06. Everything Sucks

Última atualização: 29/06/2017

Capítulo Único

13° Dia

Mais a porra de um dia havia começado, o décimo terceiro dia infernal pra ser exato. Fingi acordar com o despertador, mas a verdade é que desde que tudo começou, ou acabou, parecia que não dormia e sim só fecho os olhos por meros segundos, apenas os abrindo no toque do despertador como se fosse a minha deixa... 8:00 AM... No meio das férias ninguém deveria acordar a essa hora, mas eu também deveria estar aproveitando a vida farreando com os amigos, então foda-se. Procurei meu celular na cama e me surpreendi, nenhuma mensagem dos meus amigos.
- Talvez eles estejam começando a entender. – assumi para mim mesmo em voz alta – Ou a desistir.
Os evitava desde que ela foi embora... Há trezes dias... Só acho que não deveria estar contando os dias, mas era simplesmente tão involuntário quanto respirar, é como se eu estivesse esperando que a qualquer momento um apresentador idiota com cabelo lambido e terno colorido aparecesse pra revelar que tudo não passava de uma pegadinha. As pessoas ao meu redor tentavam me ajudar, só que elas não entendiam, mesmo que sempre falassem que sim, pois não sentiram o que eu senti e até as que chegam mais próximo disso não conseguem me ajudar. Foi um tipo de confirmação de que tudo era real e sem nenhuma possibilidade de remédio, nem pra amenizar. Meus pais se prontificavam de ir ao meu quarto pelo menos uma vez por dia checar se eu ainda estava vivo e pôr algum prato de comida em qualquer superfície que tivesse espaço, como o sanduíche de peru com pão integral que minha mãe deixou na minha escrivaninha no dia anterior, pelo qual eu passei direto à caminho do banheiro do meu quarto. Mesmo não tendo a mínima vontade de tomar banho, eu me esforçava em fazê-lo pra me manter minimamente humano. No início era mais para chorar minhas lágrimas intermináveis, mas acho que depois elas ficaram presas em mim, pois ainda sentia a mesma dor, a mesma desde que ela havia entregado aquela carta dizendo "Sinto muito se tô te magoando agora, mas também não seria certo casar com você sem te amar do jeito que você me ama" e entrado naquele táxi... A única diferença é que as lágrimas simplesmente não saiam mais àquela altura.
A água do chuveiro escorria pela minha pele como se não conseguisse me lavar, ainda me sentia sujo, vazio, um vácuo ambulante. Depois de um tempo só desisti da ideia de que o banho iria me fazer sentir melhor e saí de lá, pegando qualquer roupa no cesto que minha mãe deixou do lado da porta em algum momento que nem recordo mais. Vesti uma camiseta branca e lembrei-me de tê-la usado pela última vez com ela, no cinema. Estava tão cansada com as coisas do baile, jogos e provas finais que acabou dormindo no meu ombro no meio do filme. Claro que não era o cheiro dela, era o amaciante preferido da minha mãe, mas eu posso jurar que senti o seu perfume, floral e amadeirado, atípico para as mulheres que, no entanto, combinava perfeitamente com ela... Tudo me lembrava ela, mesmo que eu já tivesse quebrado e jogado suas coisas fora, parecia que tudo ao redor estava com a sua essência impregnada.
- É só coisa da minha cabeça.
Tentei ignorar, juro que sim, no entanto, como em todos os outros momentos dos últimos dias, ela não me saiu da cabeça. Acabei de me vestir e fui olhar pela janela, parecia ter muito mais luz do que o necessário dentro do quarto; Foi quando percebi que era O Dia, um daqueles raros onde Oregon não parece ser uma cidade do Alasca, com o céu limpo, a luz do sol invadindo todos os cantos e a sensação de calor espalhada pelo ar. É quase um delito você não sair de casa nesses dias. Vi a vizinha correndo pela rua e como senti falta do esporte, de me exercitar, de correr pelo campo de futebol sentindo o meu coração bater a mil, de me sentir vivo... Este era um dia perfeito demais pra se deixar passar como se não fosse nada e já fazia tanto tempo que eu não fazia algo além de jogar videogames e assistir televisão que comecei a considerar sair, até escutar batidas na porta de meu quarto.
- Filho, seu pai já foi trabalhar e eu acho que você poderia levar o seu carro pra lavar, posso fazer um lanche antes de ir. Hoje parece ser um bom dia pra isso e você não sai de casa há duas semanas.
- Treze dias, na verdade – Ainda estava de costas para ela quando disse isso, olhando pela janela. Contava os dias, pois eram tão exatos quanto a dor que sentia, mas nunca gostei de corrigir minha mãe e nem meu pai, sempre me pareceu muito desrespeitoso. Virei para ela e pude ver a tristeza em seu rosto, até notei as olheiras que tentou cobrir, sem sucesso, com maquiagem. Me senti mal pois sabia que eram por minha causa – Eu tava pensando em sair pra pedalar hoje, fazer um exercício. Parece um bom dia pra isso, a senhora não acha?
- Sim, claro! – um sorriso abriu em seu rosto e eu pude ver esperança em seu olhar – Vou fazer um lanche pra você comer antes de ir.
- Não precisa, não estou com fome – e a preocupação voltou.
- Mas você não tem comido quase nada – ela olhou para a escrivaninha e viu o sanduíche intocado – Não pode sair de estomago vazio.
- Você tem razão – soltei um sorriso cerrado tentando evitar uma possível discussão – Vou trocar de roupa e já desço.
Respirei fundo quando minha mãe fechou a porta, pois sabia que sair seria bom pra mim, respirar fora daquele quarto, mas sabia também que seria difícil... Não tinha vontade nenhuma de ver o que estava acontecendo no mundo e nem fazer parte dele, pois todo o meu mundo, a minha realidade, se revelou uma mentira da noite pro dia e tudo perdeu o sentido, mesmo assim troquei de roupa por um moletom mais esportivo e saí do quarto com o celular e fone de ouvido na mão. Ao chegar à cozinha vi um verdadeiro banquete na mesa, exagerada como sempre. Sentei-me enquanto minha mãe acabava de fritar alguma coisa.
- Sei que você não gosta muito de comer bacon pela manhã, mas acho que combinaria com as torradas e os ovos – ela disse servindo os bacons em meu prato.
- Acho que tem muita comida aqui.
- Não sabia o que você queria comer então peguei um pouco de cada coisa que tinha na geladeira.
Realmente parecia ter um pouco de tudo: frutas, pão, geleira, torrada, ovos, chá, café e suco. Acho que só não tinha panqueca, pois não deu tempo de prepara-las. Adicionei ovos e torradas ao meu prato pra comer com o bacon e servi um copo de chá de pêssego. Enquanto isso, minha mãe me assistia como se eu fosse o seu programa de televisão preferido, o que me incentivou a comer mais rápido. Ao acabar de comer minha mãe oferece mais alguma coisa e eu recuso, dei-lhe um beijo na bochecha e me despedi indo em direção à garagem, onde estava minha bike.

– 2 meses atrás –

Campo de futebol da escola, pausa no treino do time, e Josh sentaram no banco pra recuperar o ar e tomar uma água.
- Acho que vou pedir a em casamento – revelou segurando a garrafa de água e olhando para o amigo que se engasgou ao ouvi-lo, cuspindo um pouco de água.
- Você quer me matar? – o amigo riu – Cê tá falando sério?
- Tô sim.
- Então parabéns, irmão – Josh disse chacoalhando o amigo – Vocês se amam e são as melhores pessoas que eu conheço, merecem ficar juntos.
- Valeu, dude.
- Assim... Você não acha que vocês são muito novos pra isso? Tipo, vocês tem dezessete anos, tá que estão juntos há quatro anos, mas mesmo assim, sabe?
- É, eu sei, fico até meio assustado em estar pensando nisso, mas como você mesmo disse: nós nos amamos e também estamos juntos há muito tempo. Não vejo motivos pra não pedi-la em casamento, até porque eu quero mesmo passar o resto da minha vida ao lado dela.
- Então vai fundo, cara, tem todo o meu apoio, desde que eu seja padrinho.
- E quem mais eu poderia chamar? – riram até ouvir o apito do treinador.
- Acabou a moleza, bonecas, voltem pro treino – O treinador gritou do meio do campo.

Já estava pedalando há mais de meia hora, me prendendo ao meu bairro pois mal sabia o que deveria fazer... O rodei duas vezes até decidir dar uma volta pela cidade. Poucos minutos depois a minha cabeça continuava a mil, estava do outro lado da cidade, pensando em , ouvindo varias musicas aleatórias que só faltavam gritar o seu nome em meus ouvidos ao me fazerem lembrar dela, lembrar de nós dois, lembrar dos planos que tinha... É uma coisa que te corrói e só faz você se sentir mal...
- Preciso beber – pensei alto demais.
Sorte que estava perto da loja de conveniências certa, a única da cidade que não se importa com documento de identidade. Decidi ir até lá, chegando em poucos minutos e indo direto ao setor de bebidas ao entrar. Nunca gostei daquelas pessoas que bebem pra esquecer ou coisas do tipo, nunca as entendi, até agora. Ponderava se devia ou não beber, lembrando de não gostar desse tipo de pessoa e segurando a porta do refrigerador aberta, quando ouvi o sino da porta da loja anunciar a entrada de alguém, olho involuntariamente e vejo três pessoas entrando, três rostos conhecidos. Não precisava me esconder de ninguém, mas, ao reconhecê-los, me forço a escolher o mais rápido possível, pegando uma garrafa de rum qualquer com um pirata grafado no rótulo para sair de lá sem ser visto, no entanto aqueles três rostos rindo entre si se aproximaram mais rápido do que eu me distanciei.
- ! Você por aqui? – Amber perguntou sem disfarçar surpresa, ou melhor, espanto.
- Sim, sou eu, por aqui – Respondi tentando não ser grosso por conta do meu estresse.
- Hey Dude, há quanto tempo – Josh disse.
- Oi irmão. Pois é, eu tô precisando passar um tempo sozinho.
- Hey, – O terceiro, um simples conhecido do colégio.
- Oi, Walter – Respondi por educação, nunca liguei pra existência desse cara.
- Então... O que você tá fazendo por aqui? – Amber perguntou tentando puxar conversa. Ela sempre tentou ser gentil com todos e até é legal, mas o fato de ser a melhor amiga dela não me fez querer ficar de papinho.
- Acho que o mesmo que vocês – levantei a garrafa de rum em minha mão. Eles não precisam dizer, ninguém menor de 21 anos ia aquela loja por acaso.
- Ah, claro – respondeu meio sem graça – Bem, a galera decidiu fazer uma festinha hoje de última hora por conta do bom tempo, não te chamamos porque você tem estado distante, mas se quiser ir está convidado.
- Não, obrigado, vocês pensaram certo – Amber ficou mais a vontade, ou menos sem graça... Tanto faz, não me importava mesmo – Eu já vou indo, já peguei o que precisava.
- Dude, sabe que eu estou aqui pro que você precisar, neh? – Josh perguntou, sendo o companheiro de sempre.
- Eu sei.
- Vê se não some – Ele disse pegando em meu ombro, eu apenas sorrio em resposta.
Passei por eles e fui em direção ao caixa, no caminho pude ouvi-los cochichando.
- Coitado, tudo isso por causa da , ela acabou com ele – Amber.
- Realmente, ele tá estanho... Meio que agindo como um louco, sabe? – Walter concordou.
- Deixem ele – Reconheci a voz de Josh, me apoiando como sempre.
Depositei uma nota de vinte no caixa e fui embora, aquela era uma bebida barata e eu não me importava com o troco, apenas queria sair de lá. Não podia beber aquela garrafa em casa, isso iria acabar com qualquer felicidade da minha mãe, até pensei em continuar pedalando e bebendo, mas não tinha mais vontade de pedalar e nem um saco de papel pra cobrir a garrafa, foi aí que decidi ir para o Elevador Municipal na Railroad Avenue.
O Elevador Municipal sempre foi bom pra pensar, ninguém te perturba lá por quase não ser usado. Está mais para patrimônio histórico do que para um meio de transporte e a vista é simplesmente indescritível, mesmo que só mostrasse uma pontinha da cidade, mostrava as montanhas e floresta, o que acabava sendo bem melhor. Eu bem que queria que aquele lugar me trouxesse a paz que trazia antes, porém, como todos os outros lugares, aquele me lembrava a ela, pois eu a levava lá, sempre que estava estressada demais e cheia das coisas do colégio ou de casa. Lá ela sempre parecia estar relaxada, livre, parecia bem, como se fosse outra pessoa... Talvez essa fosse uma dica que eu preferi ignorar... Bebi lembrando dela, lembrando de tudo, tentando entender o que aconteceu, o que mudou, tentando entender o porquê ela se foi...
Ela costumava ser divertida, a causa dos meus sorrisos, mas passou a só me deixar pra baixo.


14° Dia

Quatorze dias, duas semanas infernais... Pela primeira vez eu realmente havia dormido. Cheguei tarde e cansado no dia anterior, isso com certeza ajudou no meu sono, só não sabia se tinha sido a pedalada de dezesseis quilômetros ou a garrafa de rum que me fizera dormir. Acordei sem ouvir nenhum despertador, puxei o celular – 12:53 – podia até não ter certeza do que me fez dormir, mas a causa da ressaca eu tinha. Levantei mesmo com a enxaqueca e fui procurar um analgésico no criado-mudo, sem encontrar, decidi procurar na gaveta da escrivaninha e, ao abri-la, encontrei a caixinha... A caixinha da aliança.

– 3 semanas atrás –

Era o primeiro dia de com a aliança, tinha a pego antes de ir pra escola na joalheria da cidade, era um belo solitário de ouro branco. Ele havia comentado no dia anterior com o melhor amigo, Josh, por mensagem que pegaria o anel e nos corredores o encontrou.
- Hey, Dude, já tá com ele aí? – Josh perguntou ao se aproximar.
- Estou sim – eles andavam em direção ao armário de .
- Então me mostra.
- Espera – tirou a mochila das costas e olhou ao redor antes de tirar a caixinha de dentro dela, entregando-a em seguida ao amigo.
- Nossa, isso sim é um anel – Josh comentou ao vê-lo – Como você comprou isso? Deve ter vendido um rim.
- O papai ajudou, é claro. Segundo ele, é uma recompensa por ter ganhado a bolsa na faculdade.
- Com certeza a vai amar – devolveu a caixa.
- O importante é ela dizer sim – disse guardando o anel no armário.
- Tem certeza de que vai guardar aí?
- É o único lugar que eu sei que não tem o risco da acabar encontrando acidentalmente.
-Faz sentido, mas fecha logo que ela tá chegando aí.

Tirei a caixinha da gaveta, abri e fique admirando aquele anel por uns três minutos. Ele me lembrou das coisas boas, dos planos e sorrisos que tínhamos juntos, só que eu sabia que aquilo não me fazia bem, não podia esquecer que ela tinha me feito de otário sem sequer um pedido de desculpas ou uma tentativa de se redimir. Mesmo assim lá estava eu, sorrindo ao lembrar dela. Precisava de um choque de realidade, algo que me lembrasse do que ela fez, do que era real e não das idealizações que tinha dela na minha cabeça, então fui reler a carta.

,
Você já deve saber que eu fui embora e sei que parece loucura, juro que sei, eu mesma estou me achando louca por ter decidido fazer isso, mas preciso fazer a coisa certa, mesmo que pareça loucura, impulsivo ou errado... Eu estou indo pra Los Angeles. Não contei pra você e nem pra ninguém, mas, três meses atrás, quando eu disse que ia pra Portland para uma entrevista na University of Portland e todos piraram porque eu estava cogitando fazer faculdade na capital do estado, eu não estava, na verdade eu estava cogitando estudar na AADA e fui para lá justamente para uma audição.
Se vocês tinham ficado tão eufóricos com a ideia de eu estudar em uma cidade a apenas 45 minutos de distância, quem dirá como ficariam com a de estudar numa no outro lado do país. Então eu voltei pra casa dois dias depois e disse que não tinha gostado da faculdade e achava que não tinha ido bem na entrevista, guardei meu segredo por todos esses meses.
Duas semanas atrás eu recebi uma carta da AADA e a escondi de todos, até de mim mesma, sem coragem de abri-la e saber o resultado, nem de deixar que vocês descobrissem a existência dela. Até que você me pediu em casamento e eu entrei em pânico, sei que não era isso que você esperava, mas também não era isso que eu esperava. Acontece que quando você se ajoelhou e me mostrou aquele anel, eu tive que lidar com uma coisa muito grande, uma verdade muito antiga que eu fingia que não sabia da existência ou que não entendia direito, só que eu sempre deixei ela de lado, pra entender depois ou esperando que ela virasse mentira. Mas, quando você me pediu em casamento, eu me vi tendo que lidar com ela, não dava pra deixar pra depois, pois depois podia ser muito tarde e você precisava de uma resposta.
Você sabe toda a minha história, toda a minha vida, sabe que quando o papai morreu, eu e a mamãe viemos morar em Oregon City, pois ela queria me proteger, mas o que ela não sabia era que eu queria protegê-la também. Nós duas sofremos muito, minha mãe simplesmente perdeu o chão e eu tinha as duas piores coisas possíveis acontecendo na minha vida; Uma era ter perdido a pessoa que eu mais amava no mundo, meu pai, e a outra era ver a minha mãe chorar... Eu não podia trazer meu pai de volta e não conseguia fazer minha mãe parar de chorar, mas percebi o quanto ela se preocupava comigo ao nos mudarmos pra cá e vê-la sempre atenciosa e prestativa, nisso eu podia fazer algo, nisso eu podia protegê-la. Foi quando eu passei a ser a melhor filha possível ao fazer tudo o que ela queria e achava melhor pra mim, mesmo o que ela não me dizia eu fazia. Assim me forcei a não chorar na frente dela, ir à psicóloga, fazer milhares de cursos, atividades extracurriculares e amigos... Foi assim que entrei na escola, no time de líderes de torcida, conheci você, a Amber e todos os outros. Mesmo não sendo o que eu queria fazer, me dediquei a tudo com o meu corpo e alma, pois amo a minha mãe, queria deixá-la orgulhosa e vê-la bem.
Com o tempo essa virou minha vida, nós começamos a namorar, ganhamos coroas e viramos os mais populares do colégio mesmo não entendendo muito bem como isso aconteceu... Acabou que eu me acomodei, me acostumei com essa vida e fui levando, esperando um dia olhar ao redor e gostar do que via, mas não foi isso que aconteceu.
Sei que ninguém esperava que eu fosse fazer artes cênicas, pois eu nunca demonstrei interesse por isso, mas você se lembra das minhas fotos de criança? Daquelas com o papai onde nós dois cantávamos? Mamãe nunca comentou sobre elas com você e eu sei que te falei que era só uma brincadeirinha boba, só que não era. Aquilo era um assunto proibido, claro que a minha mãe nunca me proibiu diretamente, pois sempre esteve subentendido... Como o papai morreu por ser um cantor de rock famoso, a mamãe temia que eu entrasse nesse ramo, ela teme até hoje que eu tenha o mesmo destino que ele e por isso parei de cantar, dançar e atuar. Tentei por todos esses anos substituir a música e o teatro com a escola, curso de culinária, líder de torcida, administração... Tudo, mas não consegui, pois isso é o que eu sou, o que amo fazer e se eu não for embora agora talvez eu nunca vá, nunca faça o que eu verdadeiramente amo e nunca seja sincera.
Sinto que menti pra todos que conheço nessa cidade, tudo começou com mentiras, comigo fingindo ser outra pessoa e eu continuando isso pelos anos que se passaram. Por isso eu peço desculpas, me desculpa por estar indo embora e por não ter sido sincera com você.

Carinhosamente,


Deveria ser a vigésima vez que lia. De primeira, pareceu um monte de baboseiras, mas dessa vez encontrei brechas que me deram esperanças. Em nenhum momento na carta diz que não me amava ou que não me queria, comecei a achar que não significava o nosso fim e sim uma mudança. Uma mudança necessária pra ela e que, ao invés de julga-la como uma traidora, eu deveria tentar entender o seu lado, como deve ter sido difícil tomar essa decisão de deixar tudo pra trás, como ela deveria estar assustada... Talvez precisando do meu apoio... Era tudo muito confuso, afinal, essa é a função dos sentimentos, não é? Confundir nossas cabeças e nos fazer tomar as decisões erradas.
Nesse momento, decidi reavaliar a nossa relação desde o princípio, quando éramos apenas amigos. Sentei na escrivaninha, deixando a carta de lado, peguei um papel em branco e desenhei uma reta no meio dele que ia de uma ponta à outra, então comecei a fazer uma linha de tempo para avaliar os prós e contras:
• Quando éramos apenas amigos, ela parecia ser gentil com todos, atenciosa e muito educada, lembro-me de achar muito suspeito no início ela ser tão boa e fazer com que todos gostassem dela, mas depois de um tempo as suspeitas sumiram pois eu também passei a gostar dela.
• Quando passamos a ser namorados as coisas ficaram meio estranhas, era a primeira vez que os dois namoravam, não sabíamos exatamente o que deveríamos fazer, basicamente saíamos pro cinema e dávamos alguns beijinhos.
• Com o passar do tempo aprendemos que era uma extensão da amizade, ela sempre foi extremamente atenciosa e leal, era o tipo de pessoa que você podia confiar cegamente, nunca me traiu em nenhum sentido.
• Era a garota mais linda da escola, não só pelo corpo ou pelo rosto, mas sim por sua confiança e liderança, sua gentileza e simpatia.
• Ela me apoiou quando eu me lesionei na última temporada e se não fosse por seu apoio não teria conseguido a bolsa de esporte na faculdade, pois já teria desisto do futebol.
• Seu humor variava muito, mas já tinha aprendido a lidar com isso, até porque era o que fazia a nossa relação não ser monótona e ela não ser tão previsível.
Tentei pensar nos pontos negativos, porém parecia que não existiam, qualquer que aparecesse eu o desconsiderava, como o fato de às vezes ela ser mandona e exigente, mas não dá pra considerar pois com apenas um comentário em relação a isso ela já pedia desculpas e deixava de agir assim... Desse jeito é difícil continuar odiando-a...
Até porque entre o ódio e o amor há uma pequena distância.
Aquilo não podia acontecer, não podia perdoa-la sem ela nem tentar pedir perdão! Frustrado, levantei de lá, joguei a caixinha na gaveta e comecei a pensar no que poderia fazer para parar de pensar nela, até ser interrompido quase que imediatamente por batidas na porta do meu quarto.
- Filho? - minha mãe perguntou ao entrar, um pouco mais alto do que eu gostaria, cerro os olhos em resposta à enxaqueca e me mantenho de costas, abrindo-os em seguida e olhando para o papel que agora estava amassado em minha mão - Seu pai vai almoça em casa hoje, o que você acha de descer e almoçar conosco?
- Eu passo - respondi sem pensar.
- , nós já conversamos sobre isso de você não comer. Caramba, filho, assim você vai prejudicar a sua saúde.
- Na verdade - disse virando-me a ela - Eu disse que passo porque já combinei de almoçar com o Josh hoje, como a senhora já reclamou deu não sair de casa, achei que não seria problema e também fica mal cancelar assim, em cima da hora.
- Hum, sendo assim... - a expressão de preocupação sumiu de seu rosto, mas seu olhar ainda era duvidoso - Mas amanhã cedo vamos ter um café da manhã em família, combinado?
- Pode deixar - me esforcei a sorrir para que suas dúvidas acabassem. Ela pareceu mais crente e saiu logo depois.
Fui em direção ao banheiro, ainda segurando o papel e jogando-o no lixo ao chegar. Procurei nas gavetas da bancada e finalmente encontrei o bendito remédio, tomei dois de uma vez com a esperança de que me fizessem melhorar mais rápido, lavei meu rosto como se assim pudesse tirar os pensamentos que povoam minha cabeça, que claramente não funcionou. Voltei para a minha cama com certa pressa, sabia que só havia uma pessoa que poderia me ajudar.
- Alô? - Sua voz rouca e arrastada denunciava que eu tinha o acordado.
- Hey, Josh.
- ?! O que você quer a essa hora da madrugada?
- Dude, tá na hora do almoço.
- A é? - ele ficou um instante calado e soltou um gruindo de quem se espreguiçava - Isso é madrugada pra quem foi dormir quase na hora do café da manhã - rimos - Ah cara, vai ser um saco levantar daqui, ainda nem sentei na cama e já to sentindo minha cabeça latejar.
- Foi pra isso mesmo que eu liguei.
- Cê tá brincando, né?
- Não, acabei de fugir de um almoço em família dizendo que tinha combinado almoçar contigo e to precisando conversar, então preciso que você levante daí e vá me encontrar no Dutch Bros em vinte minutos.
- Ahh! Só tu mesmo pra me fazer levantar daqui e sair com a tamanha ressaca que eu vou sentir - eu ri, foi meio que pela desgraça dele e por saber que mesmo assim ele não hesitaria em ir.
- Pra isso que servem os amigos.
- Acho bom que você leve um óculos de sol pra mim.
- Pode deixar - finalizei e desliguei.

Josh entrou pela porta do Dutch Bros parecendo um zumbi, uns quinze minutos atrasado, foi quase se arrastando em direção a minha mesa, com os olhos bastante contraídos e se jogou no banco a minha frente.
- Finalmente - disse empurrando os óculos em sua direção, fazendo com que deslizasse pela mesa.
- Vai se ferrar, eu tô aqui, não tô? - Josh pôs os óculos imediatamente e fez sinal para que a garçonete viesse à nossa mesa.
- Pois não? - a moça de pele escura e de sorriso encantador disse.
- Eu vou querer um sanduíche grande de rosbife com uma soda.
- E o senhor? - direcionou-se a mim.
- Só mais café, por favor - imediatamente a garçonete encheu minha xícara com a jarra que ela carregava pelo salão. Já tinha pedido um café antes, enquanto Josh não chegava. Agradeci e ela se retirou.
- Então...? - Josh perguntou querendo me fazer falar.
Ele nunca foi de forçar a barra, mas sabia que eu evitava conversas desagradáveis ao máximo. Eu tomei mais um gole do meu café, peguei a carta dobrada que tinha posto no bolso antes de sair de casa e joguei pra ele, que a abriu sem fazer perguntas e leu sem grandes expressões.
- Tá, o que tu quer que eu faça? - ele perguntou me olhando como se a carta não fosse nada demais, a dobrou e jogou de volta para mim.
- Ah, sei lá... Eu esperava uma posição, uma opinião, não sei.
- Pra mim parece que ela tentou explicar o lado dela, não sei pra ti - a ironia em sua voz era evidente, eu bufei e revirei os olhos em resposta - Cara, você quer que eu diga o que tu quer ouvir, mas pra começar, eu nem sei o que tu quer ouvir porque faz duas semanas que a gente não se fala! E cê sabe que eu não faço esse tipo de coisa, eu digo o que precisa ouvir, então, se quiser mesmo conversar é melhor começar a falar o quê que tem acontecido na tua cabeça e qual é a minha função aqui - respirei fundo, hesitando em falar.
- Parece que nada mais faz sentido, que tudo é um bando de merda desde que ela saiu da cidade... Quando eu fui na casa dela naquele dia, ela não disse quase nada, só disse que não me amava como eu a amava - ri um pouco pela incredulidade, sentia meus olhos lacrimejarem enquanto falava e olhava fixamente a xícara - Daí ela me deu essa carta e foi embora. Agora me diz, faz sentido depois de todos os anos que passamos juntos ela vir me dizer isso, de que não me ama do jeito que eu a amo? E se ela nunca me amou mesmo? E se tudo foi uma grande mentira? Porque é praticamente isso que ela diz na carta - limpei uma lágrima que escapou e respirei fundo para que outras não fugissem - Nada disso faz sentido pra mim. Daí eu olho ao redor e percebo que tudo, tudo tem um dedinho dela, seja uma roupa, um presente, o corte de cabelo, os amigos, a faculdade... Então, no final, parece que nada faz sentido. Eu a odeio, por ela não ter aceitado se casar comigo, odeio por ela ter dito tudo o que disse e até pelo o que não disse, odeio por ela parecer estar em todos os lugares, por ter me deixado nessa confusão toda e odeio mais ainda por não conseguir odiá-la - mais lágrimas tinham fugido enquanto eu falava tudo isso, mas eu continuei como se elas não estivesse ali, até finalmente pausar para limpá-las - Josh, como que isso é possível? Depois de tudo o que ela fez eu nem se quer conseguir odiá-la?
- Isso é porque você a ama - engoli seco por ser a dura verdade.
- Nos primeiros dias eu fiquei com muita, muita raiva. Quando cheguei em casa depois dela ir embora eu estava irado, li a carta pensando que poderia ajudar mas só piorou, simplesmente quebrei tudo o que ela tinha me dado, depois joguei no lixo. O problema é que antes parecia que a carta era só um conjunto de mentiras, um bando de baboseiras que ela tinha escrito pra se vitimizar, mas quando li hoje de manhã eu não senti raiva, eu senti vontade de abraçá-la, de ir atrás dela e falar que eu ficaria ao seu lado. É como se tudo o que ela fez e o mal que eu senti simplesmente tivessem evaporado... Eu preciso de alguém de fora pra dizer o que eu deveria fazer e se eu estou ficando louco - ao acabar de falar me senti totalmente vulnerável, exposto.
- Você não tá ficando louco, calma, é natural que o teu mundo esteja todo confuso já que ele foi abalado desse jeito, mas tu não pode se isolar, isso seria como se tivessem te posto num caixão e você estivesse se encarregando de por os pregos. Você precisa sair dessa e eu tô aqui pra te apoiar, até mesmo com uma ressaca fudida, com uma cabeça latejando e vou trocar um bom sono com uma mulher nua e gata do meu lado pra te ouvir quantas vezes for preciso - eu arregalei os olhos e ri, não fazia ideia de que tinha tirado ele de uma cama com uma mulher, talvez, mesmo que soubesse, não mudaria as coisas.
Josh sempre soube misturar bem os assuntos sérios com os nem tanto, assim nós nos distraiamos e as coisas não ficavam tão tensas. A garçonete então voltou à mesa com o sanduíche de rosbife, deu até vontade de comer naquela altura, pois eu já não me sentia tão sobrecarregado e não tinha ninguém me pressionando a comer. Acabei roubando metade do sanduíche de Josh, o que ele usou como desculpa pra pedir mais um para a moça, que assentiu e se retirou.
- Pelo visto você e a Amber estão se dando bem mesmo, não é? - foi uma pergunta retórica, que ele respondeu com um sorriso de canto enquanto mastigava - Espero que dê certo.
- Eu também.
Então nós ficamos em silêncio por um momento, o meu "espero que dê tudo certo" significava "espero que você não acabe como eu" e ele tinha entendido.
- Olha, , pelo seu estado acho que ficar sozinho pensando nisso não vai ajudar em nada e fingir que nada aconteceu muito menos. Se você quer correr atrás dela, então vá, não pode deixar o tempo passar pra depois entrar numa onda de "e se eu tivesse ido atrás dela", "e se eu tivesse conversado com ela"... Na minha opinião, vocês tem que, no mínimo, conversar pra resolver essas pontas soltas que ficaram, porque não dá pra simplesmente terminar um namoro de anos com uma carta.
- E pensar que o nosso primeiro encontro foi aqui - murmurei baixo olhando ao redor, pois eu estava sentado no mesmo lugar do primeiro encontro. Balancei a cabeça negativamente, querendo não pensar nisso, afinal, estava começando a me sentir melhor e pensar naquilo era pedir pra ser puxado pra baixo - Quer dizer que o Walter começou a fazer parte da turma nesse tempo que eu estava fora?
- Ah, nem me fale desse cara. Você não tem noção de quão puxa saco uma pessoa consegue ser, até conhecer o Walter... - o jeito como Josh falava e sua cara de indignação me fizeram rir.
Ficamos ali sentados por quase duas horas e meia, conversando e descontraindo sobre várias coisas diferentes, o que fez com que eu me sentisse muito melhor, mais leve. Fui direto pra casa depois de lá, ou melhor, para o meu quarto. A conversa tinha ajudado sim, mas será mesmo que eu deveria conversar com ela? Não sei se o que me impedia era a dúvida ou o medo, no entanto uma questão ficou em minha cabeça, "O que eu poderia perder se falasse com ela?". Quando dei por mim, eu já estava com o seu contato aberto na tela do celular, só precisava apertar um botão... Mas e se...?
- Foda-se - interrompi meus pensamentos, apertei o botão e pus o celular na orelha. Se existisse um estoque de coragem, com certeza eu havia acabado de usar metade dele.
Os bipes pareciam demorar uma eternidade. Eu esperei o primeiro, esperei o segundo e desliguei, a coragem ou o impulso tinham sumido. Afinal, onde eu estava com a cabeça? Nem sei o que falaria pra ela... "Oi, tudo bem?" ou "Hey , como vai sua vida depois de ter estragado a minha?"... Mas se eu ficasse pensando muito também, acabaria nunca ligando. Liguei de novo esperando que ela atendesse, no entanto caiu na caixa postal.

"Oi, eu não posso atender agora, mas deixe um recado que eu retorno assim que puder. XO XO"

Um sorriso involuntário se abriu em meu rosto ao ouvir sua voz, escutei o bipe da caixa de mensagens, mas não deixei recado, apenas desliguei. Como eu podia ser tão bobo? Ficar feliz ao ouvir a voz de quem pisou em cima de mim?! Mesmo me sentindo meio idiota, não consegui controlar a vontade de vê-la, o que me levou a visitar suas redes sociais. Passei por todas, só que parecia que nenhuma tinha sido atualizada desde que ela havia ido embora. Não era possível ela ter se desligado da internet assim, era? Como num estalo eu me lembrei de sua melhor amiga da Califórnia, , aquela com certeza estava com as redes sociais em dia. Primeiro fui no insta, entre as fotos postadas havia uma de uma semana atrás, dela e de na praia, mal prestei atenção em pois o sorriso de ... Ah, aquele sorriso, como eu sentia falta dele... Ele simplesmente estava o mais cativante possível. Me vi acariciando a tela do celular como se pudesse tocar verdadeiramente o seu rosto dessa forma. Ao diminuir a foto, percebi que também havia postagens no history, uma pontinha de esperança e um frio na barriga me fizeram crer que lá teria uma dose a mais de para mim. Cliquei rapidamente sobre a foto do perfil e pude ver um curto vídeo entre o almoço delas com uma pequena comemoração por uma festa que haveria à noite, com certeza teriam outras postagens durante a noite, mal podia esperar para vê-la um pouco mais. Ativei as notificações para o perfil das duas e fui tentar me distrair jogando videogame, o que foi mais fácil do que eu imaginava já que Josh me chamou para jogar COD, como nos velhos tempos.

- Porra, Josh! Eu falei pra tu prestar atenção no cara à esquerda! - gritei no Headset.
- Ah, eu que carreguei esse time nas costas, não vem com essa só porque eu vim morrer agora.
- Uhum, tá! Não sabia que você tinha virado humorista.
- Vai se fuder - Josh respondeu, rindo no final. Não importava o quanto nos xingássemos durante as partidas, tudo acabava numa boa.
Estávamos prestes a começar uma nova partida quando percebo que a tela de meu celular estava brilhando em cima da cama.
- Pausa aí, preciso ver uma coisa - me levantei da poltrona jogando o controle nela, mas mantendo o headset.
- Dude, acredita que tavam querendo fazer outra festa hoje? Essa galera não tem noção... - ri fraco só para fingir estar prestando atenção.
- Não tem mesmo.
A notificação era do perfil de , abri esperando que fosse a postagem de uma foto das duas arrumada pra festa, mas não, era de e de um cara que, pela legenda, deduzi ser o namorado dela... O reconhecia de algum lugar... Preferi ignorar essa sensação e me animei ao ver que havia mais postagens no history, sorri ao ver alguns vídeos das duas se arrumando, cobria o rosto e resmungava pela amiga estar gravando-a, mas mesmo assim não deixava de sorrir. Logo depois apareceu uma foto das duas prontas e como ela estava bonita, seu vestido longo, justo e costa nua só realçava sua beleza. O problema veio depois... Uma foto dela com um cara que, pela aparência, também ia à festa, ele a segurava pela cintura na foto... Eu também o reconhecia.
- Mas que mer... - me contenho lembrando de Josh. Só que meu choque não diminuiu, esse cara era o vocalista de uma boyband que estava fazendo sucesso, junto com o namorado de . Não me lembrava do nome de nenhum dos dois, mas quem se importa? Com certeza, eu não.
- O que foi? - Josh perguntou. Pelo visto minha tentativa de não chamar atenção para o que eu estava fazendo falhou.
- Nada - Respondi no seco, ainda vidrado no celular e pulando algumas postagens, esperando por mais informações.
Quem procura acha, minha avó estava certa. Poucas fotos depois vi um vídeo, aparentemente já estavam na festa e aparentemente eles continuavam juntos, pois no vídeo, e o cara-sem-nome, estavam dançando bem próximos e sorridentes, pra melhorar ao fundo pude escutar alguém gritando...
- Este é o casal do ano!
- Ah porra! - gritei jogando o celular no chão.
- O que foi?! Isso não pode ser nada.
- A ! Ela... Porra! Ela só pode estar querendo me foder.
- Qual é a da vez?
- Eu acabei de vê-la com outro cara! - ando de um lado para o outro no quarto, tentando me acalmar - Como ela já pode ter me trocado?!
- Calma cara, me explica isso direito.
- Eu já falei! ELA. ME. TROCOU! - respiro fundo umas duas ou três vezes sem parar de andar - Estava vendo o History da amiga dela e encontrei um vídeo e foto dela com outro cara.
- Isso não quer dizer nada - a voz calma de Josh só me irritou mais.
- Ah não?! Qual é, Josh, eu e você não somos mais crianças.
- Claro, só porque você viu uma foto da sua ex com outro cara quer dizer que ela já transou com ele e que planejam ter filhos - seu tom irônico não me acalmou em nada.
- Não fode.
- Não fode você, ! Eu estou aqui pra tudo! Sou seu irmão, to tentando te ajudar a se resolver e te tirar dessa merda de buraco onde você está se enfiando, mas fica foda, muito foda, te ajudar se tu não facilita, caralho! – ele gritou do outro lado da linha, e eu apenas fiquei calado, pois pra ele chegar a esse ponto, quer dizer que está guardando isso há muito tempo – Quer tirar essa conclusão por uma foto?! Ótimo! Então deixa a tua vida toda entrar pelo ralo por uma foto! Mas se tu não quiser então resolve logo essa porra e faz alguma coisa! – ele finalizou. Continuei calado, deixando o silêncio se estender por um tempo e parando para digerir todas as palavras – Vai ficar calado?
- O cara mais calmo e compreensível do mundo estoura como uma bomba e não quer que eu fique chocado? - rimos.
- Desculpa, mas eu precisava falar.
- Não. Você está certo, eu preciso falar com ela, mas tá foda não odiá-la com isso e com tudo!
- Parabéns, você não tem sangue de barata.
-Hum - Respirei fundo, olhando para o nada - É difícil - me joguei na poltrona.
- Claro que é, essa é a vida!
- Mas que porra de vida então - Me senti derrotado, cobri os olhos com a mão sentindo que logo, logo uma enxaqueca iria começar.
- Espera mais uma semana, dude, é o tempo de você esfriar a cabeça, pensar bem nisso e ver o que quer fazer de verdade - sua voz calma já não ajudava mais.
- Ok, obrigado, mas agora eu prefiro ir tomar um banho e dormir.
- See ya.
Desliguei o PlayStation e o head-set, peguei meu celular do chão e vi sua tela trincada, resmunguei e o joguei na cama, é muito azar mesmo pra uma pessoa só. Fui para o banho só desejando que o dia acabasse.

15° Dia.

"Só mais uma semana".

- ... acorda, tá na hora do café – minha mãe disse enquanto balança minha perna.
- Já acordei – respondi sem abrir os olhos.
- Espero que tenha mesmo – ela falou indo em direção à porta – Se não descer em dez minutos, eu volto para te chamar de novo.
Não disse nada, apenas esperei escutar a porta se fechar, sentei na cama, relutante, e ao olhar para o criado-mudo vi a caixinha. Maldita. Nem sei em que momento ela foi parar alí.

–16 dias antes –

- Eu preciso contar uma coisa pra vocês – disse, respirando fundo em seguida. Tirou a caixinha do bolso e abriu, mostrando a aliança para a mãe e padrasto dela – Vou pedir a em casamento hoje.
Foi tudo o que ele conseguiu falar de uma vez, estava na sala de estar da casa dela, enquanto ela acabava de se arrumar para o baile. Esperava qualquer reação deles, principalmente xingamentos e gritos, pois é costume esperar o pior.
- Ai meu Deus, ! – foi o que a sogra, Mia, praticamente gritou depois de finalmente tirar a mão da boca pelo choque de ver o anel. Até o padrasto de , Chuck, esperava por uma reação para poder saber como deveria agir – Eu não acredito nisso! Estou tão feliz por vocês – finalizou pondo a mão no peito. Foi visível os suspiros de alívio que e Chuck soltaram.
- Parabéns, garoto – Chuck disse dando dois tapinhas nas costas dele.
- Eu sei que isso está mais para um aviso do que um pedido de permissão, porém não quer dizer que eu não considero vocês, então, vocês nos dão a benção?
- Claro! , você sempre foi bom para a minha menina e se dão tão bem. É claro que nós lhes damos a nossa benção, não é querido? – Mia virou-se para Chuck.
- Sim, vocês se merecem – o padrasto concordou – Mas já sabe, se você a magoar, vai se ver comigo – fez um olhar ameaçador, fazendo com que todos rissem.
- Não se preocupe com ele, , ele não vai fazer nada, até porque esse é o meu trabalho.
- Eu acredito em você, mas acredite em mim também, magoa-la é a ultima coisa que eu pretendo fazer.
- Então, seja bem-vindo a família – ela disse abraçando-o – Agora me deixe ver esse anel de perto – assentiu e estendeu a mão onde ele estava, entregando-o a Mia – Ele é lindo! Você escolheu muito bem, com certeza ela vai amar.
- Aprenda desde já que para ter um casamento feliz, você tem que deixar sua esposa feliz – Chuck falou.
- É verdade – Mia confirmou, devolvendo a caixa e arrancando mais risos.
- Você tem sorte de ter encontrado o amor da sua vida com dezessete anos. Eu encontrei o da minha com 42 – Chuck falou puxando a mulher pela cintura e depositando um beijo em sua cabeça.
- Eu sei – sorriu bobo, guardou o anel no bolso e continuou – Somos jovens, mas já estamos juntos há quatro anos, passamos por muitas coisas juntos e eu sinto que agora, com o fim do colegial e o início da faculdade, nossas vidas vão começar para valer, sabe? Então, por que não oficializar que vamos começar juntos? – parou por um instante, vendo como os dois lhe admiravam – Eu sei que a amo e que ela sente o mesmo, isso é o que me dá tanta certeza de que não estou me precipitando.
- Você tem razão, parabéns pela coragem. Mas me conta, como que vai ser o pedido? – a mãe dela perguntou.
- Eu não planejei nada grandioso, até porque só um amigo meu sabe disso. O meu plano é que quan... – Mia o interrompeu.
- Ela tá descendo.

Joguei a caixa da aliança na gaveta do criado-mudo e vou lavar o rosto, tentando não pensar nisso. Ainda falta uma semana, caramba! Mesmo assim, não consegui me impedir de lembrar do resto daquela noite.

Foi no meio da coroação que fez a pergunta, em cima do palco, infelizmente todos viram a fuga da não-noiva, que deixou aquele menino romântico e sonhador ajoelhado, segurando uma aliança e tentando conter suas lágrimas. Ele se levantou em seguida e permaneceu no palco. A DJ não pôs a musica novamente, pois, como todos, não sabia o que deveria fazer. ainda estava estático sobre o palco, segurando a caixinha aberta quando seus amigos do time de futebol se aproximaram sem dizer nada, apenas com a intenção de lhe dar apoio.
- Isso quer dizer não – disse, quebrando o silêncio entre os colegas, até porque todo o resto do salão estava repleto por cochichos – Ela não quer se casar comigo.
olhava para o chão ainda perplexo, em choque, até que Josh tocou em seu ombro, tirando-o do transe.
- Calma, talvez não queira dizer isso.
- Como não, Josh?! Você tem certeza de que estava aqui?! De que ouviu o que ela disse?! – falou deixando-se exaltar e escapar uma lágrima. A DJ voltou a tocar as músicas, tentando amenizar o clima pesado que pairava sobre o salão.
- Eu ouvi, mas talvez ela tenha entrado em pânico e por isso agiu assim... – sem respostas – Caramba, dude, vai atrás dela! Isso não quer dizer o fim e, de qualquer jeito, vocês vão ter que conversar.
assentiu com a cabeça, guardou a aliança e foi em direção à saída, sendo seguido pelos amigos. Ao sair, encontrou Amber, que parecia estar perdida em meio àquela noite sombria.
- Amber, pra onde ela foi? – ele perguntou.
- Eu não sei, sai pra falar com ela, mas ela não estava mais aqui – respondeu parecendo tão surpresa quanto eles.
Foi só eles acabarem de falar que ela apareceu, ou melhor, o carro de apareceu, no entanto todos sabiam quem estava dirigindo-o estacionamento afora. As surpresas não acabavam nunca.
- Ok gente, é melhor vocês entrarem – Josh falou e os garotos obedeceram, já Amber não sabia se deveria fazer o mesmo, encarou-o esperando alguma orientação – Você também, baby.
- Mas... – suspirou – Eu sinto que deveria estar fazendo algo... Ela é minha melhor amiga, poxa!
- Eu sei, mas não é ela que está aqui, deixa que eu cuido disso, eu sou o melhor amigo dele.
- Ok – ela concordou, derrotada.
Josh deu um beijo em sua testa e a viu entrar na casa de festas. Voltou-se ao amigo e percebeu que ele falava ao telefone com alguém. Era ela.
- ! – ela tinha desligado. apertou o celular com força, cobriu o rosto com as mãos e gritou. Suas lagrimas começaram a correr.
O amigo se aproximou e passou a mão em suas costas, não tinha nada que ele pudesse dizer para que se sentisse melhor, tinha certeza absoluta, mas quis mostrar pra ele que não estava só.
- Tem certeza de que isso não quer dizer o fim agora?! – falou ao recuperar o fôlego entre os soluços.
- Vamos sair daqui.
- Como?! Se ela levou o meu carro!
- Meu pai me emprestou o dele, vamos, vai ser melhor pra você ir embora.
- Tanto faz – secou as lágrimas com o dorso e palma da mão e foi em direção ao carro, que estava praticamente na frente deles.
Josh decidiu levar o amigo para sua casa, assim nem os colegas e nem os pais dele perguntariam sobre o incidente. O único som no caminho era baixo, do rádio. Josh olhava fixamente para a rua e para o nada, através da janela.
- Você não vai perguntar o que ela disse na ligação? – quebrou o silêncio.
- Consigo sobreviver sem saber – nenhum dos dois desviou o olhar.
- Hum – o silêncio voltou, por um momento – Ela falou que eu não a entendia, que não podia explicar, que pegou o carro porque precisava sair de lá e que é para eu ir na casa dela amanhã.
- Já é alguma coisa – a resposta do amigo fez pensar e soltar um riso irônico.
- Eu já tinha imaginado ela aceitando, todos comemorando e felizes, sabe? Parabenizando e tudo... Até reservei um quarto legal naquele hotel novo que abriu no centro, cheio de rosas e peônias, as preferidas dela pra fazer uma surpresa... Seria mais uma. Mas não, ao invés disso eu que levei a surpresa, agora tô aqui, me sentindo um merda, indo dormir com o meu melhor amigo enquanto a mulher que eu amo negou casar comigo e roubou o meu carro... E pensar que mais cedo eu me considerava sortudo.

Por que tinha que ser tudo tão confuso? Por que eu a deixei correr para fora da cidade?
Respirei fundo e fui vestir uma roupa. Desci pelas escadas e dei de cara com minha mãe, pelo visto tinha acabado de dar dez minutos desde que ela tinha ido me acordar. A sigo até a cozinha, avistando meu pai lendo o jornal, como em todas as manhãs, porém, a me ver, o dobrou e deixou de lado... Isso nunca foi um bom sinal... Quer dizer que uma conversa séria estaria prestes por vir. Começamos a comer, mas ninguém falou nada, não de cara, até chegar no meio da refeição.
- Então – meu pai começou, deixando uma pausa, parecia que queria escolher bem as palavras – Sua mãe me disse que você saiu de casa esses dias.
Claro que ela diria, se duvidasse faria uma festa pra comemorar e ele sabia que ela não estava mentindo. Uma simples e velha tática para me fazer falar e entrar em uma conversa da qual tinham certeza de que eu não iria gostar do rumo que tomaria.
- É, encontrei Josh e aproveitei o sol de anteontem pra pedalar um pouco.
- Interessante – ele comentou, mas com certeza não achava.
- E como ele está? – foi a vez de minha mãe, querendo estender essa conversa forçada.
- Tá bem, pelo visto ele e a Amber começaram a namorar, além disso, ele está lutando boxe pra se manter ativo durante as férias – respondi, sem desviar muito o olhar de meu prato.
- Isso parece bom pra ele – mamãe comentou – Por que você não faz o mesmo?
- Não estou com muito ânimo para isso – ao me ouvir meu pai bufou, era o sinal da partida.
- Olha, filho – eu não disse? O motivo real da conversa está prestes a começar – Eu e sua mãe estamos tentando ser pacientes, compreensivos, mas não podemos lhe deixar mofar dentro daquele quarto. Precisamos que você fale com a gente, explique o que tá acontecendo, o que você está sentindo e o que podemos fazer pra lhe ajudar – ele simplesmente despejava as palavras de uma vez, enquanto a mamãe apenas me olhava dando sinal de que concordava com tudo – Sei que está sendo difícil – sabia mesmo? Sabia o que eu estava sentindo? Sabia o que estava pensando? – Mas você não pode deixar esse incidente estragar toda a sua vida, por exemplo, você ainda não mandou a confirmação da sua matrícula pra faculdade, assim você... – tive que interrompê-lo.
- Eu não vou pra faculdade – disse de uma vez, sem hesitar nem no olhar, já eles me olharam como se eu tivesse dito que havia assassinado alguém.
- Ah não! – mamãe falou, seus olhos começaram a lacrimar no mesmo instante, ela sempre foi sensível.
- Como assim você não vai pra faculdade? Você tem uma bolsa te esperando, uma bolsa!
- Eu sei disso, mas não vou.
- , eu não estou acreditando que você vai desperdiçar a grande chance de sua vida por causa dessa menina!
- Vocês não entendem! Eu nem teria conseguido essa bolsa se não fosse por ela, foi ela quem ficou do meu lado na ultima temporada, quando eu me lesionei e pensei que nunca mais conseguiria jogar! Foi ela que me ajudou a escolher o curso quando eu estava indeciso! Ela que me ajudou a estudar para as provas! – estava me exaltando sim, mas me segurava pra não gritar. Mamãe já tinha se levantado da mesa, foi pra pia da bancada, pois não queria que nós a víssemos chorando – Eu sinto que não mereço nada disso, que nada disso é meu e que não faz sentido eu ir pra essa faculdade se ela não tá aqui, se ela foi embora.
- E por causa disso você vai abrir mão dessa bolsa?! – ele continuou – Meu Deus! Não seja um menino burro! Não jogue fora todo o seu futuro, todo o seu esforço!
- Viu! – me levantei – Por isso que eu não vim falar com vocês, por isso vocês não sabem o quão difícil tá sendo pra mim. Porque não adianta eu falar o que sinto, o que penso já que vocês nem tentam me entender, como agora! – minha mãe se virou e eu pude ver seus olhos vermelhos. Não é uma cena que ninguém queira ver, a mãe chorando.
Mesmo sabendo que minhas palavras tenham sido duras demais com eles, não voltei atrás, nem com eles me chamando. Peguei a chave do carro e fui embora. Liguei para Josh, pois sabia que ele era o único que me entendia, ou pelo menos não me julgava. Ele estava lutando na academia, decidi encontra-lo, pois além de conversar, precisava extravasar minha raiva.

- Eu sei que não parece uma decisão lógica, mas eu pensei nisso durante todos esses dias. Não posso aceitar essa bolsa, não faz sentido. Eu sinto como se a bolsa fosse dela, não minha – Josh ouvia minhas reclamações enquanto segurava o saco de pancadas no qual eu distribuía socos – O que mais me doeu foi ver a mamãe chorando, não queria fazê-la chorar, mas se eles queriam que eu falasse então foi o que eu fiz.
- Tenta entendê-los também, eles estão vendo o único filho deles desperdiçar uma grande chance de ser bem sucedido na vida e com certeza não é algo fácil de engolir.
- Tá, mas se eu já me sinto mal agora, imagina lá dentro da faculdade, sentindo como se estivesse roubando algo de alguém! Nunca fui de roubar, você sabe disso.
- Não acho que você estaria roubando a bolsa de ninguém, ela é sua por direito. Você foi pra todos os treinos sem nem se atrasar, estudou, se dedicou, você merece!
- Mas foi ela que me fez fazer tudo isso... Eu só não posso, dude, não dá.

19° Dia.

Nos três dias que se passaram, eu tentei viver o que seria uma vida normal: fui para a academia com Josh todos os dias e até voltei a frequentar as saídas e festas com o nosso grupo de amigos. Acontece que esse normal não me fez feliz, ele não me fez porque ela não estava mais lá... Essas festas costumavam ser divertidas, mas viraram todas meio chatas, assim como tudo ao redor, ficou uma merda sem ela. Eram todas tentativas de eu me distrair, sem sucesso é claro.
No décimo nono dia... Sim, eu continuei contando... Faltavam três dias para a minha semana de espera acabar, seria quando eu iria falar com ela, ou escolher por nunca mais procurá-la. Cheguei em casa próximo a hora do almoço, parecia ser mais um dia normal, tinha passado os últimos dias trocando pouquíssimas palavras com os meus pais, até estranhei eles não terem ficado no meu pé por ter desistido da bolsa, só não sabia que eles não tinham desistido dela... Tomei um banho e desci para comer com eles, mas, ao chegar na cozinha e vê-los se calarem com minha presença, percebi que não seria um almoço agradável, mesmo assim sentei com eles e comecei a me servir. Eles mais se entreolhavam do que olhavam para mim ou para a comida, eu apenas continuei encarando o meu prato como se isso pudesse evitar o que estava por vir.
- , precisamos conversar - pelo visto, minha mãe que guiaria a conversa desta vez - Você não pode desistir dessa bolsa, é o seu futuro que está em jogo. Entendemos que você é um homem de caráter e que não quer sentir que está roubando alguém, mas nós falamos com a Mia, - imediatamente voltei a encará-los. Como eles puderam fazer isso se nem eu fui falar com ela? - queríamos ver o outro lado dessa história. - "Ver o outro lado"?! Nem sequer viram o meu e querem ver o outro?! - Ela nos falou que a tá bem, que ela já se matriculou em uma academia de artes dramáticas e tá seguindo a vida dela. Pelo visto ela não vai voltar - eu pressionava mais e mais os talheres, tentando me conter, mas a cada frase que saía da boca de minha mãe isso ficava mais difícil.
- É filho, ela tá seguindo em frente, você precisa fazer o mesmo, precisa cuidar da sua vida.
Não pude mais me segurar, levantei bruscamente da mesa e andei em direção à porta, apenas parando no parapeito pra pegar as chaves do meu carro. Meus pais ainda me chamaram, no entanto isso não me fez hesitar.
- Aonde você vai? - ele disse.
- Vou cuidar da minha vida.
- ! Você não pode sair toda vez que tentamos conversar! - Meu pai gritou logo atrás de mim e eu continuei. "Hum, vai vendo", pensei.
Conversar é quando os dois lados de uma mesa falam e são ouvidos, aquilo não era uma conversa! E o fato de saber disso foi o que não me fez sentir mal por sair daquela forma. Saí de lá sem rumo, só queria esfriar minha cabeça e pra isso comecei a dirigir. Será mesmo que os meus pais achavam que estariam me ajudando falando tudo o que disseram? É simplesmente inacreditável... Aquelas palavras mais me feriram do que me ajudaram... Claro que eu não esperava que ela estivesse mal como eu, no entanto, não queria lhe imaginar aos mil sorrisos e plenamente realizada... Será mesmo que ela estava bem? Será mesmo que estava tão feliz, sem mim? Quando caí em mim, eu estava na rua de sua casa. Por um impulso, eu estacionei em frente à casa dela e comecei a avaliar a chance de ir entrar... Era a melhor e a mais confiável fonte que eu podia conseguir e eu precisava de informações.

- Como ela está? - Perguntei sentado num banco da bancada, em frente à Mia. Ela pareceu relutante em me responder, talvez porque pensasse que se fizesse isso estaria traindo a filha, mas, caramba! Eu não era nenhum desconhecido... Merecia saber.
- Ela está bem, está morando com a e mais uns amigos - amigos, sei... - Já se matriculou na AADA e, até onde me diz, está se alimentando bem também. Ela está feliz. - fiquei decepcionado ao ouvi-la. Não que eu desejasse mal à , mas me doía saber que a minha presença não fazia falta alguma - Olha, , eu sei que o que a minha filha fez não foi certo, a forma como vocês terminaram não foi nada boa e sinto muito por isso, pois seus pais me disseram como você tem passado quando vieram aqui, mas eu não posso ficar contra ela já que ela sempre foi uma boa filha, sempre, e agora eu não posso deixar de apoiá-la, pois sei que o sonho dela está lá, que lá ela poderá ser plenamente feliz.
Fiquei calado encarando o prato de bolo que Mia serviu pra mim quando cheguei.
- Na verdade, eu tenho pensado em falar com ela ultimamente - assumi ainda olhando para o bolo - Até liguei há uns dias, mas ela não retornou...
- Quer ligar do meu celular? - me interrompeu levantando e olhando para alguma direção onde eu imaginei estar o seu celular - Já mudei até o plano pra poder fazer mais ligações interestaduais e...
- Não, não precisa... O que eu realmente quero, Mia, é a sua opinião, sabe? É que você é a única na cidade que ainda fala com a e também a conhece melhor do que ninguém, então eu queria saber de você, o que você acha que eu deveria fazer? Eu deveria ir atrás dela por ainda existir uma chance para nós dois, ou eu deveria desistir e tentar esquecê-la de uma vez?
O olhar que Mia me lançou foi de pena. Qualquer pessoa sensata não falaria o que eu falei, mas eu sinto que nunca saberão o que devo saber... Talvez fosse melhor eu só seguir o conselho da única pessoa que pode saber se esse romance ainda tem alguma chance, além da própria .
- Você está querendo respostas que eu não posso dar, me desculpe, mas a única pessoa que pode decidir o que você deve fazer é você. Sei que você tem passado um bom tempo sozinho, pensando nas coisas e no que deve fazer, já até tomou decisões que os seus pais não apoiam... Acontece que só pensar não te tira do lugar, não resolve essa confusão que você está sentindo. Você precisa tomar uma decisão sobre o que fará daqui pra frente e agir, não importa se isso significa ir ou não atrás da , só tem que ser algo bom pra você... Pense mais um pouco, tome uma decisão e aja.
- Não é a primeira vez que me dão esse conselho.
- Quer dizer que é um bom conselho - sorri e assenti em resposta.
Depois disso não demorou muito para que eu saísse. A conversa não tinha sido de toda agradável, porém Mia estava certa, eu precisava tomar uma decisão. Ainda não querendo voltar pra casa, eu acabei optando por passar na loja de conveniências das bebidas e comprar um sixpack de alguma cerveja mediana, de lá eu fui para o limite da cidade, a margem do rio Willamette, com a garantia de que não haveria memórias nossas para me assombrar e a esperança de que suas águas correntes me trouxessem alguma paz e clareza.

20° Dia.

- Estou pensando em ir vê-la em L.A. - a xícara de chá quase caiu da mão de Mia ao ouvir o que eu disse.
- Sério? Wow - o choque dela ao me ouvir tirou um pouco da minha certeza - E o que os seus pais acham disso?
- Eu ainda não falei com eles sobre, mas pensei muito ontem à noite. Na verdade, já fazia um bom tempo que eu estava pensando em ir atrás dela, é o que eu sinto que devo fazer.
- Se você tem tanta certeza assim... Só acho que precisará de muita coragem pra fazer isso.
- Eu também - respirei fundo e tomei mais um gole do chá, digerindo o tamanho do desafio à minha frente.
- Então, no que eu posso ajudar? Quer que eu marque o encontro de vocês?
- Não, eu acho que desistiria da ideia se for algo marcado assim, ainda tenho um receio de que ela não apareça ou fuja - de novo - Na verdade iria pedir pra você ser um cúmplice, pois eu nem sei onde ela tá morando... Quero saber se você pode me dizer onde poderia encontrá-la - o olhar dela expressava um pouco de incerteza e desconfiança.
- Na verdade não sei, mas posso arranjar sim. Sei que vocês precisam conversar, não podia ficar só por aquela carta e é melhor ainda se a conversa for pessoalmente - Ao ouvi-la, suspirei de alívio por saber que as minhas chances tinham aumentado.
- Muito obrigado, Mia.
- Não precisa me agradecer, , você sempre foi uma boa pessoa e um bom namorado para a , isso é o mínimo que eu posso fazer por você.
Ficamos conversando pelo resto da manhã, ela perguntou sobre a faculdade e eu expliquei a ela o meu ponto de vista, incrivelmente ela foi a primeira a me entender. Não tem como odiar essas duas, elas são pessoas simplesmente maravilhosas, tal mãe, tal filha.
À tarde eu tive que contar aos meus pais o meu plano. Posso dizer que eles não ficaram tão contentes ao ouvi-lo, até não aprovaram de início, mas eu não precisava da aprovação deles, já sou maior de idade e tenho um dinheiro guardado que dá muito bem para comprar uma passagem e me hospedar em algum albergue. Depois de ouvirem que dependendo da nossa conversa eu poderia aceitar a bolsa na faculdade, eles se conformaram mais, não apoiaram mesmo assim, mas sabiam que não tinha como me fazerem mudar de ideia.
Josh apoiou. Ele apoia qualquer coisa que eu decida fazer, desde que tenha pensado bem sobre e não esteja bêbado. Agora só preciso deixar essa uma semana de espera acabar...

22° Dia.

O dia seguinte foi inteiro voltado às coisas que eu precisava pra viagem. Apenas mais um dia pra semana acabar, marquei a viagem para o dia seguinte. Pra você não deve fazer tanto sentido eu ter levado esse prazo tão a risca se já tinha decidido o que deveria fazer, mas é como se ele fosse uma lei que me impedisse de fazer uma besteira, esse prazo era a minha margem de erro, minha ultima chance de repensar as coisas.
Depois de vinte e dois dias que ela foi embora lá estava eu, na porta da casa dela, esperando sua mãe cumprir o combinado. Ela apenas abriu a porta, não me convidou para entrar, pois sabia que já não tínhamos muito pra conversar.
- Anotei tudo nesse papel - entregou-o pra mim - Pelo visto amanhã ela vai almoçar com a num restaurante em que sempre íamos, não sei o horário exato, pois ela não disse e eu preferi não perguntar pra não gerar desconfianças então eu anotei aí por volta do horário que nós almoçávamos lá.
- Já é de grande ajuda. Obrigado mesmo, Mia - ela me abraçou.
- Boa sorte, . Espero que vocês se acertem.
- Eu também.
Ela ficou parada na porta até eu partir com o carro. Não tinha como duvidar de sua boa vontade. Só esperava que, se tudo desse errado, ela e não ficassem brigadas por minha causa. O avião partiria na manhã seguinte, só mais um pouco e eu estaria com ela. A minha vontade de ir não havia diminuído em nada, só o frio na barriga que havia aumentado. Aquela foi uma longa noite, pois não preguei os olhos nem por um minuto e já fazia alguns dias que eu não dormia muito bem. "Será mesmo que tenho alguma chance?", lembro-me de ter questionado durante a noite, pois a insegurança era imensa, mas a vontade de vê-la conseguia superar. Como fui tolo... Mesmo assim não me arrependo de ter continuado.

23° Dia.

O voo foi cedo, 06:24, cheguei em Los Angeles quase nove horas, pensei até em ir direto para o restaurante onde eu a encontraria, mas com certeza não estaria aberto e, mesmo que estivesse, não seria bom esperar com a mala pois já bastava a minha ansiedade como má companhia. Fui para o hotel, meu quarto era minúsculo, claro que não precisava de mais que o necessário, porém não imaginava que espaço fosse tão necessário, dada à quantidade de voltas que eu dei naquele cubículo. Era uma tentativa de não ficar tão ansioso, uma fracassada tentativa.
- 11:20 -
Já fazia dez minutos que eu estava esperando. Sua mãe havia me dado o espaço de tempo entre 11:30 e 12:30, mas eu não quis correr o risco de perder esta que parecia ser a minha última chance de ser feliz. O salão era bem aberto, cheio de janelas e um ar meio europeu. Os garçons já deveriam estar desconfiando de mim, pois ao chegar eu escolhi o pior lugar possível, perto dos banheiros, por ter uma visão mais ampla das mesas e da porta de entrada, além disso, não pedia nada, apenas água e o meu olhar variava entre o menu e a porta de entrada, desviando a vezes para o relógio, resumindo, atitudes meio psicóticas.
Quando cheguei, o salão estava praticamente vazio, mas com o passar do tempo o número de pessoas nele aumentou, assim como a minha ansiedade. Depois de um tempo eu podia jurar que meu coração havia se mudado pra boca, pois era lá que eu o sentia de tão forte que meus batimentos estavam. Trinta minutos se passaram até ela chegar, linda como sempre. Ela aparentava estar mais leve do que antes, como se um grande peso tivesse sido tirado de suas costas, até o seu estilo de roupa tinha mudado, mas não o seu efeito sobre mim, eu sorri só de vê-la entrar. Ao contrário do que eu esperava, ela chegou sozinha, "será que a sua amiga não vem?", pensei... Como estava sendo bobo... Me mantive calado e escondido atrás do cardápio vendo-a, ela entrou e ficou parada por um instante, parecia estar scaneando o salão com os olhos, como se procurasse por alguém, sua amiga não podia ser pois eu não a vi entrar. Por um instante pensei que ela poderia estar procurando por mim, mesmo sabendo o quanto era improvável uma gota de esperança me iludiu. O que mais me impressionou foi ver seu olhar passar por mim, sim, ela olhou em minha direção, mas não me viu. Será que eu passei a ser tão insignificante pra ela ao ponto dela nem sequer me reconhecer? Fiquei incrédulo... Depois de passar por mim, o seu olhar pairou sobre outra mesa e ela sorriu, não pude evitar em olhar imediatamente para a direção que ela olhava... Era um cara, um cara que acenava e sorria de volta para ela... Parecia que alguém tinha acabado de dar um soco em meu estômago, um lento e doloroso soco. Senti o ar ficar mais pesado a cada passo que ela dava em direção a ele, "Não pode ser. Por favor, não...", mas mesmo contra todas as minhas expectativas ela continuou até abraça-lo, confirmando o meu medo. Minha vontade foi de correr dali, fugi daquele lugar, mas eu sabia que a pontada que sentia no meu coração não iria sumir...
- Calma, cara, isso não quer dizer nada – a voz de Josh veio em minha cabeça, me fazendo fechar os olhos e respirar fundo.
Fiquei repetindo a frase dele várias e várias vezes em minha cabeça até ter coragem de voltar a olhar aquela mesa. Eles estavam conversando e sorrindo, o fato de não terem se beijado foi o que me fez continuar sentado ali, vendo-os, pois talvez a voz de Josh na minha cabeça estivesse certa.
Eu me lembro que doía. Olhar para ela doía. Mesmo que não significasse nada concreto, doía ver que a vida dela parecia mais leve comigo mais longe... Nunca tinha me imaginado como um mero espectador de sua vida...
Minutos se passaram de comida e conversa afora dos dois. O fim daquilo parecia mais próximo, mas eu não sabia se isso me deixava melhor ou pior, como sempre eu estava confuso... Até que em um pequeno gesto o meu mundo pareceu cair. Eles tinham acabado de pedir algo pra um garçom, provavelmente a sobremesa, e na mesa que estava vazia, sem contar seus copos, pude ver a mão dos dois se tocando, era isso, eles estavam de mãos dadas e sorrindo... Eu ainda repetia na minha cabeça a frase de Josh, mas a cada segundo que se passava eu acreditava menos e menos nela. Eu queria acreditar, juro que queria, no entanto eu reconhecia aquele olhar, reconhecia, pois já tinha visto ela me olhar daquela forma várias e várias vezes. Essa foi a minha gota d'água. De cabeça quente eu abri minha carteira, depositei algumas notas sobre a mesa e fui em direção à porta. Estava bem claro que não tinha nada para mim ali, mas a raiva me cegou, em meio ao caminho eu acabei esbarrando num garçom, chamando certa atenção do salão pelo baque e em meio a isso meu olhar se cruzou com o dela. Ela me reconheceu, foi visível por ter ficado estática e ter balbuciado meu nome, consegui reconhecer o movimento de seus lábios mesmo que não tivesse ouvido sua voz. Eu engoli a seco e continuei andando restaurante afora.
Chegando do lado de fora, percebi que não sabia o que fazer. Meu plano era chegar no restaurante e falar com ela, não tinha pensado no que faria depois disso, muito menos se visse o que eu vi, só pude parar no meio da calçada e respirar fundo, tentando digerir os fatos... Até ouvir a voz dela.
- ? É você mesmo?
Ela me viu, eu sei que viu, e tinha me reconhecido. Como podia ser tão cínica ao ponto de perguntar aquilo se já sabia que era eu?! Virei para ficar de frente para ela e permaneci calado.
- Como... Por que você veio até aqui?
- Não é óbvio?! – não contive a grosseria na minha voz – Eu vim te ver, mas parece que não tem nada aqui pra mim, não é? – ela me olhava ainda em choque, não pronunciou nem uma palavra – Olha, , eu só vim atrás de respostas e as consegui – me virei para ir embora, mas o seu toque em meu braço me fez parar.
- , eu... Eu sinto muito pela forma que as coisas acabaram, não queria que terminasse assim, mas foi a única forma que eu encontrei em meio aquela loucura toda e...
- É, deve ser bem complicado em meio a uma fuga com o meu carro, correndo de um pedido de casamento e dos seus amigos deixando como satisfação só uma carta, uma mísera carta... Talvez depois de tantos anos juntos eu realmente não merecesse um minuto de conversa, e se eu não tivesse chegado lá naquela manhã só ficaria sabendo horas depois, pela boca de outra pessoa! Você parece ser desumana, sabia? Eu te amei por todos esses anos, fiquei do seu lado em todos os momentos, nos bons e nos ruins, sempre sendo um bom companheiro, pra você me tratar assim no final? – juro que tentei conter as minhas lagrimas, mas não deu – O foda é que mesmo depois do que você fez, mesmo depois do merda que você fez eu me sentir, eu ainda vim até aqui, tentar salvar o nosso relacionamento, porque ainda te amo! No entanto parece que não existe mais um "nós".
Seus olhos chegaram a lagrimar, só que isso não me comoveu, ela não me enganaria mais.
- , eu...
- Para de me chamar de ! - a interrompi gritando – Você não tem o mínimo de consideração por mim, então por que me chamar pelo apelido, ?
- Você nunca me chama assim... – seu rosto demonstrava decepção – Sempre me chama de .
- Quer que eu finja que não aconteceu nada? Que está tudo bem entre nós? – perguntei sem me comover.
- Não! Eu quero que tente me entender! – fugiu uma lágrima de seu olho, uma única lágrima que não se compara às dezenas que eu derramei por ela – Tudo o que eu disse naquela carta era verdade. Eu não queria sair da cidade daquele jeito, mas eu precisava! Precisava correr atrás do meu sonho, da minha felicidade e isso tudo está aqui, em Los Angeles. Não queria ter que lhe deixar indeciso em relação à faculdade e nem em relação a nós dois... Eu realmente não lhe amo do jeito que você me ama, sinto um carinho imenso por você e me preocupo...
- Não! Você não se preocupa! Se você realmente se preocupasse não teria me deixado desse jeito, ou teria pelo menos retornado a minha ligação, caramba!
- Eu pensei, mas...
- Já deu, , você não precisa me dizer mais nada – eu me distanciei, indo em direção aos carros.
- , me ouça! Eu estou aqui agora pra responder tudo o que você quiser perguntar, tudo o que você quiser saber do meu lado dessa história – parei ao ouvi-la.
- O seu lado? – ri irônico – E o meu lado? Você não quer e nem quis saber dele quando se foi, mas mesmo assim eu vou te dizer. Depois que você foi embora, eu fui pra casa chorando, porque a merda do seu cheiro estava impregnando no carro, além da cena de você me deixando pra trás na minha cabeça! E quando eu cheguei no meu quarto li a sua carta, esperando que ela pudesse me fazer entender toda aquela loucura, mas ao invés disso vi todas aquelas suas desculpas egoístas e esfarrapadas, que só me fizeram sentir mais raiva de ter sido um otário por tantos anos! Daí eu destruí tudo o que você me deu, até joguei no lixo pra poder te esquecer, mas claro que não seria tão simples... Fiquei trancado no meu quarto por dias tentando te tirar da minha cabeça e quando eu decidi sair, adivinha?! Você parecia estar em todos os lugares, todos! Me martirizando a cada instante, e sabe a minha faculdade que você quis tanto salvar? Eu desisti dela, não vou porque ela é uma mentira, e seria outra lembrança constante de que a minha vida foi toda planejada em volta desse amor de mentira! Agora olha, , olha o meu lado!
Ela se calou. Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu ainda esperava que ela dissesse alguma coisa que mostrasse interesse em salvar a nossa historia, só que isso não aconteceu. Eu fui embora e ela não me impediu mais.
O caminho de volta ao hotel foi doloroso, saber que tudo o que tinha acontecido não teria volta foi devastador demais para mim, e assim eu segui o caminho para casa.

Sai de Los Angeles na noite daquele mesmo dia. A me ligou duas vezes, porém eu não atendi, já estava tudo bem claro pra mim. O avião pousou em Portland por volta das oito, eu desembarquei, peguei minha mala e entrei no primeiro táxi que vi, pedi ao motorista que me levasse a algum bar onde eu pudesse beber e ele entendeu o recado.
Acabei parado num pé sujo em um bairro afastado do centro de Portland, do qual eu nem sabia da existência até aquele momento, e lá estava eu, afundando minhas mágoas em copos e mais copos de cerveja, como se no fundo de algum deles fosse achar um sentido pra minha vida, um objetivo, uma razão pra estar vivo pois qualquer coisa que fizesse sentido pra mim já serviria... Mas nenhum copo me ajudou, nenhum deles tinha o remédio pra minha doença, o barman entediado pelo baixo movimento foi perguntar minha história, o que me levava a aquele lugar, pois todos estavam lá por um motivo e olhando ao redor pude ver que eu não era o único no fundo do poço. Olhei para o barman e apenas disse:
- O de sempre: Perdi a mulher que amava e agora tudo é um porre.
- Então boa sorte - ele respondeu servindo mais um copo para mim.
Pela primeira vez eu não estava pensando nela, porque não tinha nada que me lembrasse ela ao meu redor, eu apenas sentia a minha dor, o meu vazio, a minha não vontade de viver e pensava o que seria de mim, o que eu poderia fazer pra sair daquele fundo de poço... Mas a verdade é que só quem passou por isso entende, que não é um drama, não é como se estivesse chovendo e você estivesse no meio da chuva, reclamando dela, sendo que bem perto dali tem um lugar coberto, uma solução para o seu problema, e você só não vai até ele. Não, é como se você estivesse num rio, sendo levado pela correnteza e quando percebe que aquilo não é bom pra você, tenta fugir, vai contra a correnteza, tenta, luta, mas sente como se não saísse do lugar...
Não venha me criticar se nunca sentiu isso ou se nem tenta me entender.
Saí daquele bar depois de duas horas e vários copos de cerveja, fui de uber até minha casa, meus pais não estavam lá, o carro deles não estava lá, eles nem sabiam que eu já tinha voltado à cidade, pois eu não contei, não queria ter que contar a eles o porquê de voltar tão cedo. Eu realmente não fazia ideia de onde eles poderiam estar, mas não me preocupei. Ao entrar no meu quarto, foi como se um soco tivesse sido dado na minha cara, a minha dor voltava a ter o nome dela e eu não entendia o porquê caralhos tudo naquele quarto parecia ter sua cara estampada. Foi quando minha cabeça estourou de vez, a raiva surgiu, o ódio por lembrar dela com aquele cara, como se já tivesse me esquecido, como se eu não tivesse sido nada, voltou. Simplesmente comecei a quebrar tudo, chutei todos os móveis, soquei o armário, taquei todas as coisas quebráveis que tinha à minha vista no chão até parecer que um furacão tinha passado pelo quarto. Fiz tudo gritando e aos prantos, o que até me fez sentir mais leve, sentei-me derrotado no chão, apoiando minhas costas na cama e cobrindo meu rosto com a mão. Simplesmente não entendia como que tudo tinha mudado, como a vida não tinha significado, como eu me sentia um lixo e nada me fazia sentir melhor. Finalmente entendi o que as pessoas queriam dizer com: estar num túnel sem fim...
Com a cabeça a mil, peguei a chave do carro e fui até ele, pensei que talvez andar de carro me faria esfriar a cabeça, ficar mais calmo, pois eu sentia como se não conseguisse mais respirar, meu mundo tinha caído e eu não consegui... Não consegui erguê-lo de novo... Não consegui ser forte o suficiente... Quanto mais eu dirigia, mais eu pensava nisso. Estava andando sem um rumo, só tentando desviar de cada caminho que pudesse me lembrar dela, no entanto parecia ser impossível. Em meio a minha fuga acabei chegando à Railroad Avenue, onde o Elevador Municipal fica, e só a ideia de passar na frente daquele lugar me enrijeceu por inteiro, na minha cabeça era como se eu estivesse correndo dela e nesta tentativa sem sentido acabei fazendo uma curva de ultima hora na Sexta Rua, a alta velocidade na qual meu carro estava quase não me permitiu concluí-la, o que só aumentou mais ainda a adrenalina que percorria as minhas veias. E no final daquela rua eu só tinha duas alternativas, pois era lá que a cidade terminava e o rio começava.
Foi nesse momento que encontrei a luz no fim do túnel. Mesmo que ela fosse mais sombria do que o que todos esperam e desejavam pra mim, aquele foi o fim da minha estrada, o fim da minha dor...
E se você realmente não me entende, espero que nunca precise entender.
Talvez você me ache um fraco, talvez eu realmente tenha sido fraco e tenha desistido por um motivo bobo e minúsculo, mas talvez eu tenha sido forte, muito mais do que eu nunca imaginei que seria; Tenha aguentado um mundo de problemas com um tamanho colossal nas minhas costas que nem você aguentaria por tanto tempo... Mas a verdade é que você nunca vai saber, pois você não sentiu o que eu senti.




FIM



Nota da autora: Essa é a primeira estória que eu finalizo. Ela é uma paralela da minha principal, minha primeira filha, Finally, onde a principal, , deixa tudo pra correr atrás de seus sonhos. Minha ideia pra essa short foi mostrar o outro lado, o lado de quem foi deixado pra trás no meio dessa busca pela felicidade e que às vezes, mesmo que você não tenha a intenção de fazer mal aos outros, acaba fazendo por querer o que é melhor para si ao invés do que é melhor para os outros.
Sei que lendo Everything Sucks antes de Finally vocês acabam levando alguns spoilers, mas eu até gosto disso porque em nenhum momento eu digo quem é o cara que aparece no History da e nem o do restaurante... Quem será? ou são?.. Não precisa se conter, pode continuar me acompanhando em Finally, juro fazer de tudo pra você não se arrepender.
Estou muito feliz porque quem lê não imagina os perrengues pelo qual eu passei pra escrevê-la, no entanto eu aprendi muito também.
Agradeço a Lorena Bicchieri e a Pietra Couto por terem me apoiado durante todo esse processo e às outras meninas do ficstape também, pincipalmente à Larissa Carrião por não ter desistido de mim.



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