento da população de Lightville em que nasceram homens. Querendo ou não, a vizinhança sempre esperou menos de vocês. Lembra-se do primeiro dinheiro que conseguimos juntar vendendo sucos? Fomos correndo para comprar besteiras no mercado porque aquele era o nosso suado dinheiro, mas a única que teve as sacolas analisadas fui eu. Até o meu chá industrializado aquelas mulheres reprovaram, porque bebidas artificiais faziam mal e estragavam a pele. — Revirou os olhos.
— Você ainda se lembra disso? — Foi só o que conseguiu replicar em um sussurro.
— Infelizmente, consegui levar comigo todas as memórias daqui. E a noite que me expulsaram de casa, porque espalharam boatos de que estava namorando ou dando para alguns garotos da rua? Meus pais me trancaram para fora de casa.
— E você dormiu na minha — completou. — Minha mãe te aceitou de braços abertos. Viu? Você tinha a nós.
Agora, foi a vez de rir.
— Sua mãe aceitou, porque inventamos alguma desculpa idiota. Talvez você não saiba dessa parte da história, mas, no dia seguinte, a tia foi confirmar a versão que contamos na noite anterior. Mamãe a confidenciou que era um castigo por ser imoral. — Riu incrédula. — Sua mãe concordou com a punição e, por ela, estaria em um convento, querido.
— Minha mãe não é assim! Ela nunca se mostrou assim para mim.
— Mais uma vez: porque você é homem — esclareceu, pondo-se a recolher a papelada do trabalho. — Não é minha intenção te colocar contra a sua mãe ou arruinar a imagem que tem dela. Só estou te fazendo perceber que ser mulher às vezes é um fardo, principalmente quando se nasce nessa cidade lixo. Não existe nada nessa vida que poderia me prender. Nem mesmo você. Acho que acabei por aqui. Vou me retirar primeiro. Tenha um bom dia, , mande minhas felicitações para sua noiva.
se levantou em um rompante.
— Inferno, mulher! É difícil para você ver que não está mais sozinha?
De repente, as coisas giraram para ela mais uma vez.
O choro de cada dia que tinha guardado para se mostrar para a avó, a toxicidade no ar de Lightville, a ainda reprovação e os olhares tortos da família, os momentos bons com e a culpa de ter sido uma estúpida com ele a acertaram em cheio.
transbordou finalmente.
jurou que estava assistindo em câmera lenta a expressão indiferente dela se converter em dor. O coração dele falhou em uma batida. Independente da raiva que carregava, ainda precisava ser salva.
Um abraço era tudo que ele poderia oferecer agora.
No momento que os corpos se juntaram outra vez, as mãos da soltaram todos os papéis para apertar o tronco do antigo amigo com mais força contra si. As lágrimas vieram desenfreadas, assim como os soluços.
— Me desculpa... — o tom era embargado. — Me desculpa...
estreitou o contato, apertando mais o braço contra a cintura enquanto a outra mão a puxava pela nuca. Engoliu seco. Por fim, deu um longo beijo na testa dela, mesmo sentindo que a boca almejava outra região.
Como se o céu estivesse comovido com os dois, uma chuva não prevista começou a cair. rapidamente quebrou o contato. As gotas grossas da chuva agora se misturavam com as lágrimas dela. Ainda se recompondo, começou a recolher os documentos que derrubara.
tirou a própria jaqueta que vestia e esperou a mulher ficar de pé outra vez para se alinhar e jogar a peça de roupa para trás, esticando-a como uma capa para os dois.
Alheios à movimentação ao redor, não perceberam que estavam sendo assistidos de um ponto próximo.
Da recepção, Nadine olhava boquiaberta, alternando os olhares do casal para a herdeira dos Cardash.
— Senhorita... — até iniciou, mas não sabia o que falar.
Cardash admirou a cena, triste, com os sentidos do corpo se revirando por inteiro. e ela tinham um compromisso marcado, contudo ela não o amava, tampouco ele a ela. Ainda assim, a ausência desse sentimento não a impediu de sentir um pouco de inveja. Ela não sabia ao certo o que se passava com aqueles dois, mas desejou um dia poder sentir aquele tipo de carinho destinado para si, fosse do marido, ou de qualquer outro homem.
Uma Cardash também era merecedora de um amor.
O coração errava uma batida toda vez que reparava no quão trêmula e sem fôlego a mais velha ficava para dar uma volta dos pneus. Engoliu o choro. Dos pacientes, a avó era a única que tinha permissão para o acompanhamento por um familiar. Os médicos alertaram que ela não teria forças para uma quimioterapia direta, necessitava de um ganho de força e nutrientes antes.
Os dias que passava acompanhando e ajudando a velhinha com o tratamento eram pesados. Apesar de se considerar sortuda por ter condições de passar mais tempo com ela, a carga emocional que percebia que acabava sugando para si ao fim do dia, retornando para o hotel, era insuportável.
— Vamos lá, vovó... — incentivou, doce. — A senhora está se saindo muito bem.
— É muito difícil! — a mais velha praguejou, atrapalhada com os pedais da bicicleta outra vez.
Com o olhar ficando embaçado, viu a velhinha lhe sorrir orgulhosa com mais uma volta e, outra vez, o peito foi diretamente atingido.
Desde pequena, a filha mais velha de Cilene nunca se reconheceu como uma pessoa muito religiosa. No entanto, naquele momento, ela orou internamente, com todas as forças, para que a avó pudesse ser premiada por um daqueles milagres que presenciava todos os dias nas redes sociais.
“Deus, por favor”, suplicou, “Vovó merece viver um pouco mais”.
Aproveitando da luz natural que a área da piscina dispunha, tirou alguns documentos que havia trazido consigo, nas malas, para preencher. Ainda que estivesse delegando as atividades de longe, ainda era o dever dela fechar as pontas, como a assessora responsável que era. Com os papeis devidamente assinados, restava apenas a tarefa de digitalizá-los pela câmera do celular para ficar livre.
Mais tarde, pediria qualquer coisa que tivesse no cardápio do hotel, engoliria na base do ódio e retornaria ao hospital. Estava convencida de que não era bom deixar a avó sozinha por muito tempo. Durante o dia, os tios faziam uma rápida visita. Pela tarde, as irmãs apareciam. Aquele era o tempo que tinha para tomar banho, trocar de roupa e fazer ligações. Como todos estavam trabalhando duro, não se importou de oferecer a própria companhia para os horários sem ninguém.
Com os dias se passando, percebeu que a mãe raramente aparecia e quando o fazia, ficava ainda menos que os tios. Deveria estar sendo difícil para ela, entretanto o rancor não permitia que ela compreendesse tal comportamento. Se era difícil para a mãe, deveria ser mais difícil ainda para a avó.
Era falta de consideração.
Era covardia.
Naquele dia, antes de voltar para o Hotel Cardash, presenciou uma família perder um ente querido. A recepção inteira ficou comovida e ela se detestou por imaginar que poderia ser a própria família no cenário. Engoliu seco. Quanto mais tempo passava, percebeu que estava ficando altamente sensível e muito irritadiça, como agora, que não conseguia encontrar uma posição boa para capturar os documentos sem que a sombra atrapalhasse na iluminação.
Bufou.
— Sabia que te encontraria aqui.
nem se deu ao trabalho de se virar ou responder.
— Nada mudou desde aquela noite, . Eu ainda não quero falar com você.
— Perfeito! — Exclamou com uma leve irritação. — Porque eu também não quero falar com essa mulher chata e careta. Pode, por favor, chamar a que era a minha melhor amiga e meu mundo?
A assessora falhou por um segundo em manter a pose de indiferença. Nesse meio tempo, aproveitou para puxar uma das cadeiras e se sentar de frente para ela.
— Ela foi embora há anos, caso ainda não tenha notado.
— Por que voltou, ?
O apelido foi a segunda artimanha que a desarmou um pouco mais.
— Com certeza, não foi por você.
O modo frio com que ela proferiu as palavras o fez gargalhar.
— Não tenho dúvidas, querida. Se ainda existisse algum resquício de consideração aí dentro, teria mandado pelo menos uma carta para avisar que estava bem. Éramos melhores amigos. Fizemos uma promessa de que jamais deixaríamos o outro — relembrou, visivelmente chateado.
— Sabe uma coisa que aprendi sobre promessas lá na capital?
— Hm...
— Promessas foram feitas para serem quebradas. Se fosse meu amigo de verdade, saberia que qualquer lugar no mundo seria melhor que Lightville para mim. Eu ficaria bem.
— Você fugiu feito uma covarde — o homem acusou, fazendo uso do mesmo termo que ela tinha atribuído à mãe, instantes atrás.
sentiu o interior se revirar.
— Por mais que você tenha dito que entendia, nunca saberia o que era estar em minha pele. — O olha vago dela foi direcionado para a madeira da mesa. — Você sabe o que era viver sendo julgada por todos? Renegada pela própria mãe e todas as outras mulheres do bairro por não corresponder às expectativas delas de ser feminina e dona de casa o suficiente para arranjar um casamento? — O tom começava a ficar raivoso. — Você sabe o que era receber olhares reprovadores todos os dias e ser criticada até por respirar dentro de casa? — finalmente olhou diretamente. — Não podia me obrigar a ficar aqui pelo mero capricho seu de ter uma melhor amiga para brincar.
— Era isso que achava? Corrigindo: ainda acha? Você tinha a mim. — Bateu no próprio peito. — Sempre teve!
— Uma pena que, naquela época, você era a mesma coisa que nada. — As palavras afiadas o machucaram muito mais do que gostaria. — Não quero soar ingrata, , mas meu futuro dependia apenas de mim. Essa responsabilidade nunca coube a você. Você foi meu primeiro beijo, meu primeiro homem e ainda primeiro amor — abriu o coração. — Mas minha liberdade vai ser sempre prioridade.
— Ainda não entendo...
— Nem espero que isso aconteça. Por sorte, você compõe os cinquenta e seis por cento da população de Lightville em que nasceram homens. Querendo ou não, a vizinhança sempre esperou menos de vocês. Lembra-se do primeiro dinheiro que conseguimos juntar vendendo sucos? Fomos correndo para comprar besteiras no mercado porque aquele era o nosso suado dinheiro, mas a única que teve as sacolas analisadas fui eu. Até o meu chá industrializado aquelas mulheres reprovaram, porque bebidas artificiais faziam mal e estragavam a pele. — Revirou os olhos.
— Você ainda se lembra disso? — Foi só o que conseguiu replicar em um sussurro.
— Infelizmente, consegui levar comigo todas as memórias daqui. E a noite que me expulsaram de casa, porque espalharam boatos de que estava namorando ou dando para alguns garotos da rua? Meus pais me trancaram para fora de casa.
— E você dormiu na minha — completou. — Minha mãe te aceitou de braços abertos. Viu? Você tinha a nós.
Agora, foi a vez de rir.
— Sua mãe aceitou, porque inventamos alguma desculpa idiota. Talvez você não saiba dessa parte da história, mas, no dia seguinte, a tia foi confirmar a versão que contamos na noite anterior. Mamãe a confidenciou que era um castigo por ser imoral. — Riu incrédula. — Sua mãe concordou com a punição e, por ela, estaria em um convento, querido.
— Minha mãe não é assim! Ela nunca se mostrou assim para mim.
— Mais uma vez: porque você é homem — esclareceu, pondo-se a recolher a papelada do trabalho. — Não é minha intenção te colocar contra a sua mãe ou arruinar a imagem que tem dela. Só estou te fazendo perceber que ser mulher às vezes é um fardo, principalmente quando se nasce nessa cidade lixo. Não existe nada nessa vida que poderia me prender. Nem mesmo você. Acho que acabei por aqui. Vou me retirar primeiro. Tenha um bom dia, , mande minhas felicitações para sua noiva.
se levantou em um rompante.
— Inferno, mulher! É difícil para você ver que não está mais sozinha?
De repente, as coisas giraram para ela mais uma vez.
O choro de cada dia que tinha guardado para se mostrar para a avó, a toxicidade no ar de Lightville, a ainda reprovação e os olhares tortos da família, os momentos bons com e a culpa de ter sido uma estúpida com ele a acertaram em cheio.
transbordou finalmente.
jurou que estava assistindo em câmera lenta a expressão indiferente dela se converter em dor. O coração dele falhou em uma batida. Independente da raiva que carregava, ainda precisava ser salva.
Um abraço era tudo que ele poderia oferecer agora.
No momento que os corpos se juntaram outra vez, as mãos da soltaram todos os papéis para apertar o tronco do antigo amigo com mais força contra si. As lágrimas vieram desenfreadas, assim como os soluços.
— Me desculpa... — o tom era embargado. — Me desculpa...
estreitou o contato, apertando mais o braço contra a cintura enquanto a outra mão a puxava pela nuca. Engoliu seco. Por fim, deu um longo beijo na testa dela, mesmo sentindo que a boca almejava outra região.
Como se o céu estivesse comovido com os dois, uma chuva não prevista começou a cair. rapidamente quebrou o contato. As gotas grossas da chuva agora se misturavam com as lágrimas dela. Ainda se recompondo, começou a recolher os documentos que derrubara.
tirou a própria jaqueta que vestia e esperou a mulher ficar de pé outra vez para se alinhar e jogar a peça de roupa para trás, esticando-a como uma capa para os dois.
Alheios à movimentação ao redor, não perceberam que estavam sendo assistidos de um ponto próximo.
Da recepção, Nadine olhava boquiaberta, alternando os olhares do casal para a herdeira dos Cardash.
— Senhorita... — até iniciou, mas não sabia o que falar.
Cardash admirou a cena, triste, com os sentidos do corpo se revirando por inteiro. e ela tinham um compromisso marcado, contudo ela não o amava, tampouco ele a ela. Ainda assim, a ausência desse sentimento não a impediu de sentir um pouco de inveja. Ela não sabia ao certo o que se passava com aqueles dois, mas desejou um dia poder sentir aquele tipo de carinho destinado para si, fosse do marido, ou de qualquer outro homem.
Uma Cardash também era merecedora de um amor.
Parte 05
— ... ... — a senhora a chamava com um olhar distante. — Eu estou morrendo. Vou morrer — anunciava com a voz arranhada, se remexendo inquieta no leito.
— Vó, vai ficar tudo bem. — A mulher se ergueu da poltrona em um rompante, indo ao encontro da mais velha na cama. — Pensei que estava dormindo. Descanse, por favor. Os médicos disseram que foi um dia puxado. Descansa.
O coração da assessora dilacerava ainda mais a cada ação frágil da velhinha. Era terrível viver sabendo do diagnóstico dado pelos médicos, que dali para frente seria o de tentar trazer o máximo de conforto para a mulher e só.
O destino estava traçado.
ainda não era a mulher mais devota e religiosa da região, contudo, mais uma vez, mordeu a boca pedindo para que com eles fosse diferente, que a premissa dos médicos não se concluísse.
— Não! Não posso! — A enferma agarrou as mãos da neta com as forças que ainda lhe restavam. — Estou morrendo. — alertou, tentando se levantar da cama, desvencilhando-se dos tubos enfiados no braço. — Vou morrer, vou morrer... — repetia, aumentando a angústia de .
— Vó, a senhora não deve se mexer. — Continha a mulher com dificuldades. Pressionou o botão de auxílio das enfermeiras. — Vai dar tudo certo, mas não se mexe, por favor. — Crispou os lábios, vendo que as palavras não estavam surtindo efeito. — Vai se machucar ainda mais.
— O que aconteceu? — Uma enfermeira chegou às pressas.
— Eu... Não sei — se embaralhava nos raciocínios. — Ela... Ela está inquieta, tentando sair da cama. Tem algo que possamos dar para aliviar o incômodo dela?
— Não podemos, senhorita . A dose de medicações receitada já foi dada e é o suficiente. Não podemos exagerar...
— , ... — a senhora chamou mais uma vez, de olhos fechados com lágrimas escorrendo. — Eu estou morrendo, morrendo...
olhou para a avó agonizando na cama e em seguida para a enfermeira:
— Não podem deixá-la assim! — Começou a perder a calma, indo ao encontro da mais velha. — A senhora vai melhorar, vó. Seja forte, por favor! — Os olhos começaram a arder. — Por todos nós, aguenta firme. — Deu um sorriso forçado. — Você vai ficar bem... — depois a voz passou a não sair mais.
Compadecida, a profissional da saúde andou até o outro lado da cama, disposta a ajudar a confortar a avó.
— Senhora , a senhora está bem. Está sendo bem cuidada aqui no hospital. Vamos ajeitar a sua cama para que possa ficar mais confortável?
Mas a senhora tinha atenção apenas para a neta.
— , ... — chamava desesperava, comprimindo os olhos, tentando não soltar os dedos da mais nova. — ...
Silêncio.
De repente, os chamados pararam.
E jurou que seu coração havia ido pelo mesmo caminho. A pressão que existia contra sua mão já não existia mais.
— Vó... Vó... — chamou com a voz embargada, sem obter retorno. — Pelo amor de Deus, faz alguma coisa! — Gritou para a outra mulher. — Chame os doutores, chama todo mundo, faz qualquer coisa, por favor!
— Senhora ! — A enfermeira tentou despertá-la. — Senhora !
Depois a assessora só viu um borrão branco sair em disparada.
— Vó... Por favor, fala comigo! — Pediu, piscando forte para eliminar qualquer resquício de lágrima. — Por favor, diga que está conseguindo me ouvir...
Os segundos seguintes foram como uma tortura. Ansiosa, ainda tentava despertar a velhinha com chamados, alternando com mordidas no lábio inferior para conter todas as emoções que estavam chegando.
Exaltada pelo demora, ela mesmo foi atrás de ajuda. Correu desesperada pelo corredor, desvencilhando-se de pacientes e seus acompanhantes no meio do caminho para chegar à outra ponta, onde ficava a sala da equipe de enfermeiras de plantão.
— Minha avó está passando mal! — Berrou ao alcançar a batente. — Por que é que ninguém está indo lá para ajudar? — Questionava, vendo o olhar de pena das profissionais sobre si.
Silêncio.
Ela tinha feito uma pergunta da qual a resposta sabia, entretanto se recusava a aceitar.
— Se acalme, senhorita , estamos tomando as providências — disse uma mulher com um telefone na mão de maneira tranquila, que reconheceu como a enfermeira que estava a ajudando antes.
Foi naquele instante, com a falta de uma ação mais energética da equipe, que compreendeu o que estava acontecendo. Não havia volta. O mundo girou e a realidade a atingiu como outro soco certeiro. precisou puxar todo o ar que conseguia para conter a tontura.
Fugindo da realidade, deixou o plantão para retornar ao quarto às pressas. Ela estava sendo deixada para trás, estava sozinha outra vez.
Depois disso, tudo aconteceu muito rápido. As médicas vieram ao seu encalço, acompanhadas do médico que carregava uma prancheta em mãos.
— Senhorita , vou pedir para que se retire do quarto, por favor.
Abalada, com a esperança sendo mantida por um fio, andava de um lado para o outro enquanto massageava o peito que incomodava de pesar.
— ? — O doutor chamou e ela se virou rapidamente. — Neta da senhora , é isso? — Lia os dados pela prancheta que segurava. — Tem outros familiares com você? — Ela negou prontamente. — Você tem ideia do que está acontecendo?
As lágrimas encheram os olhos quase que instantaneamente. simplesmente não conseguia evitar o descontrole. Ela fora informada do estado da avó, sabia que tinham pouco tempo, mas não imaginou que seria de repente, tão rápido.
— Eu... Eu... Eu sab... Sabia que ela estava mal, mas... — Os lábios tremiam tanto que mal conseguia proferir o que queria.
— Eu sinto muito, senhorita . — O médico depositou a mão pesada sobre o ombro dela. — Estaremos cuidando de tudo. Deveria ligar para a sua família. Se precisar, é só me chamar na emergência.
Tão rápido quanto chegou, o doutor saiu, deixando sozinha aos prantos. A assessora não ligava para as outras pessoas a encarando com pena. Jogou as costas contra a parede mais próxima e deslizou até encontrar o piso gelado. O choro estava a afogando tanto que imaginou que quem precisaria de atendimento em seguida seria ela. Os soluços vinham com tanta força que mal respirava direito até o próximo.
Então essa era a real sensação de perder alguém. Quis gritar. Quis xingar. A vontade verdadeira era revirar aquele lugar e quebrar tudo. O suporte daquele lugar era ridículo. Ficaria mesmo só por isso?
Sem apoio nenhum, desolada, alcançou o celular e discou para o primeiro contato que pensou.
— Alô?
Ao ouvir a voz da mãe, desabou ainda mais do que imaginou que seria possível. De voz embargada e inconformada, começou:
— Mãe... — Limpou algumas lágrimas com as costas da mão livre de maneira desajeitada. — A vovó...
A fala morreu. Ela não tinha coragem de dizer aquelas palavras, contudo não foi necessário.
A ligação caiu.
— Vó, vai ficar tudo bem. — A mulher se ergueu da poltrona em um rompante, indo ao encontro da mais velha na cama. — Pensei que estava dormindo. Descanse, por favor. Os médicos disseram que foi um dia puxado. Descansa.
O coração da assessora dilacerava ainda mais a cada ação frágil da velhinha. Era terrível viver sabendo do diagnóstico dado pelos médicos, que dali para frente seria o de tentar trazer o máximo de conforto para a mulher e só.
O destino estava traçado.
ainda não era a mulher mais devota e religiosa da região, contudo, mais uma vez, mordeu a boca pedindo para que com eles fosse diferente, que a premissa dos médicos não se concluísse.
— Não! Não posso! — A enferma agarrou as mãos da neta com as forças que ainda lhe restavam. — Estou morrendo. — alertou, tentando se levantar da cama, desvencilhando-se dos tubos enfiados no braço. — Vou morrer, vou morrer... — repetia, aumentando a angústia de .
— Vó, a senhora não deve se mexer. — Continha a mulher com dificuldades. Pressionou o botão de auxílio das enfermeiras. — Vai dar tudo certo, mas não se mexe, por favor. — Crispou os lábios, vendo que as palavras não estavam surtindo efeito. — Vai se machucar ainda mais.
— O que aconteceu? — Uma enfermeira chegou às pressas.
— Eu... Não sei — se embaralhava nos raciocínios. — Ela... Ela está inquieta, tentando sair da cama. Tem algo que possamos dar para aliviar o incômodo dela?
— Não podemos, senhorita . A dose de medicações receitada já foi dada e é o suficiente. Não podemos exagerar...
— , ... — a senhora chamou mais uma vez, de olhos fechados com lágrimas escorrendo. — Eu estou morrendo, morrendo...
olhou para a avó agonizando na cama e em seguida para a enfermeira:
— Não podem deixá-la assim! — Começou a perder a calma, indo ao encontro da mais velha. — A senhora vai melhorar, vó. Seja forte, por favor! — Os olhos começaram a arder. — Por todos nós, aguenta firme. — Deu um sorriso forçado. — Você vai ficar bem... — depois a voz passou a não sair mais.
Compadecida, a profissional da saúde andou até o outro lado da cama, disposta a ajudar a confortar a avó.
— Senhora , a senhora está bem. Está sendo bem cuidada aqui no hospital. Vamos ajeitar a sua cama para que possa ficar mais confortável?
Mas a senhora tinha atenção apenas para a neta.
— , ... — chamava desesperava, comprimindo os olhos, tentando não soltar os dedos da mais nova. — ...
Silêncio.
De repente, os chamados pararam.
E jurou que seu coração havia ido pelo mesmo caminho. A pressão que existia contra sua mão já não existia mais.
— Vó... Vó... — chamou com a voz embargada, sem obter retorno. — Pelo amor de Deus, faz alguma coisa! — Gritou para a outra mulher. — Chame os doutores, chama todo mundo, faz qualquer coisa, por favor!
— Senhora ! — A enfermeira tentou despertá-la. — Senhora !
Depois a assessora só viu um borrão branco sair em disparada.
— Vó... Por favor, fala comigo! — Pediu, piscando forte para eliminar qualquer resquício de lágrima. — Por favor, diga que está conseguindo me ouvir...
Os segundos seguintes foram como uma tortura. Ansiosa, ainda tentava despertar a velhinha com chamados, alternando com mordidas no lábio inferior para conter todas as emoções que estavam chegando.
Exaltada pelo demora, ela mesmo foi atrás de ajuda. Correu desesperada pelo corredor, desvencilhando-se de pacientes e seus acompanhantes no meio do caminho para chegar à outra ponta, onde ficava a sala da equipe de enfermeiras de plantão.
— Minha avó está passando mal! — Berrou ao alcançar a batente. — Por que é que ninguém está indo lá para ajudar? — Questionava, vendo o olhar de pena das profissionais sobre si.
Silêncio.
Ela tinha feito uma pergunta da qual a resposta sabia, entretanto se recusava a aceitar.
— Se acalme, senhorita , estamos tomando as providências — disse uma mulher com um telefone na mão de maneira tranquila, que reconheceu como a enfermeira que estava a ajudando antes.
Foi naquele instante, com a falta de uma ação mais energética da equipe, que compreendeu o que estava acontecendo. Não havia volta. O mundo girou e a realidade a atingiu como outro soco certeiro. precisou puxar todo o ar que conseguia para conter a tontura.
Fugindo da realidade, deixou o plantão para retornar ao quarto às pressas. Ela estava sendo deixada para trás, estava sozinha outra vez.
Depois disso, tudo aconteceu muito rápido. As médicas vieram ao seu encalço, acompanhadas do médico que carregava uma prancheta em mãos.
— Senhorita , vou pedir para que se retire do quarto, por favor.
Abalada, com a esperança sendo mantida por um fio, andava de um lado para o outro enquanto massageava o peito que incomodava de pesar.
— ? — O doutor chamou e ela se virou rapidamente. — Neta da senhora , é isso? — Lia os dados pela prancheta que segurava. — Tem outros familiares com você? — Ela negou prontamente. — Você tem ideia do que está acontecendo?
As lágrimas encheram os olhos quase que instantaneamente. simplesmente não conseguia evitar o descontrole. Ela fora informada do estado da avó, sabia que tinham pouco tempo, mas não imaginou que seria de repente, tão rápido.
— Eu... Eu... Eu sab... Sabia que ela estava mal, mas... — Os lábios tremiam tanto que mal conseguia proferir o que queria.
— Eu sinto muito, senhorita . — O médico depositou a mão pesada sobre o ombro dela. — Estaremos cuidando de tudo. Deveria ligar para a sua família. Se precisar, é só me chamar na emergência.
Tão rápido quanto chegou, o doutor saiu, deixando sozinha aos prantos. A assessora não ligava para as outras pessoas a encarando com pena. Jogou as costas contra a parede mais próxima e deslizou até encontrar o piso gelado. O choro estava a afogando tanto que imaginou que quem precisaria de atendimento em seguida seria ela. Os soluços vinham com tanta força que mal respirava direito até o próximo.
Então essa era a real sensação de perder alguém. Quis gritar. Quis xingar. A vontade verdadeira era revirar aquele lugar e quebrar tudo. O suporte daquele lugar era ridículo. Ficaria mesmo só por isso?
Sem apoio nenhum, desolada, alcançou o celular e discou para o primeiro contato que pensou.
— Alô?
Ao ouvir a voz da mãe, desabou ainda mais do que imaginou que seria possível. De voz embargada e inconformada, começou:
— Mãe... — Limpou algumas lágrimas com as costas da mão livre de maneira desajeitada. — A vovó...
A fala morreu. Ela não tinha coragem de dizer aquelas palavras, contudo não foi necessário.
A ligação caiu.
Parte 06
Em um canto mais afastado da casa, encarava o piso com um olhar perdido ao mesmo tempo em que ouvia a mãe praguejar contra si para os demais integrantes da família que aguardavam a abertura da casa para receber os conhecidos para o início das homenagens para a avó.
— Isso é castigo. Mamãe tinha que morrer justo com ela? As últimas palavras tinham que ter sido justo com essa ingrata?
O coração, que a filha mais velha dos jurava ter perdido desde que colocara os pés em Lightville, ainda batia em um ritmo pesado a ponto de causar uma queimação desconfortável. Fungando, já nem tinha mais lágrimas guardadas para soltar. fechou as mãos em punhos, apertando os dedos com tanta força que as unhas bem feitas cravavam na carne, causando uma dor irritante, mas não o suficiente para anular a outra que tinha no próprio peito.
era inteligente o suficiente para saber que não precisava aturar aquilo. Mais do que isso, sabia que o momento era de respeito com a avó. Por consideração, retirou-se da sala, indo para o segundo andar da casa sob os olhos cheios de julgamento daqueles com quem compartilhava o mesmo sangue.
— Está sendo ridícula, mamãe! — Aurora, a caçula, repreendeu, doída pela mais velha, que não retrucava. — Vocês jogaram todas as responsabilidades para cima da outra vez! Não pode reclamar da vovó não estar com você até o último momento se você nunca foi até ela.
A fala explosiva da mais nova, que até ali tinha optado por se abster, causou um choque geral.
Das três irmãs, foi sempre a que mais fugiu da curva de expectativa dos pais. Mesmo responsável e educada, nunca se viu dentro das imposições da família, se aprontar para capturar o olhar de alguém com mais recursos para o deleite de conseguir um bom dote e ficarem bem vistos aos olhos da comunidade. Ela não tolerava. O que ela dizia, cumpria de fato. Não foi à toa que fugiu da cidade para buscar um novo começo fora de Lighville.
Depois, vinha Emily, com os mesmos desejos de liberdade que a mais velha. Entretanto, diferente da primeira, ela se continha mais. Fazia o que esperavam que fizesse para não precisar lidar com embates diretos. Por isso, sempre foi a menina de ouro aos olhos da matriarca. Emily não desejava desgastes, embora fosse tão quebrada por dentro quanto . O azar foi que a irmã mais velha foi embora muito cedo. Elas nunca puderam conversar para descobrir que, além do sangue, eram muito mais parecidas na cabeça do que imaginava.
Por fim e não menos importante, Aurora, a caçula. Indiscutivelmente, a mais vaidosa e ambiciosa das três. Com o ar de rebeldia, era a única das irmãs que aceitava as ideias de casamentos arranjados e por contrato que os pais tinham planejado. Ela não se importava com o amor de um homem, queria sempre do bom e do melhor e se aquela fosse a maneira de conseguir, assim seria. Por mais que não demonstrasse, defenderia as irmãs até o fim, mesmo que a julgassem pela “falta de visão de mundo” por ceder ao desejo dos progenitores na maior parte do tempo.
Afinal, era isso para que serviam os irmãos, não?
— Chega, está sendo insensível com sua mãe!
— Desculpa, pai. Desculpa, mãe — a adolescente se retratou, odiando o cenário e a bagunça que a família era. O pedido fora por educação, pois não poderia estar mais puta pelas provocações.
✨✨✨
Aquela seria a primeira vez, depois de anos, que entraria no cômodo correspondente ao que foi um dia o seu quarto antigo. Como Emily havia mencionado, o lugar estava cheio de caixas e móveis antigos quebrados. Precisou dar alguns passos grandes para desviar dos objetos e se locomover até chegar ao coração do cubículo.
As caixas do topo estavam empoeiradas e com teias de aranhas. passou os dedos por algumas delas até que reconheceu alguns itens que ela mesma havia encaixotado: livros, cadernos e trabalhos antigos da escola. Com um pouco de dificuldade, desmembrou a pilha de velharias e conseguiu acesso às lembranças de quando mais nova.
Se tinha uma coisa que poderiam dizer que ela foi quando criança, era espirituosa. As atividades e os textos que produzia no fundamental foram o escape que nem sabia que precisava nos últimos dias. Sozinha naquele quarto, foi revivendo aos poucos as ideias e preocupações que rondavam a cabecinha de sua versão mais nova. Pegou-se rindo por alguns momentos e em outros sentindo muita vergonha alheia, mas o que mais a deixou encantada foi um móbile de estrelas e planetas de massinha no fundo de uma das caixas.
A relíquia estava amassada, algumas peças de massa desgastadas e quebradas, mas a mulher ainda sentia o charme emanando da peça. Pelo fio onde deveria ser amarrado, ela puxou, erguendo até a altura dos olhos, onde viu os fios caindo em cascata girarem um pouco.
Tanto o móbile quanto ela precisavam de mais ar fresco, vento. Motivada pela ideia de encontrar um lugar seguro para o objeto que tinha encontrado, foi até o telhado.
Do alto, ela ficou assistindo por breves instantes o móbile dançar sob o ritmo das brisas. Simultaneamente, acompanhou os conhecidos da região chegando para o enterro da avó.
Suspirou.
A distração tinha acabado ali.
O mundo real batia em sua porta outra vez.
se sentou e decidiu que era ali que ficaria até o fim da cerimônia. Aquela era uma visão privilegiada, onde ela via a todos, mas ninguém a via. Não dariam falta dela. O que a avó precisava saber dela, ela conseguiu passar. O amor pela mulher que a cuidou e protegeu por uma infância toda ainda estava ali. Do céu, ou de qualquer outro lugar brilhante que a mais velha pudesse estar, esperava que o amor que emanava pudesse ser sentido.
Enquanto só esperava o dia passar, sem muito ânimo para nada, o alçapão escondido entre as telhas foi erguido outra vez. A assessora limitou-se a virar o rosto.
estava presente mais uma vez.
— Suas irmãs disseram que você poderia estar aqui — contou, calmo.
concordou com a cabeça, surpresa por conhecerem mais das outras do que imaginava, e logo tornou a olhar para frente. tratou de ocupar o lugar ao lado, admirando a mulher com cautela. Os orbes atentos do homem correram pela figura, tentando capturar todos os detalhes até que recaíram no objeto esticado no telhado do outro lado dela.
— Você ainda guarda essas coisas? — Ao receber um olhar de interrogação, ele indicou com o queixo. — O móbile.
— Meus pais tinham tudo guardado no meu antigo quarto.
O desânimo com que ela o respondia doía, principalmente porque não havia forma de amenizar. tinha noção de que a avó era uma das poucas de quem guardava boas memórias na cidade.
— Se lembra do dia que fizemos esse trabalho? — abriu um pequeno sorriso, acompanhando-a na visão para a casa da frente. — Você queria que fosse perfeito.
— E você me ajudou modelando um Plutão vermelho? — Ela fez uma careta. — Sempre soube que você me queria passar a perna para ser o favorito da professora — brincou.
— Aqui podemos ver que não sou muito bom executando maldades — entrou na onda dela. — É uma pergunta idiota, mas tenho que fazê-la: como está se sentido?
— Péssima. Tem momentos que me questiono se deveria ter voltado. Sinto que todos seguiram com suas vidas, mas tudo continua absolutamente a mesma coisa? Eu não consigo entender.
— Mas esse é o charme de Lightville! — Caçoou, irônico. — É como se vivêssemos eternamente o mesmo dia. É uma boa cidade para uma população que está envelhecendo. Não tem muita violência e nem roubos. O sonho de qualquer um que quer viver sossegado.
suspirou outra vez.
— Como vocês conseguem? Minhas irmãs, você... Viver aqui.
— São escolhas e perspectivas. Não posso dizer pelas suas irmãs, mas está tudo bem para mim.
— E o casamento?
Pelo canto dos olhos, presenciou o ficar mais rígido.
— Faz parte do pacote quando se escolhe uma vida nessa cidade. Os rumores de que a Cardash estava passando da idade para começar uma família e ter filhos ficaram muito fortes. Os pais ficaram desesperados e bem... — Sorriu amarelo. — Eu fui a solução que encontraram.
— Eles deviam estar bem desesperados mesmo — provocou, olhando-o por inteiro, fingindo desdém e ignorando o quão estranho achara o amigo chamar a noiva pelo sobrenome.
— Besta! Eu sou até que bonitinho!
— É o que a sua mãe diz para você todas as noites antes do beijinho de boa noite? — Riu.
— !
— Não está mais aqui quem falou. Devo sentir muito por vocês?
deu os ombros.
— Cardash e eu estamos deixando a maré nos levar. Se der certo, ok. Se não, paciência. Os pais acham que a chegada de um filho vai mudar nossas perspectivas e nos tornar mais afetuosos. Nós temos planos de sair um pouco da mira da cidade depois do casamento... Não sei. Mandar alguns postais para as famílias nos feriados para fazer uma boa imagem e cada um ser feliz como quer em outra cidade.
— Credo! Então acho que eu devo um sinto muito. — não deveria pensar muito naquilo. A terapeuta havia deixado claro, ela não podia carregar todo o peso do mundo, ou ficaria instável outra vez. — Se precisarem de alguma coisa, podem me contatar. Um abrigo na capital, diversão barata... — Recebeu um olhar torto. — O que é? Estou sendo prestativa!
— Você está inclusa na diversão barata? — Ele deu um sorriso malicioso.
— Ew! Tarado!
— Estava falando sobre bebermos e jogarmos carta, como nos velhos tempos — mentiu.
O rosto dela ficou levemente mais avermelhado pelo excesso de choro dos dois últimos dias e agora de vergonha.
— Desculpa? — A voz saiu fina.
— Mas se você quiser aquilo que pensou, eu quero também.
riu.
— A nossa péssima primeira vez não foi o suficiente para te aterrorizar e ficar longe de mim?
— Achei que não íamos mais falar sobre isso! — Foi a vez dele de ficar sem graça. — Mas saiba que de lá para cá, aprendi umas coisinhas. — Deixou um risinho safado escapulir. — Acho que você também. Seria uma boa combinação.
— Não vou dizer que dessa água não bebereis...
— Porque se for a minha, você vai adorar se afogar. — se engasgou, precisando de uns tapinhas nas costas para se recompor. — E como é sua vida de popular na capital? — Mudou de assunto como quem estava comentando sobre o tempo antes.
— É sossegada — respondeu depois de recobrar a estabilidade. — Não como a daqui, mas dá para me distrair com mais facilidade. — sentiu um leve ciúmes bater por cogitar que as distrações poderiam ser outros homens bem sucedidos à altura dela, diferente de um pé rapado como ele. — Consegui estudar um pouco, formar contatos e hoje sou assessora de celebridades e figuras importantes junto a um time enorme.
— Você está onde merece estar, princesa. Uma vida brilhante e emocionante, não era assim que você descrevia quando éramos mais novos? — sorriu orgulhoso.
— Mas não é engraçado? — Ela sorriu fraco. — Uma pessoa que não consegue ter o controle da própria vida estar no controle da vida de tantas outras pessoas famosas, porém não menos problemáticas.
— Existem coisas que estão fora do nosso alcance, . Cabe a nós sermos gentis, educados e bem intencionados. A forma como os outros vão corresponder diz mais sobre eles do que a gente. — Eles sabiam que se referiam à família dela.
— Gosto de pensar que estou usando tudo que aprendi aqui para evitar que a vida delas tome um rumo tão ruim como a minha. — Recolheu as pernas esticadas sobre as telhas e abraçou os próprios joelhos, melancólica.
— Talvez a primeira parte não tenha sido como esperava, a infância e adolescência, mas não pode ignorar seus feitos. Você foi para a capital sozinha e conseguiu se erguer, . Isso é mais do que qualquer um dessa merda de cidade está disposto a enfrentar. Você não tinha obrigação, mas voltou pela sua avó, custeou todo o tratamento e hospedagem do hospital. Tornou-se uma mulher incrível.
Ela quis saber como ele sabia de tudo aquilo.
— Engraçado... — Ela o olhou com os olhos vermelhos, ameaçando se debulhar em lágrimas outra vez. — Não consigo ver nada disso. Ajudar vovó era o mínimo do mínimo dos meus deveres. Foi ela quem cuidou de mim e das minhas irmãs enquanto o pai e a mãe trabalhavam na mercearia. Sou apenas uma mulher ferrada, insegura e que precisa de acompanhamento constante, porque não consigo apagar algumas falas ridículas da minha mãe. — Sorriu triste. — Se eu sou tão incrível assim, por que minha mãe nunca me quis?
perdeu tudo naquele momento. Um nó se formou na garganta dele. O homem tinha sido pego desprevenido e não existia resposta para aquela pergunta. Cilene era uma mulher que qualquer um perceberia que era rígida de longe. Talvez fosse de criação, mas nunca seria justificável para forma com que ela criou .
A assessora garantiu que não tinha mais líquido para soltar, mas o homem viu os orbes dela adquirindo um brilho outra vez. A mais velha estava quebrada e ele não conseguiu amenizar as marcas. Ela estava tão frágil ali que ele se arrependeu de ter cobrado mais consideração dela dias atrás. Eles tiraram o brilho dela e continuavam sugando todas as forças e barreiras que ela subia com muito afinco. Independente do quanto desejasse tê-la do lado para sempre, do quanto a amasse, entendeu. Ela estaria mais a salvo na capital.
— ... — Ambos se encararam com dor.
Era torturante ver aquela mulher fragilizada, buscando por amor em um lugar que não tinha nada para oferecer. Foi a vez dele de chorar. O futuro certo para os dois seria aquele onde cada um seguiria o seu caminho, separados. sentiu todo o ar ser extraído dos pulmões quando precisou aceitar isso. Atordoado, ignorou todos os muros que tinham formado entre eles para envolvê-la em um abraço.
A aproximação quente, firme e repentina fez soltar o resto da amargura que escondia dentro de si. Um ruído gutural escapou. Desde que pisara na cidade natal, aquele era o primeiro momento onde conseguiu se sentir acolhida e desejada.
— Um dia, as coisas vão dar certo para nós. A gente vai vencer essa vida juntos — sussurrou, afagando os cabelos dela.
— Isso é castigo. Mamãe tinha que morrer justo com ela? As últimas palavras tinham que ter sido justo com essa ingrata?
O coração, que a filha mais velha dos jurava ter perdido desde que colocara os pés em Lightville, ainda batia em um ritmo pesado a ponto de causar uma queimação desconfortável. Fungando, já nem tinha mais lágrimas guardadas para soltar. fechou as mãos em punhos, apertando os dedos com tanta força que as unhas bem feitas cravavam na carne, causando uma dor irritante, mas não o suficiente para anular a outra que tinha no próprio peito.
era inteligente o suficiente para saber que não precisava aturar aquilo. Mais do que isso, sabia que o momento era de respeito com a avó. Por consideração, retirou-se da sala, indo para o segundo andar da casa sob os olhos cheios de julgamento daqueles com quem compartilhava o mesmo sangue.
— Está sendo ridícula, mamãe! — Aurora, a caçula, repreendeu, doída pela mais velha, que não retrucava. — Vocês jogaram todas as responsabilidades para cima da outra vez! Não pode reclamar da vovó não estar com você até o último momento se você nunca foi até ela.
A fala explosiva da mais nova, que até ali tinha optado por se abster, causou um choque geral.
Das três irmãs, foi sempre a que mais fugiu da curva de expectativa dos pais. Mesmo responsável e educada, nunca se viu dentro das imposições da família, se aprontar para capturar o olhar de alguém com mais recursos para o deleite de conseguir um bom dote e ficarem bem vistos aos olhos da comunidade. Ela não tolerava. O que ela dizia, cumpria de fato. Não foi à toa que fugiu da cidade para buscar um novo começo fora de Lighville.
Depois, vinha Emily, com os mesmos desejos de liberdade que a mais velha. Entretanto, diferente da primeira, ela se continha mais. Fazia o que esperavam que fizesse para não precisar lidar com embates diretos. Por isso, sempre foi a menina de ouro aos olhos da matriarca. Emily não desejava desgastes, embora fosse tão quebrada por dentro quanto . O azar foi que a irmã mais velha foi embora muito cedo. Elas nunca puderam conversar para descobrir que, além do sangue, eram muito mais parecidas na cabeça do que imaginava.
Por fim e não menos importante, Aurora, a caçula. Indiscutivelmente, a mais vaidosa e ambiciosa das três. Com o ar de rebeldia, era a única das irmãs que aceitava as ideias de casamentos arranjados e por contrato que os pais tinham planejado. Ela não se importava com o amor de um homem, queria sempre do bom e do melhor e se aquela fosse a maneira de conseguir, assim seria. Por mais que não demonstrasse, defenderia as irmãs até o fim, mesmo que a julgassem pela “falta de visão de mundo” por ceder ao desejo dos progenitores na maior parte do tempo.
Afinal, era isso para que serviam os irmãos, não?
— Chega, está sendo insensível com sua mãe!
— Desculpa, pai. Desculpa, mãe — a adolescente se retratou, odiando o cenário e a bagunça que a família era. O pedido fora por educação, pois não poderia estar mais puta pelas provocações.
Aquela seria a primeira vez, depois de anos, que entraria no cômodo correspondente ao que foi um dia o seu quarto antigo. Como Emily havia mencionado, o lugar estava cheio de caixas e móveis antigos quebrados. Precisou dar alguns passos grandes para desviar dos objetos e se locomover até chegar ao coração do cubículo.
As caixas do topo estavam empoeiradas e com teias de aranhas. passou os dedos por algumas delas até que reconheceu alguns itens que ela mesma havia encaixotado: livros, cadernos e trabalhos antigos da escola. Com um pouco de dificuldade, desmembrou a pilha de velharias e conseguiu acesso às lembranças de quando mais nova.
Se tinha uma coisa que poderiam dizer que ela foi quando criança, era espirituosa. As atividades e os textos que produzia no fundamental foram o escape que nem sabia que precisava nos últimos dias. Sozinha naquele quarto, foi revivendo aos poucos as ideias e preocupações que rondavam a cabecinha de sua versão mais nova. Pegou-se rindo por alguns momentos e em outros sentindo muita vergonha alheia, mas o que mais a deixou encantada foi um móbile de estrelas e planetas de massinha no fundo de uma das caixas.
A relíquia estava amassada, algumas peças de massa desgastadas e quebradas, mas a mulher ainda sentia o charme emanando da peça. Pelo fio onde deveria ser amarrado, ela puxou, erguendo até a altura dos olhos, onde viu os fios caindo em cascata girarem um pouco.
Tanto o móbile quanto ela precisavam de mais ar fresco, vento. Motivada pela ideia de encontrar um lugar seguro para o objeto que tinha encontrado, foi até o telhado.
Do alto, ela ficou assistindo por breves instantes o móbile dançar sob o ritmo das brisas. Simultaneamente, acompanhou os conhecidos da região chegando para o enterro da avó.
Suspirou.
A distração tinha acabado ali.
O mundo real batia em sua porta outra vez.
se sentou e decidiu que era ali que ficaria até o fim da cerimônia. Aquela era uma visão privilegiada, onde ela via a todos, mas ninguém a via. Não dariam falta dela. O que a avó precisava saber dela, ela conseguiu passar. O amor pela mulher que a cuidou e protegeu por uma infância toda ainda estava ali. Do céu, ou de qualquer outro lugar brilhante que a mais velha pudesse estar, esperava que o amor que emanava pudesse ser sentido.
Enquanto só esperava o dia passar, sem muito ânimo para nada, o alçapão escondido entre as telhas foi erguido outra vez. A assessora limitou-se a virar o rosto.
estava presente mais uma vez.
— Suas irmãs disseram que você poderia estar aqui — contou, calmo.
concordou com a cabeça, surpresa por conhecerem mais das outras do que imaginava, e logo tornou a olhar para frente. tratou de ocupar o lugar ao lado, admirando a mulher com cautela. Os orbes atentos do homem correram pela figura, tentando capturar todos os detalhes até que recaíram no objeto esticado no telhado do outro lado dela.
— Você ainda guarda essas coisas? — Ao receber um olhar de interrogação, ele indicou com o queixo. — O móbile.
— Meus pais tinham tudo guardado no meu antigo quarto.
O desânimo com que ela o respondia doía, principalmente porque não havia forma de amenizar. tinha noção de que a avó era uma das poucas de quem guardava boas memórias na cidade.
— Se lembra do dia que fizemos esse trabalho? — abriu um pequeno sorriso, acompanhando-a na visão para a casa da frente. — Você queria que fosse perfeito.
— E você me ajudou modelando um Plutão vermelho? — Ela fez uma careta. — Sempre soube que você me queria passar a perna para ser o favorito da professora — brincou.
— Aqui podemos ver que não sou muito bom executando maldades — entrou na onda dela. — É uma pergunta idiota, mas tenho que fazê-la: como está se sentido?
— Péssima. Tem momentos que me questiono se deveria ter voltado. Sinto que todos seguiram com suas vidas, mas tudo continua absolutamente a mesma coisa? Eu não consigo entender.
— Mas esse é o charme de Lightville! — Caçoou, irônico. — É como se vivêssemos eternamente o mesmo dia. É uma boa cidade para uma população que está envelhecendo. Não tem muita violência e nem roubos. O sonho de qualquer um que quer viver sossegado.
suspirou outra vez.
— Como vocês conseguem? Minhas irmãs, você... Viver aqui.
— São escolhas e perspectivas. Não posso dizer pelas suas irmãs, mas está tudo bem para mim.
— E o casamento?
Pelo canto dos olhos, presenciou o ficar mais rígido.
— Faz parte do pacote quando se escolhe uma vida nessa cidade. Os rumores de que a Cardash estava passando da idade para começar uma família e ter filhos ficaram muito fortes. Os pais ficaram desesperados e bem... — Sorriu amarelo. — Eu fui a solução que encontraram.
— Eles deviam estar bem desesperados mesmo — provocou, olhando-o por inteiro, fingindo desdém e ignorando o quão estranho achara o amigo chamar a noiva pelo sobrenome.
— Besta! Eu sou até que bonitinho!
— É o que a sua mãe diz para você todas as noites antes do beijinho de boa noite? — Riu.
— !
— Não está mais aqui quem falou. Devo sentir muito por vocês?
deu os ombros.
— Cardash e eu estamos deixando a maré nos levar. Se der certo, ok. Se não, paciência. Os pais acham que a chegada de um filho vai mudar nossas perspectivas e nos tornar mais afetuosos. Nós temos planos de sair um pouco da mira da cidade depois do casamento... Não sei. Mandar alguns postais para as famílias nos feriados para fazer uma boa imagem e cada um ser feliz como quer em outra cidade.
— Credo! Então acho que eu devo um sinto muito. — não deveria pensar muito naquilo. A terapeuta havia deixado claro, ela não podia carregar todo o peso do mundo, ou ficaria instável outra vez. — Se precisarem de alguma coisa, podem me contatar. Um abrigo na capital, diversão barata... — Recebeu um olhar torto. — O que é? Estou sendo prestativa!
— Você está inclusa na diversão barata? — Ele deu um sorriso malicioso.
— Ew! Tarado!
— Estava falando sobre bebermos e jogarmos carta, como nos velhos tempos — mentiu.
O rosto dela ficou levemente mais avermelhado pelo excesso de choro dos dois últimos dias e agora de vergonha.
— Desculpa? — A voz saiu fina.
— Mas se você quiser aquilo que pensou, eu quero também.
riu.
— A nossa péssima primeira vez não foi o suficiente para te aterrorizar e ficar longe de mim?
— Achei que não íamos mais falar sobre isso! — Foi a vez dele de ficar sem graça. — Mas saiba que de lá para cá, aprendi umas coisinhas. — Deixou um risinho safado escapulir. — Acho que você também. Seria uma boa combinação.
— Não vou dizer que dessa água não bebereis...
— Porque se for a minha, você vai adorar se afogar. — se engasgou, precisando de uns tapinhas nas costas para se recompor. — E como é sua vida de popular na capital? — Mudou de assunto como quem estava comentando sobre o tempo antes.
— É sossegada — respondeu depois de recobrar a estabilidade. — Não como a daqui, mas dá para me distrair com mais facilidade. — sentiu um leve ciúmes bater por cogitar que as distrações poderiam ser outros homens bem sucedidos à altura dela, diferente de um pé rapado como ele. — Consegui estudar um pouco, formar contatos e hoje sou assessora de celebridades e figuras importantes junto a um time enorme.
— Você está onde merece estar, princesa. Uma vida brilhante e emocionante, não era assim que você descrevia quando éramos mais novos? — sorriu orgulhoso.
— Mas não é engraçado? — Ela sorriu fraco. — Uma pessoa que não consegue ter o controle da própria vida estar no controle da vida de tantas outras pessoas famosas, porém não menos problemáticas.
— Existem coisas que estão fora do nosso alcance, . Cabe a nós sermos gentis, educados e bem intencionados. A forma como os outros vão corresponder diz mais sobre eles do que a gente. — Eles sabiam que se referiam à família dela.
— Gosto de pensar que estou usando tudo que aprendi aqui para evitar que a vida delas tome um rumo tão ruim como a minha. — Recolheu as pernas esticadas sobre as telhas e abraçou os próprios joelhos, melancólica.
— Talvez a primeira parte não tenha sido como esperava, a infância e adolescência, mas não pode ignorar seus feitos. Você foi para a capital sozinha e conseguiu se erguer, . Isso é mais do que qualquer um dessa merda de cidade está disposto a enfrentar. Você não tinha obrigação, mas voltou pela sua avó, custeou todo o tratamento e hospedagem do hospital. Tornou-se uma mulher incrível.
Ela quis saber como ele sabia de tudo aquilo.
— Engraçado... — Ela o olhou com os olhos vermelhos, ameaçando se debulhar em lágrimas outra vez. — Não consigo ver nada disso. Ajudar vovó era o mínimo do mínimo dos meus deveres. Foi ela quem cuidou de mim e das minhas irmãs enquanto o pai e a mãe trabalhavam na mercearia. Sou apenas uma mulher ferrada, insegura e que precisa de acompanhamento constante, porque não consigo apagar algumas falas ridículas da minha mãe. — Sorriu triste. — Se eu sou tão incrível assim, por que minha mãe nunca me quis?
perdeu tudo naquele momento. Um nó se formou na garganta dele. O homem tinha sido pego desprevenido e não existia resposta para aquela pergunta. Cilene era uma mulher que qualquer um perceberia que era rígida de longe. Talvez fosse de criação, mas nunca seria justificável para forma com que ela criou .
A assessora garantiu que não tinha mais líquido para soltar, mas o homem viu os orbes dela adquirindo um brilho outra vez. A mais velha estava quebrada e ele não conseguiu amenizar as marcas. Ela estava tão frágil ali que ele se arrependeu de ter cobrado mais consideração dela dias atrás. Eles tiraram o brilho dela e continuavam sugando todas as forças e barreiras que ela subia com muito afinco. Independente do quanto desejasse tê-la do lado para sempre, do quanto a amasse, entendeu. Ela estaria mais a salvo na capital.
— ... — Ambos se encararam com dor.
Era torturante ver aquela mulher fragilizada, buscando por amor em um lugar que não tinha nada para oferecer. Foi a vez dele de chorar. O futuro certo para os dois seria aquele onde cada um seguiria o seu caminho, separados. sentiu todo o ar ser extraído dos pulmões quando precisou aceitar isso. Atordoado, ignorou todos os muros que tinham formado entre eles para envolvê-la em um abraço.
A aproximação quente, firme e repentina fez soltar o resto da amargura que escondia dentro de si. Um ruído gutural escapou. Desde que pisara na cidade natal, aquele era o primeiro momento onde conseguiu se sentir acolhida e desejada.
— Um dia, as coisas vão dar certo para nós. A gente vai vencer essa vida juntos — sussurrou, afagando os cabelos dela.
Parte 07
Só de desembarcar do avião, conseguiu sentir o ar diferente. Talvez fosse psicológico e apenas ela estava mais leve depois dos últimos acontecimentos.
A avó estava em um lugar melhor e ela, como neta mais velha, se certificaria de viver todos os dias por ela e por si mesma.
Antes de partir, ainda conseguiu conversar um pouco com as irmãs. As três prometeram que manteriam contato. A mais velha ainda ofereceu abrigo, caso as outras quisessem descobrir o mundo da capital um dia.
— Mandarei apenas as passagens, porque pisar aqui de novo vai ser difícil.
A tríade riu, cheia de cumplicidade.
— Tudo bem por mim — Aurora aceitou, dando os ombros. — Não dá para se ter tudo na vida.
— Ora, pirralha mimada!
Tempos difíceis formavam pessoas fortes e unidas. A abertura com as irmãs foi uma das coisas boas que a passagem em Lightville trouxe. se esforçaria para mantê-la. Deixando o aeroporto para buscar um táxi, se surpreendeu com a assistente do lado de fora, segurando uma plaquinha com seu nome.
— Sentimos muito pela sua perda, chefe.
As mulheres se abraçaram.
— Bem-vinda de volta.
estava em casa.
A avó estava em um lugar melhor e ela, como neta mais velha, se certificaria de viver todos os dias por ela e por si mesma.
Antes de partir, ainda conseguiu conversar um pouco com as irmãs. As três prometeram que manteriam contato. A mais velha ainda ofereceu abrigo, caso as outras quisessem descobrir o mundo da capital um dia.
— Mandarei apenas as passagens, porque pisar aqui de novo vai ser difícil.
A tríade riu, cheia de cumplicidade.
— Tudo bem por mim — Aurora aceitou, dando os ombros. — Não dá para se ter tudo na vida.
— Ora, pirralha mimada!
Tempos difíceis formavam pessoas fortes e unidas. A abertura com as irmãs foi uma das coisas boas que a passagem em Lightville trouxe. se esforçaria para mantê-la. Deixando o aeroporto para buscar um táxi, se surpreendeu com a assistente do lado de fora, segurando uma plaquinha com seu nome.
— Sentimos muito pela sua perda, chefe.
As mulheres se abraçaram.
— Bem-vinda de volta.
estava em casa.
FIM
Nota da autora: Meu deus? Eu estou muito emotiva! Será que eu consegui quebrar alguém no meio caminho? Hahaha’. e são um dos casais mais queridinhos que eu tenho guardado. Enquanto uma long deles não sai, fico satisfeita e muito feliz por poder compartilhar um pouquinho dessas preciosidades com o mundo. Ai, ai... Lightville ainda tem tanta coisa para ser exposta e discutida. Quem sabe um dia? Se você acompanhou até aqui, ficam os meus agradecimentos! Deixa um comentário com o que você achou para me alegrar, por favor. <3
Outras Fanfics:
→ Felicitatem Momentaneum [Harry Potter/Shortfic] — Principais interativos.
→ Finally Champion [Harry Potter/Shortfic] — Olívio Wood é o principal.
→ Finally the Refreshments [Harry Potter/Shortfic — Restrita] — Sequência de Finally Champion.
→ 04. Bigger [Ficstapes Perdidos #06 — Shortfic]
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