Capítulo Único
Sendo bem sincero, em um dos raros momentos em que permitiria tal honestidade – se é que esses momentos existiam –, não teria escolha a não ser admitir que toda aquela rivalidade não fazia sentido. Mas não era como se ele pudesse evitar.
Não era também como se ela fosse o maior de seus problemas, ele apenas não conseguia ignorar. Se colocassem o primo e seu melhor amigo ao lado dela, seus instintos se focariam nas duas figuras masculinas, não na garota, mas, na ausência de alguém pior, toda sua energia hostil seria concentrada em .
Talvez fosse o nome da família que ele aprendera a fazer cara de desgosto por causa do primo, talvez fosse o nome da escola que ela frequentara que sempre fora o obstáculo final entre seus objetivos que ele nunca foi capaz de superar. Talvez fosse algo puramente mesquinho por jogarem na mesma posição. Talvez fosse uma combinação infeliz de todos os elementos. Ou apenas algo essencial na garota que o impedia de ser um ser civilizado.
Gênios o tiravam do sério.
Pessoas naturalmente talentosas, que apenas precisavam de um mínimo esforço para realizar algo com perfeição, enquanto outros, como o próprio , precisavam tornar do treino um hábito, uma segunda natureza, para alcançar alguma coisa. Gênios o tiravam do sério, principalmente aqueles que diziam não ser. Principalmente , por ela passar a maior parte de seu dia no ginásio, como se precisasse daquilo.
Na maior parte do tempo, parecia injusto. Se chegava mais cedo para treinar algo sozinho, esbarrava com no caminho para os ginásios do campus, ela tendo planejado também adiantar seus treinos. Se ele ficava depois do horário, caminhavam juntos até o ponto de ônibus, já que ela também encerrara o dia por volta do mesmo horário que ele. Se a questionasse – o que nunca faria, já que iria requerer um nível absurdo de sinceridade e ele definitivamente não teria como lidar com o sorriso debochado que provavelmente esboçaria –, ela diria que não podia se dar ao luxo de relaxar a rotina de treino. Muitas pessoas aguardavam ansiosamente o momento que ela cometa um deslize, a postos para tomar o lugar que ela lutava tanto para manter.
- É um banquete de monstros – disse ela com um sorriso fácil, um brilho diferente no olhar de quem disse o segredo do universo e sabe que não vai ser entendido com facilidade. Logo ela explicou que aquela fala não era sua, que o capitão de outro time tinha dito algo naquele estilo em um dos muitos campeonatos que participara – Melhor continuarmos sendo os que devoram, não os que são servidos, não acha?
Aquela conversa não fora com ele, nunca poderia ter sido. não se recordava de fato, talvez ela estivesse conversando com as veteranas de seu time, ou com seu amigo de infância nas muitas vezes que os times feminino e masculino realizavam treinos juntos. Ele não participara daquela conversa, mas de alguma forma ela chegara aos seus ouvidos, e sua mente repetia aquelas palavras todas as vezes que ele se perdia na presença da garota e esquecia que não pertenciam ao mesmo tipo de pessoa.
Embora treinassem com a mesma frequência de tempo, com a mesma intensidade, tivessem rotinas e hábitos ridiculamente parecidos, sempre fora quem era servido. Sua postura podia ser de monstro à mesa, mas ele nunca conseguira um lugar designado a si, por mais que lutasse com unhas e dentes. Seu lugar à mesa sempre fora na sala dos simples mortais, ali ele apresentava algum perigo. Talvez se portando como monstro, sendo erroneamente identificado como um por pessoas comuns, ele se tornaria um.
Só que as coisas não funcionavam daquele jeito.
- , está de brincadeira? – resmungou o professor de literatura, assim que o ruído alto do celular da garota vibrando sobre a carteira atraiu sua atenção mais uma vez. No susto, apenas desligara o aparelho, abaixando a cabeça enquanto fazia seu pedido de desculpas.
- Não é melhor você atender? – questionou o garoto que se sentava à sua esquerda, alguém que até reconhecia de outras disciplinas dos calouros, mas não se recordava no nome.
- Sei lá, deve ser engano – desconversou , reajustando o aperto em sua caneta para voltar às suas anotações. Assim como , ela parecia um tanto intrigada pela insistência de tal número que ela não tinha registrado nos contatos, sua atenção então bastante prejudicada, ainda mais quando um dos coordenadores do curso pediu licença para entrar na sala, suas palavras ao professor um tanto ofegantes, como se tivesse corrido até ali.
- Desculpe a intromissão, professor, mas a precisa atender uma ligação.
quase tropeçara nos próprios pés ao deixar a sala, seus dedos trêmulos religando o celular enquanto tentava entender as palavras apressadas do coordenador.
quase deixara a sala naquele mesmo estado meia hora depois, reunindo todo o material da garota da forma mais parecida com a organização que ela mantinha. Não demorou para que encontrasse com alguns colegas de time ao retornar aos corredores, todos ficando um pouco tensos ao notarem a postura estranha do levantador calouro. Ele sequer tivera tempo de explicar o pouco que sabia, a figura quase que acuada de surgindo a alguns metros, seus braços encolhidos em frente ao corpo.
- Ei, - começou um dos garotos, sua voz animada adotando logo um tom urgente – Você está chorando?! O que aconteceu?
chegou a abrir a boca algumas vezes, mesmo com o bombardeio de perguntas que recebia da parte do time masculino. No fim, depois de seu olhar quase amedrontado recair sobre e em sua bolsa pendurada no ombro, ela optou a dar atenção em um primeiro momento a ele. Seu agradecimento por ter pegado suas coisas na voz baixa foi ignorado pelo garoto, ambas suas mãos envolvendo as de quando ela tentou pegar a alça de sua bolsa.
- É alguma coisa com a sua família? – arriscou ele, quase aliviado ao ver a expressão da garota se tornar surpresa e um riso nervoso lhe escapar.
- O quê? Não! É só… Eu fui convocada. Para a seleção principal – anunciou ela, um silêncio se instalando no corredor mesmo com a troca de aulas – A levantadora titular se lesionou hoje cedo, Tashiro vai ficar como titular no jogo dessa semana e eu vou ficar como substituta. Tenho cinco horas para estar em um voo para Seul.
Eles não eram o mesmo tipo de pessoa.
- , isso é ótimo! – festejou um dos líberos, logo tentando colocar sua animação em cheque, mas falhando – Quero dizer, péssimo que alguém se machucou, mas mesmo assim...!
se sentava com monstros.
- Não, não é! – devolveu a garota, seu tom mais alto e exasperado reinstalando o silêncio no grupo. Mesmo se não estivessem tão próximos como , era visível a forma que o brilho de seus olhos havia se intensificado – O jogo é em três dias e eu nunca pisei na mesma quadra que elas. As chances de eu realmente precisar jogar são bem pequenas, mas e se eu precisar? Não dá para eu me integrar em um time em dois dias e se eu não apresentar bom desempenho… É fim de jogo, nunca mais vão me chamar.
Se entrasse na sala dos monstros, ele seria refeição mais uma vez.
- , você precisa se acalmar. Vai dar tudo certo.
- Eu não consigo! Está indo tudo muito rápido! Não tem como eu ter habilidade o suficiente para ir direto para a seleção principal, pensei que passaria para a U-20 ou p… , o que você está fazendo?
Eles não eram o mesmo tipo de pessoa.
se adiantou todo os passos possíveis, parando diretamente em frente à garota, ambas as mãos nas laterais de seu rosto, tentando garantir que ela não fosse virar a cabeça para qualquer direção que não fosse a sua, como se toda aquela proximidade não fosse o suficiente para ter os olhos travados nos seus.
- , você é a jogadora mais habilidosa que eu conheci na minha vida inteira - o tom de era sério e profundo, assim como seu olhar era firme. Ele não estava falando alto, mas, como todos tinham travado e parado de falar depois de sua ação um tanto ousada, todo o grupo conseguia ouvir suas palavras com perfeição - Se eles estão te chamando na emergência é porque já consideravam seu nome e conhecem o seu potencial. Mesmo se for um teste para você virar um nome fixo ou não, você faz isso a sua vida inteira, não vai ter nada novo. É só mais um jogo.
Ele nunca se sentaria ao seu lado à mesa.
- É só mais um jogo, não vai ter nada de novo – disse ele por fim, engolindo em seco em seguida, quase como que .
Quase todo o grupo tomou fôlego para ralhar com , todos na expectativa de que ele fosse dizer algo realmente útil e que acalmasse a garota, já que, afinal, eles conviviam mais do que todo o resto dos ingressantes dos times. Aquilo não podia ser o melhor que ele podia fazer, certo? Para alguém tão acostumado desde o fundamental a manter a autoestima de seu time em bons níveis, aquilo não podia ser tudo que podia dar à .
Só que eles assistiram os ombros de relaxarem.
Repetições.
Hábitos.
Memória.
Tudo entrelaçado nas fibras de seus músculos, impresso em seus ossos.
O que restava para temer?
- Ei – a voz de chamou sua atenção, instintivamente fechando os olhos ao se virar para a garota, já que ela se colocara contra o sol. As férias de verão agora já eram uma memória distante, as camisetas leves substituídas por casacos mais grossos. Ambos faziam um lanche rápido a caminho do ginásio para os treinos da tarde, terminando de enfiar a barrinha na boca antes de continuar - Fãs às três e meia.
- Ah, com ciúmes? – brincou ele, depois de ter olhado para trás e encontrado um trio de garotas. Como duas passaram a acenar freneticamente e uma se esforçava para olhar para qualquer lugar menos para ele, assumiu que ele era o foco do grupo, não a levantadora ao seu lado.
- Eu vou te abraçar e elas não vão te dar presente nenhum.
- Você não ousaria... !
O peso de repentinamente em suas costas fez com que cambaleasse para frente, os braços potentes da garota em um aperto firme em seu pescoço. O riso melódico próximo ao seu ouvido quase fizera com que ele se esquecesse do que estavam fazendo ali.
- Nossa, elas realmente foram embora – constatou ele, assim que os pés da garota retornaram ao chão – Que tipo de reputação você está criando nessa faculdade?
- Pergunta errada. Você deveria perguntar que tipo de reputação eu tinha no ensino médio. Elas eram da minha escola – explicou ela, tirando outra barrinha do bolso e checando as horas em seu celular antes de retornar a caminhada para o ginásio – Os alunos fora dos times de vôlei tinham medo de se aproximar. Achavam que seria tão direta como eu era com o pessoal dos times.
- Com direta, você quer dizer rude?
- Eu quis dizer o que eu disse – devolveu ela, o olhando feio – Comunicação tem que ser clara e objetiva em quadra. Se eu não digo para os meus jogadores o que preciso deles, não posso exigir o que quero.
- Ditadora.
- Ah, sai daqui! – resmungou ela, deixando a alça de sua mochila escorregar para a mão livre, aproveitando a energia do movimento para balançar a mochila e atingir nas costas – Eu sou a levantadora mais compreensiva que você já viu!
O impacto fez com que cambaleasse bem mais bruscamente do que instantes antes, o riso mais descontrolado de logo se alterando para pedidos de desculpas quando ela notou o garoto também descer a alça da mochila para a mão, se lembrando que ele também passara na biblioteca mais cedo, e ele pegara bem mais livros do que ela.
não era o tipo de pessoa que precisava de atenção 24/7 ou morria, mas era definitivamente inesperado não responder nenhuma das suas mensagens matinais, nem que fosse com um emoji mal educado. Ela reclamava sempre que podia do excesso de mensagens do levantador, só que nunca ficava muito tempo sem responder, mesmo se fossem assuntos aleatórios e não urgentes. Então ele não estranhou quando suas pernas determinaram sozinhas o trajeto pelos corredores quando terminou a primeira aula do dia, seguindo para onde ele sabia que encontraria a garota.
Só que ela não estava lá.
já estava prestes a sacar o celular e tomar uma medida drástica – ligar para – quando avistou dois rostos conhecidos, que também não hesitaram em o cumprimentar. A dupla de meio de rede questionou o que ele fazia no prédio das ciências sociais quando a próxima aula que tinha era no prédio da física, a expressão de ambos mudando drasticamente quando ele contou que estava procurando por .
- Droga, ela não falou com você ontem? - soltou Yumi, suspirando em seguida. A reação de todos os integrantes dos times masculino e feminino não variava muito até então, mas ela tinha a sensação que não teria a das melhores. Havia um motivo para a dupla de levantadores ter se dado tão bem desde o início. Alguns poderiam questionar o entendimento de “se dar bem”, mas ela conhecia desde o último ano do fundamental, sabia mais do que ninguém reconhecer um igual a ela – Durante o treino de ontem, ela luxou o pulso. Pegou um corte de mal jeito no bloqueio.
O sangue de pareceu esfriar instantaneamente, quase como se tivesse recebendo a notícia de que ele tinha sofrido uma lesão. O garoto conhecia o suficiente para saber o nível de pressão que fazia sobre si mesma, o que explicava muito bem o silêncio que estava recebendo desde cedo. Uma lesão no pulso não a impossibilitava de assistir aula, mas ela não devia estar com cabeça para prestar atenção em algo.
- Eu preciso ir para a aula - disse de repente, começando já a se afastar - Obrigado por me avisar, Yumi! Vou fazer uma visita para ela mais tarde.
A dupla assistiu com uma expressão nada convencida o garoto sumir no corredor e um pensamento em comum em mente: ele não iria para a aula.
estava muito ciente da campainha sendo tocada, e por isso se afundava ainda mais no meio de suas cobertas, na esperança de que, se esforçando bastante, logo deixaria de existir. Em um dia normal, não teria ninguém em casa naquele horário, então não tinha nenhuma obrigação de atender quem quer que fosse. O estranho foi seu celular começar a vibrar em um padrão inusitado, atraindo minimamente sua atenção.
O nome de piscava na tela.
Estranho, para dizer o mínimo. Seu primeiro instinto foi recusar a ligação para olhar a conversa com o garoto, mas, como era mais difícil e demorado digitar com uma mão só, ela acabou por desistir e puxar o aparelho com a mão livre.
- Eu normalmente gritaria com você por estar ligando, mas acho que ainda tem alguém na minha porta e não quero entregar que realmente tem alguém em casa.
- SOU EU NA PORTA, !
Mais acordada do que antes, se colocou de pé às pressas, empurrando as cortinas pesadas para abrir a janela e logo encontrar um que antecipara seus passos, se afastando da cobertura da entrada da casa para poder checar sua movimentação pela janela. A garota balbuciou um "que diabos" antes de ele devolver um "abre logo a porta". Em um dia normal, teria dito não e voltado a sua rotina, mas estava tão no automático que logo estava descendo as escadas e pegando seu molho de chave sobre a mesa.
não costumava ir de qualquer jeito para as aulas, embora não pudesse dizer que ela dedicava tanto tempo para se arrumar como , mas ele podia dizer que naquele dia ela tinha gastado um total de zero empenho com sua aparência. O cabelo solto não tinha sido penteado naquela manhã e parecia estar no mínimo uns dois dias sem lavar. O conjunto de moletom surrado dificilmente seria uma escolha de roupa consciente para receber alguém em casa. A proteção imobilizando todo o braço direito parecendo pesar mais do que realmente pesava, além de chamar a atenção que um material de cor tão discreta não deveria atrair.
não disse mais nada ao abrir a porta, apenas ficou encarando o garoto que parecia não saber mais formular uma frase compreensível.
Por que ele estava lá, afinal?
- Foi muito sério? – perguntou ele por fim, apenas para se arrepender em seguida. Não era uma forma nada delicada de abordar o assunto, algo que ficou claro com a forma que a garota estremeceu.
- Inicialmente uma semana com a tala. Pode estender para mais uma – contou ela, passando uma perna na frente da outra e se apoiando no batente da porta, como se aquela fosse uma informação qualquer. Não era.
- Você está fora do jogo contra Sofia – disse ele, e quase gastou tempo demais pensando em como ele podia ter memorizado seu calendário de jogos.
- No mínimo esse. Tem o jogo contra a Rússia ainda, se a reabilitação não for rápida, também estou fora – devolveu ela, um tom mais ressentido aparecendo em sua voz no final – Por que você veio aqui?
- Você não estava respondendo as minhas mensagens.
- Eu estava dormindo – devolveu ela, o tom óbvio na voz – Você não tem aula agora?
-Eu fiq… Eu estou preocupado, ok? Toda vez que meu joelho resolve dar um show, eu… Você deve imaginar como é ter uma parte do seu corpo que pode te deixar na mão. Somos jogadores. Lesões são perigosas, podem acabar com a nossa carreira. Por isso eu… Eu vi o Capitão-chan no campus, vi ele falando com os meninos os treinos que queria dar de tarde, e sei que seus pais só voltam de noite. Eu só não queria que você ficasse sozinha. Você podia ter ido para a aula mesmo com a tala, mas você não foi. Você está chateada, é normal. Eu faço a mesma coisa quando me machuco. Iwa-chan que normalmente não me deixa ficar sozinho. Não queria que você ficasse também.
- Se você me deixar com intoxicação alimentar, eu acabo com a sua vida.
- Alguém tem que garantir que você vai comer alguma coisa decente – disse ele por fim, passando pela garota que soltara um “ei” ofendido enquanto ele começava a retirar os sapatos – Não é por nada, mas não consigo ver você conseguindo preparar alguma coisa com uma mão só.
- Você vai cozinhar para mim?
- Ei, eu sei cozinhar!
- O que você não sabe fazer, Sr. Perfeição?
- Te tirar da minha cabeça, pelo visto.
Quando disse que se responsabilizaria pela comida, o subestimou por completo. Mesmo sem vontade de fato de auxiliar, ela ajudava até onde conseguia e até onde o garoto permitia. Entregava alguns ingredientes, movia algumas panelas, ajeitava os pratos e tigelas que ele já tinha colocado sobre a mesa. Tudo sob o olhar atento de . Uma garrafa minimamente escorregava de seus dedos e lá estava ele, uma mão ágil sobre a sua para impedir o desastre que não aconteceria, a outra em suas costas. reclamou todas as vezes que isso aconteceu, resmungando que não precisava de uma babá, mas nunca retrucava, apenas lhe mostrava aquele sorriso moleque de sempre e retornava às suas atividades. Era um tanto estranho quão pouco ele estava falando, completamente oposto à sua personalidade tagarela. Em todos aqueles meses, só o tinha visto tão calmo em quadra, quando se preparava para algum saque. Mas ali estava ele, a expressão serena enquanto refogava alguns legumes, os ombros relaxados e a cabeça levemente tombada para o lado, vez ou outra cantarolando alguma melodia desconhecida. Completamente diferente da postura apreensiva de uma hora atrás, sem a preocupação exalando de todos os seus poros. Era um tanto estranho constatar isso, já que eles não se conheciam tão bem assim. Alguns treinos juntos, alguns puxões de orelha por parte de , mas era aquilo. Ela não se recordava de nenhuma de suas colegas do colégio se disponibilizar a ir até sua casa garantir que ela estava descansando apropriadamente, muito menos alguém do time masculino. Não tinha como dizer que todo aquele cuidado de era esperado, a forma como sempre buscava por ela pelo canto do olho, garantindo que não tinha bagunçado nada naquele meio segundo, partindo em seu auxílio antes mesmo que ela percebesse que precisasse. Mas o mais estranho era que ela não sentia que aquela postura não era espontânea.
Nem sentia algo estranho com relação a isso.
Lunes. Martes. Miercules.
Miercules.
Não importava quanto estudasse, os nomes dos dias da semana era algo que era incapaz de se lembrar isoladamente, sempre tendo que repetir mentalmente a sequência até chegar no dia que queria. Isso quando não se esquecia do termo que queria e tentava voltar para a língua materna, apenas para perceber que se esquecera como se dizia em sua língua também, apenas para iniciar uma leve crise de identidade.
Fazia um pouco mais de seis meses desde que se mudara para a Argentina, integrando agora um dos times da liga principal. Ele conscientemente evitava dizer que deixara tudo para trás quando alguém tocava naquele assunto, ou apenas concordava com uma careta mal controlada quando não podia discordar, dependendo de com quem conversava. Ele podia ter deixado seu país natal, mas as promessas de derrotar tudo e todos permanecia.
Ele não fugira. Aquilo era uma preparação.
- Nós somos amigos, certo? – perguntou de repente, quase uma semana depois que ele comentara sobre a mudança para o time argentino, quando ambos aproveitaram uma janela da grade do dia para ficarem em um dos gramados do campus para revisar os conteúdos para uma prova final. , sem pensar duas vezes, fingiu que ia vomitar, desviando com maestria da perna que ela logo esticara para chutar seu braço – Ridículo...! Mas é sério, somos amigos, certo?
- Por que eu preciso responder isso? – desconversou ele, sorrindo convencido antes de tentar voltar sua atenção ao livro.
- Preciso da resposta positiva para falar o que quero. Entenda como um “estou ciente e quero continuar”.
- Me parece algo péssimo para se concordar.
- , pelo amor de...!
- Certo, somo amigos! – ele praticamente gritara, agradecendo o riso que lhe escapava para fingir o calor que de repente sentia subir pelo rosto – Feliz?
parecia incrivelmente satisfeita.
- Muito bem, amigo – começou ela, fechando com agilidade o caderno que segurava e melhorando sua postura para ficar de frente para o garoto – Agora você vai conversar com a amiga e a levantadora porque a vadia está incomodada e não me deixa em paz.
Ah, ele não estava ciente disso quando concordou com os termos, havia sido uma péssima ideia concordar antes de ler o contrato. até chegou a pedir para voltar atrás, mas não lhe deu atenção, adotando aquela expressão séria que sempre tinha durante treinos, o olhar firme de quem não aceitava nada menos do que se era capaz de fazer.
- Por que você está hesitando? – embora estivesse preparado para o pior, foi pego desprevenido pela pergunta, soltando um “perdão?” sem pensar duas vezes – Aceitar o contrato do San Juan. Por que você está hesitando?
- Eu não estou hesitando – devolveu ele, já completamente na defensiva. Porcaria de levantadora que tinha um total de zero tato para abordar assuntos delicados – Eu vou para a Argentina.
- Está hesitando sim, não tenta mentir para mim. Eu conheço meus jogadores, mesmo os que não jogam comigo – retrucou a garota, se aproveitando do breve momento de choque que foi visível nos olhos de – Você sabe que não precisa ir para o vôlei internacional para crescer, certo? Você pode muito bem conquistar o que quer aqui.
- Eu sei disso. Eu quero ir – respondeu ele, seu tom de voz claro que estava ofendido pelas suposições da garota. Eles conviviam diariamente há quase um ano agora, não era possível que ela o conhecesse tão p... Ah, ele entendera.
- Eu sei que quer – a expressão de se tornara mais suave ao mesmo tempo que a compreensão lhe atingia – Por isso quero que você seja honesto consigo mesmo e diga por que está tão hesitante em fazer algo que você quer fazer, que é capaz de fazer.
Alguns dias eram mais fáceis do que outros.
Não precisava de muito para disparar aqueles episódios sem fim, onde parecia que ele tomara decisões sem realmente pensar a respeito, como muitos suspeitaram e muitos o questionaram. Às vezes era uma jogada que costumava realizar mais com seu atacante favorito da época de escola, às vezes era alguma piada ou acontecimento que fazia seu rosto se virar instintivamente para o lado, em busca de alguém que sempre costumava estar ali e agora não estava, o que impossibilitava de repassar o que acontecera, pelo menos naquele momento. Morar em uma casa com os outros jogadores definitivamente facilitava as coisas, já que ele dificilmente estava de fato sozinho, mas às vezes ele conseguia entender como flagrara com seus olhos atentos aquele receio, como se antecipasse seus pensamentos.
Vez ou outra parecia responsabilidade demais para se assumir tão cedo, colocando tanto em risco. Muita coisa havia ficado em casa, muita coisa com que ele se importava. Aquela antiga hesitação que se tornara medo às vezes vinha na imagem de não ter para o que retornar. Não algo tão drástico como sua família e amigos repentinamente se esquecerem de quem ele era, mas algo mais sutil e muito mais aterrorizante como eles não esperarem seu retorno. Voltar para casa e perceber que não pertence mais a vida daqueles que passaram por tanta coisa ao seu lado. Voltar para casa e perceber que quem ele esperava que tivesse ficado, não está mais lá.
Seu contato com quem ficara em casa se mantinha por mensagens, chamadas de vídeos vez ou outra, mas não era a mesma coisa de estar presente. Talvez não fosse um abandono ativo, apenas pouco a pouco fazendo menos parte de suas vidas, até que ele não passasse de uma história a ser contada. Eles também se sentiam assim? considerava perguntar isso vez ou outra, mas acabava voltando atrás.
Embora imaginasse que, por estar tão longe, não era como se tudo de fato tivesse ficado para trás. Alguns nomes que podia considerar como antigos (e não tão antigos) conhecidos costumavam dar as caras em algumas conversas pelo clube e jogos. gostava de pensar que havia crescido bastante nesse meio tempo, mas ainda assim ele não conseguia controlar o instinto de produzir um som de nojo toda vez que ouvia sobre seu rival dos tempos de escola, ou quando ouvia o nome , mesmo quando se referiam à . não perderia para ela também. Parando para analisar, na verdade, ele que tinha a dianteira agora. havia sido contratada para um time da liga principal em casa e se tornara titular na seleção, mas ele era um jogador internacional agora. Mesmo distantes, parecia que agora eles se sentavam ao mesmo tipo de mesa, mesmo que em salões diferentes.
Hoje, aparentemente, era um dos dias bons.
Seus levantamentos mais consistentes, respeitando as peculiaridades de cada um de seus atacantes. Seus saques mais precisos e poderosos do que no dia anterior. Sua visão de jogo mais afinada, conseguindo antecipar a movimentação dos colegas que naquele dia estava do lado oposto da rede. Se aquele fosse dia de jogo, o ginásio estaria vibrando no seu ritmo, nada fugindo de seu controle.
- Ei, ? – a voz de seu capitão o tirou de seus devaneios, tentando terminar de vestir a camiseta em um movimento rápido que terminou com sua cabeça errando em um primeiro momento a gola – Seu celular parece estar tocando faz um tempo.
Um pouco surpreso, quase esqueceu de agradecer o aviso, seus olhos logo no aparelho que deixara dentro de seu armário antes de iniciarem o treino. Ao notar o nome da brilhando na tela, seu cenho franziu. Uma das habilidades inesperadas que desenvolvera naqueles últimos meses era contas rápidas relacionadas a fuso-horário.
- Interrogação invertida, como estás?
- O que você faz acordada a essas horas? – devolveu ele, sem conseguir impedir que seus olhos revirassem pela piada boba, assim como um sorriso insistente aparecesse em seus lábios. Alguns colegas de time, notando que não tinham mais atenção do levantador, perguntaram risinhos se era na linha.
- Queria saber como foi seu treino, só isso.
Estranho. Suspeito.
- Eu ainda estou no vestiário, você contou bem meu tempo de treino – provocou ele mesmo assim, o riso alto da garota não sendo o suficiente para afastar aquela sensação de alerta.
- Falou o cara estranho que sabe meu calendário de jogos.
- Ah, mas se eu não presto atenção eu sou um péssimo amigo.
- Meu amor, você é um péssimo amigo de qualquer j...?
Ainda mais intrigado, manteve o celular na orelha com o auxílio do ombro, terminando de vestir a calça e os sapatos enquanto continuava a chamar por , que parecia ter entrado em um lugar movimentado, a julgar pelas vozes no fundo. Vozes essas que pareciam até um pouco familiares a cada segundo que prestava mais atenção.
- Señorita, puedo ayudarte?
- Ah, estoy a esperar ? Creo que él está en el vestuar...
Seu armário ficara aberto, a mochila sobre o banco.
- Parece que você está estudando mais agora que saiu da faculdade do que quando estava nela – comentou ele entre risos, que apenas se intensificou quando a garota o olhou feio. estava usando o notebook para aquela chamada, a câmera do aparelho permitindo que a bagunça de papeis e livros sobre a cama aparecesse no vídeo.
- Olimpíadas estão chegando e o ideal é que toda a delegação tenha a mínima noção do idioma do país sede – explicou ela, se levantando para minimamente organizar a bagunça – E eu tenho jogo no Rio mês que vem, estava revisando o planejamento.
Aquela conversa fora mês passado. Há três semanas, para ser mais exato.
Suas pernas já haviam esfriado, mas não se recusaram a levá-lo na maior velocidade capazes até a entrada do centro de treinamento, localizando sem grandes dificuldades a figura que não pertencia àquele lugar.
Seu coração pareceu errar uma batida.
De alguma forma, parecia que tudo tinha mudado.
A aura que a envolvia fazia com que ela parecesse um pouco mais alta, embora fosse improvável ela ter crescido mais. A expressão atenta enquanto conversava com o técnico do San Juan fazia com que ela parecesse mais adulta do que se lembrava.
De alguma forma, parecia que tudo continuava igual.
O sorriso fácil, o brilho diferente no olhar de quem disse o segredo do universo e sabe que não vai ser entendido com facilidade. O olhar calmo – e um tanto debochado – de quem tinha ciência de que ele continuava alimentando questionamentos e medos que no fundo ele sabia que não tinham motivos para atormentar sua mente.
Ele não precisava se preocupar com que ficara, ou se permaneceriam à sua espera.
Todos estavam traçando seus caminhos juntos.
E alguns ainda podiam se encontrar.
Não era também como se ela fosse o maior de seus problemas, ele apenas não conseguia ignorar. Se colocassem o primo e seu melhor amigo ao lado dela, seus instintos se focariam nas duas figuras masculinas, não na garota, mas, na ausência de alguém pior, toda sua energia hostil seria concentrada em .
Talvez fosse o nome da família que ele aprendera a fazer cara de desgosto por causa do primo, talvez fosse o nome da escola que ela frequentara que sempre fora o obstáculo final entre seus objetivos que ele nunca foi capaz de superar. Talvez fosse algo puramente mesquinho por jogarem na mesma posição. Talvez fosse uma combinação infeliz de todos os elementos. Ou apenas algo essencial na garota que o impedia de ser um ser civilizado.
Gênios o tiravam do sério.
Pessoas naturalmente talentosas, que apenas precisavam de um mínimo esforço para realizar algo com perfeição, enquanto outros, como o próprio , precisavam tornar do treino um hábito, uma segunda natureza, para alcançar alguma coisa. Gênios o tiravam do sério, principalmente aqueles que diziam não ser. Principalmente , por ela passar a maior parte de seu dia no ginásio, como se precisasse daquilo.
Na maior parte do tempo, parecia injusto. Se chegava mais cedo para treinar algo sozinho, esbarrava com no caminho para os ginásios do campus, ela tendo planejado também adiantar seus treinos. Se ele ficava depois do horário, caminhavam juntos até o ponto de ônibus, já que ela também encerrara o dia por volta do mesmo horário que ele. Se a questionasse – o que nunca faria, já que iria requerer um nível absurdo de sinceridade e ele definitivamente não teria como lidar com o sorriso debochado que provavelmente esboçaria –, ela diria que não podia se dar ao luxo de relaxar a rotina de treino. Muitas pessoas aguardavam ansiosamente o momento que ela cometa um deslize, a postos para tomar o lugar que ela lutava tanto para manter.
- É um banquete de monstros – disse ela com um sorriso fácil, um brilho diferente no olhar de quem disse o segredo do universo e sabe que não vai ser entendido com facilidade. Logo ela explicou que aquela fala não era sua, que o capitão de outro time tinha dito algo naquele estilo em um dos muitos campeonatos que participara – Melhor continuarmos sendo os que devoram, não os que são servidos, não acha?
Aquela conversa não fora com ele, nunca poderia ter sido. não se recordava de fato, talvez ela estivesse conversando com as veteranas de seu time, ou com seu amigo de infância nas muitas vezes que os times feminino e masculino realizavam treinos juntos. Ele não participara daquela conversa, mas de alguma forma ela chegara aos seus ouvidos, e sua mente repetia aquelas palavras todas as vezes que ele se perdia na presença da garota e esquecia que não pertenciam ao mesmo tipo de pessoa.
Embora treinassem com a mesma frequência de tempo, com a mesma intensidade, tivessem rotinas e hábitos ridiculamente parecidos, sempre fora quem era servido. Sua postura podia ser de monstro à mesa, mas ele nunca conseguira um lugar designado a si, por mais que lutasse com unhas e dentes. Seu lugar à mesa sempre fora na sala dos simples mortais, ali ele apresentava algum perigo. Talvez se portando como monstro, sendo erroneamente identificado como um por pessoas comuns, ele se tornaria um.
Só que as coisas não funcionavam daquele jeito.
- , está de brincadeira? – resmungou o professor de literatura, assim que o ruído alto do celular da garota vibrando sobre a carteira atraiu sua atenção mais uma vez. No susto, apenas desligara o aparelho, abaixando a cabeça enquanto fazia seu pedido de desculpas.
- Não é melhor você atender? – questionou o garoto que se sentava à sua esquerda, alguém que até reconhecia de outras disciplinas dos calouros, mas não se recordava no nome.
- Sei lá, deve ser engano – desconversou , reajustando o aperto em sua caneta para voltar às suas anotações. Assim como , ela parecia um tanto intrigada pela insistência de tal número que ela não tinha registrado nos contatos, sua atenção então bastante prejudicada, ainda mais quando um dos coordenadores do curso pediu licença para entrar na sala, suas palavras ao professor um tanto ofegantes, como se tivesse corrido até ali.
- Desculpe a intromissão, professor, mas a precisa atender uma ligação.
quase tropeçara nos próprios pés ao deixar a sala, seus dedos trêmulos religando o celular enquanto tentava entender as palavras apressadas do coordenador.
quase deixara a sala naquele mesmo estado meia hora depois, reunindo todo o material da garota da forma mais parecida com a organização que ela mantinha. Não demorou para que encontrasse com alguns colegas de time ao retornar aos corredores, todos ficando um pouco tensos ao notarem a postura estranha do levantador calouro. Ele sequer tivera tempo de explicar o pouco que sabia, a figura quase que acuada de surgindo a alguns metros, seus braços encolhidos em frente ao corpo.
- Ei, - começou um dos garotos, sua voz animada adotando logo um tom urgente – Você está chorando?! O que aconteceu?
chegou a abrir a boca algumas vezes, mesmo com o bombardeio de perguntas que recebia da parte do time masculino. No fim, depois de seu olhar quase amedrontado recair sobre e em sua bolsa pendurada no ombro, ela optou a dar atenção em um primeiro momento a ele. Seu agradecimento por ter pegado suas coisas na voz baixa foi ignorado pelo garoto, ambas suas mãos envolvendo as de quando ela tentou pegar a alça de sua bolsa.
- É alguma coisa com a sua família? – arriscou ele, quase aliviado ao ver a expressão da garota se tornar surpresa e um riso nervoso lhe escapar.
- O quê? Não! É só… Eu fui convocada. Para a seleção principal – anunciou ela, um silêncio se instalando no corredor mesmo com a troca de aulas – A levantadora titular se lesionou hoje cedo, Tashiro vai ficar como titular no jogo dessa semana e eu vou ficar como substituta. Tenho cinco horas para estar em um voo para Seul.
Eles não eram o mesmo tipo de pessoa.
- , isso é ótimo! – festejou um dos líberos, logo tentando colocar sua animação em cheque, mas falhando – Quero dizer, péssimo que alguém se machucou, mas mesmo assim...!
se sentava com monstros.
- Não, não é! – devolveu a garota, seu tom mais alto e exasperado reinstalando o silêncio no grupo. Mesmo se não estivessem tão próximos como , era visível a forma que o brilho de seus olhos havia se intensificado – O jogo é em três dias e eu nunca pisei na mesma quadra que elas. As chances de eu realmente precisar jogar são bem pequenas, mas e se eu precisar? Não dá para eu me integrar em um time em dois dias e se eu não apresentar bom desempenho… É fim de jogo, nunca mais vão me chamar.
Se entrasse na sala dos monstros, ele seria refeição mais uma vez.
- , você precisa se acalmar. Vai dar tudo certo.
- Eu não consigo! Está indo tudo muito rápido! Não tem como eu ter habilidade o suficiente para ir direto para a seleção principal, pensei que passaria para a U-20 ou p… , o que você está fazendo?
Eles não eram o mesmo tipo de pessoa.
se adiantou todo os passos possíveis, parando diretamente em frente à garota, ambas as mãos nas laterais de seu rosto, tentando garantir que ela não fosse virar a cabeça para qualquer direção que não fosse a sua, como se toda aquela proximidade não fosse o suficiente para ter os olhos travados nos seus.
- , você é a jogadora mais habilidosa que eu conheci na minha vida inteira - o tom de era sério e profundo, assim como seu olhar era firme. Ele não estava falando alto, mas, como todos tinham travado e parado de falar depois de sua ação um tanto ousada, todo o grupo conseguia ouvir suas palavras com perfeição - Se eles estão te chamando na emergência é porque já consideravam seu nome e conhecem o seu potencial. Mesmo se for um teste para você virar um nome fixo ou não, você faz isso a sua vida inteira, não vai ter nada novo. É só mais um jogo.
Ele nunca se sentaria ao seu lado à mesa.
- É só mais um jogo, não vai ter nada de novo – disse ele por fim, engolindo em seco em seguida, quase como que .
Quase todo o grupo tomou fôlego para ralhar com , todos na expectativa de que ele fosse dizer algo realmente útil e que acalmasse a garota, já que, afinal, eles conviviam mais do que todo o resto dos ingressantes dos times. Aquilo não podia ser o melhor que ele podia fazer, certo? Para alguém tão acostumado desde o fundamental a manter a autoestima de seu time em bons níveis, aquilo não podia ser tudo que podia dar à .
Só que eles assistiram os ombros de relaxarem.
Repetições.
Hábitos.
Memória.
Tudo entrelaçado nas fibras de seus músculos, impresso em seus ossos.
O que restava para temer?
- Ei – a voz de chamou sua atenção, instintivamente fechando os olhos ao se virar para a garota, já que ela se colocara contra o sol. As férias de verão agora já eram uma memória distante, as camisetas leves substituídas por casacos mais grossos. Ambos faziam um lanche rápido a caminho do ginásio para os treinos da tarde, terminando de enfiar a barrinha na boca antes de continuar - Fãs às três e meia.
- Ah, com ciúmes? – brincou ele, depois de ter olhado para trás e encontrado um trio de garotas. Como duas passaram a acenar freneticamente e uma se esforçava para olhar para qualquer lugar menos para ele, assumiu que ele era o foco do grupo, não a levantadora ao seu lado.
- Eu vou te abraçar e elas não vão te dar presente nenhum.
- Você não ousaria... !
O peso de repentinamente em suas costas fez com que cambaleasse para frente, os braços potentes da garota em um aperto firme em seu pescoço. O riso melódico próximo ao seu ouvido quase fizera com que ele se esquecesse do que estavam fazendo ali.
- Nossa, elas realmente foram embora – constatou ele, assim que os pés da garota retornaram ao chão – Que tipo de reputação você está criando nessa faculdade?
- Pergunta errada. Você deveria perguntar que tipo de reputação eu tinha no ensino médio. Elas eram da minha escola – explicou ela, tirando outra barrinha do bolso e checando as horas em seu celular antes de retornar a caminhada para o ginásio – Os alunos fora dos times de vôlei tinham medo de se aproximar. Achavam que seria tão direta como eu era com o pessoal dos times.
- Com direta, você quer dizer rude?
- Eu quis dizer o que eu disse – devolveu ela, o olhando feio – Comunicação tem que ser clara e objetiva em quadra. Se eu não digo para os meus jogadores o que preciso deles, não posso exigir o que quero.
- Ditadora.
- Ah, sai daqui! – resmungou ela, deixando a alça de sua mochila escorregar para a mão livre, aproveitando a energia do movimento para balançar a mochila e atingir nas costas – Eu sou a levantadora mais compreensiva que você já viu!
O impacto fez com que cambaleasse bem mais bruscamente do que instantes antes, o riso mais descontrolado de logo se alterando para pedidos de desculpas quando ela notou o garoto também descer a alça da mochila para a mão, se lembrando que ele também passara na biblioteca mais cedo, e ele pegara bem mais livros do que ela.
não era o tipo de pessoa que precisava de atenção 24/7 ou morria, mas era definitivamente inesperado não responder nenhuma das suas mensagens matinais, nem que fosse com um emoji mal educado. Ela reclamava sempre que podia do excesso de mensagens do levantador, só que nunca ficava muito tempo sem responder, mesmo se fossem assuntos aleatórios e não urgentes. Então ele não estranhou quando suas pernas determinaram sozinhas o trajeto pelos corredores quando terminou a primeira aula do dia, seguindo para onde ele sabia que encontraria a garota.
Só que ela não estava lá.
já estava prestes a sacar o celular e tomar uma medida drástica – ligar para – quando avistou dois rostos conhecidos, que também não hesitaram em o cumprimentar. A dupla de meio de rede questionou o que ele fazia no prédio das ciências sociais quando a próxima aula que tinha era no prédio da física, a expressão de ambos mudando drasticamente quando ele contou que estava procurando por .
- Droga, ela não falou com você ontem? - soltou Yumi, suspirando em seguida. A reação de todos os integrantes dos times masculino e feminino não variava muito até então, mas ela tinha a sensação que não teria a das melhores. Havia um motivo para a dupla de levantadores ter se dado tão bem desde o início. Alguns poderiam questionar o entendimento de “se dar bem”, mas ela conhecia desde o último ano do fundamental, sabia mais do que ninguém reconhecer um igual a ela – Durante o treino de ontem, ela luxou o pulso. Pegou um corte de mal jeito no bloqueio.
O sangue de pareceu esfriar instantaneamente, quase como se tivesse recebendo a notícia de que ele tinha sofrido uma lesão. O garoto conhecia o suficiente para saber o nível de pressão que fazia sobre si mesma, o que explicava muito bem o silêncio que estava recebendo desde cedo. Uma lesão no pulso não a impossibilitava de assistir aula, mas ela não devia estar com cabeça para prestar atenção em algo.
- Eu preciso ir para a aula - disse de repente, começando já a se afastar - Obrigado por me avisar, Yumi! Vou fazer uma visita para ela mais tarde.
A dupla assistiu com uma expressão nada convencida o garoto sumir no corredor e um pensamento em comum em mente: ele não iria para a aula.
estava muito ciente da campainha sendo tocada, e por isso se afundava ainda mais no meio de suas cobertas, na esperança de que, se esforçando bastante, logo deixaria de existir. Em um dia normal, não teria ninguém em casa naquele horário, então não tinha nenhuma obrigação de atender quem quer que fosse. O estranho foi seu celular começar a vibrar em um padrão inusitado, atraindo minimamente sua atenção.
O nome de piscava na tela.
Estranho, para dizer o mínimo. Seu primeiro instinto foi recusar a ligação para olhar a conversa com o garoto, mas, como era mais difícil e demorado digitar com uma mão só, ela acabou por desistir e puxar o aparelho com a mão livre.
- Eu normalmente gritaria com você por estar ligando, mas acho que ainda tem alguém na minha porta e não quero entregar que realmente tem alguém em casa.
- SOU EU NA PORTA, !
Mais acordada do que antes, se colocou de pé às pressas, empurrando as cortinas pesadas para abrir a janela e logo encontrar um que antecipara seus passos, se afastando da cobertura da entrada da casa para poder checar sua movimentação pela janela. A garota balbuciou um "que diabos" antes de ele devolver um "abre logo a porta". Em um dia normal, teria dito não e voltado a sua rotina, mas estava tão no automático que logo estava descendo as escadas e pegando seu molho de chave sobre a mesa.
não costumava ir de qualquer jeito para as aulas, embora não pudesse dizer que ela dedicava tanto tempo para se arrumar como , mas ele podia dizer que naquele dia ela tinha gastado um total de zero empenho com sua aparência. O cabelo solto não tinha sido penteado naquela manhã e parecia estar no mínimo uns dois dias sem lavar. O conjunto de moletom surrado dificilmente seria uma escolha de roupa consciente para receber alguém em casa. A proteção imobilizando todo o braço direito parecendo pesar mais do que realmente pesava, além de chamar a atenção que um material de cor tão discreta não deveria atrair.
não disse mais nada ao abrir a porta, apenas ficou encarando o garoto que parecia não saber mais formular uma frase compreensível.
Por que ele estava lá, afinal?
- Foi muito sério? – perguntou ele por fim, apenas para se arrepender em seguida. Não era uma forma nada delicada de abordar o assunto, algo que ficou claro com a forma que a garota estremeceu.
- Inicialmente uma semana com a tala. Pode estender para mais uma – contou ela, passando uma perna na frente da outra e se apoiando no batente da porta, como se aquela fosse uma informação qualquer. Não era.
- Você está fora do jogo contra Sofia – disse ele, e quase gastou tempo demais pensando em como ele podia ter memorizado seu calendário de jogos.
- No mínimo esse. Tem o jogo contra a Rússia ainda, se a reabilitação não for rápida, também estou fora – devolveu ela, um tom mais ressentido aparecendo em sua voz no final – Por que você veio aqui?
- Você não estava respondendo as minhas mensagens.
- Eu estava dormindo – devolveu ela, o tom óbvio na voz – Você não tem aula agora?
-Eu fiq… Eu estou preocupado, ok? Toda vez que meu joelho resolve dar um show, eu… Você deve imaginar como é ter uma parte do seu corpo que pode te deixar na mão. Somos jogadores. Lesões são perigosas, podem acabar com a nossa carreira. Por isso eu… Eu vi o Capitão-chan no campus, vi ele falando com os meninos os treinos que queria dar de tarde, e sei que seus pais só voltam de noite. Eu só não queria que você ficasse sozinha. Você podia ter ido para a aula mesmo com a tala, mas você não foi. Você está chateada, é normal. Eu faço a mesma coisa quando me machuco. Iwa-chan que normalmente não me deixa ficar sozinho. Não queria que você ficasse também.
- Se você me deixar com intoxicação alimentar, eu acabo com a sua vida.
- Alguém tem que garantir que você vai comer alguma coisa decente – disse ele por fim, passando pela garota que soltara um “ei” ofendido enquanto ele começava a retirar os sapatos – Não é por nada, mas não consigo ver você conseguindo preparar alguma coisa com uma mão só.
- Você vai cozinhar para mim?
- Ei, eu sei cozinhar!
- O que você não sabe fazer, Sr. Perfeição?
- Te tirar da minha cabeça, pelo visto.
Quando disse que se responsabilizaria pela comida, o subestimou por completo. Mesmo sem vontade de fato de auxiliar, ela ajudava até onde conseguia e até onde o garoto permitia. Entregava alguns ingredientes, movia algumas panelas, ajeitava os pratos e tigelas que ele já tinha colocado sobre a mesa. Tudo sob o olhar atento de . Uma garrafa minimamente escorregava de seus dedos e lá estava ele, uma mão ágil sobre a sua para impedir o desastre que não aconteceria, a outra em suas costas. reclamou todas as vezes que isso aconteceu, resmungando que não precisava de uma babá, mas nunca retrucava, apenas lhe mostrava aquele sorriso moleque de sempre e retornava às suas atividades. Era um tanto estranho quão pouco ele estava falando, completamente oposto à sua personalidade tagarela. Em todos aqueles meses, só o tinha visto tão calmo em quadra, quando se preparava para algum saque. Mas ali estava ele, a expressão serena enquanto refogava alguns legumes, os ombros relaxados e a cabeça levemente tombada para o lado, vez ou outra cantarolando alguma melodia desconhecida. Completamente diferente da postura apreensiva de uma hora atrás, sem a preocupação exalando de todos os seus poros. Era um tanto estranho constatar isso, já que eles não se conheciam tão bem assim. Alguns treinos juntos, alguns puxões de orelha por parte de , mas era aquilo. Ela não se recordava de nenhuma de suas colegas do colégio se disponibilizar a ir até sua casa garantir que ela estava descansando apropriadamente, muito menos alguém do time masculino. Não tinha como dizer que todo aquele cuidado de era esperado, a forma como sempre buscava por ela pelo canto do olho, garantindo que não tinha bagunçado nada naquele meio segundo, partindo em seu auxílio antes mesmo que ela percebesse que precisasse. Mas o mais estranho era que ela não sentia que aquela postura não era espontânea.
Nem sentia algo estranho com relação a isso.
Lunes. Martes. Miercules.
Miercules.
Não importava quanto estudasse, os nomes dos dias da semana era algo que era incapaz de se lembrar isoladamente, sempre tendo que repetir mentalmente a sequência até chegar no dia que queria. Isso quando não se esquecia do termo que queria e tentava voltar para a língua materna, apenas para perceber que se esquecera como se dizia em sua língua também, apenas para iniciar uma leve crise de identidade.
Fazia um pouco mais de seis meses desde que se mudara para a Argentina, integrando agora um dos times da liga principal. Ele conscientemente evitava dizer que deixara tudo para trás quando alguém tocava naquele assunto, ou apenas concordava com uma careta mal controlada quando não podia discordar, dependendo de com quem conversava. Ele podia ter deixado seu país natal, mas as promessas de derrotar tudo e todos permanecia.
Ele não fugira. Aquilo era uma preparação.
- Nós somos amigos, certo? – perguntou de repente, quase uma semana depois que ele comentara sobre a mudança para o time argentino, quando ambos aproveitaram uma janela da grade do dia para ficarem em um dos gramados do campus para revisar os conteúdos para uma prova final. , sem pensar duas vezes, fingiu que ia vomitar, desviando com maestria da perna que ela logo esticara para chutar seu braço – Ridículo...! Mas é sério, somos amigos, certo?
- Por que eu preciso responder isso? – desconversou ele, sorrindo convencido antes de tentar voltar sua atenção ao livro.
- Preciso da resposta positiva para falar o que quero. Entenda como um “estou ciente e quero continuar”.
- Me parece algo péssimo para se concordar.
- , pelo amor de...!
- Certo, somo amigos! – ele praticamente gritara, agradecendo o riso que lhe escapava para fingir o calor que de repente sentia subir pelo rosto – Feliz?
parecia incrivelmente satisfeita.
- Muito bem, amigo – começou ela, fechando com agilidade o caderno que segurava e melhorando sua postura para ficar de frente para o garoto – Agora você vai conversar com a amiga e a levantadora porque a vadia está incomodada e não me deixa em paz.
Ah, ele não estava ciente disso quando concordou com os termos, havia sido uma péssima ideia concordar antes de ler o contrato. até chegou a pedir para voltar atrás, mas não lhe deu atenção, adotando aquela expressão séria que sempre tinha durante treinos, o olhar firme de quem não aceitava nada menos do que se era capaz de fazer.
- Por que você está hesitando? – embora estivesse preparado para o pior, foi pego desprevenido pela pergunta, soltando um “perdão?” sem pensar duas vezes – Aceitar o contrato do San Juan. Por que você está hesitando?
- Eu não estou hesitando – devolveu ele, já completamente na defensiva. Porcaria de levantadora que tinha um total de zero tato para abordar assuntos delicados – Eu vou para a Argentina.
- Está hesitando sim, não tenta mentir para mim. Eu conheço meus jogadores, mesmo os que não jogam comigo – retrucou a garota, se aproveitando do breve momento de choque que foi visível nos olhos de – Você sabe que não precisa ir para o vôlei internacional para crescer, certo? Você pode muito bem conquistar o que quer aqui.
- Eu sei disso. Eu quero ir – respondeu ele, seu tom de voz claro que estava ofendido pelas suposições da garota. Eles conviviam diariamente há quase um ano agora, não era possível que ela o conhecesse tão p... Ah, ele entendera.
- Eu sei que quer – a expressão de se tornara mais suave ao mesmo tempo que a compreensão lhe atingia – Por isso quero que você seja honesto consigo mesmo e diga por que está tão hesitante em fazer algo que você quer fazer, que é capaz de fazer.
Alguns dias eram mais fáceis do que outros.
Não precisava de muito para disparar aqueles episódios sem fim, onde parecia que ele tomara decisões sem realmente pensar a respeito, como muitos suspeitaram e muitos o questionaram. Às vezes era uma jogada que costumava realizar mais com seu atacante favorito da época de escola, às vezes era alguma piada ou acontecimento que fazia seu rosto se virar instintivamente para o lado, em busca de alguém que sempre costumava estar ali e agora não estava, o que impossibilitava de repassar o que acontecera, pelo menos naquele momento. Morar em uma casa com os outros jogadores definitivamente facilitava as coisas, já que ele dificilmente estava de fato sozinho, mas às vezes ele conseguia entender como flagrara com seus olhos atentos aquele receio, como se antecipasse seus pensamentos.
Vez ou outra parecia responsabilidade demais para se assumir tão cedo, colocando tanto em risco. Muita coisa havia ficado em casa, muita coisa com que ele se importava. Aquela antiga hesitação que se tornara medo às vezes vinha na imagem de não ter para o que retornar. Não algo tão drástico como sua família e amigos repentinamente se esquecerem de quem ele era, mas algo mais sutil e muito mais aterrorizante como eles não esperarem seu retorno. Voltar para casa e perceber que não pertence mais a vida daqueles que passaram por tanta coisa ao seu lado. Voltar para casa e perceber que quem ele esperava que tivesse ficado, não está mais lá.
Seu contato com quem ficara em casa se mantinha por mensagens, chamadas de vídeos vez ou outra, mas não era a mesma coisa de estar presente. Talvez não fosse um abandono ativo, apenas pouco a pouco fazendo menos parte de suas vidas, até que ele não passasse de uma história a ser contada. Eles também se sentiam assim? considerava perguntar isso vez ou outra, mas acabava voltando atrás.
Embora imaginasse que, por estar tão longe, não era como se tudo de fato tivesse ficado para trás. Alguns nomes que podia considerar como antigos (e não tão antigos) conhecidos costumavam dar as caras em algumas conversas pelo clube e jogos. gostava de pensar que havia crescido bastante nesse meio tempo, mas ainda assim ele não conseguia controlar o instinto de produzir um som de nojo toda vez que ouvia sobre seu rival dos tempos de escola, ou quando ouvia o nome , mesmo quando se referiam à . não perderia para ela também. Parando para analisar, na verdade, ele que tinha a dianteira agora. havia sido contratada para um time da liga principal em casa e se tornara titular na seleção, mas ele era um jogador internacional agora. Mesmo distantes, parecia que agora eles se sentavam ao mesmo tipo de mesa, mesmo que em salões diferentes.
Hoje, aparentemente, era um dos dias bons.
Seus levantamentos mais consistentes, respeitando as peculiaridades de cada um de seus atacantes. Seus saques mais precisos e poderosos do que no dia anterior. Sua visão de jogo mais afinada, conseguindo antecipar a movimentação dos colegas que naquele dia estava do lado oposto da rede. Se aquele fosse dia de jogo, o ginásio estaria vibrando no seu ritmo, nada fugindo de seu controle.
- Ei, ? – a voz de seu capitão o tirou de seus devaneios, tentando terminar de vestir a camiseta em um movimento rápido que terminou com sua cabeça errando em um primeiro momento a gola – Seu celular parece estar tocando faz um tempo.
Um pouco surpreso, quase esqueceu de agradecer o aviso, seus olhos logo no aparelho que deixara dentro de seu armário antes de iniciarem o treino. Ao notar o nome da brilhando na tela, seu cenho franziu. Uma das habilidades inesperadas que desenvolvera naqueles últimos meses era contas rápidas relacionadas a fuso-horário.
- Interrogação invertida, como estás?
- O que você faz acordada a essas horas? – devolveu ele, sem conseguir impedir que seus olhos revirassem pela piada boba, assim como um sorriso insistente aparecesse em seus lábios. Alguns colegas de time, notando que não tinham mais atenção do levantador, perguntaram risinhos se era na linha.
- Queria saber como foi seu treino, só isso.
Estranho. Suspeito.
- Eu ainda estou no vestiário, você contou bem meu tempo de treino – provocou ele mesmo assim, o riso alto da garota não sendo o suficiente para afastar aquela sensação de alerta.
- Falou o cara estranho que sabe meu calendário de jogos.
- Ah, mas se eu não presto atenção eu sou um péssimo amigo.
- Meu amor, você é um péssimo amigo de qualquer j...?
Ainda mais intrigado, manteve o celular na orelha com o auxílio do ombro, terminando de vestir a calça e os sapatos enquanto continuava a chamar por , que parecia ter entrado em um lugar movimentado, a julgar pelas vozes no fundo. Vozes essas que pareciam até um pouco familiares a cada segundo que prestava mais atenção.
- Señorita, puedo ayudarte?
- Ah, estoy a esperar ? Creo que él está en el vestuar...
Seu armário ficara aberto, a mochila sobre o banco.
- Parece que você está estudando mais agora que saiu da faculdade do que quando estava nela – comentou ele entre risos, que apenas se intensificou quando a garota o olhou feio. estava usando o notebook para aquela chamada, a câmera do aparelho permitindo que a bagunça de papeis e livros sobre a cama aparecesse no vídeo.
- Olimpíadas estão chegando e o ideal é que toda a delegação tenha a mínima noção do idioma do país sede – explicou ela, se levantando para minimamente organizar a bagunça – E eu tenho jogo no Rio mês que vem, estava revisando o planejamento.
Aquela conversa fora mês passado. Há três semanas, para ser mais exato.
Suas pernas já haviam esfriado, mas não se recusaram a levá-lo na maior velocidade capazes até a entrada do centro de treinamento, localizando sem grandes dificuldades a figura que não pertencia àquele lugar.
Seu coração pareceu errar uma batida.
De alguma forma, parecia que tudo tinha mudado.
A aura que a envolvia fazia com que ela parecesse um pouco mais alta, embora fosse improvável ela ter crescido mais. A expressão atenta enquanto conversava com o técnico do San Juan fazia com que ela parecesse mais adulta do que se lembrava.
De alguma forma, parecia que tudo continuava igual.
O sorriso fácil, o brilho diferente no olhar de quem disse o segredo do universo e sabe que não vai ser entendido com facilidade. O olhar calmo – e um tanto debochado – de quem tinha ciência de que ele continuava alimentando questionamentos e medos que no fundo ele sabia que não tinham motivos para atormentar sua mente.
Ele não precisava se preocupar com que ficara, ou se permaneceriam à sua espera.
Todos estavam traçando seus caminhos juntos.
E alguns ainda podiam se encontrar.
Fim
Nota da autora: Considerando que eu estava no meio de um baita bloqueio criativo, isso aqui sair significa demais pra mim. Meu pp aqui é o Oikawa e eu já me sentia related com ele em um nível absurdo, mas, com todo o estresse e pressão que veio nesses últimos meses, reler o arco do Brasil me fez lembrar de algumas essenciais que eu tinha esquecido, assim como ele. Aí vem o fechamento do arco do Kita-san, (que é uma entidade, não sou eu que faço as regras) e cá está Jessica completamente rendida (surtada, mas rendida).