Fanfic Finalizada

Capítulo Único


No momento em que meus olhos pousaram naquele briefing do novo cliente da construtora, meus olhos brilharam. Criar bons projetos e encontrar saídas inteligentes dentro do ramo da arquitetura e construção era parte do meu trabalho, mas a conexão e a inspiração mais pura que acontecia com um só olhar era raro e aquela proposta era simplesmente a minha galinha dos ovos de ouro. Eu queria aquela responsabilidade para mim, todas as necessidades apresentadas pelos clientes se mesclam perfeitamente com os meus ideais pessoais e profissionais.
Obviamente, por ser uma construtora, não havia apenas eu no páreo. e eram tão profissionais quanto eu e os três tinham praticamente o mesmo tempo de casa, a segunda mencionada tendo vários asteriscos acompanhados do nome pelo fato de ter mais um tópico importantíssimo de mencionar no currículo: era a irmã caçula de um dos diretores. Odiava o puxa-saquismo exacerbado para cima dela. Não era burra de ir para bater de frente, apenas mantinha a cordialidade e o respeito que carregava de berço. Foi nessa ideia de consideração que cedi a vez para que ela selecionasse, dentre os três contratos novos apresentados pelos superiores, aquele que preferia trabalhar, sob os dedos cruzados de que a minha galinha dos ovos fosse poupada.
— Pode começar escolhendo, ! Estarei confortável trabalhando com qualquer um deles.
Nesse dia, o cara lá de cima parecia estar do meu lado.
Eu tinha o contrato que fazia meus olhos brilharem em mãos e… Entregaria a eles o projeto perfeito.
O ritmo no trabalho sempre foi frenético. Nós que participamos do desenvolvimento inicial e dos estudos das plantas baixas éramos a base da pirâmide: sem uma entrega aprovada nossa, não havia liberação de documentação para a obra, sem documentação não havia serviço para distribuir e sem serviço os peões da construção não tinham para onde ir, mas precisavam estar em algum lugar e isso custava dinheiro. Mão de obra parada era caríssima. Por isso, os prazos que chegavam do escritório sempre soavam como “Para o quanto antes, preferência para ontem”.
— Tudo certo, ? — um dos diretores apareceu para fazer a “ronda” do dia. Apelidava assim, pois eram quatro sócios: dois nunca apareciam, um deles era o irmão de e o último era esse: o que mais tentava se fazer presente passando na mesa de todo mundo uma vez por dia e também atormentar a minha vida.
— Tudo certo. — ofereci um sorriso forçado e um erguer do polegar.
— Se precisar de mais tempo, me avise, por favor. Quer me mostrar os avanços?
— Ah, não. Por enquanto, não.
Simples assim.
Mantinha a relação ideal que deveria ter uma subordinada e seu superior. Raramente concordamos em alguma tomada de decisão, mas estávamos aprendendo a viver em sociedade. Senti vontade de rir com o pensamento. Quase sempre discutimos por algo e nos piores dias um mal olhava para a cara do outro. O porquê de ainda não ter sido demitida era algo a se pensar.
— Não acha melhor repassarmos a apresentação juntos antes da reunião?
— Podemos, só que agora ainda não fechei tudo que imaginei. Está tudo sob controle. Chamarei quando estiver tudo encaminhado.
— Assim espero. — recebi um olhar duvidoso.
— Sabe que eu chamo de verdade, . E no fim, dá tudo certo.
— Tem que parar de contar tanto com a sorte.
— Aqui é só talento. — arrisquei colocando um pouco de humor na conversa — Mas se a sorte estiver do nosso lado, por que não usar, não é mesmo?
Ele gargalhou.
— Foca, mulher.
As mídias exibidas no monitor começaram a ficar borradas. Minhas pálpebras pesavam e tinha certeza de que as bolsas abaixo dos meus olhos deveriam estar tão fundas que se fossem minas, nenhum minerador precisaria mais cavar.
— Ainda está aí, ? — passava com a bolsa nos ombros em direção à saída.
— Não é por querer, acredite! — estava enfezada, mas não por culpa dela. Ver as pessoas se levantando e indo embora enquanto entardecia e eu ainda tinha muito pela frente me deixava assim. Era só os olhos correrem para a pequena lista escrita no bloco ao lado do meu teclado. Haviam muitos itens que gostaria de riscar antes de ir para casa.
— Lembre-se do que sempre fala quando vê alguém fazendo horas extras à toa, amiga. — suspirei — Precisa de ajuda em algo? — neguei — É o projeto grande? — concordo.
— O trabalho nunca acaba. — suspirei parafraseando eu mesma em outras ocasiões — Mesmo que adiante tudo agora, chegando amanhã haverão outros serviços. — rolei os olhos.
— Isso aí, garota! Vamos embora?
Balanço a cabeça antes de responder:
— Quero fechar umas coisas antes.
— Então, até amanhã. — reforçou as alças contra o ombro — Tchau, .
— Tchau, tchau! — acenei de forma estabanada — Se cuide.

[...]


Teria uma semana para apresentar um rascunho do conceito do empreendimento. Depois, uma semana para podar a ideia, caso aprovada, e torná-la viável. Depois seriam duas semanas mais no cronograma para fechar o projeto com todos os detalhes possíveis para enviar a documentação à prefeitura para iniciarmos os trâmites a fim de obter a certidão de construção. Seria um mês insano onde precisaríamos rebolar para dar conta do que chegou juntamente com todos os outros contratos que já estavam em vigor.
— Eles estão nos testando. — denunciou enquanto girava na própria cadeira com rodinhas — Não é apenas para ver o nosso grau de comprometimento e responsabilidade. Há uma cadeira vaga no time da Coordenação e eles estão passando sufoco sem nenhum substituto até o momento.
— Estamos sendo cotados para a vaga. — concluiu .
Qualquer um do trio poderia, bastaria entender qual era o perfil que os chefes mais precisavam. era o mais técnico e engessado dos três. Ótimo com cronogramas, sempre entregava tudo que pediam, nem mais ou menos, somente o solicitado e sem falhas. era reconhecida pelo estilo mais clássico acompanhado de uma estética minimalista e atual, carregando consigo a bagagem cultural dos vários intercâmbios que usava de argumento para convencer os clientes a aceitar de primeira o que propunha. Eu queria o ouro, mas não estava com tanta sede ao pote. No momento, estava feliz e confortável no lugar que me encontrava.
— Como está o andamento dos projetos de vocês? — inquiri com os olhos reluzindo a curiosidade.
— Tudo dentro do planejado. — conforme o esperado do gênio . Vi ele escorregar um pouco no assento, depositando a cabeça no apoio — Mas eu e a equipe de engenharia levamos uma mijada dos fornecedores em uma reunião de outro trabalho que aceitamos fora do estado.
— Jura? — se aproximou ainda mais para se inteirar da fofoca, com os orbes levemente arregalados.
— Sério. — confirmou aparentemente cansado, mirando as luminárias do teto — Falha de comunicação entre eles e os chefes que não nos foi repassado.
— Então, a culpa não é de vocês. Não é sua. — relatei o óbvio.
— Eu sei, mas foi um saco. Foram quase duas horas naquela sala ouvindo puxão de orelha de uma coisa que entendemos desde o princípio. Uma vergonha.
— Está recebendo pouco por tanta humilhação, ein… — zombei. A folha de pagamento alheia não me era de interesse e nem tinha conhecimento, mas a piada de pedir um aumento sempre estava por aí, rondando-nos na primeira dificuldade passada.
— Estou mesmo. — ele concordou fazendo bico — Fala sério, sei que é sua família, , mas aqui vocês não são irmãos.
— Relaxa, bobo! — mais um giro dela na cadeira — Se soubessem o quanto eu ganho é que ficariam pasmos. Então, posso considerar que estão interessados no cargo da coordenação? — arqueou as sobrancelhas.
— Não necessariamente. — retruquei — Mais dinheiro. — fiz uma cara de quem amava — Mas também mais responsabilidades. — simulei um rosto de tragédia e desespero — EU… — frisei bem — Não sei se está compensando no momento.
Eles riram.
— Querem ver como está o andamento das coisas que estou tocando? — ofereceu de repente, endireitando a própria postura sobre a cadeira.

[...]


A reunião marcada com os clientes havia sido cancelada, mas os prazos ainda estavam correndo. Ao invés de conversarmos todos em um mesmo local para acertar o que ainda não estava no gosto deles, preferiram que enviássemos o material para que analisassem e quando pudessem retornassem com as correções.
O dia chegou.
Uma pilha de papéis para cada um. Era ridículo reparar, contudo eu não podia evitar: estava escancarado que o meu pacote era o mais grosso. Logo, a que mais teria apontamentos.
— Não tivemos essa reunião inicial por um contratempo deles, mas fiz questão de marcarmos uma visita deles aqui para a próxima etapa.
— Que bom, precisa, né? — comentou.
— Quando finalizarem os ajustes solicitados nos documentos, me deem um toque para que possa analisar minha agenda e marcamos a reunião. , olhei o que entregou e analisei os apontamentos deles. Discordo de muita coisa que levantaram sobre seu projeto,, conversamos melhor depois, mas infelizmente pegou um dos empreendimentos mais chatos de se lidar.
Olhando para o lado, só identifiquei meu colega fingindo uma absurda empolgação. Ri.
— Nem esperava que passasse de primeira, chefe. — acrescentou — Eles são muito chatos e alguns dos pedidos não fazem sentido, atrapalham mais do que ajuda a construção.
— Sabemos, cara. Vamos ver como equilibramos as vontades deles com a nossa sensatez. — piscou — Se precisar, ligo pessoalmente para falar com o cabeça de lá e explicar.
— Pode ser.
, bom trabalho. Pelo que olhei por cima, eles não tinham muito para comentar da sua proposta. — ela comemorou — Nem para o mal e nem para o bem. — paralisou — Eles acham que… — torceu a boca procurando palavras — O briefing está sendo atendido, mas…
— Mas…? — instigou.
— Falta o diferencial. Algo que destaque o projeto dos demais e o faça ser lembrado na cabeça das pessoas. Separei algumas referências que podemos olhar juntos e alguns livros na minha sala para que possa se inspirar e buscar saídas.
— Está bem.
… — soltou o ar com força pelo nariz.
— Manda… — respirei fundo.
— Eles acharam o conceito perfeito. — por mais que tivesse tentando me manter neutra, minha boca não obedecia e só senti o sorriso crescer — A proposta está redondinha para o que imaginavam. — meu peito se encheu de orgulho, sabia que havia mirado certo no instante que os olhos bateram naquela proposta recebida — Ficaram tão empolgados que adiantaram que há outros contratos vindo por aí e querem fechar todos os prédios com o mesmo formato para o conceito que criou.
— Que ótimo! — coloquei a mão sobre o peito aliviada, trabalho nos próximos meses teria, teria algo para me assegurar de que se cometesse deslizes, seria poupada até o tolerável, porque precisam de mim.
— Estão ansiosos para ver como irá se desdobrar o conceito sobre a construção. É claro que apesar de terem gostado bastante, você também tem ajustes para fazer, pouca coisa para se adequar aos padrões da organização.
— Sem problemas.
— Estão dispensados. Conversamos mais individualmente depois?
Depois desse retorno incrível, eu só sabia ver arco-íris em todos os cantos. Como a vida era bela.
— Parabéns, garota! — se aproximou — Me mostra o que fez para o cliente?
— Mostro! — empolguei-me — Não é nada que não faria, se houver críticas, faça com jeitinho, por favor. — crispei os lábios.
era conhecido na empresa por ser metódico. Grande parte das situações que argumentava com alguém, não era necessariamente porque havia um lado errado, ele só era muito apegado no próprio estilo e processos. Embora caminhássemos para o mesmo objetivo, seguir por caminhos diferentes soava difícil de aceitar para ele. Considerava-o muito superior na expertise técnica, então ficava ansiosa pelo olhar analítico.
— Duvido que direi algo. Sempre conversamos sobre isso. Valoriza o seu trabalho, . O que você faz, ninguém nessa empresa faz igual.
Balancei a cabeça, encabulada com o pequeno elogio.
— Posso ver também? — surgiu entre nós.
Concordei feliz. Dos prazeres que nutria na vida, um deles era o que estava prestes a fazer: explicar o trabalho que tanto tive e gostei de fazer para chegar naquele resultado. Simplesmente amaria ter a oportunidade de explicar detalhe por detalhe do conceito para pessoas que estavam dispostas a ouvir e entendiam, pois também eram da área.

[...]


Olhei para os lados várias vezes.
O setor parecia tão vazio hoje. Franzi o cenho. Onde estaria todo mundo? Será que combinaram de atrasar hoje, pois era o dia da grande reunião? Estariam em casa poupando saúde mental e energia? Muito lindo, só esqueceram de me incluir, analisei chateada e não pude evitar de rir sozinha, concluindo que era uma besta.
Suposições. Apenas suposições.
Como se sentisse que estava em meus pensamentos, meu celular vibrou, exibindo o nome que buscava evitar o máximo que podia. .
— Alô?
— Onde você está?
— Ué, na empresa, bom dia?
— Bom dia. — ouvi um limpar de garganta no outro lado da linha — Quanto tempo demora para chegar ainda?
— Como assim?
— A reunião, . A reunião que marcamos na construtora do cliente. Estou com e na entrada te aguardando.
Pânico.
— O quê? Mas falta mais de uma hora para a reuni…
— Ela foi adiantada, pelo amor… — o tom denunciava a impaciência.
— Como é… — desesperei-me, levantando de repente, sem saber ao certo para onde correr — Pode me mandar o endereço? Estarei disparando até aí.
A seguir, simplesmente desligou na minha cara.
Uma nova mensagem com as coordenadas cheguei. Não tinha carro. Transporte público estava fora de questão pelo caráter de urgência do momento. Uber. Com os dedos trêmulos abri o aplicativo. Nesse meio tempo, outra mensagem pipocou na parte superior da tela: “Quanto tempo?”
Chequei a previsão do aplicativo. Vinte minutos. Engoli seco. Não seria muito abuso segurar a todos, incluindo o cliente e principalmente o cliente só por minha causa? Passei as mãos no rosto nervosamente. pareceu mais uma vez ler os meus pensamentos. Assim que compartilhei a previsão, ele enviou um áudio.
— Esqueça, . Pode deixar que assumimos daqui.
— Tem certeza? — repliquei em uma nova ligação, escondendo o tom de choro pelo fracasso que começava a bater — Posso ligar alguma máquina daqui a fazemos a distância e…
— Respira. — ele foi curto — Relaxa, . Assumimos daqui. — por incrível que pareça, o tom não parecia enfurecido como imaginei — Fica tranquila. Mais tarde conversamos melhor. garantiu que consegue assumir sua parte. Até mais tarde.
Ele disse “”?
— Tudo bem! Estarei encaminhando a seguir os pontos principais para que possam debater com os clientes.
Foi andando de um lado para o outro da entrada do prédio da empresa que enviei uma dezena de áudios pontuando os detalhes mais importantes que deveriam chegar aos ouvidos dos clientes para que minhas ideias fossem compradas.
Um hora.
Uma hora e meia.
Nada deles retornarem.
Faz tempo que não ficava tão confusa e aflita com o trabalho. Aproveitei a ausência deles para tirar algumas dúvidas com a secretária.
— Foi uma alteração de última hora. sugeriu te ligar para que se encontrassem lá, mas assegurou que não era profissional te atrapalhar em horário fora do expediente. Garantiu que ela mesma enviava o comunicado para todos os envolvidos.
Pressionei um lábio contra o outro sem perceber.

[...]


Antes que pudesse falar qualquer coisa para me justificar, não desculpar, pois toda a situação não foi ocasionada por mim, me cortava antes mesmo de ousar abrir a boca.
— Atrasos acontecem. Imprevistos assim também. Que bom que teve tempo de nos avisar. Conseguimos criar uma outra estratégia lá rapidamente.
— Mas…
— Deu tudo certo, . Está tudo bem.
Só pela entonação dava para entender que não era bem assim. Já disse que os meus chefes sabiam mentir e dissimular muito bem? Agora era um caso. Ainda que não falassem nada, o estranhamento e a desconfiança no ar estavam quase palpáveis.
nos surpreendeu bastante hoje, assumindo sua apresentação.
— Conversamos bastante entre a gente nos períodos mais tranquilos de entregas e fechamentos. Todos mostramos os trabalhos uns aos outros, não me surpreende que ela sabia.
— Os outros sócios pediram para que ela te acompanhasse nesse processo até o fim. — tinha plena certeza de que a cara que havia feito não era das mais belas, a verdade era que não era intenção escondê-la em nenhum momento. Deveria estar tão emburrada que essa foi uma das raras vezes que vi meu chefe se justificar para mim — Continuará sendo a autora do projeto, mas acharam que poderia ter uma sobrecarga pelos contratos que ainda vamos fechar. Querem se prevenir para caso um episódio como o de hoje venha a se repetir, as informações não estejam centralizadas em uma só cabeça.

[...]


Eu estava possessa.
Caralho!
Que merda!
Filhos da puta!
— Poxa, eu não tinha ideia! — alegava em meio a sorrisos incontidos, a desgraçada mal conseguia disfarçar — Não tinha ideia de que não te avisaram. De verdade, , estou muito surpresa que não tenham comentado sobre a mudança de horário da reunião nesse meio tempo. Os clientes pediram para atrasar a reunião, mas como já fizeram isso na primeira vez, optamos por adiantar para ter mais garantia. Até mandei um e-mail com a alteração do horário para todos. Sei que jamais desgruda os olhos da caixa de entrada.
— De qualquer forma, conseguimos apresentar suas ideias apesar do atraso. — consolou distraidamente, sem desviar os olhos da própria tela — Ih, esquece, . O endereço da é o único que não está em cópia.
— Ué? O que pode ter acontecido?
Duvidava muito que tivessem falado da forma como eu falaria, de como todos os mínimos detalhes do conceito estavam entrelaçados entre si. Duvidava que o conceito tenha sido defendido com unhas e dentes para ser como era no momento que levantaram questionamentos.
— Acredito em karma. Teria, eu, jogado pedra em cruz? — disse a encarando fixamente de volta — Para tudo que fazemos, a vida cobra uma hora.

[...]


— Parabéns, ! Não é por ser minha irmã, não. Sempre buscamos trazer um tratamento igualitário entre todos com a mesma carga de responsabilidade dentro da hierarquia, sem favoritismos, mas nessas últimas semanas nos surpreendeu de uma forma muito positiva. O cumprimento dos prazos, a satisfação dos clientes e principalmente o domínio sobre os variados temas que rondam este escritório. É esse perfil profissional que é esperado e cobrado de vocês e assim como está no meu sangue, vimos no seu, . Parabéns mais uma vez pela promoção e entrada no time de coordenação da construtora.
Cu.
Parabéns.
Estava farta de ouvir essa palavra nessas últimas horas.
Estava parecendo uma vadia invejosa, mas no máximo era só uma vadia rancorosa.
A maneira como levei uma rasteira em plena luz do dia não me permitiria dormir em paz por muito tempo. A frustração de praticamente ter corrido um campo de futebol inteiro, ultrapassado todos os adversários e estar com a bola do jogo em frente ao travessão sem goleiro e mesmo assim perder a bola.
Eu passava mais tempo no trabalho do que em casa, via mais as pessoas na empresa do que minha família, por isso era difícil engolir quando me jogavam o papo de que o trabalho era trabalho e as amizades deveriam ser a parte. Não me entrava na cabeça de que não deveria buscar envolvimento ou criar consideração pelas pessoas com quem passava a maior parte dos meus dias. Quer dizer, somos humanos… Não existimos para isso?
Eu os ajudo e eles me ajudam, todos crescem juntos, não é essa a premissa?
No momento que terminou de receber os cumprimentos da diretoria, veio tão saltitante até nós que acreditei que ela voaria em instantes.
— Eu não acredito nisso! — exasperava eufórica.
— Parabéns, ! — a parabenizou, sincero, batendo palmas.
— Parabéns mesmo, amiga. — dei um sorriso fino, sem exibir os dentes. — Não consigo entender o que não consegue acreditar. A promoção é sua. Só você sabe o que precisou fazer para chegar onde está agora. — semicerro os olhos sem deixar o sorriso morrer ainda, esperando que esteja entendendo o peso que estou atribuindo às palavras — Pode encostar a cabeça no travesseiro hoje e dormir em paz, porque o que é seu está guardado.
— Obrigada, queridos! Torcendo muito pelo momento de vocês. Espero que esteja muito próximo. — apesar de encarar demoradamente, as expressões dela mal vacilavam com as indiretas. Tão fria. A realidade é que ela estava cuidando do dela e cagando para os outros.
limpou a garganta de forma tão grotesca que fez a nossa conexão se quebrar. Rapidamente, mandou-me um olhar de quem dizia ‘Se comporta!”.
Um erro que assumo que cometi foi ter desabafado com ele a respeito das minhas deduções e frustrações. Racional como era, após ouvir todo o relato, concluiu que eu estava indo longe demais.

O mundo é assim. Um dia é da caça, outro do caçador e a gente luta constantemente para estar no melhor lado.

Arrependi-me de ter contado. Não porque não obtive apoio, é só que naquela altura do campeonato havia ficado complicado confiar nas pessoas. E se tivesse ajudado com a manobra de ? E se ele não fez isso, mas decidiu que iria repassar minhas suspeitas?
— Espero que esteja certa, ! De qualquer forma, mais uma vez: parabéns.


Fim



Nota da autora: Sem nota.

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