Capítulo Único
— Isso é ridículo! — falei alto, para ver se entendiam aquilo de uma vez por todas.
— Ridículo é você estar pensando apenas em si mesma nesse momento! — meu pai rebateu enfurecido comigo. — Você vai sair com o . Não tem discussão, esse foi o acordo!
— Agora eu virei uma vaca e estou sendo usada para barganha. Me poupe. Eu não vou sair com esse cara! Ele é um esnobe, nojento, arrogante e se acha o rei de Nova York! — dei um tapa na minha taça de água, fazendo-a voar contra a parede. — Me mostra onde assinei permitindo que você me vendesse! Me mostra!
— ! — o velho berrou em tom de repreensão. — Você é minha filha, sobrevive com o meu dinheiro, então eu faço o que quiser contigo, a hora que quiser.
— Vocês vão se arrepender amargamente de terem feito isso! — rosnei, apontando o dedo na direção do meu pai, que estava até vermelho de tão irritado por causa daquela discussão. — Com licença, perdi a fome. — joguei meu guardanapo sobre a mesa e levantei.
Minha mãe apenas me olhou e voltou a comer pacificamente, como se nada estivesse acontecendo, enquanto meu pai continuava me olhando totalmente enfurecido. Eu estava me lixando para ele e seus malditos acordos que me envolviam sem a minha permissão. Queria que enfiasse todos eles na bunda, aquilo não tinha o menor cabimento. Estávamos em 2020! Como isso ainda podia estar acontecendo? Não, aquilo só deveria ser um dos meus delírios por causa dos meus remédios fortes de enxaqueca; eles me deixavam dopada e logo eu começava a imaginar coisas.
Assim como aquela conversa que deve ter rolado apenas dentro da minha cabeça. De qualquer forma, não importava. Eu precisava respirar.
Sai da sala de jantar e fui para o jardim. Eu gostava de lá, me fazia pensar melhor do que dentro de quatro paredes. O ar fresco me ajudava a lembrar das coisas, especialmente o cheiro das flores, do mato e da terra.
Sofri um acidente de moto há alguns meses, foi um milagre eu sobreviver. Não me lembro do que houve ou de como aconteceu. Não me lembro de nada, para ser mais exata. Minha vida dali para trás virou um grande nada. Um blackout total. Vez ou outra, eu tinha uns déjà-vus sobre qualquer coisa aleatória, mas de fato lembrar... não, não conseguia. E isso era bem frustrante, além de me deixar frustrada a maior parte do tempo, porque não conseguia entender o que estava rolando ao meu redor. Parecia que tinha sido jogada em uma vida aleatória que não era a minha de fato.
Os médicos falaram que poderia ser passageiro, mas não dava para saber. A única coisa que eu sabia é que a porrada que dei com a cabeça foi forte o suficiente para ter me matado, e o universo quis simplesmente que eu vivesse e não tivesse nenhuma sequela grave. De qualquer forma, eu não me sentia bem. Sabia que deveria estar grata por ainda estar viva, só que pelo jeito eu era uma puta egoísta.
---
O segurança segurou minha mão para que eu pudesse entrar no iate sem cair na água. Isso me incomodou, porque eu ainda sabia andar sozinha e não era como se meus pés tivessem ficado tortos depois do acidente, ou coisa parecida. Então puxei minha mão, e entrei. Estava de tênis - e não um salto que provavelmente me faria escorregar naquele piso liso; é, eu não tinha me arrumado para ir naquele jantar, jeans justo e preto, com os joelhos rasgados, um vans sk8 hi vinho, e um top no mesmo tom. Quando embarquei, me arrependi por não ter vindo de casaco, pois a brisa do mar estava gelada e me deixava arrepiada.
apareceu com uma roupa social, a camisa era preta com umas estampas que eu não fazia questão de saber quais eram, mas claramente ele tinha problema com os botões dela, porque estavam quase todos abertos deixando seu peito e barriga quase toda a mostra, revelando algumas tatuagens que tinha ali. Rolei meus olhos e olhei para o lado, daqui a pouco iria achar que eu estava secando-o. Seria só o que me faltava para aquela noite ficar ainda melhor.
— Boa noite, senhorita . — disse com um tom de voz baixo, quase rouco.
— Boa noite para quem? Porque para mim que não é. Cadê a comida? Vamos logo com isso para que eu possa ir embora o quanto antes. — rebati, bem grossa mesmo, passando por ele e seguindo pelo lugar procurando onde estava a mesa para me sentar logo. Ouvi um riso fraco dele atrás de mim e isso me fez olhar por cima do ombro. — Certamente está rindo da minha cara de palhaça.
— Não. Não é isso. — comentou me seguindo. — A mesa está lá dentro. Pedi para entrarem com as coisas, está ventando demais.
— Pelo menos tem sensatez em alguma coisa. — murmurei e o segui agora, já que ele passou na minha frente. — Olha, eu não sei que tipo de perturbado você é, mas já vou falar que independente de qualquer contrato ou acordo que tenha feito ao meu pai, não se aplica a mim. Eu não quero estar aqui, e muito menos olhar para a sua cara.
— Você pode ir embora a hora que quiser. Ninguém está aqui apontando uma arma para você, te obrigando a ficar. — respondeu em um tom bem tranquilo, parando na minha frente e me olhando quando chegamos na sala de jantar. — Apenas pedi ao seu pai para que você pudesse jantar comigo, não exigi nada. Não faço ideia do que ele te falou, mas com certeza foi algo totalmente distorcido da realidade. — e agora eu estava com cara de idiota na frente de um dos caras mais ricos de NY. — Mas ainda assim você veio. Seria ótimo se não perdesse a viagem e pudéssemos fazer companhia um ao outro nesse jantar. — prendi meus lábios em uma linha reta. — Ele já vai ser servido. Garanto que não irei levar muito tempo da sua noite.
Não falei nada, porque eu estava fazendo um belo papel de idiota naquele momento. Apenas andei até a mesa e me sentei em uma das duas cadeiras que tinha ali. Aqueles infinitos talheres, pratos e copos... Dei graças a Deus naquele momento por minha mãe ter me ensinado a usar tudo de novo, porque juro que não entendia para que tudo aquilo se só precisava de um garfo, uma faca e um prato para comer tudo.
Lambi meus lábios, claramente nervosa com aquela situação. se sentou e fez um sinal com a mão, e um homem se aproximou para saber o que seu patrão queria. Olhei pela janela que tinha ao meu lado, vendo a cidade iluminada do outro lado da baía. Era bonita a paisagem.
— Senhorita, . — me chamou. Estava me incomodando ele me chamar daquela forma, mas não falei nada, apenas o olhei. — O que deseja beber?
— Qualquer coisa. — respondi, dando de ombros, vendo que não se agradou da minha resposta.
— Vamos fazer assim. Você me fala o que quer beber e eu te digo o que estou pensando. — franzi meus lábios com aquilo, pensando em dizer que não me interessava em seus pensamentos, mas ele estava sendo extremamente educado comigo, e isso me faria parecer ainda mais idiota do que já estava sendo.
— Pode ser água com gás. Estou tomando remédio de enxaqueca. — não sabia porque tinha me justificado, não era do seu interesse saber algo do tipo.
— Pode trazer uma água gás para ela, e para mim um Domaine Leroy Richebourg, por favor. — seu tom de voz era tão baixo que mal lhe ouvi falando com o maitre que acenou com a cabeça e saiu. — Está com enxaqueca no momento? — sua pergunta fez meus olhos desviarem.
— Ainda não. — ressaltei, porque ela vinha geralmente do nada, e isso fazia meu humor ficar ainda pior do que de costume. — No que está pensando? — tentei começar uma conversa, para não ser algo totalmente entediante na próxima hora que teria que passar com .
— Em você. — sorriu de leve. — Pensei que conseguiria me conter quando te visse, mas é difícil quando o ar simplesmente faltou quando você entrou nesse iate. — uni minhas sobrancelhas com aquilo. Ele me conhecia.
— O que você era meu? — perguntei logo, odiava ficar prolongando as coisas.
— Noivo. — meus olhos se arregalaram naquele momento.
Não deu tempo para que eu falasse nada, porque o maitre chegou servindo a minha água e o vinho de . Eu ainda estava processando aquela informação enquanto bebia minha água, sentindo os olhos do homem à minha frente fixos em minhas reações. Coloquei meu copo sobre a mesa e juntei meus lábios em um bico.
— E por que eu só estou sabendo agora que tinha um noivo? Depois de cinco meses. — questionei tentando achar o que estava errado nisso.
— Porque nós terminamos na noite que você sofreu o acidente. — falou de uma forma triste, e de alguma forma aquilo fez meu coração ficar apertado. — Me senti culpado. Achei que fosse melhor ficar longe, mesmo que você fosse meu paraíso, a única que acabava com minhas noites solitárias. — ele fechou seus olhos e quando os abriu, olhou pela janela. Não sabia bem como reagir naquele momento. — Eu te visitei no hospital enquanto estava em coma. Ia todos os dias e ficava lá te olhando pelo vidro, mas no dia que acordou e me falaram que não se lembrava de nada, percebi que talvez fosse melhor assim. — se levantou e caminhou até uma mesa de canto onde tinha várias coisas, pegando algo em cima dela, então voltou estendendo um porta-retrato em minha direção. Era uma foto nossa sorrindo com nossos rostos colados um no outro, estávamos sujos de pó colorido. Meus olhos encaravam aquilo e eu podia ver nitidamente o quanto estávamos felizes. Aquilo me incomodou um pouco. — Isso foi na nossa festa de noivado.
— Porque terminamos? — levei meus olhos até , lhe devolvendo o porta-retrato. Ele deu de ombros voltando a colocar o objeto no lugar. — O que houve? Me fala.
— Você se apaixonou por outro. Isso foi o que houve. — ele ainda não olhava para mim, mas eu sentia em seu tom de voz que aquilo doía. — Você foi até meu apartamento a noite e terminou comigo, disse que gostava de outra pessoa. Nós brigamos feio por causa disso. Falei que nunca mais queria te ver, que era para você sumir da minha vida… bem, foi basicamente isso que aconteceu depois. — meu olhar caiu e meu peito se apertou por causa das suas palavras; elas carregavam uma mágoa enorme, não tinha como ele estar mentindo. — Tentei te esquecer, mas é difícil quando passamos tanto tempo juntos. Sinto sua falta todos os dias. — voltou até a mesa e pegou sua taça de vinho, dando um gole. — Pensei várias vezes em como seria te reencontrar. O que falaria. O que deveria fazer. Se deveria te conquistar de novo. Mas parece que nada faz muito sentido agora, então achei melhor falar logo a verdade do motivo de você estar aqui.
— Não faz mais sentido porque eu não te olho como se estivesse apaixonada, porque para mim você é um esnobe cheio de dinheiro. — falei tentando não ser grosseira. — De qualquer forma, eu sinto muito. — apenas balançou a cabeça se sentando novamente e bebendo seu vinho. — Tudo o que sei sobre você é o que as pessoas falam e o que tem nas redes sociais. — tentei justificar o motivo daquele meu comportamento. — Quando meu pai disse que teria que jantar contigo, porque vocês eram sócios e que tinha pedido por isso, eu surtei achando que estava querendo me comprar.
— Se fosse fácil assim... nem toda a fortuna do mundo seria capaz de te comprar. Deveria ter feito o convite formalmente, mas sabia que não iria aceitar também. — concordei com a cabeça e ele riu fraco. — Se quiser ir, pode ficar à vontade.
— Não. A água com gás está gostosa. — falei pegando o copo e dando um gole, deixando um pequeno sorriso vir em meus lábios. — Certamente eu fiz besteira em terminar contigo. — comentei, atraindo seu olhar para meu rosto no mesmo instante.
— Por que acha isso? — podia ver curiosidade em seus olhos.
— Porque seja lá por quem eu estava apaixonada, certamente não era recíproco. A pessoa não me procurou, e eu não faço ideia de quem seja. — dei de ombros, fazendo uma careta. — Pelo menos você está tentando agora. E sua companhia não me parece ser tão ruim assim. — isso lhe tirou um riso fraco, me fazendo sorrir um pouco mais.
— Seria muito egoísta da minha parte estar feliz por isso? — aquilo tirou uma pequena risada de nós dois, e seus olhos brilharam um pouco enquanto neguei com a cabeça. — É bom rir com você novamente. Senti saudades do som da sua risada.
— Está tentando flertar comigo nesse momento, ? — ergui uma sobrancelha em um ar divertido.
— Não. Estou apenas falando a verdade. Quando flerto é diferente. — piscou um olho em minha direção com um sorriso de lado.
Então o jantar foi servido. E no meio dele nós conversamos bastante, demos muitas risadas das coisas que me contava sobre alguns momentos nossos. Pelo ponto de vista dele, achei que ficávamos perfeitos juntos. Éramos a companhia perfeita um do outro. De fato parecia que éramos realmente apaixonados, e eu sentia que me amava apenas pela forma que me olhava. Isso me incomodava um pouco as vezes, mas pelo menos ele estava sendo sincero comigo.
— Eu preciso ir. Minha cabeça está começando a doer. — falei de forma triste, dando um pequeno sorriso. — Talvez possamos manter contato? — perguntei o encarando.
— Não sei se isso vai funcionar muito bem. — ele virou o rosto, encarando o mar pela janela.
— Entendo. — realmente entendia ele. Tinha muitos sentimentos envolvidos naquilo. — De qualquer forma, saiba que gostei bastante da sua companhia essa noite. Espero poder te ver outra vez. — contei dando um pequeno sorriso e me olhou; seu olhar tinha um misto de coisas que eu não sabia decifrar.
— Agradeça ao seu pai por ter feito o convite mesmo que de forma errada. — concordei com a cabeça, rindo um pouco. — Obrigado pela noite. Você foi uma ótima companhia. — ele me deu um belo sorriso. — Com certeza nos veremos nos eventos sociais. — sorri fechado para ele, entendo o que quis dizer com aquilo.
— Vou agradecer nada. Ele me fez achar um monte de merda. — virei o rosto que nem uma criança fazendo pirraça, tirando uma risada gostosa de . — Por nada. — sorri fechado e depois concordei com a cabeça sobre os eventos sociais.
me acompanhou até a beira da lancha, e eu pulei para fora ignorando o segurança que tentou me ajudar. Apenas ouvi uma risada do que me fez rir. Ele saiu também e foi comigo até meu carro, então parou e ficou me olhando. Tirei a chave do bolso desarmando o Mercedes e já estava pronta para entrar quando parei, segurando a porta. Umedeci meus lábios e mordi a ponta da minha língua. Respirei profundamente, então me virei, dando uns passos rápidos até . Fiquei na ponta de meus pés e segurei sua nuca, o puxando um pouco para baixo, e deixei meus lábios tocarem nos seus em um selinho apertado. Logo seus lábios passaram sobre os meus, e sua língua tomou a minha boca na mesma proporção que a minha fez com a dele. Eu podia sentir a saudade na forma como me beijava, e retribui sentindo a mesma coisa. Era como se eu realmente conhecesse aqueles lábios minha vida inteira. Suas mãos envolveram minha cintura, me puxando para mais perto, e meus braços abraçaram seu pescoço, o puxando um pouco para baixo. Nos beijamos até que minha cabeça começou a doer um pouco mais e tive que me afastar. Realmente precisava ir embora para tomar meus remédios.
Seus dedos colocaram uma mecha de cabelo para trás da minha orelha e a as pontas deles desceram pelo meu rosto até meu queixo, levantando-o um pouco. Seus olhos mergulharam dentro dos seus, e tive que puxar o ar com um pouco de força por conta da intensidade que me olhava.
— Por que fez isso? — sua voz baixa perguntou em um tom rouco.
— Porque eu senti vontade de te beijar. — respondi sem desviar o olhar. — Não sei quase nada sobre você, mal sei seu nome, mas quero que isso mude. — disse deixando meus dedos fazerem um carinho de leve em seus fios na nuca. — Eu senti alguma coisa nesse jantar. Conseguiu em apenas duas horas mudar tudo o que achava sobre você.
— , eu não sei se isso é realmente uma boa ideia. — neguei com a cabeça.
— Se você falar que não quer realmente mais me ver, eu vou entrar naquele carro e dar um jeito que isso aconteça. Mas se não é isso que quer de verdade, me fala. — pedi e seus olhos se fecharam, soltando um suspiro pesado.
— Esse é o problema. Quero te ver todas as horas do meu dia. Entende que isso não pode dar certo? Eu te amo, e você não sabe nem quem eu sou. — sua testa encostou na minha, e eu podia sentir a sua dor naquele momento.
— Me faça te conhecer de novo, então. — sussurrei dando um pequeno sorriso. — Não desista de tudo o que viveu comigo só porque não me lembro. — meus dedos se fecharam em seu cabelo e a ponta de meu nariz passou pelo dele. De alguma forma eu me sentia como se estivesse sendo puxada contra ele com força, certamente por algo que ainda existia dentro de mim que não foi esquecido. — Se você quiser, podemos construir momentos novos.
— Podemos fazer companhia um para o outro? Começar como amigos? Não quero que você se sinta forçada a nada por causa do que sinto. — então se afastou um pouco e abriu os olhos.
— Tudo bem. Do jeito que você preferir. — passei a mão em seu pescoço, dando um sorriso, depois mordi meu lábio inferior, já dando uns passos para trás. — Amanhã você tem um almoço para ir.
— Tenho? — ele perguntou rindo um pouco, enquanto colocava as mãos no bolso de sua calça.
— Uhum. Com sua nova amiga. . — pisquei para ele que negou com a cabeça, ainda com um belo sorriso no rosto.
— Onde devo encontrá-la? — quis saber com aquele olhar de curiosidade que ele tinha.
— Ela vem aqui amanhã. Às treze horas. — informei, parando na frente da porta do carro enquanto ele concordava com a cabeça. — Até amanhã, .
— Até. — deu um breve aceno.
Apenas sorri para ele e entrei em meu carro. Minha cabeça ainda doía, mas eu estava em uma euforia incomum naquele momento, então nem ao menos liguei para aquilo. tinha mexido de algum jeito comigo. Um jeito bom que fazia meu peito esquentar. Eu não sabia quem ele era, mas sabia que ele seria uma ótima companhia.
— Ridículo é você estar pensando apenas em si mesma nesse momento! — meu pai rebateu enfurecido comigo. — Você vai sair com o . Não tem discussão, esse foi o acordo!
— Agora eu virei uma vaca e estou sendo usada para barganha. Me poupe. Eu não vou sair com esse cara! Ele é um esnobe, nojento, arrogante e se acha o rei de Nova York! — dei um tapa na minha taça de água, fazendo-a voar contra a parede. — Me mostra onde assinei permitindo que você me vendesse! Me mostra!
— ! — o velho berrou em tom de repreensão. — Você é minha filha, sobrevive com o meu dinheiro, então eu faço o que quiser contigo, a hora que quiser.
— Vocês vão se arrepender amargamente de terem feito isso! — rosnei, apontando o dedo na direção do meu pai, que estava até vermelho de tão irritado por causa daquela discussão. — Com licença, perdi a fome. — joguei meu guardanapo sobre a mesa e levantei.
Minha mãe apenas me olhou e voltou a comer pacificamente, como se nada estivesse acontecendo, enquanto meu pai continuava me olhando totalmente enfurecido. Eu estava me lixando para ele e seus malditos acordos que me envolviam sem a minha permissão. Queria que enfiasse todos eles na bunda, aquilo não tinha o menor cabimento. Estávamos em 2020! Como isso ainda podia estar acontecendo? Não, aquilo só deveria ser um dos meus delírios por causa dos meus remédios fortes de enxaqueca; eles me deixavam dopada e logo eu começava a imaginar coisas.
Assim como aquela conversa que deve ter rolado apenas dentro da minha cabeça. De qualquer forma, não importava. Eu precisava respirar.
Sai da sala de jantar e fui para o jardim. Eu gostava de lá, me fazia pensar melhor do que dentro de quatro paredes. O ar fresco me ajudava a lembrar das coisas, especialmente o cheiro das flores, do mato e da terra.
Sofri um acidente de moto há alguns meses, foi um milagre eu sobreviver. Não me lembro do que houve ou de como aconteceu. Não me lembro de nada, para ser mais exata. Minha vida dali para trás virou um grande nada. Um blackout total. Vez ou outra, eu tinha uns déjà-vus sobre qualquer coisa aleatória, mas de fato lembrar... não, não conseguia. E isso era bem frustrante, além de me deixar frustrada a maior parte do tempo, porque não conseguia entender o que estava rolando ao meu redor. Parecia que tinha sido jogada em uma vida aleatória que não era a minha de fato.
Os médicos falaram que poderia ser passageiro, mas não dava para saber. A única coisa que eu sabia é que a porrada que dei com a cabeça foi forte o suficiente para ter me matado, e o universo quis simplesmente que eu vivesse e não tivesse nenhuma sequela grave. De qualquer forma, eu não me sentia bem. Sabia que deveria estar grata por ainda estar viva, só que pelo jeito eu era uma puta egoísta.
O segurança segurou minha mão para que eu pudesse entrar no iate sem cair na água. Isso me incomodou, porque eu ainda sabia andar sozinha e não era como se meus pés tivessem ficado tortos depois do acidente, ou coisa parecida. Então puxei minha mão, e entrei. Estava de tênis - e não um salto que provavelmente me faria escorregar naquele piso liso; é, eu não tinha me arrumado para ir naquele jantar, jeans justo e preto, com os joelhos rasgados, um vans sk8 hi vinho, e um top no mesmo tom. Quando embarquei, me arrependi por não ter vindo de casaco, pois a brisa do mar estava gelada e me deixava arrepiada.
apareceu com uma roupa social, a camisa era preta com umas estampas que eu não fazia questão de saber quais eram, mas claramente ele tinha problema com os botões dela, porque estavam quase todos abertos deixando seu peito e barriga quase toda a mostra, revelando algumas tatuagens que tinha ali. Rolei meus olhos e olhei para o lado, daqui a pouco iria achar que eu estava secando-o. Seria só o que me faltava para aquela noite ficar ainda melhor.
— Boa noite, senhorita . — disse com um tom de voz baixo, quase rouco.
— Boa noite para quem? Porque para mim que não é. Cadê a comida? Vamos logo com isso para que eu possa ir embora o quanto antes. — rebati, bem grossa mesmo, passando por ele e seguindo pelo lugar procurando onde estava a mesa para me sentar logo. Ouvi um riso fraco dele atrás de mim e isso me fez olhar por cima do ombro. — Certamente está rindo da minha cara de palhaça.
— Não. Não é isso. — comentou me seguindo. — A mesa está lá dentro. Pedi para entrarem com as coisas, está ventando demais.
— Pelo menos tem sensatez em alguma coisa. — murmurei e o segui agora, já que ele passou na minha frente. — Olha, eu não sei que tipo de perturbado você é, mas já vou falar que independente de qualquer contrato ou acordo que tenha feito ao meu pai, não se aplica a mim. Eu não quero estar aqui, e muito menos olhar para a sua cara.
— Você pode ir embora a hora que quiser. Ninguém está aqui apontando uma arma para você, te obrigando a ficar. — respondeu em um tom bem tranquilo, parando na minha frente e me olhando quando chegamos na sala de jantar. — Apenas pedi ao seu pai para que você pudesse jantar comigo, não exigi nada. Não faço ideia do que ele te falou, mas com certeza foi algo totalmente distorcido da realidade. — e agora eu estava com cara de idiota na frente de um dos caras mais ricos de NY. — Mas ainda assim você veio. Seria ótimo se não perdesse a viagem e pudéssemos fazer companhia um ao outro nesse jantar. — prendi meus lábios em uma linha reta. — Ele já vai ser servido. Garanto que não irei levar muito tempo da sua noite.
Não falei nada, porque eu estava fazendo um belo papel de idiota naquele momento. Apenas andei até a mesa e me sentei em uma das duas cadeiras que tinha ali. Aqueles infinitos talheres, pratos e copos... Dei graças a Deus naquele momento por minha mãe ter me ensinado a usar tudo de novo, porque juro que não entendia para que tudo aquilo se só precisava de um garfo, uma faca e um prato para comer tudo.
Lambi meus lábios, claramente nervosa com aquela situação. se sentou e fez um sinal com a mão, e um homem se aproximou para saber o que seu patrão queria. Olhei pela janela que tinha ao meu lado, vendo a cidade iluminada do outro lado da baía. Era bonita a paisagem.
— Senhorita, . — me chamou. Estava me incomodando ele me chamar daquela forma, mas não falei nada, apenas o olhei. — O que deseja beber?
— Qualquer coisa. — respondi, dando de ombros, vendo que não se agradou da minha resposta.
— Vamos fazer assim. Você me fala o que quer beber e eu te digo o que estou pensando. — franzi meus lábios com aquilo, pensando em dizer que não me interessava em seus pensamentos, mas ele estava sendo extremamente educado comigo, e isso me faria parecer ainda mais idiota do que já estava sendo.
— Pode ser água com gás. Estou tomando remédio de enxaqueca. — não sabia porque tinha me justificado, não era do seu interesse saber algo do tipo.
— Pode trazer uma água gás para ela, e para mim um Domaine Leroy Richebourg, por favor. — seu tom de voz era tão baixo que mal lhe ouvi falando com o maitre que acenou com a cabeça e saiu. — Está com enxaqueca no momento? — sua pergunta fez meus olhos desviarem.
— Ainda não. — ressaltei, porque ela vinha geralmente do nada, e isso fazia meu humor ficar ainda pior do que de costume. — No que está pensando? — tentei começar uma conversa, para não ser algo totalmente entediante na próxima hora que teria que passar com .
— Em você. — sorriu de leve. — Pensei que conseguiria me conter quando te visse, mas é difícil quando o ar simplesmente faltou quando você entrou nesse iate. — uni minhas sobrancelhas com aquilo. Ele me conhecia.
— O que você era meu? — perguntei logo, odiava ficar prolongando as coisas.
— Noivo. — meus olhos se arregalaram naquele momento.
Não deu tempo para que eu falasse nada, porque o maitre chegou servindo a minha água e o vinho de . Eu ainda estava processando aquela informação enquanto bebia minha água, sentindo os olhos do homem à minha frente fixos em minhas reações. Coloquei meu copo sobre a mesa e juntei meus lábios em um bico.
— E por que eu só estou sabendo agora que tinha um noivo? Depois de cinco meses. — questionei tentando achar o que estava errado nisso.
— Porque nós terminamos na noite que você sofreu o acidente. — falou de uma forma triste, e de alguma forma aquilo fez meu coração ficar apertado. — Me senti culpado. Achei que fosse melhor ficar longe, mesmo que você fosse meu paraíso, a única que acabava com minhas noites solitárias. — ele fechou seus olhos e quando os abriu, olhou pela janela. Não sabia bem como reagir naquele momento. — Eu te visitei no hospital enquanto estava em coma. Ia todos os dias e ficava lá te olhando pelo vidro, mas no dia que acordou e me falaram que não se lembrava de nada, percebi que talvez fosse melhor assim. — se levantou e caminhou até uma mesa de canto onde tinha várias coisas, pegando algo em cima dela, então voltou estendendo um porta-retrato em minha direção. Era uma foto nossa sorrindo com nossos rostos colados um no outro, estávamos sujos de pó colorido. Meus olhos encaravam aquilo e eu podia ver nitidamente o quanto estávamos felizes. Aquilo me incomodou um pouco. — Isso foi na nossa festa de noivado.
— Porque terminamos? — levei meus olhos até , lhe devolvendo o porta-retrato. Ele deu de ombros voltando a colocar o objeto no lugar. — O que houve? Me fala.
— Você se apaixonou por outro. Isso foi o que houve. — ele ainda não olhava para mim, mas eu sentia em seu tom de voz que aquilo doía. — Você foi até meu apartamento a noite e terminou comigo, disse que gostava de outra pessoa. Nós brigamos feio por causa disso. Falei que nunca mais queria te ver, que era para você sumir da minha vida… bem, foi basicamente isso que aconteceu depois. — meu olhar caiu e meu peito se apertou por causa das suas palavras; elas carregavam uma mágoa enorme, não tinha como ele estar mentindo. — Tentei te esquecer, mas é difícil quando passamos tanto tempo juntos. Sinto sua falta todos os dias. — voltou até a mesa e pegou sua taça de vinho, dando um gole. — Pensei várias vezes em como seria te reencontrar. O que falaria. O que deveria fazer. Se deveria te conquistar de novo. Mas parece que nada faz muito sentido agora, então achei melhor falar logo a verdade do motivo de você estar aqui.
— Não faz mais sentido porque eu não te olho como se estivesse apaixonada, porque para mim você é um esnobe cheio de dinheiro. — falei tentando não ser grosseira. — De qualquer forma, eu sinto muito. — apenas balançou a cabeça se sentando novamente e bebendo seu vinho. — Tudo o que sei sobre você é o que as pessoas falam e o que tem nas redes sociais. — tentei justificar o motivo daquele meu comportamento. — Quando meu pai disse que teria que jantar contigo, porque vocês eram sócios e que tinha pedido por isso, eu surtei achando que estava querendo me comprar.
— Se fosse fácil assim... nem toda a fortuna do mundo seria capaz de te comprar. Deveria ter feito o convite formalmente, mas sabia que não iria aceitar também. — concordei com a cabeça e ele riu fraco. — Se quiser ir, pode ficar à vontade.
— Não. A água com gás está gostosa. — falei pegando o copo e dando um gole, deixando um pequeno sorriso vir em meus lábios. — Certamente eu fiz besteira em terminar contigo. — comentei, atraindo seu olhar para meu rosto no mesmo instante.
— Por que acha isso? — podia ver curiosidade em seus olhos.
— Porque seja lá por quem eu estava apaixonada, certamente não era recíproco. A pessoa não me procurou, e eu não faço ideia de quem seja. — dei de ombros, fazendo uma careta. — Pelo menos você está tentando agora. E sua companhia não me parece ser tão ruim assim. — isso lhe tirou um riso fraco, me fazendo sorrir um pouco mais.
— Seria muito egoísta da minha parte estar feliz por isso? — aquilo tirou uma pequena risada de nós dois, e seus olhos brilharam um pouco enquanto neguei com a cabeça. — É bom rir com você novamente. Senti saudades do som da sua risada.
— Está tentando flertar comigo nesse momento, ? — ergui uma sobrancelha em um ar divertido.
— Não. Estou apenas falando a verdade. Quando flerto é diferente. — piscou um olho em minha direção com um sorriso de lado.
Então o jantar foi servido. E no meio dele nós conversamos bastante, demos muitas risadas das coisas que me contava sobre alguns momentos nossos. Pelo ponto de vista dele, achei que ficávamos perfeitos juntos. Éramos a companhia perfeita um do outro. De fato parecia que éramos realmente apaixonados, e eu sentia que me amava apenas pela forma que me olhava. Isso me incomodava um pouco as vezes, mas pelo menos ele estava sendo sincero comigo.
— Eu preciso ir. Minha cabeça está começando a doer. — falei de forma triste, dando um pequeno sorriso. — Talvez possamos manter contato? — perguntei o encarando.
— Não sei se isso vai funcionar muito bem. — ele virou o rosto, encarando o mar pela janela.
— Entendo. — realmente entendia ele. Tinha muitos sentimentos envolvidos naquilo. — De qualquer forma, saiba que gostei bastante da sua companhia essa noite. Espero poder te ver outra vez. — contei dando um pequeno sorriso e me olhou; seu olhar tinha um misto de coisas que eu não sabia decifrar.
— Agradeça ao seu pai por ter feito o convite mesmo que de forma errada. — concordei com a cabeça, rindo um pouco. — Obrigado pela noite. Você foi uma ótima companhia. — ele me deu um belo sorriso. — Com certeza nos veremos nos eventos sociais. — sorri fechado para ele, entendo o que quis dizer com aquilo.
— Vou agradecer nada. Ele me fez achar um monte de merda. — virei o rosto que nem uma criança fazendo pirraça, tirando uma risada gostosa de . — Por nada. — sorri fechado e depois concordei com a cabeça sobre os eventos sociais.
me acompanhou até a beira da lancha, e eu pulei para fora ignorando o segurança que tentou me ajudar. Apenas ouvi uma risada do que me fez rir. Ele saiu também e foi comigo até meu carro, então parou e ficou me olhando. Tirei a chave do bolso desarmando o Mercedes e já estava pronta para entrar quando parei, segurando a porta. Umedeci meus lábios e mordi a ponta da minha língua. Respirei profundamente, então me virei, dando uns passos rápidos até . Fiquei na ponta de meus pés e segurei sua nuca, o puxando um pouco para baixo, e deixei meus lábios tocarem nos seus em um selinho apertado. Logo seus lábios passaram sobre os meus, e sua língua tomou a minha boca na mesma proporção que a minha fez com a dele. Eu podia sentir a saudade na forma como me beijava, e retribui sentindo a mesma coisa. Era como se eu realmente conhecesse aqueles lábios minha vida inteira. Suas mãos envolveram minha cintura, me puxando para mais perto, e meus braços abraçaram seu pescoço, o puxando um pouco para baixo. Nos beijamos até que minha cabeça começou a doer um pouco mais e tive que me afastar. Realmente precisava ir embora para tomar meus remédios.
Seus dedos colocaram uma mecha de cabelo para trás da minha orelha e a as pontas deles desceram pelo meu rosto até meu queixo, levantando-o um pouco. Seus olhos mergulharam dentro dos seus, e tive que puxar o ar com um pouco de força por conta da intensidade que me olhava.
— Por que fez isso? — sua voz baixa perguntou em um tom rouco.
— Porque eu senti vontade de te beijar. — respondi sem desviar o olhar. — Não sei quase nada sobre você, mal sei seu nome, mas quero que isso mude. — disse deixando meus dedos fazerem um carinho de leve em seus fios na nuca. — Eu senti alguma coisa nesse jantar. Conseguiu em apenas duas horas mudar tudo o que achava sobre você.
— , eu não sei se isso é realmente uma boa ideia. — neguei com a cabeça.
— Se você falar que não quer realmente mais me ver, eu vou entrar naquele carro e dar um jeito que isso aconteça. Mas se não é isso que quer de verdade, me fala. — pedi e seus olhos se fecharam, soltando um suspiro pesado.
— Esse é o problema. Quero te ver todas as horas do meu dia. Entende que isso não pode dar certo? Eu te amo, e você não sabe nem quem eu sou. — sua testa encostou na minha, e eu podia sentir a sua dor naquele momento.
— Me faça te conhecer de novo, então. — sussurrei dando um pequeno sorriso. — Não desista de tudo o que viveu comigo só porque não me lembro. — meus dedos se fecharam em seu cabelo e a ponta de meu nariz passou pelo dele. De alguma forma eu me sentia como se estivesse sendo puxada contra ele com força, certamente por algo que ainda existia dentro de mim que não foi esquecido. — Se você quiser, podemos construir momentos novos.
— Podemos fazer companhia um para o outro? Começar como amigos? Não quero que você se sinta forçada a nada por causa do que sinto. — então se afastou um pouco e abriu os olhos.
— Tudo bem. Do jeito que você preferir. — passei a mão em seu pescoço, dando um sorriso, depois mordi meu lábio inferior, já dando uns passos para trás. — Amanhã você tem um almoço para ir.
— Tenho? — ele perguntou rindo um pouco, enquanto colocava as mãos no bolso de sua calça.
— Uhum. Com sua nova amiga. . — pisquei para ele que negou com a cabeça, ainda com um belo sorriso no rosto.
— Onde devo encontrá-la? — quis saber com aquele olhar de curiosidade que ele tinha.
— Ela vem aqui amanhã. Às treze horas. — informei, parando na frente da porta do carro enquanto ele concordava com a cabeça. — Até amanhã, .
— Até. — deu um breve aceno.
Apenas sorri para ele e entrei em meu carro. Minha cabeça ainda doía, mas eu estava em uma euforia incomum naquele momento, então nem ao menos liguei para aquilo. tinha mexido de algum jeito comigo. Um jeito bom que fazia meu peito esquentar. Eu não sabia quem ele era, mas sabia que ele seria uma ótima companhia.
Fim
Nota da autora: Dessa vez a fic veio curtinha. Espero que tenha gostado. Me falem o que acharam. Beijos. Até a próxima.
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