Capítulo Único
O sol esquentava minha pele nua enquanto eu caminhava calmamente ao encontro das ondas do mar, que estava agitado hoje. A areia fofinha nos meus pés me fez sorrir e o sorriso só alargou quando a água bateu nos meus tornozelos e eu senti aquele formigamento leve pelas minhas pernas, que começou a ficar mais intenso à medida em que adentrei a água.
Quando as ondas já batiam no meu quadril, mergulhei de vez, sentindo a minha cauda escamosa, que tinha um tom leve de anil mesclado com roxo, se formar atrás de mim e pedacinhos de alga se prenderem no meu cabelo, como uma tiara, para que meu cabelo longo não fosse empecilho e ficasse na frente do meu rosto enquanto nadava. Juntei uma mão em cima da outra na frente do meu corpo e bati a cauda, pegando velocidade para começar a nadar.
Por ser tão cedo, a praia de Vaadhoo estava vazia e, como aqui não era uma área de pesca, eu estava extremamente tranquila em me transformar assim, tão perto da areia. Não corria riscos, já fazia isso aqui desde quando cheguei nas Maldivas e toda vez que a Mãe me chamava. Hoje ela estava ansiosa, eu sentia isso pela força das ondas e pelos animais marinhos, que estavam agitados.
Me concentrei no caminho à minha frente, nadando cada vez mais para longe, cada vez mais para o fundo, acompanhando os raios de sol, que refletiam na água quase transparente daquela praia. Esse tinha sido meu lugar favorito entre os últimos que estive. Em Fernando de Noronha, o mar era ótimo, mas não era tão agitado quanto eu precisava que fosse. Quase não cumpri minha missão. San Diego era tumultuado demais e Brighton, o mar era gelado demais. Vaadhoo era perfeito.
Os corais altos e familiares começaram a aparecer e a presença Dela se tornou mais forte quando me aproximei mais do seu Palácio. Outras sereias estavam por ali hoje também, mas não tantas como já tinham sido antes. A maioria havia perdido contato com a Mãe no tsunami da Tailândia, pois estávamos lá. Algumas, as que estavam insatisfeitas, aproveitaram para deserdar. Outras estavam simplesmente perdidas. Eu sentia muito por essas. Perder-se Dela deixava um vazio terrível, e elas estavam fadadas a viver eternamente com isso.
– , você chegou.
Sorri ao ouvir Sua voz e segui o som até encontrá-La. Diferente de nós, a Mãe não tinha uma forma física. Ela não podia sair até a terra como nós podíamos. Seu corpo tinha duas formas: para caçar, Ela adquiria sua pele escamosa, Sua cauda imponente, garras e presas afiadas. Mas quando estava na tranquilidade do lar, cercada por nós, Suas filhas e filhos, Seu corpo era apenas água corrente. Sua forma era igual a nossa, mas, no lugar de pele e veias, era apenas água. Exceto por um dia no ano. No solstício de verão, que ocorreria hoje.
– Olá, Mãe – A cumprimentei, parando na sua frente.
– Como está indo o nosso rapaz? – perguntou, virando-se calmamente para me encarar.
– Mais fácil do que eu pensei que seria – respondi. – não tem amigos aqui, ele é novo. Sua família se resume aos seus pais e alguns parentes longínquos. Por estarem tão perto, seus pais o esquecerão assim que começarmos.
Mesmo que não fosse possível ver a expressão no rosto Dela, a corrente de água se tornou mais quente ao meu redor, e foi assim que soube que ela sorria.
– Estou tão orgulhosa de você, minha filha – ela disse, aproximando-se de mim. – Você tem sido um exemplo para as suas irmãs e é uma das mais novas.
– Eu devo tudo a você, Mãe. Só faço o melhor para retribuir – fui totalmente honesta.
Ela levou Sua mão até meu rosto e alisou minha bochecha com carinho. A minha pele formigou com a pressão da água nela.
– Minha doce – suspirou. – Eu sabia que você seria diferente no momento em que lhe acordei do sono da morte. Minhas meninas pensaram que era tarde demais para você, mas você lutou até o último segundo.
– E, então, você me deu vida.
– Você renasceu sozinha, meu amor – disse, se afastando. – E, hoje, eu quero que você renasça o seu rapaz.
Meus olhos se arregalaram, demonstrando toda a minha surpresa com o que Ela tinha dito, pois eu não esperava. Nós sempre levávamos os rapazes até a Mãe para que ela os fizesse renascer. Não tinha sido mais de uma que tinha renascido algum dos rapazes que seduzia. Nosso único trabalho quando a lua cheia alcançava o pico era cantar para atraí-los até ela.
– Você está pronta, . Assim como os outros, tenho certeza de que esse também está totalmente apaixonado por você. Lhe servirá com lealdade quando for preciso, quando você tiver que se distanciar de suas irmãs – completou. – Apronte-se para essa noite, apronte o garoto. Repita o nosso canto, faça-o se sentir seguro. Agora vá, minha adorada garota. Espero por você essa noite.
– Obrigada, Mãe – sorri abertamente. – Não irei desapontar.
Com um sorriso ainda fincado nos lábios, nadei rápida e animadamente até a areia clara da praia. Eu estava tão empolgada que me sentia tremendo. A Mãe havia confiado em mim, achava que eu era capaz. Iria transformar meu primeiro tritão, teria meu primeiro renascido. E ainda seria !
Nós sereias não tínhamos sexualidade definida como as pessoas pensam. Não atraíamos apenas marinheiros. Nós buscávamos na terra pessoas tão perdidas quanto nós estávamos antes da Mãe nos resgatar. Nos aproximávamos deles para conhecê-los e, no dia certo, os levávamos até o mar para que se tornassem parte da nossa família, fosse como sereia ou um renascido, que era basicamente um cavaleiro para nós.
Quando cheguei na parte mais rasa da praia e emergi, a água foi baixando e minha cauda se desfez até se transformar novamente em minhas pernas. A praia continuava vazia, portanto caminhei calmamente até a minha toalha e me cobri para refazer o caminho até a minha casa a poucos metros dali. Nós precisávamos morar perto do mar, era de lá que tirávamos nosso poder e de onde mantínhamos contato com a Mãe. Longe demais, nós A perdíamos.
Sorri ao entrar pela porta da cozinha e encontrar acordado e terminando de fazer waffles. Seu cabelo ainda estava uma bagunça e seu olhar, meio sonolento, assim como seu sorriso quando me viu.
– Você estava disposta hoje, hein? – brincou, se inclinando para me dar um beijo quando cheguei perto.
– Essa é a melhor hora da manhã para nadar, – retruquei, roubando um morango da bacia, que estava do lado. – Você que nunca vai comigo para ver.
– Eu prefiro dormir mais um pouquinho – riu, me puxando pela cintura. – Mas você indo nadar pelada me deixa realmente tentado.
Mordi a ponta do lábio e arrastei as unhas de leve no peito nu dele, descendo até chegar no cós da calça de moletom.
– Você pode ir comigo na próxima – sugeri, os olhos fixos nos dele.
– Vou adorar – murmurou, encostando a boca na minha. – Mas amanhã parece que vai demorar muito ainda. Acho que vou tirar essa toalha aqui mesmo.
– Pode tirar.
Os waffles ficaram esquecidos na pia da cozinha quando me ergueu no colo e me beijou cheio daquela intensidade e desejo que tornavam as coisas entre nós dois ainda melhor. Ele me levou para o quarto para terminar o que tínhamos começado na cozinha e agora a cama estava encharcada por conta dos meus cabelos molhados, enquanto eu estava confortavelmente encolhida junto do corpo de , sentindo sua respiração ao meu lado depois de um sexo maravilhoso como café da manhã.
– Eu acho que eu tô apaixonado – ele disse, virando o rosto para mim.
Virei de bruços, me apoiando nos cotovelos para poder olhar melhor para . Seu olhar parecia bem sincero no meu. Exatamente como a Mãe havia previsto, eu tinha feito de novo, tinha o deixado apaixonado, assim como fiz com três antes.
– Achei que tínhamos combinado que seríamos apenas amigos com benefícios – retruquei, mordiscando o canto da boca.
– Qual é, – ele riu. – Já faz um tempo que passamos dessa fase. Ou pelo menos foi o que você me fez acreditar.
O que eu tinha aprendido há um tempo era que eu precisava dizer o que eles esperavam ouvir. Eu não usava disfarces ou tentava ser outra pessoa quando estava com alguém, então tudo que eu falava ou fazia era tudo eu. E talvez eu tivesse desenvolvido algum tipo de... afeição? Não sabia se era aquela a palavra certa. De qualquer forma, eu sentia uma ligação com , mas aquilo não significava nada. Não podia. Eu era totalmente devota à Mãe e, assim como todas as minhas irmãs e irmãos, era só ela que podíamos amar.
– Talvez eu tenha um crush por você – admiti. – Mas não significa que é algo sério.
– Você é sincera – virou de lado na cama para conversar melhor. – Eu acabei de dizer que tô apaixonado e você me vem com “Mas não significa que é nada sério”. Eu gosto.
– Eu te conheço há três meses, – sorri calmamente. – Eu sou impulsiva, mas não sentimental. Eu perco meus sentidos quanto tô com você, mas não me envolvo.
– Então você está só brincando com meu coração? – ele soltou em tom de brincadeira.
– Talvez – respondi, fazendo graça. – Como é aquela música? Oops, I did it again, I played with your heart and got lost in this game... É assim?
– Você é cínica demais, – balançou a cabeça, rindo com indignação. – E ainda quer que eu não me apaixone quando é má assim comigo.
– Ah, você ama isso em mim, – o empurrei de costas na cama e sentei no seu quadril.
– Eu amo – suas mãos apertaram minhas coxas, e ergueu o tronco para perto do meu. – Me perdi nesse seu joguinho.
– Mas gostou – retruquei, dando um selinho demorado nele. – Vai comigo para a festa na praia mais tarde?
– Vou sim, mas tenho que resolver uma coisa agora à tarde, provavelmente vou direto para a festa – falou. – Então eu te encontro lá.
– Vai fazer o quê? – perguntei com curiosidade.
– Procurar um anel de noivado para você, porque fiquei encorajado depois do que você falou – seu tom risonho me fez rir também.
– Não uso muito anel, gosto de colares – meu olhar foi automaticamente para o pescoço dele e para o colar lindo que nunca tirava. – Tipo esse seu. Que pedra é e por que você nunca tira?
riu, levando uma mão até o pingente do seu colar.
– É uma obsidiana negra, meu irmão deixou para mim antes de morrer. É para proteção, mas não adiantou muito – suspirou, voltando a olhar para mim. – Não me protegeu do seu charme.
– Bom, então se for me pedir em casamento, quero um colar, não anel – sorri, mantendo os olhos na pedra escura e pontuda, que era presa em um cordão de couro.
– Quer um colar? Acho que vou comprar aquele coração do oceano que você tanto gostou quando assistimos Titanic – lembrou, traçando o contorno do meu pescoço com a ponta dos dedos. – Ia ficar lindo em você, combinaria com seus olhos.
– A senhorinha não jogou no mar no final?
– Posso ir lá buscar para você – sugeriu, abaixando o rosto para deixar um beijo no meu pescoço.
– Não precisa – fechei os olhos por seus lábios percorrerem toda a extensão de um ombro até o outro. – Eu gosto de conchas, pode fazer um de concha.
– Okay então – beijou o meu queixo. – Vou fazer um para você e te dar na festa.
– Combinado então – sorri. – Agora vamos comer, porque eu estou faminta.
…
A praia estava animada naquela noite. Uma fogueira enorme estava acesa, música alta tocando e vários jovens dançando e bebendo. Eu me misturava perfeitamente bem. Eu tinha feito dezenove anos décadas atrás, mas meu rosto era intocado pelo passar do tempo. Tinha escolhido um vestido azul escuro longo e de fenda, um tecido tão leve que esvoaçava. adorava o vestido, então tinha resolvido usar.
Ele ainda não havia chegado, então, enquanto esperava, me mantinha perto da água. A lua estava brilhando e enorme no céu, o mar bastante agitado e brilhando. Uma das coisas que eu mais gostava em Vaadhoo era isso. O mar era salpicado de luzinhas provocadas pela bioluminescência, e era simplesmente maravilhoso. Eu gostava de entrar na água à noite por isso, me sentia no meu próprio céu.
– Por que você está tão sozinha aqui, moça?
Olhei para trás, encontrando se aproximando de mim. Sorri para ele e envolvi os braços ao redor do seu pescoço, o beijando com intensidade. pareceu surpreso, mas me abraçou pela cintura e correspondeu cheio de vontade.
– ‘Tá tentando me agradar, é? – ele perguntou, dando um selinho antes de interromper o beijo. – Veio com esse vestido e ainda me recebeu com um beijo desse?
– Para você não sair espalhando por aí que eu sou apenas má contigo – brinquei, me soltando dele e o puxando pela mão. – Vem comigo.
– Eu já disse que gosto de você sendo má – se deixou ser arrastado por mim, mas, em duas passadas, já estava ao meu lado. – ‘Tá me sequestrando para onde?
– Bom... – comecei a andar de lado para poder encará-lo. – Pensei que já que você não acorda cedo para entrar comigo no mar, podia entrar agora. Olha essa água, ! É tão linda.
Eu precisava começar, e essa era a desculpa perfeita para afastá-lo da festa e ainda levá-lo para perto da água. Eu me sentia calma e pronta. Já tinha levado outras pessoas antes dele, agora só seria diferente porque eu que teria que completar o processo e não a Mãe, como era o normal.
– Skinny dipping nas estrelas, gostei – sorriu, me puxando para andar na frente dele e me abraçou pela cintura. – Tenho uma coisa para te dar.
– Não vai me dizer que você foi mesmo procurar aquele colar – arregalei os olhos, como se estivesse assustada com a ideia.
– Será? – arqueou uma sobrancelha. – É algo que eu faria.
– Mas o que você comprou, hein? – fiquei realmente curiosa.
– Não comprei – deu de ombros. – Segui seu conselho.
Franzi o cenho, não lembrando do que ele estava falando.
– Ai, – balançou a cabeça, então soltou um dos braços que estava ao meu redor e colocou a mão no bolso. – Aqui.
Ele estendeu para mim um simples cordão azul, que prendia uma concha pequena e muito bonitinha.
– Agora vai ter que casar comigo – brincou, parando de andar.
– Não somos muito novos para isso, não? – ri, pegando o colar e admirando melhor. – É lindo, eu adorei, .
– Posso colocar em você? – ofereceu, e eu nem pensei duas vezes antes de virar de costas para ele e afastar o cabelo.
beijou minha nuca antes, fazendo minha pele inteira arrepiar, então passou um lado do cordão e amarrou junto com o outro. O colar prendeu ao redor do meu pescoço. Ele voltou a me abraçar por trás, mas com apenas um braço.
– Você é um cara tão legal – murmurei, voltando a me virar para ele.
– E ainda sim eu sou só um, como você disse... – comprimiu os lábios. – Crush?
– Eu já disse, não sou de me apegar – fui sincera. – E falei que não seria nada sério.
– Eu sei, eu sei... – suspirou. – É besteira minha.
– Besteira não, – dei um selinho demorado nele. – Mas vamos, skinny dipping nas estrelas nos aguarda.
– Está tão frio – ele choramingou, fazendo um bico. – Não podemos fazer skinny dipping no meio dos lençóis, não?
Ri alto.
– Podemos e vamos, mas vamos aqui antes.
Me soltei de e segui na frente. Estava calma, mas um tanto ansiosa também e, embora estar apaixonado por mim fosse o ideal, eu não estava muito feliz por tê-lo feito cair na minha. era diferente, e essa seria a verdade que eu falaria antes de matá-lo. Afastei meu cabelo para o lado e soltei o laço que prendia o meu vestido ao redor do meu pescoço, fazendo o tecido afrouxar, então rebolei um pouquinho e ele deslizou até cair na areia. Eu não usava nada por baixo, então, quando dei um passo para frente, estava totalmente livre.
– Você não vem, lindo? – olhei por cima do ombro, sorrindo para ele.
– Em um minuto. A vista está ótima daqui – falou, me fazendo rir.
– Aposto que sim – retruquei.
A água do mar bateu nos meus pés, me recebendo como um abraço quente e confortável. A Mãe estava forte e poderosa em algum lugar daquela praia, e isso me fez sorrir, pois eu sabia como ela adorava estar na terra mesmo que só por algumas horas. Quanto mais eu entrava, mais o formigamento nas minhas pernas aumentava com a minha cauda sendo formada. Os grãozinhos de areia me envolviam como se eu fosse o centro de uma dança.
– Você nem tremeu, – balançou a cabeça, incrédulo. – Mas a água está um gelo.
– É porque eu sou quente – brinquei. – Anda, vem logo. Eu te esquento.
Parecendo mais interessado, tirou a roupa, ficando nu igual a mim e me dando uma vista privilegiada do seu corpo maravilhoso, mas não me distraí. Não podia. Assim que ele começou a caminhar até o mar, fechei os olhos brevemente enquanto procurava algo para cantar. Eu normalmente só cantarolava algo sem letra, mas não queria. era diferente. Assim que pensei em uma, voltei meu olhar para o dele, que brilhava com a luz da lua, e comecei.
– I think I did it again, I made you believe we're more than just friends. Oh, baby, it might seem like a crush, but it doesn't mean that I'm serious…
Minha voz soou melódica, doce, forte e, principalmente, atrativa. Irresistível para todos que a escutava naquela época do ano. As lendas não estavam erradas ao dizer que sereias usavam as vozes para atrair marinheiros, mas erravam ao pensar que podíamos fazer sempre que quiséssemos. Não podíamos e não queríamos. O solstício de verão era o dia certo. Nossos poderes ampliavam, nossa voz ganhava força e nós nos tornávamos letais.
Hipnotizado, seguindo o som da minha voz, ele caminhou lentamente para dentro da água sem nem hesitar. Não parecia sentir o frio que reclamara antes, nem ligar para nada, apenas seguia a minha voz. Quando chegou na minha frente, toquei seu rosto com a ponta dos dedos e o fiz fechar os olhos. Puxei suas mãos para envolverem minha cintura e bati a cauda, o levando para mais fundo.
– Você me ama, ? – perguntei.
– Sim – respondeu.
– O que você faria por mim se eu pedisse?
Seus olhos castanhos tão sinceros fitavam os meus com adoração, seu aperto ao meu redor era forte, mas delicado. Pulávamos as ondas, fazendo a bioluminescência da água refletir o azul nos nossos rostos, intensificando ainda mais o olhar dele no meu. Meu coração apertou, mas eu ignorei.
– Tudo – murmurou, encostando a testa na minha. – Tudo, .
Engoli em seco, a pergunta na ponta da língua.
– Você me daria a sua vida?
Então ele fez a única coisa que eu temia que ele fizesse: sorriu. Abertamente, sinceramente e com a mesma doçura de sempre.
– Já é sua.
Sua resposta era o que eu esperava, então, mesmo que parte de mim quisesse hesitar, eu não iria. Ele era apenas mais um e depois dele viriam outros milhares, portanto prossegui.
– Você agora faz parte da Água, faz parte de mim. A partir dessa noite, você irá dormir para sempre até que, pela dádiva que a Mãe me deu, eu te renasça. Você é meu, eu sou sua. Sou a que te tira a vida mortal e torno seu corpo imortal. Assim como você, outros já vieram antes, outros virão depois, mas você, querido , é único – essa parte do nosso canto era de praxe, todas faziam igual, mas a próxima não. Cada sereia criava a sua para todos os seus renascidos. – Diferente dos outros que vieram antes de você, eu senti, . Assim como senti quando virei sereia. Eu queria ser salva, desejava por um herói para me tirar de uma eternidade de miséria. Não desejo mais isso. Aprendi a amar a vida que me deram, a ser grata por ela. Mas a verdade, , é que se eu tivesse te conhecido antes, você poderia ter me salvado, e eu não iria ter que te ver morrer.
Finalizei o discurso e selei nossos lábios ao mesmo tempo que o puxei para submergir na água comigo. Meus olhos fecharam e minhas mãos seguraram em seus ombros com firmeza, mesmo que não fosse necessário. não ia lutar, ele estava enfeitiçado. A corrente de água se tornou forte ao nosso redor e começamos a girar no redemoinho, mas eu não sentia, e ele não notava. À medida em que a água enchia seus pulmões no lugar de ar, seu aperto ao meu redor se tornou mais fraco até se tornar inexistente e, quando o redemoinho cessou, eu soube que ele estava morto.
– Oops, you think I'm in love, that I'm sent from above…
Cantei a última parte para finalizar e observei seu rosto sem vida enquanto os grãos de areia grudavam em sua pele para formar o casulo onde ficaria até ser necessário, assim como todos os outros. Dias, semanas, meses, anos ou até séculos. Eu não fazia ideia de quando o renasceria, de quando eu poderia ou precisaria fazer aquilo. Ou até mesmo se ele acordaria sozinho. Quando a ligação era muito forte, o renascido podia acordar por si só, apenas por sentir que a sereia estava em perigo ou precisando dele.
– I'm not that innocent – sussurrei quando o último grão de areia se colou no corpo de .
A Mãe agora tinha a vida dele também. Estava mais forte.
E, de novo, eu havia cumprido meu dever e tirado uma vida para mostrar gratidão pela minha.
Quando as ondas já batiam no meu quadril, mergulhei de vez, sentindo a minha cauda escamosa, que tinha um tom leve de anil mesclado com roxo, se formar atrás de mim e pedacinhos de alga se prenderem no meu cabelo, como uma tiara, para que meu cabelo longo não fosse empecilho e ficasse na frente do meu rosto enquanto nadava. Juntei uma mão em cima da outra na frente do meu corpo e bati a cauda, pegando velocidade para começar a nadar.
Por ser tão cedo, a praia de Vaadhoo estava vazia e, como aqui não era uma área de pesca, eu estava extremamente tranquila em me transformar assim, tão perto da areia. Não corria riscos, já fazia isso aqui desde quando cheguei nas Maldivas e toda vez que a Mãe me chamava. Hoje ela estava ansiosa, eu sentia isso pela força das ondas e pelos animais marinhos, que estavam agitados.
Me concentrei no caminho à minha frente, nadando cada vez mais para longe, cada vez mais para o fundo, acompanhando os raios de sol, que refletiam na água quase transparente daquela praia. Esse tinha sido meu lugar favorito entre os últimos que estive. Em Fernando de Noronha, o mar era ótimo, mas não era tão agitado quanto eu precisava que fosse. Quase não cumpri minha missão. San Diego era tumultuado demais e Brighton, o mar era gelado demais. Vaadhoo era perfeito.
Os corais altos e familiares começaram a aparecer e a presença Dela se tornou mais forte quando me aproximei mais do seu Palácio. Outras sereias estavam por ali hoje também, mas não tantas como já tinham sido antes. A maioria havia perdido contato com a Mãe no tsunami da Tailândia, pois estávamos lá. Algumas, as que estavam insatisfeitas, aproveitaram para deserdar. Outras estavam simplesmente perdidas. Eu sentia muito por essas. Perder-se Dela deixava um vazio terrível, e elas estavam fadadas a viver eternamente com isso.
– , você chegou.
Sorri ao ouvir Sua voz e segui o som até encontrá-La. Diferente de nós, a Mãe não tinha uma forma física. Ela não podia sair até a terra como nós podíamos. Seu corpo tinha duas formas: para caçar, Ela adquiria sua pele escamosa, Sua cauda imponente, garras e presas afiadas. Mas quando estava na tranquilidade do lar, cercada por nós, Suas filhas e filhos, Seu corpo era apenas água corrente. Sua forma era igual a nossa, mas, no lugar de pele e veias, era apenas água. Exceto por um dia no ano. No solstício de verão, que ocorreria hoje.
– Olá, Mãe – A cumprimentei, parando na sua frente.
– Como está indo o nosso rapaz? – perguntou, virando-se calmamente para me encarar.
– Mais fácil do que eu pensei que seria – respondi. – não tem amigos aqui, ele é novo. Sua família se resume aos seus pais e alguns parentes longínquos. Por estarem tão perto, seus pais o esquecerão assim que começarmos.
Mesmo que não fosse possível ver a expressão no rosto Dela, a corrente de água se tornou mais quente ao meu redor, e foi assim que soube que ela sorria.
– Estou tão orgulhosa de você, minha filha – ela disse, aproximando-se de mim. – Você tem sido um exemplo para as suas irmãs e é uma das mais novas.
– Eu devo tudo a você, Mãe. Só faço o melhor para retribuir – fui totalmente honesta.
Ela levou Sua mão até meu rosto e alisou minha bochecha com carinho. A minha pele formigou com a pressão da água nela.
– Minha doce – suspirou. – Eu sabia que você seria diferente no momento em que lhe acordei do sono da morte. Minhas meninas pensaram que era tarde demais para você, mas você lutou até o último segundo.
– E, então, você me deu vida.
– Você renasceu sozinha, meu amor – disse, se afastando. – E, hoje, eu quero que você renasça o seu rapaz.
Meus olhos se arregalaram, demonstrando toda a minha surpresa com o que Ela tinha dito, pois eu não esperava. Nós sempre levávamos os rapazes até a Mãe para que ela os fizesse renascer. Não tinha sido mais de uma que tinha renascido algum dos rapazes que seduzia. Nosso único trabalho quando a lua cheia alcançava o pico era cantar para atraí-los até ela.
– Você está pronta, . Assim como os outros, tenho certeza de que esse também está totalmente apaixonado por você. Lhe servirá com lealdade quando for preciso, quando você tiver que se distanciar de suas irmãs – completou. – Apronte-se para essa noite, apronte o garoto. Repita o nosso canto, faça-o se sentir seguro. Agora vá, minha adorada garota. Espero por você essa noite.
– Obrigada, Mãe – sorri abertamente. – Não irei desapontar.
Com um sorriso ainda fincado nos lábios, nadei rápida e animadamente até a areia clara da praia. Eu estava tão empolgada que me sentia tremendo. A Mãe havia confiado em mim, achava que eu era capaz. Iria transformar meu primeiro tritão, teria meu primeiro renascido. E ainda seria !
Nós sereias não tínhamos sexualidade definida como as pessoas pensam. Não atraíamos apenas marinheiros. Nós buscávamos na terra pessoas tão perdidas quanto nós estávamos antes da Mãe nos resgatar. Nos aproximávamos deles para conhecê-los e, no dia certo, os levávamos até o mar para que se tornassem parte da nossa família, fosse como sereia ou um renascido, que era basicamente um cavaleiro para nós.
Quando cheguei na parte mais rasa da praia e emergi, a água foi baixando e minha cauda se desfez até se transformar novamente em minhas pernas. A praia continuava vazia, portanto caminhei calmamente até a minha toalha e me cobri para refazer o caminho até a minha casa a poucos metros dali. Nós precisávamos morar perto do mar, era de lá que tirávamos nosso poder e de onde mantínhamos contato com a Mãe. Longe demais, nós A perdíamos.
Sorri ao entrar pela porta da cozinha e encontrar acordado e terminando de fazer waffles. Seu cabelo ainda estava uma bagunça e seu olhar, meio sonolento, assim como seu sorriso quando me viu.
– Você estava disposta hoje, hein? – brincou, se inclinando para me dar um beijo quando cheguei perto.
– Essa é a melhor hora da manhã para nadar, – retruquei, roubando um morango da bacia, que estava do lado. – Você que nunca vai comigo para ver.
– Eu prefiro dormir mais um pouquinho – riu, me puxando pela cintura. – Mas você indo nadar pelada me deixa realmente tentado.
Mordi a ponta do lábio e arrastei as unhas de leve no peito nu dele, descendo até chegar no cós da calça de moletom.
– Você pode ir comigo na próxima – sugeri, os olhos fixos nos dele.
– Vou adorar – murmurou, encostando a boca na minha. – Mas amanhã parece que vai demorar muito ainda. Acho que vou tirar essa toalha aqui mesmo.
– Pode tirar.
Os waffles ficaram esquecidos na pia da cozinha quando me ergueu no colo e me beijou cheio daquela intensidade e desejo que tornavam as coisas entre nós dois ainda melhor. Ele me levou para o quarto para terminar o que tínhamos começado na cozinha e agora a cama estava encharcada por conta dos meus cabelos molhados, enquanto eu estava confortavelmente encolhida junto do corpo de , sentindo sua respiração ao meu lado depois de um sexo maravilhoso como café da manhã.
– Eu acho que eu tô apaixonado – ele disse, virando o rosto para mim.
Virei de bruços, me apoiando nos cotovelos para poder olhar melhor para . Seu olhar parecia bem sincero no meu. Exatamente como a Mãe havia previsto, eu tinha feito de novo, tinha o deixado apaixonado, assim como fiz com três antes.
– Achei que tínhamos combinado que seríamos apenas amigos com benefícios – retruquei, mordiscando o canto da boca.
– Qual é, – ele riu. – Já faz um tempo que passamos dessa fase. Ou pelo menos foi o que você me fez acreditar.
O que eu tinha aprendido há um tempo era que eu precisava dizer o que eles esperavam ouvir. Eu não usava disfarces ou tentava ser outra pessoa quando estava com alguém, então tudo que eu falava ou fazia era tudo eu. E talvez eu tivesse desenvolvido algum tipo de... afeição? Não sabia se era aquela a palavra certa. De qualquer forma, eu sentia uma ligação com , mas aquilo não significava nada. Não podia. Eu era totalmente devota à Mãe e, assim como todas as minhas irmãs e irmãos, era só ela que podíamos amar.
– Talvez eu tenha um crush por você – admiti. – Mas não significa que é algo sério.
– Você é sincera – virou de lado na cama para conversar melhor. – Eu acabei de dizer que tô apaixonado e você me vem com “Mas não significa que é nada sério”. Eu gosto.
– Eu te conheço há três meses, – sorri calmamente. – Eu sou impulsiva, mas não sentimental. Eu perco meus sentidos quanto tô com você, mas não me envolvo.
– Então você está só brincando com meu coração? – ele soltou em tom de brincadeira.
– Talvez – respondi, fazendo graça. – Como é aquela música? Oops, I did it again, I played with your heart and got lost in this game... É assim?
– Você é cínica demais, – balançou a cabeça, rindo com indignação. – E ainda quer que eu não me apaixone quando é má assim comigo.
– Ah, você ama isso em mim, – o empurrei de costas na cama e sentei no seu quadril.
– Eu amo – suas mãos apertaram minhas coxas, e ergueu o tronco para perto do meu. – Me perdi nesse seu joguinho.
– Mas gostou – retruquei, dando um selinho demorado nele. – Vai comigo para a festa na praia mais tarde?
– Vou sim, mas tenho que resolver uma coisa agora à tarde, provavelmente vou direto para a festa – falou. – Então eu te encontro lá.
– Vai fazer o quê? – perguntei com curiosidade.
– Procurar um anel de noivado para você, porque fiquei encorajado depois do que você falou – seu tom risonho me fez rir também.
– Não uso muito anel, gosto de colares – meu olhar foi automaticamente para o pescoço dele e para o colar lindo que nunca tirava. – Tipo esse seu. Que pedra é e por que você nunca tira?
riu, levando uma mão até o pingente do seu colar.
– É uma obsidiana negra, meu irmão deixou para mim antes de morrer. É para proteção, mas não adiantou muito – suspirou, voltando a olhar para mim. – Não me protegeu do seu charme.
– Bom, então se for me pedir em casamento, quero um colar, não anel – sorri, mantendo os olhos na pedra escura e pontuda, que era presa em um cordão de couro.
– Quer um colar? Acho que vou comprar aquele coração do oceano que você tanto gostou quando assistimos Titanic – lembrou, traçando o contorno do meu pescoço com a ponta dos dedos. – Ia ficar lindo em você, combinaria com seus olhos.
– A senhorinha não jogou no mar no final?
– Posso ir lá buscar para você – sugeriu, abaixando o rosto para deixar um beijo no meu pescoço.
– Não precisa – fechei os olhos por seus lábios percorrerem toda a extensão de um ombro até o outro. – Eu gosto de conchas, pode fazer um de concha.
– Okay então – beijou o meu queixo. – Vou fazer um para você e te dar na festa.
– Combinado então – sorri. – Agora vamos comer, porque eu estou faminta.
A praia estava animada naquela noite. Uma fogueira enorme estava acesa, música alta tocando e vários jovens dançando e bebendo. Eu me misturava perfeitamente bem. Eu tinha feito dezenove anos décadas atrás, mas meu rosto era intocado pelo passar do tempo. Tinha escolhido um vestido azul escuro longo e de fenda, um tecido tão leve que esvoaçava. adorava o vestido, então tinha resolvido usar.
Ele ainda não havia chegado, então, enquanto esperava, me mantinha perto da água. A lua estava brilhando e enorme no céu, o mar bastante agitado e brilhando. Uma das coisas que eu mais gostava em Vaadhoo era isso. O mar era salpicado de luzinhas provocadas pela bioluminescência, e era simplesmente maravilhoso. Eu gostava de entrar na água à noite por isso, me sentia no meu próprio céu.
– Por que você está tão sozinha aqui, moça?
Olhei para trás, encontrando se aproximando de mim. Sorri para ele e envolvi os braços ao redor do seu pescoço, o beijando com intensidade. pareceu surpreso, mas me abraçou pela cintura e correspondeu cheio de vontade.
– ‘Tá tentando me agradar, é? – ele perguntou, dando um selinho antes de interromper o beijo. – Veio com esse vestido e ainda me recebeu com um beijo desse?
– Para você não sair espalhando por aí que eu sou apenas má contigo – brinquei, me soltando dele e o puxando pela mão. – Vem comigo.
– Eu já disse que gosto de você sendo má – se deixou ser arrastado por mim, mas, em duas passadas, já estava ao meu lado. – ‘Tá me sequestrando para onde?
– Bom... – comecei a andar de lado para poder encará-lo. – Pensei que já que você não acorda cedo para entrar comigo no mar, podia entrar agora. Olha essa água, ! É tão linda.
Eu precisava começar, e essa era a desculpa perfeita para afastá-lo da festa e ainda levá-lo para perto da água. Eu me sentia calma e pronta. Já tinha levado outras pessoas antes dele, agora só seria diferente porque eu que teria que completar o processo e não a Mãe, como era o normal.
– Skinny dipping nas estrelas, gostei – sorriu, me puxando para andar na frente dele e me abraçou pela cintura. – Tenho uma coisa para te dar.
– Não vai me dizer que você foi mesmo procurar aquele colar – arregalei os olhos, como se estivesse assustada com a ideia.
– Será? – arqueou uma sobrancelha. – É algo que eu faria.
– Mas o que você comprou, hein? – fiquei realmente curiosa.
– Não comprei – deu de ombros. – Segui seu conselho.
Franzi o cenho, não lembrando do que ele estava falando.
– Ai, – balançou a cabeça, então soltou um dos braços que estava ao meu redor e colocou a mão no bolso. – Aqui.
Ele estendeu para mim um simples cordão azul, que prendia uma concha pequena e muito bonitinha.
– Agora vai ter que casar comigo – brincou, parando de andar.
– Não somos muito novos para isso, não? – ri, pegando o colar e admirando melhor. – É lindo, eu adorei, .
– Posso colocar em você? – ofereceu, e eu nem pensei duas vezes antes de virar de costas para ele e afastar o cabelo.
beijou minha nuca antes, fazendo minha pele inteira arrepiar, então passou um lado do cordão e amarrou junto com o outro. O colar prendeu ao redor do meu pescoço. Ele voltou a me abraçar por trás, mas com apenas um braço.
– Você é um cara tão legal – murmurei, voltando a me virar para ele.
– E ainda sim eu sou só um, como você disse... – comprimiu os lábios. – Crush?
– Eu já disse, não sou de me apegar – fui sincera. – E falei que não seria nada sério.
– Eu sei, eu sei... – suspirou. – É besteira minha.
– Besteira não, – dei um selinho demorado nele. – Mas vamos, skinny dipping nas estrelas nos aguarda.
– Está tão frio – ele choramingou, fazendo um bico. – Não podemos fazer skinny dipping no meio dos lençóis, não?
Ri alto.
– Podemos e vamos, mas vamos aqui antes.
Me soltei de e segui na frente. Estava calma, mas um tanto ansiosa também e, embora estar apaixonado por mim fosse o ideal, eu não estava muito feliz por tê-lo feito cair na minha. era diferente, e essa seria a verdade que eu falaria antes de matá-lo. Afastei meu cabelo para o lado e soltei o laço que prendia o meu vestido ao redor do meu pescoço, fazendo o tecido afrouxar, então rebolei um pouquinho e ele deslizou até cair na areia. Eu não usava nada por baixo, então, quando dei um passo para frente, estava totalmente livre.
– Você não vem, lindo? – olhei por cima do ombro, sorrindo para ele.
– Em um minuto. A vista está ótima daqui – falou, me fazendo rir.
– Aposto que sim – retruquei.
A água do mar bateu nos meus pés, me recebendo como um abraço quente e confortável. A Mãe estava forte e poderosa em algum lugar daquela praia, e isso me fez sorrir, pois eu sabia como ela adorava estar na terra mesmo que só por algumas horas. Quanto mais eu entrava, mais o formigamento nas minhas pernas aumentava com a minha cauda sendo formada. Os grãozinhos de areia me envolviam como se eu fosse o centro de uma dança.
– Você nem tremeu, – balançou a cabeça, incrédulo. – Mas a água está um gelo.
– É porque eu sou quente – brinquei. – Anda, vem logo. Eu te esquento.
Parecendo mais interessado, tirou a roupa, ficando nu igual a mim e me dando uma vista privilegiada do seu corpo maravilhoso, mas não me distraí. Não podia. Assim que ele começou a caminhar até o mar, fechei os olhos brevemente enquanto procurava algo para cantar. Eu normalmente só cantarolava algo sem letra, mas não queria. era diferente. Assim que pensei em uma, voltei meu olhar para o dele, que brilhava com a luz da lua, e comecei.
– I think I did it again, I made you believe we're more than just friends. Oh, baby, it might seem like a crush, but it doesn't mean that I'm serious…
Minha voz soou melódica, doce, forte e, principalmente, atrativa. Irresistível para todos que a escutava naquela época do ano. As lendas não estavam erradas ao dizer que sereias usavam as vozes para atrair marinheiros, mas erravam ao pensar que podíamos fazer sempre que quiséssemos. Não podíamos e não queríamos. O solstício de verão era o dia certo. Nossos poderes ampliavam, nossa voz ganhava força e nós nos tornávamos letais.
Hipnotizado, seguindo o som da minha voz, ele caminhou lentamente para dentro da água sem nem hesitar. Não parecia sentir o frio que reclamara antes, nem ligar para nada, apenas seguia a minha voz. Quando chegou na minha frente, toquei seu rosto com a ponta dos dedos e o fiz fechar os olhos. Puxei suas mãos para envolverem minha cintura e bati a cauda, o levando para mais fundo.
– Você me ama, ? – perguntei.
– Sim – respondeu.
– O que você faria por mim se eu pedisse?
Seus olhos castanhos tão sinceros fitavam os meus com adoração, seu aperto ao meu redor era forte, mas delicado. Pulávamos as ondas, fazendo a bioluminescência da água refletir o azul nos nossos rostos, intensificando ainda mais o olhar dele no meu. Meu coração apertou, mas eu ignorei.
– Tudo – murmurou, encostando a testa na minha. – Tudo, .
Engoli em seco, a pergunta na ponta da língua.
– Você me daria a sua vida?
Então ele fez a única coisa que eu temia que ele fizesse: sorriu. Abertamente, sinceramente e com a mesma doçura de sempre.
– Já é sua.
Sua resposta era o que eu esperava, então, mesmo que parte de mim quisesse hesitar, eu não iria. Ele era apenas mais um e depois dele viriam outros milhares, portanto prossegui.
– Você agora faz parte da Água, faz parte de mim. A partir dessa noite, você irá dormir para sempre até que, pela dádiva que a Mãe me deu, eu te renasça. Você é meu, eu sou sua. Sou a que te tira a vida mortal e torno seu corpo imortal. Assim como você, outros já vieram antes, outros virão depois, mas você, querido , é único – essa parte do nosso canto era de praxe, todas faziam igual, mas a próxima não. Cada sereia criava a sua para todos os seus renascidos. – Diferente dos outros que vieram antes de você, eu senti, . Assim como senti quando virei sereia. Eu queria ser salva, desejava por um herói para me tirar de uma eternidade de miséria. Não desejo mais isso. Aprendi a amar a vida que me deram, a ser grata por ela. Mas a verdade, , é que se eu tivesse te conhecido antes, você poderia ter me salvado, e eu não iria ter que te ver morrer.
Finalizei o discurso e selei nossos lábios ao mesmo tempo que o puxei para submergir na água comigo. Meus olhos fecharam e minhas mãos seguraram em seus ombros com firmeza, mesmo que não fosse necessário. não ia lutar, ele estava enfeitiçado. A corrente de água se tornou forte ao nosso redor e começamos a girar no redemoinho, mas eu não sentia, e ele não notava. À medida em que a água enchia seus pulmões no lugar de ar, seu aperto ao meu redor se tornou mais fraco até se tornar inexistente e, quando o redemoinho cessou, eu soube que ele estava morto.
– Oops, you think I'm in love, that I'm sent from above…
Cantei a última parte para finalizar e observei seu rosto sem vida enquanto os grãos de areia grudavam em sua pele para formar o casulo onde ficaria até ser necessário, assim como todos os outros. Dias, semanas, meses, anos ou até séculos. Eu não fazia ideia de quando o renasceria, de quando eu poderia ou precisaria fazer aquilo. Ou até mesmo se ele acordaria sozinho. Quando a ligação era muito forte, o renascido podia acordar por si só, apenas por sentir que a sereia estava em perigo ou precisando dele.
– I'm not that innocent – sussurrei quando o último grão de areia se colou no corpo de .
A Mãe agora tinha a vida dele também. Estava mais forte.
E, de novo, eu havia cumprido meu dever e tirado uma vida para mostrar gratidão pela minha.
Fim
Nota da autora: Oláaa! Eu escrevi essa fic na maior correria um dia antes de acabar o prazo e durante a minha semana de provas, portanto, foi o melhor que eu consegui fazer e até gostei do resultado. Espero que vocês gostem também e não deixem de me falar o que acharam. Beijos!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.