Capítulo Único
O GPS dizia que em 10 km eu estaria em Glasgow e aquela informação aumentou a ansiedade que eu sentia. Era a primeira vez que eu voltava àquela cidade desde que tinha me formado e eu não sabia bem o que esperar.
Bom... Mais ou menos. Eu sabia que haveria um casamento e que seria o evento do ano! Os noivos, é claro, eram meus melhores amigos e eu os via com frequência. Encontrá-los não seria novidade. Mas havia outra pessoa. Alguém com quem eu queria muito me encontrar, mas também sentia certo receio.
Porque no passado eu tinha sido um idiota completo com ela...
- Before -
Para entender essa estória, é importante que eu diga mais uma vez que quando tudo começou eu era um idiota. Um daqueles idiotas que acham que conquistas na faculdade se contam em garrafas vazias e one night stands.
Eu era feliz assim... Sem me apegar a ninguém, eu podia "aproveitar" os melhores anos da minha vida do jeito que eu quisesse. Nigel, meu melhor amigo, vivia sob essa mesma filosofia e nossa casa era conhecida por sediar as melhores festas da Universidade de Glasgow.
Porém, no meio do nosso segundo ano, ele conheceu uma garota. Para sorte dele. Nigel estava alguns passos na minha frente em questão de maturidade e soube perceber que havia encontrado alguém que valia mais do que as noites viradas e o sexo casual. Eu perdi meu parceiro de crime e nossa casa deixou de ser a mais movimentada do campus, mas em compensação, ganhamos Lydia. Eu a adorava e torcia pelos dois, mas continuava achando que aquilo não era para mim.
No começo do terceiro ano, nós estávamos celebrando o aniversário de Lydia em casa. Enquanto bancava o barman e preparava drinks na cozinha (eu só queria mesmo me exibir para as meninas por ali), vi a aniversariante cumprimentar alguém que eu não conhecia. Lydia normalmente mantinha suas amigas bem longe de mim e eu não a culpava.
A primeira coisa que reparei na garota (surpreendentemente) não foi como ela era bonita (e ela era!), foi sua risada alta e espontânea. Tão alta, que o cara que passava ao lado das duas se assustou. Ri com a cena e me desconcentrei do que estava fazendo. Naquele momento, só havia uma pessoa que eu queria impressionar naquela festa.
Eu precisei esperar que Lydia se afastasse ou ela me enforcaria. Mas não demorou muito e lá estava eu, indo me apresentar à garota da melhor risada que já tinha escutado.
"Oi! Sou o ... Tudo bem por aqui? Precisando de alguma coisa? Copo cheio?" - Falei, enquanto tocava seu ombro e a cumprimentava. Era uma das minhas técnicas favoritas de aproximação. Costumava funcionar 90% das vezes.
"? Que mora aqui com o Nigel?" - Ela perguntou, ainda segurando minha mão enquanto mantinha uma sobrancelha levantada. - "Lydia me mandou ficar longe de você!"
Eu disse... Havia 10% de falha. Soltei sua mão meio sem graça. Eu teria que mudar o plano. Não poderia começar com o papinho furado logo de cara.
"Hey!" - Falei, fingindo indignação. - "O que a Lydia tem falado de mim por aí?"
Ela deu uma de suas risadas altas, me fazendo rir também. Tinha toda essa atmosfera que te deixava animado meio sem saber por quê. Como se expirasse serotonina. Me dei conta que ainda não sabia seu nome.
"Como você se chama?" - Perguntei, ainda rindo sem motivo aparente.
Ela deu um sorriso de lado e eu fui pego pela beleza de seu rosto assim de uma vez só.
"." - Respondeu, me oferecendo a mão de novo. Um sorriso sapeca em seus lábios.
E foi assim que eu a conheci. Passamos toda aquela noite conversando, mas por algum motivo não senti necessidade de transformar aquilo em algo mais. Talvez tenha sido medo de Lydia, mas eu acho que era porque pela primeira vez eu temia levar um fora e ter que parar de conversar com ela.
E assim foi por um bom tempo. Eu coloquei em uma redoma e aceitei que só seríamos amigos; como se as palavras de Lydia tivessem se fixado em minha cabeça: "Ela é demais para você!", "Se você tentar qualquer coisa com a ...".
Mas nem por isso deixei de vê-la. Nós passávamos muito tempo juntos, na verdade. Assistindo TV, conversando sobre tudo, estudando, correndo no parque... era inteligente e divertida, uma ótima companhia. O que eu mais gostava nela era como transformava as coisas em poesia, ou pintava quadros imaginários com as cenas mais comuns do dia a dia. Havia beleza em tudo que seus olhos viam.
De algum modo, eu também me sentia confortável para contar coisas a ela que não contava a ninguém. Como por exemplo, que eu sabia tocar piano muito bem, mas nunca mais tinha tocado desde que meu avô tinha morrido. Me lembro de segurando minha mão nesse dia e de pensar em como ela era incrível e linda. De como meu avô a adoraria.
Mas eu era um idiota, lembra? Então lógico que dei um jeito de estragar tudo.
Uma noite sozinhos em casa, no nosso último ano, depois de muito vinho, risadas e conversas sem sentido, acabamos deitados um em cima do outro no sofá. Foi como se o incêndio só precisasse de um palito de fósforo para acontecer. Um selinho de brincadeira se transformou em beijos demorados e mãos apressadas. Logo as peças de roupa sumiam uma por uma e, num piscar de olhos, estávamos os dois no meu quarto, abraçados e sonolentos.
"Lydia vai nos matar!" - me dizia no outro dia, rindo enquanto se vestia.
"Não vai se ela não souber..." - Falei, dando de ombros.
parou o que estava fazendo e me encarou.
"Isso só aconteceu uma vez, certo? Não vai acontecer mais..." - Quis saber, ficando séria de repente.
Achei que a resposta certa fosse "Sim... Só uma vez. Somos amigos..." e foi o que eu respondi.
Mas aquela não foi a única e última vez. Tínhamos aberto uma porta e era quase irresistível se esgueirar por ela sempre que nossos melhores amigos não estavam olhando.
O problema é que, para mim, aquilo só melhorava nossa amizade. Não era um passo para frente no nosso relacionamento. Era ter permissão para dançar enquanto parado no mesmo lugar.
Ser amigo de não havia feito com que eu mudasse meu "estilo de vida" e transar com ela também não. Era só um ótimo plano B quando eu não encontrava ninguém interessante nas festas. E, porque Nigel e Lydia não sabiam, eles não podiam me colocar no meu lugar.
Um idiota, eu sei. Imaturo, babaca...
Quando faltava um mês para nos formarmos, e eu estávamos sentados na cozinha do seu apartamento e ela parecia inquieta.
"? Algum problema?" - Indaguei, alcançando sua mão.
"... O que... Como você nos vê depois da formatura?" - Ela perguntou levantando os olhos, as palavras se atropelando para sair de sua boca.
Meu estômago afundou. Eu não queria ter aquela conversa.
"... Eu... Você vai para a Espanha... Eu vou voltar para Southampton..." - Respondi, do jeito mais reticente que consegui.
Ela fez que sim com a cabeça, parecendo meio derrotada.
"Eu sei, mas... Poderia dar certo. Se nós quiséssemos..." - Falou.
Naquele momento, naquele exato momento, eu podia escolher entre luta e fuga. Entre seguir os passos do meu melhor amigo e me comprometer ou ser um completo imbecil.
Mas vocês já sabem como essa terminou... Me embananei, tentei explicar que achava que não daria certo porque eu não servia para namorar e que eu gostava que fossemos só amigos. Ela não discutiu, nem tentou mudar minha opinião. Só fez que sim com a cabeça mais uma vez e trocou de assunto.
Aquela nuvem negra continuou lá entre nós durante o último mês mesmo que tentássemos (que eu tentasse) de todo jeito acabar com ela. Não viramos completos estranhos, mas deixamos de fazer as coisas só nós dois como estávamos acostumados.
Talvez fosse melhor, pensei. Porque seria assim de qualquer forma quando fossemos embora de Glasgow... Mas jamais imaginei a falta que ela faria dali em diante.
Ela foi morar na Espanha, país de origem de seus avós. Eu arrumei um emprego em Southampton, minha cidade natal, e me mudei para lá... Ainda nos falávamos por email de vez em quando, mas eu sabia que tinha estragado tudo.
Nigel e Lydia continuaram morando em Glasgow e eu os encontrava frequentemente em Londres, onde os pais de Nigel moravam. Um dia acabei contando tudo a eles e, como era de se esperar, Lydia ficou uma fera!
"VOCÊ! É! UM! IDIOTA!" - Ela dizia, me batendo a cada palavra. Eu sabia que merecia.
Nigel balançava a cabeça também, me julgando silenciosamente.
"Eu... Não daria certo, Lydia! Ela se mudou do país!" - Tentei justificar.
"Vocês podiam fazer dar certo!" - Ela esbravejou, repetindo as palavras de .
"Eu não sei fazer isso... Me comprometer..."
"Olha só para você, !" - Ela estava me chamando pelo nome. Era sério assim. - "Você quer mesmo continuar vivendo aquela vida escrota da universidade no mundo real?"
Lydia continuou o sermão e eu não disse nada. O choque de realidade ia me acordando aos poucos ao perceber quão imaturo eu tinha sido. Pelo jeito como tinha a tratado, por achar que eu ia viver para sempre de festas e casinhos sem sentido.
"Você tem razão..." - Falei.
"Eu não acredito que você enganou a por todo aquele tempo... Fingindo que gostava de passar tempo com ela, sendo todo gentil e cavalheiro... Só para transar com ela!" - Lydia estava irada!
Mas dessa vez ela estava enganada.
"Não! Não era fingimento! Eu... Eu gostava mesmo da . Gosto ainda!" - Corrigi. - "Gostava de estar com ela..."
Nigel então abriu a boca pela primeira vez:
"Qual era o problema então? Vocês tinham tudo, cara!"
Nós tínhamos tudo mesmo. Eu só não tinha um cérebro...
E, daquela conversa, dois anos se passaram. Nigel e Lydia ficaram um tempo putos comigo, mas depois me perdoaram. Eu pedi desculpas a , mas tudo soa meio superficial por email e nós nunca mais nos encontramos.
Eu gosto de pensar que mudei completamente desde então, que finalmente ouvi o que os meus amigos tinham a dizer... Mas ainda havia algo de interminado para mim nessa estória. E a minha chance era o casamento de Nigel e Lydia naquele fim de semana.
E era por isso que eu dirigia naquela quinta feira de volta para Glasgow.
- Back to Glasgow -
We talk about life as she caught me up on drinks in no time
Eu havia me atrasado muito parando para comer e me perdendo pelo caminho, enquanto atravessava o país. Tinha previsto que chegaria às 8 horas da noite, mas acabei chegando às 10h30.
Parei o carro quando o GPS me avisou que tinha chegado ao destino e me certifiquei de que o número da casa estava certo. O bairro era bem familiar e muito diferente de onde costumávamos morar durante a universidade. Meus amigos agora tinham uma casa de adultos e sorri ao pensar neles casados vivendo naquela ruazinha de pessoas casadas (ou divorciadas, vai saber). Tínhamos crescido mesmo (bom... Eles tinham)! Tirei minha mala e o terno do carro e, desajeitadamente, toquei a campainha. Voltei a sentir aquele formigamento de ansiedade desconfortável.
Ouvi passos e a porta logo se abriu, revelando a noiva do ano.
"! Você chegou! Graças a Deus! Eu achei que tinha acontecido alguma coisa na estrada!" - Ela disse rápido, me puxando para um abraço de urso.
Lydia tinha esse lado maternal afloradíssimo que sempre me fazia rir.
"Calma, mãe, está tudo bem! Eu só me perdi algumas vezes..." - Falei, já avistando meu melhor amigo vindo ao meu encontro. - "Ainda dá tempo de mudar de ideia, Nigel... Eu dirijo!" - Brinquei, tomando um tapa de Lydia. Meu Deus, como sentia falta desses dois!
Nos cumprimentamos e logo fui içado para dentro da casa.
"Espero que você não se importe de dormir na sala, cara..." - Nigel disse, me levando até o próximo cômodo, onde um colchão já estava me esperando.
"Não, imagina, está tudo bem!" - Respondi, colocando minhas coisas no sofá. - "Eu é que fui um folgado e não reservei um quarto de hotel..."
Nigel me deu umas batidinhas no ombro e me olhou de esguelha com uma expressão preocupada.
"Que foi?" - Perguntei.
" está ficando aqui também. Está no quarto de hóspedes."
Meu estômago despencou. Eu não esperava vê-la tão rápido! Porém, dei de ombros e retribuí os tapinhas nas costas. Não queria causar nenhum tipo de climão na casa dos noivos a dois dias do casamento.
"Tá tudo bem, Nigel. Não precisa fazer essa cara!" - Disse, rindo. Mas então perguntei algo que traía a atitude blasé toda. - "Ela... Ela já chegou?"
Lydia entrou na sala nessa hora, com uma expressão idêntica a de Nigel.
"Já sim. Mas já foi se deitar." - Ela disse, mordendo os lábios. - "Nós já estávamos indo também, na verdade, . Estávamos só te esperando. Você quer algo para comer?"
Eu havia comido há pouco tempo, mas mesmo se estivesse com fome dois minutos atrás, teria passado ao saber que eu e estávamos mais uma vez no mesmo lugar.
"Não, não..." - Respondi rápido e abanei as mãos. - "Vão dormir, vocês devem ter mil coisas para fazer amanhã. Muito obrigada mais uma vez por me deixarem dormir aqui."
Os dois sorriram e me desejaram boa noite antes de sumir pela porta. Lydia ainda voltou duas vezes ao se lembrar que não tinha me mostrado onde era o banheiro e para dizer que eu podia comer o que eu quisesse na cozinha, se sentisse fome mais tarde. Balancei a cabeça rindo quando finalmente os ouvi subindo para o andar de cima. Eram mesmo almas gêmeas!
Estava procurando minha escova de dente na mala quando ouvi passos no corredor. Comecei a rir de novo, achando que devia ser Lydia mais uma vez. Mas quando levantei a cabeça, não era ela que estava parada na porta.
usava uma camiseta larga e calça de moletom e mesmo assim estava ainda mais linda do que antes. Ela tinha aquele sorriso bonito no rosto e trazia duas taças e uma garrafa de vinho nas mãos.
"Hey!" - Falou, parecendo tímida de repente e erguendo uma das mãos ocupadas para me cumprimentar.
"!" - Exclamei, indo até ela. O abraço e o cheiro ainda eram os mesmos. Era como fazer uma viagem no tempo e se sentir em casa. - "Que bom te ver! Você... Você está tão linda!"
Nos soltamos e ela riu, meio sem jeito.
"Tô de pijama, , qual é?" - E então me ofereceu uma das taças e apontou para o sofá. - "Pelos velhos tempos?"
Eu me agarraria a qualquer oportunidade para passar tempo com ela.
"Você não estava dormindo?" - Perguntei.
Ela riu. Não era sua risada típica, porque não podíamos acordar a casa toda.
"Estava esperando os pais irem dormir para assaltar o armário de bebidas..." - Brincou, me fazendo gargalhar e depois tapar a boca com as mãos quando ela fez "shiiii".
Nos sentamos e abrimos o vinho. Ela estava tão à vontade que nem parecia que tudo entre nós tinha "terminado" do jeito que tinha. Acabei relaxando também. Ela não estava brava, nós estávamos sendo como eu me lembrava.
"E então?" - Perguntou, depois de um tempo em que conversamos sobre coisas bobas, como a estrada até Glasgow e o voo dela. - "Como anda a vida em Southampton?"
Dei de ombros. Não havia nada extraordinário na minha vida para ser compartilhado.
"Nada interessante. Tenho um emprego que me paga razoavelmente bem... Moro perto dos meus pais... Adotei um cachorro..."
Seus olhos brilharam.
"Um cachorro? Como ele é?"
Não demorou e já estava quase no meu colo implorando por fotos e quase derramando vinho no sofá branquinho. Era adorável de tantas formas que eu mal podia conter meu encanto por ela.
Conversamos sobre meu cachorro e a gata dela. Sobre o Brexit, como fazer sangria e sobre alguém que conhecíamos na faculdade e que agora era mãe de gêmeos. Sobre como era morar na Espanha sendo uma descendente espanhola e, mesmo assim, se sentir tão intrusa. Percebi que estávamos ficando bêbados porque começamos a conversar em espanhol e procurar músicas em espanhol no youtube, quando nem devíamos estar fazendo barulho.
"Você bebeu mais que eu!" - Falei, levantando a segunda garrafa vazia. Ouvíamos uma música que eu acho que se chamava La Barca.
"Eu sempre bebi mais que você..." - disse, dando um soluço engraçadinho.
"Claro que não!" - Protestei e ela riu. - "Você quer mais? Vou buscar outra garrafa."
Mas fez que não e se endireitou no sofá.
"Não, melhor não. Preciso acordar cedo amanhã e ir buscar uma prima da Lydia na estação central."
"Eu vou com você." - Me ofereci.
apoiou a cabeça no sofá, parecendo sonolenta. Tirei uma almofada de trás de mim e ofereci para que ela apoiasse melhor o pescoço. Ela sorriu e ergueu a mão vazia, alcançando meu cabelo e fazendo um carinho lento, de quem está quase dormindo. Me encostei também, nossos rostos muito perto um do outro.
"Você... Encontrou alguém?" - Perguntou.
Engoli em seco. Ela prestava toda a atenção que seus olhinhos embriagados conseguiam.
"Por um tempo... Eu... Eu estava tentando me comprometer. Namorar sério."
fez que sim com a cabeça como se entendesse.
"E não deu certo?"
"Nós não éramos muito compatíveis, no fim. Estávamos colocando esforço em algo que não tinha como vingar..." - Expliquei. Eu queria que ela soubesse que eu tinha tentando, que eu tinha mudado. Mesmo que não tivesse dado certo. - "E você?"
Ela riu e fechou os olhos.
"Namorei por um ano. Mas acho que tive esse mesmo problema. É engraçado, não é? Como as coisas não são simples como nos filmes." - Ela abriu os olhos. - "Nós queremos algo quando não podemos ter e, quando podemos, não é o que a gente queria..."
"..." - Eu precisava colocar para fora todo o discurso que havia ensaiado por 2 anos. Mas ela piscou e se mexeu no sofá de novo. Dessa vez também se levantou.
"Acho que vou me deitar..." - Falou, pegando minha taça, a garrafa vazia e saindo da sala. Se virou ao chegar na porta e sorriu. - "Eu estava com saudade!"
"Também estava..." - Respondi, meu coração ainda acelerado. - Boa noite, !"
"Boa noite, !"
When you wrap me around your fingers, baby
and you make me do that shit I never do
Na manhã seguinte, dirigi até a estação central para buscar a prima de Lydia. Como não consegui um estacionamento perto, tivemos que descer a rua toda a pé.
Estava uma garoa chata, nós dois estávamos de ressaca e, por isso, os dois estavam bem quietos. Quando pisei em uma poça d'água sem querer, acabei descarregando meu mau humor.
"Porra! Odeio essa cidade!"- Reclamei, afundando as mãos nos bolsos do meu moletom e sendo extremamente ranzinza. - "Essa merda de chuva..."
, por sua vez, começou com uma risadinha e, quanto mais eu resmungava, mais alta ficava sua gargalhada.
"Você é tão engraçado, !" - Ela disse, enganchando seu braço no meu e se encostando em mim. Minha rabugice passou em 5 segundos. - "Não pode estar falando sério, não tem como odiar Glasgow!"
Me virei para ela e franzi a testa.
"VOCÊ está falando sério?"
"Claro que sim!" - Ela respondeu, ficando séria também. - "O que tem para não gostar?"
"Essa chuva? O dia cinza por 360 dias no ano? O frio? Qual é, , você morava na Espanha... Não pode realmente gostar tanto disso assim!"
balançou a cabeça.
"É porque chove que cada dia de sol aqui é especial. E, quando chove, a grama e as árvores ficam mais verdes... É lindo!" - Ela começou e eu sabia que estava mais uma vez diante de um dos quadros que só poderia pintar sobre um lugar comum como Glasgow. - "Sem contar todos os lugares incríveis! A George Square perto do natal e a pista de patinação... O People's Palace na primavera... Kelvingrove park e o museu... a Clyde Arc à noite! Glasgow é perfeita! Eu ... O que foi?"
Sorri, devia estar olhando para ela como um idiota apaixonado.
"Você vai me fazer andar por todos esses lugares hoje, não vai?"
Ela riu sem graça e fez que sim com a cabeça, me fazendo rir também.
"É uma cidade incrível..." - Tentou justificar.
"É... É sim!"
Chegamos então à estação e foi checar os horários de chegada dos trens.
Fiquei andando por ali, vendo as pessoas e as lojas, mas logo meus olhos caíram sobre algo bem no meio daquele espaço. Um piano, desses que são colocados em lugares públicos para as pessoas tocarem se tiverem vontade. Estava livre quando o encontrei.
"Estamos adiantados. Delilah só chega em vinte minutos!" - se aproximou dizendo, mas logo viu o que eu tanto observava. - "Ah ..." - Falou, colocando a mão sobre o meu ombro.
"É parecido com o que ele tinha em casa..." - Contei, como se já estivéssemos nessa conversa antes, mas eu sabia que ela entenderia. Só ela entenderia.
"Você quer ir lá tocar?" - perguntou, chegando mais perto e fazendo carinho no meu ombro.
"Eu... Não. Eu nem sei mais..." - Sentia um nó esquisito na garganta. Não conseguia desgrudar os olhos do maldito piano.
Mas então entrelaçou nossos dedos e foi me levando até lá. Ela prestava atenção no meu rosto, como se quisesse ter certeza que eu só estava com medo, mas que queria fazer aquilo. Nos sentamos e ficamos em silêncio de novo. Minhas mãos imóveis sobre as pernas, como se eu não pudesse me atrever a tocar nas teclas.
"Eu não me lembro mais..." - Repeti. - "Não tem partitura, eu não vou me lembrar sem partitura."
"Toca a que você lembrar." - Ela falou com a voz terna, colocando sua mão na minha. - "Ninguém aqui vai te julgar se sair errado, ."
Me senti um menininho de novo. Porque estava tão vulnerável e porque eu ainda era pequeno quando me sentei em um piano pela última vez. Coloquei as mãos nas teclas, ainda incerto se deveria fazer aquilo.
"Acho que eu me lembro de uma..." - Disse, por fim. Respirei fundo uma vez e comecei a tocar Clair de Lune, do Debussy.
não se mexeu ao meu lado durante a música toda. Mas sua presença era parte de tudo o que estava acontecendo naquele momento. Algo muito maior do que eu borbulhava dentro do meu peito e era como se a música viajasse de lá direto para os meus dedos. Quase podia ouvir meu avô cantarolando a melodia e o ver mexendo os braços como um maestro. Era como se eu pudesse tê-lo de volta por aqueles poucos minutos. Eu não via as pessoas ao redor. Estava concentrado em não errar. Sei que ele ficaria desapontado...
Quando a música acabou e eu finalmente voltei a me enxergar naquela estação de trem, as pessoas aplaudiam. Me virei para olhar para e ela também batia palmas e tentava enxugar as lágrimas que caíam de seus olhos. Acho que eu nunca tinha a visto chorar.
"Isso foi surreal, ! Eu estou sem palavras!" - Falou, quando nos levantamos e ela me abraçou.
"Obrigada por me ajudar a fazer isso!" - Disse, a abraçando mais forte. - "Eu nunca vou me esquecer..."
"Ele a pediu em casamento? Eu não vi!" - Ouvi uma velhinha dizer ali perto e percebi que estávamos sendo um pouco calorosos demais em público. Nós dois nos soltamos e sorriu para mim.
Eu me sentia tão leve de repente! Como se nem estivesse de mau humor ou ressaca há tão pouco tempo. e eu saímos de perto do piano para comermos algo antes que Delilah chegasse. Andamos meio abraçados por um bom tempo e eu me sentia transbordando felicidade.
O dia do lado de fora até se abriu, para que eu não tivesse dúvidas do quão especial aquele momento era.
The bar that you loved lock us in and let us keep on singing out lungs on the bar stools
On the walk back yours you made me fall in love with Glasgow
And oh, before you know I'll be carrying you over the threshold
O plano era passear por Glasgow durante toda à tarde com . Porém, quando fomos levar Delilah ao hotel onde toda a família dos nossos melhores amigos estavam, acabamos sendo fagocitados pelos parentes festeiros.
Nigel acenou da porta do restaurante do hotel parecendo extasiado de felicidade.
"Almoço e álcool de graça! Entrem aqui!" - Gritou.
"Cadê a Lydia?" - perguntou, quando o alcançamos.
"Já está aqui dentro. As meninas que moravam com ela acabaram de chegar."
Ela abriu um sorrisão.
"Jules e Marg estão aqui?" - quis saber, parecendo animada. Então se virou para mim, como se tivesse dúvidas de que eu sobreviveria se ela fosse lá encontrar as meninas e me deixasse. Sorri de volta.
"Vai lá! A gente deixa nosso passeio por Glasgow para outro dia..." - Disse e pisquei. Ela apertou meu braço e o de Nigel e entrou. Ainda fiquei um tempo olhando por onde tinha sumido.
"A baba tá caindo no carpete, cara..." - Nigel zombou, me fazendo fechar a cara.
"Que baba, tá maluco?"
"Vocês conversaram? Voltaram? Não pense que eu não percebi que faltavam duas garrafas de vinho na caixa hoje de manhã..."
Acabei rindo do tom de voz do meu amigo.
"Você e Lydia estão cada dia mais parecidos!"
"Ha ha ha." - Ele torceu o nariz, mas não pareceu se abalar com a mudança de assunto. - "E então?"
"Nós só conversamos..." - Respondi, dando de ombros, mas Nigel não pareceu acreditar. - "É sério, cara! Foi bom, eu sentia falta dela. É como se nós nunca tivéssemos nos separado."
"Mas isso significa que uma hora ou outra vocês vão acabar..." - Ele levantou as sobrancelhas, sem terminar a frase.
"Não sei. Já é muita sorte que ela não me odeie. Seria muita ambição querer mais que isso..."
Nigel deu um tapinha no meu ombro, mas tivemos que cortar a conversa para que ele fosse cumprimentar outros convidados que chegavam. Resolvi deixar o noivo em paz para cumprir suas obrigações e também entrei no restaurante. Não tinha como não se sentir feliz de imediato. Todas aquelas pessoas ali para celebrar a união de duas das minhas pessoas favoritas no mundo!
Encontrei uma roda de amigos da faculdade que não via há anos e parei por ali. Meu olhar e o de se cruzaram pelo salão e ela sorriu. Quem eu queria enganar? Ambição ou não, eu queria sim que as coisas entre nós evoluíssem.
A tarde ia passando e, mesmo tentando me esquivar das bebidas por causa da ressaca, já estava ficando meio bêbado de novo. Depois de várias danças das cadeiras, parando para conversar com pessoas diferentes, e eu estávamos finalmente sentados lado a lado.
Ela bebeu o resto de seu champagne e consultou o relógio.
"Hey..." - Me chamou, com a voz baixa. Involuntariamente, me curvei para ouvi-la melhor.
"Que houve?"
"Se sairmos agora, podemos ir ver o sol se pôr em algum lugar..." - Falou, ainda com a voz baixa, como se estivéssemos tramando algo.
"Será que não seremos pegos pela tia da Lydia na porta?" - Entrei na brincadeira.
"Hum..." - Cerrou os olhos. Ri de como ficava engraçada quando estava bêbada. - "Acho que se sairmos um de cada vez, vai dar tudo certo!"
"Ok então, eu vou primeiro." - E fiz menção de me levantar.
"Não, não, eu vou... Preciso ir no banheiro."
Ri ainda mais e me sentei. Observei ela sair da mesa e contornar alguns dos convidados, parando para dar um beijo em Lydia. As duas trocaram algumas palavras e Lydia olhou para onde eu estava com uma expressão esquisita. Quando saiu, ela balançou a cabeça. Continuei rindo e me levantei também.
Quando passei pelos noivos, ela me puxou pelo braço.
"Toma. Fica com a chave extra da casa."
"Mas eu..."
"E se comporta!" - Ralhou.
"Fica tranquila, mãe!" - Brinquei e também dei um beijo em seu rosto.
Porque eu tinha bebido, resolvemos sair a pé. Porém, como eu havia dito, tinha parado de chover de manhã e aquele fim de tarde estava agradável. Fomos andando pela beira do rio Clyde até o gramado perto do Clyde Arc e nos sentamos lá para observar o pôr do sol.
"Acho que andar curou o meu grau..." - disse de olhos fechados. Uma brisa balançava seus cabelos e ela parecia a criatura mais irresistível do mundo para mim.
"Isso é bom ou ruim?" - Perguntei, ainda meio hipnotizado.
Ela riu.
"Acho que bom, não sei."
Ficamos em silêncio um tempo.
"? Quando você volta para a Espanha?"
Ela abriu os olhos e me encarou.
"Na terça. Por quê?"
"Era só para saber mesmo... Quanto tempo nós temos..." - Eu queria entrar no assunto. Conversar sobre nós dois, mas nunca parecia o momento ideal. Eu sempre tinha medo de estragar tudo e a afastar, como na vez em que nos conhecemos.
sorriu e se virou para se deitar com a cabeça na minha perna.
"Nós temos agora." - Filosofou, mas não disse mais nada sobre isso. Depois suspirou e mudou de assunto. - "Como você pode não gostar desse lugar?"
"Eu nunca disse que não gostava!" - Falei, para irritá-la.
Ela gargalhou e virou a cabeça para cima para me olhar.
"Falou sim, seu mentiroso! Hoje de manhã, no seu ataque de mau humor!"
Ri também, mexendo em seus cabelos.
"Você me fez mudar de ideia..."
Sorrimos um para o outro e ficamos mais um tempo em silêncio, assistindo o céu mudar de cor.
Quando escureceu, e eu pensamos em voltar para o hotel, mas acabamos andando até Sauchiehall Street, a rua onde ficavam os pubs que costumávamos ir na época da universidade. Depois de comer escolhemos entrar em um deles, o O'Neils, pois era onde sempre acabávamos em noites de sexta, por sabermos que sempre haveria música ao vivo. E aquela noite não seria diferente.
A banda tocava Summer of '69 e bateu palmas e me olhou, como se tivéssemos descoberto o melhor lugar do mundo. Saímos para o bar e então paramos do mesmo lado do pub onde costumávamos ficar para assistir a banda alguns anos atrás. Como se nenhum tempo tivesse passado desde então.
"Não é errado estarmos na despedida de solteiro dos nossos amigos sem eles?" - Perguntou, me fazendo rir.
"Provavelmente. Mas é pior ainda estarmos bebendo por dois dias seguidos, sabendo que nossos melhores amigos se casam amanhã." - Respondi.
arregalou os olhos.
"O que a gente vai fazer?"
"Agora? Continuar bebendo." - Falei, como se fosse a única opção. Ela riu e fez que sim com a cabeça - "E rezar para a ressaca não ser muito terrível..."
"Vou buscar mais bebida para nós dois então..." - disse e saiu pela multidão.
Quando voltou e parou do meu lado, oferecendo um dos copos em suas mãos, acabei me distraindo do mantra que vinha fazendo desde aquela tarde (Já é muita sorte que ela não te odeie, já é muita sorte que ela não te odeie...) e me vi desejando mais uma vez que ficássemos juntos.
Eu precisava me lembrar toda hora que tinha ido a Glasgow querendo tão somente que ela voltasse a falar comigo; mas lá estava eu, doido para passar meus braços por sua cintura e beijá-la ali mesmo. Eu ainda tinha medo de estragar tudo, por isso tentei parar de pensar demais e me divertir.
Nós bebemos e berramos letras de músicas um para o outro. Rimos e fizemos amizade com pessoas desconhecidas. Talvez tenhamos convidado algumas para o casamento do dia seguinte. Não pude deixar de notar, porém, que quanto mais bebíamos, mais ficávamos "afetuosos" um com o outro. ou estava dançando muito junto do meu corpo ou estávamos semi-abraçados/de mãos dadas. Eu provavelmente só estava lidando com aquilo tudo porque estava bêbado.
Quando a banda anunciou que iria tocar suas últimas duas músicas, nós dois estávamos derrotados. Eu já tomava água e ela estava parada em pé no pequeno tablado atrás de mim, com os braços passados pelos meus ombros. Os acordes de Sex on Fire começaram e eu sabia que adorava a música. Podia perceber pelos movimentos de seus braços que estava dançando.
E então, no que para mim pareceu ser um ato repentino, senti seu hálito quente perto da minha orelha. começou a distribuir beijos pelo meu pescoço, me pegando completamente desprevenido. Suas mãos agora passeavam pelo meu peito e ombros e eu não fazia ideia do que fazer.
Me virei, encarando-a.
"O que você está fazendo?" - Só consegui pensar na pergunta mais óbvia.
"Estou te beijando..." - Respondeu, com um sorriso de lado.
Suas mãos, ainda nos meus ombros, faziam pressão para que eu me aproximasse.
"..." - Mas nem mesmo eu sabia o que dizer ou por que eu deveria dizer algo. Deixei que ela me conduzisse como quisesse.
desceu do tablado e eu a abracei pela cintura.
"Senti saudades." - Disse ao pé do meu ouvido. E eu sabia que dessa vez ela queria dizer algo diferente de quando tinha dito o mesmo na sala de Nigel e Lydia. Meu corpo todo estremeceu e meus dedos deslizaram pelo lado de seu corpo.
But it's not forever
But it's just tonight
Oh we're still the greatest
The greatest
The greatest
colou nossos corpos e me beijou. Tudo parecia muito urgente, como se tivéssemos perdido tempo fugindo daquilo o dia todo. E como se só houvesse aquelas últimas duas músicas da banda para fazermos as coisas sem pensar. Nem ouvi a última música. Todos os meus sentidos estavam concentrados no ato de beijá-la, de sentir seu corpo, perceber sua respiração.
Isso era algo que eu havia sentido falta no meu relacionamento anterior. Essa espontaneidade. E o jeito como nós dois simplesmente... Encaixávamos. Não tinha movimentos errados, estranheza... Só química.
O alvoroço ao nosso redor significando o fim da noite fez com que se desvencilhasse de mim. Sorrimos um para o outro quando nos encaramos e eu levantei uma das mãos para fazer carinho em seu rosto.
"Vamos para casa?" - Perguntei e fez que sim com a cabeça, ainda me olhando em silêncio. - "Precisamos de um táxi."
Saímos do pub e precisamos esperar um pouco até achar algum disponível.
"Tá com frio?" - Indaguei, abraçando-a e dando um beijo no topo de sua cabeça. me abraçou mais forte.
"Não, não estou. Estou bem aqui." - Disse, com a voz abafada por ter o rosto encostado no meu ombro.
Era tão adorável! era capaz de causar um aquecimento instantâneo em meu peito apenas sorrindo. Tentei me lembrar se sempre tinha sido assim, mas acho que o de antes não tinha um coração, só sentia coisas do quadril para baixo. Era triste! O quanto tinha deixado de aproveitar...
Assim que entramos no táxi, começamos um concurso de quem estava mais bêbado, já que nenhum dos dois se lembrava direito do endereço de Lydia e Nigel. O taxista não estava nada feliz.
Mas depois de alguns minutos mexendo no meu celular, consegui achar as direções e as ofereci para o motorista. estava dando risadinhas ao meu lado e, quando finalmente começamos a andar e eu me encostei no banco, ela se aconchegou em mim.
"Tá com fome?" - Perguntei, percebendo que tinha os olhos fechados. Era uma bêbada sonolenta. Ela fez que não com a cabeça.
O caminho para a casa de Nigel e Lydia passava por alguns dos pontos turísticos da cidade e eu não pude deixar de perceber que no estado embriagado que estava, com todas as ruas quietas e vazias e tendo em meus braços... Glasgow era mesmo muito charmosa!
Eu me sentia tão bem! Aquele dia inteiro tinha sido muito mais do que eu podia prever. Eu estava pronto para dizer a o que eu queria dizer. Eu estava otimista!
Precisei acordá-la quando chegamos e semi carregá-la para dentro de casa e até seu quarto.
", abre os olhos... Você precisa, pelo menos, andar até a cama." - Sussurrei, tentando não fazer nenhum barulho. Não sabia se os noivos estavam ou não dormindo em casa.
Ela "acordou" e se soltou do meu abraço, parecendo um pouco desnorteada. Piscou algumas vezes e então voltou a me olhar.
"Você me trouxe até aqui?" - Perguntou, passando as mãos distraída pelos cabelos.
Ri baixinho.
"Trouxe sim, sua bêbada!" - Falei, e mais uma vez fiz carinho em seu rosto. - "Você tá bem? Quer beber alguma coisa? Água?"
sorriu.
"... Precisando de alguma coisa? Copo cheio?" - Recitou. Eram as primeiras coisas que eu tinha dito a ela, naquele aniversário de Lydia em que tínhamos nos conhecido. Senti um frio engraçado na barriga. Como se estivesse vivendo a versão daquela cena em que eu faria as coisas certas.
"Se eu ao menos soubesse naquela época que seu copo está sempre cheio..."
Ela mordeu o lábio e se aproximou mais uma vez, me beijando. Como estávamos sozinhos no corredor dessa vez, estávamos sendo bem mais inapropriados com o jeito que nos tocávamos. Entretanto, por mais que meu corpo inteiro (algumas partes mais do que outras) clamasse para que eu a conduzisse até a cama e que nós ficássemos por ali, eu sabia que era errado. Havia dezenas de motivos para que eu não fosse em frente, mas os mais importantes eram: 1) Meus melhores amigos podiam ou não estar no quarto ao lado; 2) Aquela era a casa deles; 3) estava bêbada e havia a possibilidade de que ela cochilasse enquanto eu tentava tirar sua roupa e 4) Eu estava bêbado e havia a possibilidade de que eu não... Hum... Pudesse executar a função.
Por isso, comecei a desacelerar nosso beijo e não cedi quando tentou andar para trás, me levando até a cama. Parei de beijá-la, mas mantive nossas testas juntas. Estávamos os dois com a respiração descompassada.
"Só você beija como você." - Ela disse, por fim.
Acabei rindo daquele comentário aleatório.
"Como é? Eu devo me desculpar por isso?"
"Não. Não é ruim... É muito bom, na verdade. É de perder a cabeça." - Falou, me analisando e fazendo carinho na minha nuca. - "Deve ser porque você beijou tanta gente..."
O filtro dela definitivamente já tinha sido desligado pelo álcool. Mas eu só consegui rir mais.
"Não sei como receber esse elogio. Se é que é um elogio..."
riu também.
"É... É um elogio. É uma boa habilidade para se ter."
"Obrigado então!" - Falei e dei um selinho nela. - "Mas eu preciso descer, . É melhor nós não continuarmos isso hoje..."
Ela concordou com a cabeça e me soltou. Eu queria beijá-la de novo, mas se eu começasse ficaríamos nisso até o outro dia!
Acenei e saí do quarto, ainda meio zonzo.
"?" - Ouvi seus passos e ela me chamou da porta.
"Oi?"
"Obrigada por hoje..."
Sorri para ela.
"Eu é que agradeço!"
sorriu também e piscou antes de fechar a porta.
Respirei fundo antes de descer as escadas, sentindo o coração bater ainda meio descontrolado. O antigo realmente tinha perdido de sentir tudo aquilo ao mesmo tempo.
I know I want you to myself again
Senti como se tivesse dormido por 2 segundos, mas logo fui acordado por uma voz estridente vinda da cozinha.
"MAS SE ESSAS NÃO SÃO AS MINHAS FLORES, ONDE AS MINHAS FLORES ESTÃO?" - Lydia berrava, provavelmente no telefone porque eu não ouvia mais ninguém.
Resolvi me levantar. Eu precisaria mesmo de tempo para curar aquela ressaca e melhorar minha cara.
Encontrei a noiva sentada à mesa, parecendo que estava prestes a chorar. Ela acenou e me apontou a cafeteira. Até terminar de fazer o café e me sentar também, ela já havia desligado.
"Qual o problema?" - Perguntei.
"As flores para o meu buquê sumiram!" - Falou, a voz embargada de quem ia mesmo se acabar em lágrimas. Segurei sua mão.
"Calma, eles vão achar. Você já comeu hoje?" - Perguntei e Lydia fez que não com a cabeça. Me levantei para preparar algo para ela. - "Cadê o Nigel? E... ?"
Ela me lançou um olhar de rabo de olho. Quão alto eu e estávamos falando no corredor de madrugada?
"Já saíram... Nigel foi buscar o avô na estação e já foi para onde as madrinhas vão se arrumar." - Ela continuava me examinando enquanto falava. - "Ouvi vocês chegando ontem..."
Senti o pescoço e o rosto pegarem fogo. Nossos diálogos da noite passada rodando rápido em minha cabeça, para que eu pensasse se dissemos algo obsceno que ela pudesse ter ouvido.
"Me desculpa se te acordamos..." - Falei, tentando fazer o joão sem braço.
"Até achei que ia te ver saindo do quarto dela hoje de manhã..." - Lydia continuou. Era muito boa nesse jogo. Parecia, inclusive, já ter esquecido completamente o drama do buquê.
Coloquei um pedaço de torrada e uma xícara de chá em sua frente, tentando ganhar tempo. Mas eu sabia que podia ser sincero com ela.
"Achei que não seria certo... Estamos na sua casa, estávamos bêbados... Não era o melhor cenário..."
"Hum... " - Fez. - "Nigel disse que vocês conversaram. Significa que vocês voltaram?" - Era a mesma pergunta que Nigel havia feito no dia anterior. Dei de ombros.
"Não tem como voltarmos, porque nunca tivemos nada..."
"Porque você é um imbecil." Lydia não dizia nada com meias palavras.
"Eu era." - Corrigi. - "E por isso ainda quero conversar com ela. Saber o que esse fim de semana significa. Eu também não sei."
Pela primeira vez, senti um pingo de compaixão vindo da minha melhor amiga. Ela sorriu e afagou meu ombro.
"Estou torcendo por vocês!" - Falou e eu sorri para ela.
Ficamos sentados um tempo em silêncio, tomando café da manhã.
"Você vai se casar hoje!" - Disse finalmente, fazendo seus olhos brilharem de animação. - "Pena que está tão acabada! - Zombei, tomando alguns tapas e gargalhando.
"Você é um idiota!" - Ela xingava, mas também estava rindo. - "Era para eu estar em um SPA agora! Fazendo todo tipo de massagem relaxante para mais tarde! Em vez disso estou aqui tentando resolver a porra do meu buquê e tendo que lidar com você!"
Ela tinha voltado ao status "Em pânico". Me senti meio culpado.
"Hey..." - Falei, tentando acalmá-la de novo. - "Respira... Fica calma. Vamos fazer assim: Você vai para o seu SPA e fica linda e eu vou atrás das suas flores."
"Você faria isso?" - Perguntou afobada.
"Claro que faria. Me diz onde é essa floricultura e eu vou até lá e só saio com o seu buquê!"
Lydia se levantou e veio me abraçar, tamanha sua felicidade.
"Muito obrigada, ! Muito obrigada!"
"De nada!" - Me levantei e encarei minha amiga, sorrindo tanto quanto era possível. - "E caso eu não diga isso hoje à noite, eu amo você! E você é a melhor coisa que aconteceu na vida do Nigel e na minha!"
Os olhos de Lydia se encheram de lágrimas de novo, mas acho que dessa vez estava ok chorar. Eu estava um pouco emotivo também. Ela me puxou para outro abraço.
"Eu também amo você, seu merdinha!" - Rimos da gentileza com que ela me tratava. - "Só te desejo o melhor, até quando quero te matar!"
"Você é impossível!" - Respondi. Nos soltamos e secamos os olhos.
Logo eu e Lydia estávamos saindo para começarmos aquele dia que prometia tanto. Eu mal podia esperar!
Entre resgatar buquês, transportar parentes e impedir tios de se embebedar antes da cerimônia, meu dia passou sem que eu pudesse pensar ou fazer algo sobre minha situação com . Toda vez que pensava em fugir e ir encontrá-la, algum problema surgia e eu, o melhor amigo do noivo, era sempre o primeiro na linha do tiro.
Foi só quase na hora do casamento que me deram uma boa missão: Levar algumas das madrinhas para a igreja. Era minha chance de vê-la!
Cheguei ao hotel onde elas se arrumavam e não pensei duas vezes antes de perguntar onde estava. Chequei o relógio e tive certeza de que estava adiantado e teríamos tempo para conversar. Minhas mãos suavam de ansiedade!
Marg saía do quarto e me deixou entrar. Quase caí de costas com a visão que tive. estava sentada no parapeito da janela e usava o vestido das madrinhas, longo e cor de pêssego, com uma flor nos cabelos. Estava tão linda que me deixou sem ar!
"Acho que dá azar o padrinho ver a madrinha antes da cerimônia." - Disse, sorrindo, enquanto eu fechava a porta atrás de mim.
"Acho que a superstição não é essa..." - Corrigi e ela riu.
"Você tá bem? Muita ressaca?"
Não pude deixar de notar que parecia um pouco envergonhada. Tentava por tudo não me olhar nos olhos.
"Um pouco... E você?"
"Surpreendentemente bem..." - Respondeu e mordeu o lábio inferior, ainda parecendo um pouco desconfortável. Me peguei pensando se eu havia feito alguma coisa, da qual não me lembrava, que podia tê-la ofendido. - "? Hum... Eu queria... Pedir desculpas por ontem."
Franzi a testa sem entender.
"Por ontem? Ontem foi perfeito!" - Falei. Ela fez que sim com a cabeça.
"Foi. Foi sim! Mas nós... Eu não deveria ter... Eu me precipitei." - Disse, por fim.
Andei alguns passos em sua direção. Eu esperava que ela não estivesse falando sério.
"Você não devia ter me beijado?"
"Torna as coisas mais complicadas..." - Falou, encolhendo os ombros e parecendo sem jeito.
Respirei fundo. Era a hora de dizer o que eu havia ensaiado, ainda que todo meu otimismo tivesse se transformado em mau pressentimento.
"... Eu vim para Glasgow com a ideia fixa de te pedir desculpas e, porque as coisas com a gente simplesmente fluíram, eu acabei guardando para mim todo um discurso."- Comecei. Ela me encarava atenta. - "Mas eu preciso te dizer que hoje eu sei o grande idiota que eu fui com você, que você nunca mereceu como te tratei. Que todos esses anos eu só queria te encontrar e dizer que você é maravilhosa de tantos jeitos! E eu não via isso. Ou via... Mas era como se eu não fosse capaz de fazer algo com tudo que eu sabia sobre você. Mas hoje eu sei. E eu queria pedir para você não se arrepender por ontem. E que ontem não fosse um fato isolado. Então, resumindo, eu queria você para mim de novo. Por favor? Porque agora eu vou saber te apreciar!"
Respirei fundo mais uma vez quando terminei de falar, a olhando ansioso. Os olhos de pareciam marejados e ela tinha um sorriso meio triste nos lábios.
"... Eu..." - Passou as mãos no rosto, parecendo nervosa. - "Eu te perdoo pelas coisas que passaram e eu agradeço que você me aprecie, que tenha tido coragem de me dizer tudo isso. Você é incrível também. Sempre foi!"
"Mas?" - Perguntei. Ela riu por eu saber que havia um "porém".
"Não daria certo..." - Respondeu. - "Eu ainda moro na Espanha, você ainda mora aqui. Nada mudou!"
não fazia a linha vingativa, por isso eu sabia que ela não estava repetindo meus motivos de anos atrás só para me dar o troco. Agora ela acreditava mesmo neles.
"Eu mudei..." - Falei. Estava quase suplicando. - "A gente só precisa de uma segunda chance. Eu preciso. Nós podemos dar um jeito nisso!"
"Me dói te dizer isso, . Existe uma briga interna enorme na minha cabeça agora! Mas eu não posso te dar uma segunda chance." - Disse, fazendo meu estômago despencar. - "Eu acredito em segundas chances, mas não sempre. A gente acaba ficando descuidado e convencido por achar que sempre vai haver uma quando fazemos merda. Às vezes a vida é questão de timing... De acertar de primeira."
". Não faz isso..." - Pedi, me aproximando mais dela. - "Eu sei que é pedir demais, mas pensa sobre isso... A não ser que... Que você não sinta mais o mesmo." - Me dei conta que eu tinha colocado o meu coração todo para fora e ela não tinha dito o que sentia. - "Mas tudo bem se você não sentir também. Eu vou parar de insistir. É... Me desculpa!"
Comecei a andar para trás, pensando que eu devia ter pensado nessa opção. De que talvez não gostasse de mim como antes. Ela estava certa sobre ficar convencido.
"!" - se levantou da janela e veio até mim, segurando meu braço. - "Eu sou doida por você! É o cara mais viciante com quem já tive algo... Será que você não percebeu que eu não fui capaz de passar 24h do seu lado sem acabar com as mãos em você de algum jeito? Mas aí as coisas dão errado e você não tem ideia de como é horrível te odiar!"
"Você me odiou?" - Perguntei. Estávamos agora um de frente para o outro bem no meio do quarto. Ela ainda segurava meu braço.
"Eu precisei te odiar por um tempo, para não fazer nada impulsivo. Você não teria mudado se eu não tivesse me afastado. E eu precisava me tratar como eu mereço" - Explicou. Era vergonhoso admitir, mas ela tinha razão.
Eu tinha outras coisas para dizer, para tentar convencê-la, mas pela primeira vez eu entendi que aquilo não era sobre mim. Era sobre . Sobre ela gostar de si mesma mais do que gostava de mim.
Sorri e levantei uma das mãos para fazer carinho em seu rosto. Observando toda a beleza que aquela mulher na minha frente representava.
"Eu entendo. Mesmo sabendo que o novo eu jamais te machucaria..."
"Nós somos humanos, . Estamos destinados a errar. Eu só não quero que você erre comigo de novo. Seria demais para mim." - Falou. - "Mas eu gosto de ter de volta na minha vida. Gosto da ideia de poder te ligar, de te receber em Valencia... Ir visitar seu cachorro um dia..."
Nós dois rimos. Eu também gostava dessa ideia.
"Eu quero isso também. Eu só... Por favor, não se arrependa por ontem, então!" - Disse, fazendo cara de cachorro pidão e fazendo-a dar aquela risada que eu amava. - "Porque foi especial demais! Foi mais do que eu podia imaginar..."
Ela fez que sim com a cabeça. E então, sendo a que sempre me pegava de surpresa em cada segundo de cada dia, me beijou mais uma vez. Mas não havia urgência dessa vez. Era um beijo de adeus. O beijo que fechava aquele capítulo, a nossa estória até ali.
Quando nos soltamos, eu ainda tinha as mãos em sua cintura e ela riu, limpando meu rosto.
"Te sujei de batom..."
"Não tem problema!"
"Tem sim. Lydia teria um troço se você saísse assim nas fotos do casamento dela." - Zombou, indo buscar um algodão com algo para tirar maquiagem.
"Nós sempre estamos culpando Lydia por coisas, já reparou?" - Falei, parando para pensar quantas vezes tínhamos dito as variações de "Lydia vai nos/te/me matar!". riu e concordou.
Ela repassou o batom e parou na minha frente para ajeitar minha gravata.
"Vamos? Casar nossos melhores amigos?"
"Vamos!"
Ofereci meu braço para que ela passasse seu braço por ele e saímos para a igreja.
Em Glasgow, onde tudo havia começado, o casamento foi lindo como eu sabia que seria. Nigel e Lydia eram o casal mais feliz que eu já tinha visto e eu desejava que fossem sempre assim.
Durante a festa, os dois dançavam sua música pela primeira vez como marido e mulher, mas meus olhos estavam fixos na madrinha mais bonita da festa. os olhava com o rosto apoiado nas mãos e a expressão sonhadora. Eu sabia que bem naquele momento, ela pintava um de seus quadros ou escrevia uma de suas poesias mentais.
E naquele momento me bastava saber que ela não tinha perdido essa capacidade de ver o mundo do jeito que era só dela. E que renovar nossa amizade significava que não demoraria para que eu pudesse "rever" aquela noite sob a sua doce perspectiva.
Bom... Mais ou menos. Eu sabia que haveria um casamento e que seria o evento do ano! Os noivos, é claro, eram meus melhores amigos e eu os via com frequência. Encontrá-los não seria novidade. Mas havia outra pessoa. Alguém com quem eu queria muito me encontrar, mas também sentia certo receio.
Porque no passado eu tinha sido um idiota completo com ela...
- Before -
Para entender essa estória, é importante que eu diga mais uma vez que quando tudo começou eu era um idiota. Um daqueles idiotas que acham que conquistas na faculdade se contam em garrafas vazias e one night stands.
Eu era feliz assim... Sem me apegar a ninguém, eu podia "aproveitar" os melhores anos da minha vida do jeito que eu quisesse. Nigel, meu melhor amigo, vivia sob essa mesma filosofia e nossa casa era conhecida por sediar as melhores festas da Universidade de Glasgow.
Porém, no meio do nosso segundo ano, ele conheceu uma garota. Para sorte dele. Nigel estava alguns passos na minha frente em questão de maturidade e soube perceber que havia encontrado alguém que valia mais do que as noites viradas e o sexo casual. Eu perdi meu parceiro de crime e nossa casa deixou de ser a mais movimentada do campus, mas em compensação, ganhamos Lydia. Eu a adorava e torcia pelos dois, mas continuava achando que aquilo não era para mim.
No começo do terceiro ano, nós estávamos celebrando o aniversário de Lydia em casa. Enquanto bancava o barman e preparava drinks na cozinha (eu só queria mesmo me exibir para as meninas por ali), vi a aniversariante cumprimentar alguém que eu não conhecia. Lydia normalmente mantinha suas amigas bem longe de mim e eu não a culpava.
A primeira coisa que reparei na garota (surpreendentemente) não foi como ela era bonita (e ela era!), foi sua risada alta e espontânea. Tão alta, que o cara que passava ao lado das duas se assustou. Ri com a cena e me desconcentrei do que estava fazendo. Naquele momento, só havia uma pessoa que eu queria impressionar naquela festa.
Eu precisei esperar que Lydia se afastasse ou ela me enforcaria. Mas não demorou muito e lá estava eu, indo me apresentar à garota da melhor risada que já tinha escutado.
"Oi! Sou o ... Tudo bem por aqui? Precisando de alguma coisa? Copo cheio?" - Falei, enquanto tocava seu ombro e a cumprimentava. Era uma das minhas técnicas favoritas de aproximação. Costumava funcionar 90% das vezes.
"? Que mora aqui com o Nigel?" - Ela perguntou, ainda segurando minha mão enquanto mantinha uma sobrancelha levantada. - "Lydia me mandou ficar longe de você!"
Eu disse... Havia 10% de falha. Soltei sua mão meio sem graça. Eu teria que mudar o plano. Não poderia começar com o papinho furado logo de cara.
"Hey!" - Falei, fingindo indignação. - "O que a Lydia tem falado de mim por aí?"
Ela deu uma de suas risadas altas, me fazendo rir também. Tinha toda essa atmosfera que te deixava animado meio sem saber por quê. Como se expirasse serotonina. Me dei conta que ainda não sabia seu nome.
"Como você se chama?" - Perguntei, ainda rindo sem motivo aparente.
Ela deu um sorriso de lado e eu fui pego pela beleza de seu rosto assim de uma vez só.
"." - Respondeu, me oferecendo a mão de novo. Um sorriso sapeca em seus lábios.
E foi assim que eu a conheci. Passamos toda aquela noite conversando, mas por algum motivo não senti necessidade de transformar aquilo em algo mais. Talvez tenha sido medo de Lydia, mas eu acho que era porque pela primeira vez eu temia levar um fora e ter que parar de conversar com ela.
E assim foi por um bom tempo. Eu coloquei em uma redoma e aceitei que só seríamos amigos; como se as palavras de Lydia tivessem se fixado em minha cabeça: "Ela é demais para você!", "Se você tentar qualquer coisa com a ...".
Mas nem por isso deixei de vê-la. Nós passávamos muito tempo juntos, na verdade. Assistindo TV, conversando sobre tudo, estudando, correndo no parque... era inteligente e divertida, uma ótima companhia. O que eu mais gostava nela era como transformava as coisas em poesia, ou pintava quadros imaginários com as cenas mais comuns do dia a dia. Havia beleza em tudo que seus olhos viam.
De algum modo, eu também me sentia confortável para contar coisas a ela que não contava a ninguém. Como por exemplo, que eu sabia tocar piano muito bem, mas nunca mais tinha tocado desde que meu avô tinha morrido. Me lembro de segurando minha mão nesse dia e de pensar em como ela era incrível e linda. De como meu avô a adoraria.
Mas eu era um idiota, lembra? Então lógico que dei um jeito de estragar tudo.
Uma noite sozinhos em casa, no nosso último ano, depois de muito vinho, risadas e conversas sem sentido, acabamos deitados um em cima do outro no sofá. Foi como se o incêndio só precisasse de um palito de fósforo para acontecer. Um selinho de brincadeira se transformou em beijos demorados e mãos apressadas. Logo as peças de roupa sumiam uma por uma e, num piscar de olhos, estávamos os dois no meu quarto, abraçados e sonolentos.
"Lydia vai nos matar!" - me dizia no outro dia, rindo enquanto se vestia.
"Não vai se ela não souber..." - Falei, dando de ombros.
parou o que estava fazendo e me encarou.
"Isso só aconteceu uma vez, certo? Não vai acontecer mais..." - Quis saber, ficando séria de repente.
Achei que a resposta certa fosse "Sim... Só uma vez. Somos amigos..." e foi o que eu respondi.
Mas aquela não foi a única e última vez. Tínhamos aberto uma porta e era quase irresistível se esgueirar por ela sempre que nossos melhores amigos não estavam olhando.
O problema é que, para mim, aquilo só melhorava nossa amizade. Não era um passo para frente no nosso relacionamento. Era ter permissão para dançar enquanto parado no mesmo lugar.
Ser amigo de não havia feito com que eu mudasse meu "estilo de vida" e transar com ela também não. Era só um ótimo plano B quando eu não encontrava ninguém interessante nas festas. E, porque Nigel e Lydia não sabiam, eles não podiam me colocar no meu lugar.
Um idiota, eu sei. Imaturo, babaca...
Quando faltava um mês para nos formarmos, e eu estávamos sentados na cozinha do seu apartamento e ela parecia inquieta.
"? Algum problema?" - Indaguei, alcançando sua mão.
"... O que... Como você nos vê depois da formatura?" - Ela perguntou levantando os olhos, as palavras se atropelando para sair de sua boca.
Meu estômago afundou. Eu não queria ter aquela conversa.
"... Eu... Você vai para a Espanha... Eu vou voltar para Southampton..." - Respondi, do jeito mais reticente que consegui.
Ela fez que sim com a cabeça, parecendo meio derrotada.
"Eu sei, mas... Poderia dar certo. Se nós quiséssemos..." - Falou.
Naquele momento, naquele exato momento, eu podia escolher entre luta e fuga. Entre seguir os passos do meu melhor amigo e me comprometer ou ser um completo imbecil.
Mas vocês já sabem como essa terminou... Me embananei, tentei explicar que achava que não daria certo porque eu não servia para namorar e que eu gostava que fossemos só amigos. Ela não discutiu, nem tentou mudar minha opinião. Só fez que sim com a cabeça mais uma vez e trocou de assunto.
Aquela nuvem negra continuou lá entre nós durante o último mês mesmo que tentássemos (que eu tentasse) de todo jeito acabar com ela. Não viramos completos estranhos, mas deixamos de fazer as coisas só nós dois como estávamos acostumados.
Talvez fosse melhor, pensei. Porque seria assim de qualquer forma quando fossemos embora de Glasgow... Mas jamais imaginei a falta que ela faria dali em diante.
Ela foi morar na Espanha, país de origem de seus avós. Eu arrumei um emprego em Southampton, minha cidade natal, e me mudei para lá... Ainda nos falávamos por email de vez em quando, mas eu sabia que tinha estragado tudo.
Nigel e Lydia continuaram morando em Glasgow e eu os encontrava frequentemente em Londres, onde os pais de Nigel moravam. Um dia acabei contando tudo a eles e, como era de se esperar, Lydia ficou uma fera!
"VOCÊ! É! UM! IDIOTA!" - Ela dizia, me batendo a cada palavra. Eu sabia que merecia.
Nigel balançava a cabeça também, me julgando silenciosamente.
"Eu... Não daria certo, Lydia! Ela se mudou do país!" - Tentei justificar.
"Vocês podiam fazer dar certo!" - Ela esbravejou, repetindo as palavras de .
"Eu não sei fazer isso... Me comprometer..."
"Olha só para você, !" - Ela estava me chamando pelo nome. Era sério assim. - "Você quer mesmo continuar vivendo aquela vida escrota da universidade no mundo real?"
Lydia continuou o sermão e eu não disse nada. O choque de realidade ia me acordando aos poucos ao perceber quão imaturo eu tinha sido. Pelo jeito como tinha a tratado, por achar que eu ia viver para sempre de festas e casinhos sem sentido.
"Você tem razão..." - Falei.
"Eu não acredito que você enganou a por todo aquele tempo... Fingindo que gostava de passar tempo com ela, sendo todo gentil e cavalheiro... Só para transar com ela!" - Lydia estava irada!
Mas dessa vez ela estava enganada.
"Não! Não era fingimento! Eu... Eu gostava mesmo da . Gosto ainda!" - Corrigi. - "Gostava de estar com ela..."
Nigel então abriu a boca pela primeira vez:
"Qual era o problema então? Vocês tinham tudo, cara!"
Nós tínhamos tudo mesmo. Eu só não tinha um cérebro...
E, daquela conversa, dois anos se passaram. Nigel e Lydia ficaram um tempo putos comigo, mas depois me perdoaram. Eu pedi desculpas a , mas tudo soa meio superficial por email e nós nunca mais nos encontramos.
Eu gosto de pensar que mudei completamente desde então, que finalmente ouvi o que os meus amigos tinham a dizer... Mas ainda havia algo de interminado para mim nessa estória. E a minha chance era o casamento de Nigel e Lydia naquele fim de semana.
E era por isso que eu dirigia naquela quinta feira de volta para Glasgow.
- Back to Glasgow -
We talk about life as she caught me up on drinks in no time
Eu havia me atrasado muito parando para comer e me perdendo pelo caminho, enquanto atravessava o país. Tinha previsto que chegaria às 8 horas da noite, mas acabei chegando às 10h30.
Parei o carro quando o GPS me avisou que tinha chegado ao destino e me certifiquei de que o número da casa estava certo. O bairro era bem familiar e muito diferente de onde costumávamos morar durante a universidade. Meus amigos agora tinham uma casa de adultos e sorri ao pensar neles casados vivendo naquela ruazinha de pessoas casadas (ou divorciadas, vai saber). Tínhamos crescido mesmo (bom... Eles tinham)! Tirei minha mala e o terno do carro e, desajeitadamente, toquei a campainha. Voltei a sentir aquele formigamento de ansiedade desconfortável.
Ouvi passos e a porta logo se abriu, revelando a noiva do ano.
"! Você chegou! Graças a Deus! Eu achei que tinha acontecido alguma coisa na estrada!" - Ela disse rápido, me puxando para um abraço de urso.
Lydia tinha esse lado maternal afloradíssimo que sempre me fazia rir.
"Calma, mãe, está tudo bem! Eu só me perdi algumas vezes..." - Falei, já avistando meu melhor amigo vindo ao meu encontro. - "Ainda dá tempo de mudar de ideia, Nigel... Eu dirijo!" - Brinquei, tomando um tapa de Lydia. Meu Deus, como sentia falta desses dois!
Nos cumprimentamos e logo fui içado para dentro da casa.
"Espero que você não se importe de dormir na sala, cara..." - Nigel disse, me levando até o próximo cômodo, onde um colchão já estava me esperando.
"Não, imagina, está tudo bem!" - Respondi, colocando minhas coisas no sofá. - "Eu é que fui um folgado e não reservei um quarto de hotel..."
Nigel me deu umas batidinhas no ombro e me olhou de esguelha com uma expressão preocupada.
"Que foi?" - Perguntei.
" está ficando aqui também. Está no quarto de hóspedes."
Meu estômago despencou. Eu não esperava vê-la tão rápido! Porém, dei de ombros e retribuí os tapinhas nas costas. Não queria causar nenhum tipo de climão na casa dos noivos a dois dias do casamento.
"Tá tudo bem, Nigel. Não precisa fazer essa cara!" - Disse, rindo. Mas então perguntei algo que traía a atitude blasé toda. - "Ela... Ela já chegou?"
Lydia entrou na sala nessa hora, com uma expressão idêntica a de Nigel.
"Já sim. Mas já foi se deitar." - Ela disse, mordendo os lábios. - "Nós já estávamos indo também, na verdade, . Estávamos só te esperando. Você quer algo para comer?"
Eu havia comido há pouco tempo, mas mesmo se estivesse com fome dois minutos atrás, teria passado ao saber que eu e estávamos mais uma vez no mesmo lugar.
"Não, não..." - Respondi rápido e abanei as mãos. - "Vão dormir, vocês devem ter mil coisas para fazer amanhã. Muito obrigada mais uma vez por me deixarem dormir aqui."
Os dois sorriram e me desejaram boa noite antes de sumir pela porta. Lydia ainda voltou duas vezes ao se lembrar que não tinha me mostrado onde era o banheiro e para dizer que eu podia comer o que eu quisesse na cozinha, se sentisse fome mais tarde. Balancei a cabeça rindo quando finalmente os ouvi subindo para o andar de cima. Eram mesmo almas gêmeas!
Estava procurando minha escova de dente na mala quando ouvi passos no corredor. Comecei a rir de novo, achando que devia ser Lydia mais uma vez. Mas quando levantei a cabeça, não era ela que estava parada na porta.
usava uma camiseta larga e calça de moletom e mesmo assim estava ainda mais linda do que antes. Ela tinha aquele sorriso bonito no rosto e trazia duas taças e uma garrafa de vinho nas mãos.
"Hey!" - Falou, parecendo tímida de repente e erguendo uma das mãos ocupadas para me cumprimentar.
"!" - Exclamei, indo até ela. O abraço e o cheiro ainda eram os mesmos. Era como fazer uma viagem no tempo e se sentir em casa. - "Que bom te ver! Você... Você está tão linda!"
Nos soltamos e ela riu, meio sem jeito.
"Tô de pijama, , qual é?" - E então me ofereceu uma das taças e apontou para o sofá. - "Pelos velhos tempos?"
Eu me agarraria a qualquer oportunidade para passar tempo com ela.
"Você não estava dormindo?" - Perguntei.
Ela riu. Não era sua risada típica, porque não podíamos acordar a casa toda.
"Estava esperando os pais irem dormir para assaltar o armário de bebidas..." - Brincou, me fazendo gargalhar e depois tapar a boca com as mãos quando ela fez "shiiii".
Nos sentamos e abrimos o vinho. Ela estava tão à vontade que nem parecia que tudo entre nós tinha "terminado" do jeito que tinha. Acabei relaxando também. Ela não estava brava, nós estávamos sendo como eu me lembrava.
"E então?" - Perguntou, depois de um tempo em que conversamos sobre coisas bobas, como a estrada até Glasgow e o voo dela. - "Como anda a vida em Southampton?"
Dei de ombros. Não havia nada extraordinário na minha vida para ser compartilhado.
"Nada interessante. Tenho um emprego que me paga razoavelmente bem... Moro perto dos meus pais... Adotei um cachorro..."
Seus olhos brilharam.
"Um cachorro? Como ele é?"
Não demorou e já estava quase no meu colo implorando por fotos e quase derramando vinho no sofá branquinho. Era adorável de tantas formas que eu mal podia conter meu encanto por ela.
Conversamos sobre meu cachorro e a gata dela. Sobre o Brexit, como fazer sangria e sobre alguém que conhecíamos na faculdade e que agora era mãe de gêmeos. Sobre como era morar na Espanha sendo uma descendente espanhola e, mesmo assim, se sentir tão intrusa. Percebi que estávamos ficando bêbados porque começamos a conversar em espanhol e procurar músicas em espanhol no youtube, quando nem devíamos estar fazendo barulho.
"Você bebeu mais que eu!" - Falei, levantando a segunda garrafa vazia. Ouvíamos uma música que eu acho que se chamava La Barca.
"Eu sempre bebi mais que você..." - disse, dando um soluço engraçadinho.
"Claro que não!" - Protestei e ela riu. - "Você quer mais? Vou buscar outra garrafa."
Mas fez que não e se endireitou no sofá.
"Não, melhor não. Preciso acordar cedo amanhã e ir buscar uma prima da Lydia na estação central."
"Eu vou com você." - Me ofereci.
apoiou a cabeça no sofá, parecendo sonolenta. Tirei uma almofada de trás de mim e ofereci para que ela apoiasse melhor o pescoço. Ela sorriu e ergueu a mão vazia, alcançando meu cabelo e fazendo um carinho lento, de quem está quase dormindo. Me encostei também, nossos rostos muito perto um do outro.
"Você... Encontrou alguém?" - Perguntou.
Engoli em seco. Ela prestava toda a atenção que seus olhinhos embriagados conseguiam.
"Por um tempo... Eu... Eu estava tentando me comprometer. Namorar sério."
fez que sim com a cabeça como se entendesse.
"E não deu certo?"
"Nós não éramos muito compatíveis, no fim. Estávamos colocando esforço em algo que não tinha como vingar..." - Expliquei. Eu queria que ela soubesse que eu tinha tentando, que eu tinha mudado. Mesmo que não tivesse dado certo. - "E você?"
Ela riu e fechou os olhos.
"Namorei por um ano. Mas acho que tive esse mesmo problema. É engraçado, não é? Como as coisas não são simples como nos filmes." - Ela abriu os olhos. - "Nós queremos algo quando não podemos ter e, quando podemos, não é o que a gente queria..."
"..." - Eu precisava colocar para fora todo o discurso que havia ensaiado por 2 anos. Mas ela piscou e se mexeu no sofá de novo. Dessa vez também se levantou.
"Acho que vou me deitar..." - Falou, pegando minha taça, a garrafa vazia e saindo da sala. Se virou ao chegar na porta e sorriu. - "Eu estava com saudade!"
"Também estava..." - Respondi, meu coração ainda acelerado. - Boa noite, !"
"Boa noite, !"
When you wrap me around your fingers, baby
and you make me do that shit I never do
Na manhã seguinte, dirigi até a estação central para buscar a prima de Lydia. Como não consegui um estacionamento perto, tivemos que descer a rua toda a pé.
Estava uma garoa chata, nós dois estávamos de ressaca e, por isso, os dois estavam bem quietos. Quando pisei em uma poça d'água sem querer, acabei descarregando meu mau humor.
"Porra! Odeio essa cidade!"- Reclamei, afundando as mãos nos bolsos do meu moletom e sendo extremamente ranzinza. - "Essa merda de chuva..."
, por sua vez, começou com uma risadinha e, quanto mais eu resmungava, mais alta ficava sua gargalhada.
"Você é tão engraçado, !" - Ela disse, enganchando seu braço no meu e se encostando em mim. Minha rabugice passou em 5 segundos. - "Não pode estar falando sério, não tem como odiar Glasgow!"
Me virei para ela e franzi a testa.
"VOCÊ está falando sério?"
"Claro que sim!" - Ela respondeu, ficando séria também. - "O que tem para não gostar?"
"Essa chuva? O dia cinza por 360 dias no ano? O frio? Qual é, , você morava na Espanha... Não pode realmente gostar tanto disso assim!"
balançou a cabeça.
"É porque chove que cada dia de sol aqui é especial. E, quando chove, a grama e as árvores ficam mais verdes... É lindo!" - Ela começou e eu sabia que estava mais uma vez diante de um dos quadros que só poderia pintar sobre um lugar comum como Glasgow. - "Sem contar todos os lugares incríveis! A George Square perto do natal e a pista de patinação... O People's Palace na primavera... Kelvingrove park e o museu... a Clyde Arc à noite! Glasgow é perfeita! Eu ... O que foi?"
Sorri, devia estar olhando para ela como um idiota apaixonado.
"Você vai me fazer andar por todos esses lugares hoje, não vai?"
Ela riu sem graça e fez que sim com a cabeça, me fazendo rir também.
"É uma cidade incrível..." - Tentou justificar.
"É... É sim!"
Chegamos então à estação e foi checar os horários de chegada dos trens.
Fiquei andando por ali, vendo as pessoas e as lojas, mas logo meus olhos caíram sobre algo bem no meio daquele espaço. Um piano, desses que são colocados em lugares públicos para as pessoas tocarem se tiverem vontade. Estava livre quando o encontrei.
"Estamos adiantados. Delilah só chega em vinte minutos!" - se aproximou dizendo, mas logo viu o que eu tanto observava. - "Ah ..." - Falou, colocando a mão sobre o meu ombro.
"É parecido com o que ele tinha em casa..." - Contei, como se já estivéssemos nessa conversa antes, mas eu sabia que ela entenderia. Só ela entenderia.
"Você quer ir lá tocar?" - perguntou, chegando mais perto e fazendo carinho no meu ombro.
"Eu... Não. Eu nem sei mais..." - Sentia um nó esquisito na garganta. Não conseguia desgrudar os olhos do maldito piano.
Mas então entrelaçou nossos dedos e foi me levando até lá. Ela prestava atenção no meu rosto, como se quisesse ter certeza que eu só estava com medo, mas que queria fazer aquilo. Nos sentamos e ficamos em silêncio de novo. Minhas mãos imóveis sobre as pernas, como se eu não pudesse me atrever a tocar nas teclas.
"Eu não me lembro mais..." - Repeti. - "Não tem partitura, eu não vou me lembrar sem partitura."
"Toca a que você lembrar." - Ela falou com a voz terna, colocando sua mão na minha. - "Ninguém aqui vai te julgar se sair errado, ."
Me senti um menininho de novo. Porque estava tão vulnerável e porque eu ainda era pequeno quando me sentei em um piano pela última vez. Coloquei as mãos nas teclas, ainda incerto se deveria fazer aquilo.
"Acho que eu me lembro de uma..." - Disse, por fim. Respirei fundo uma vez e comecei a tocar Clair de Lune, do Debussy.
não se mexeu ao meu lado durante a música toda. Mas sua presença era parte de tudo o que estava acontecendo naquele momento. Algo muito maior do que eu borbulhava dentro do meu peito e era como se a música viajasse de lá direto para os meus dedos. Quase podia ouvir meu avô cantarolando a melodia e o ver mexendo os braços como um maestro. Era como se eu pudesse tê-lo de volta por aqueles poucos minutos. Eu não via as pessoas ao redor. Estava concentrado em não errar. Sei que ele ficaria desapontado...
Quando a música acabou e eu finalmente voltei a me enxergar naquela estação de trem, as pessoas aplaudiam. Me virei para olhar para e ela também batia palmas e tentava enxugar as lágrimas que caíam de seus olhos. Acho que eu nunca tinha a visto chorar.
"Isso foi surreal, ! Eu estou sem palavras!" - Falou, quando nos levantamos e ela me abraçou.
"Obrigada por me ajudar a fazer isso!" - Disse, a abraçando mais forte. - "Eu nunca vou me esquecer..."
"Ele a pediu em casamento? Eu não vi!" - Ouvi uma velhinha dizer ali perto e percebi que estávamos sendo um pouco calorosos demais em público. Nós dois nos soltamos e sorriu para mim.
Eu me sentia tão leve de repente! Como se nem estivesse de mau humor ou ressaca há tão pouco tempo. e eu saímos de perto do piano para comermos algo antes que Delilah chegasse. Andamos meio abraçados por um bom tempo e eu me sentia transbordando felicidade.
O dia do lado de fora até se abriu, para que eu não tivesse dúvidas do quão especial aquele momento era.
The bar that you loved lock us in and let us keep on singing out lungs on the bar stools
On the walk back yours you made me fall in love with Glasgow
And oh, before you know I'll be carrying you over the threshold
O plano era passear por Glasgow durante toda à tarde com . Porém, quando fomos levar Delilah ao hotel onde toda a família dos nossos melhores amigos estavam, acabamos sendo fagocitados pelos parentes festeiros.
Nigel acenou da porta do restaurante do hotel parecendo extasiado de felicidade.
"Almoço e álcool de graça! Entrem aqui!" - Gritou.
"Cadê a Lydia?" - perguntou, quando o alcançamos.
"Já está aqui dentro. As meninas que moravam com ela acabaram de chegar."
Ela abriu um sorrisão.
"Jules e Marg estão aqui?" - quis saber, parecendo animada. Então se virou para mim, como se tivesse dúvidas de que eu sobreviveria se ela fosse lá encontrar as meninas e me deixasse. Sorri de volta.
"Vai lá! A gente deixa nosso passeio por Glasgow para outro dia..." - Disse e pisquei. Ela apertou meu braço e o de Nigel e entrou. Ainda fiquei um tempo olhando por onde tinha sumido.
"A baba tá caindo no carpete, cara..." - Nigel zombou, me fazendo fechar a cara.
"Que baba, tá maluco?"
"Vocês conversaram? Voltaram? Não pense que eu não percebi que faltavam duas garrafas de vinho na caixa hoje de manhã..."
Acabei rindo do tom de voz do meu amigo.
"Você e Lydia estão cada dia mais parecidos!"
"Ha ha ha." - Ele torceu o nariz, mas não pareceu se abalar com a mudança de assunto. - "E então?"
"Nós só conversamos..." - Respondi, dando de ombros, mas Nigel não pareceu acreditar. - "É sério, cara! Foi bom, eu sentia falta dela. É como se nós nunca tivéssemos nos separado."
"Mas isso significa que uma hora ou outra vocês vão acabar..." - Ele levantou as sobrancelhas, sem terminar a frase.
"Não sei. Já é muita sorte que ela não me odeie. Seria muita ambição querer mais que isso..."
Nigel deu um tapinha no meu ombro, mas tivemos que cortar a conversa para que ele fosse cumprimentar outros convidados que chegavam. Resolvi deixar o noivo em paz para cumprir suas obrigações e também entrei no restaurante. Não tinha como não se sentir feliz de imediato. Todas aquelas pessoas ali para celebrar a união de duas das minhas pessoas favoritas no mundo!
Encontrei uma roda de amigos da faculdade que não via há anos e parei por ali. Meu olhar e o de se cruzaram pelo salão e ela sorriu. Quem eu queria enganar? Ambição ou não, eu queria sim que as coisas entre nós evoluíssem.
A tarde ia passando e, mesmo tentando me esquivar das bebidas por causa da ressaca, já estava ficando meio bêbado de novo. Depois de várias danças das cadeiras, parando para conversar com pessoas diferentes, e eu estávamos finalmente sentados lado a lado.
Ela bebeu o resto de seu champagne e consultou o relógio.
"Hey..." - Me chamou, com a voz baixa. Involuntariamente, me curvei para ouvi-la melhor.
"Que houve?"
"Se sairmos agora, podemos ir ver o sol se pôr em algum lugar..." - Falou, ainda com a voz baixa, como se estivéssemos tramando algo.
"Será que não seremos pegos pela tia da Lydia na porta?" - Entrei na brincadeira.
"Hum..." - Cerrou os olhos. Ri de como ficava engraçada quando estava bêbada. - "Acho que se sairmos um de cada vez, vai dar tudo certo!"
"Ok então, eu vou primeiro." - E fiz menção de me levantar.
"Não, não, eu vou... Preciso ir no banheiro."
Ri ainda mais e me sentei. Observei ela sair da mesa e contornar alguns dos convidados, parando para dar um beijo em Lydia. As duas trocaram algumas palavras e Lydia olhou para onde eu estava com uma expressão esquisita. Quando saiu, ela balançou a cabeça. Continuei rindo e me levantei também.
Quando passei pelos noivos, ela me puxou pelo braço.
"Toma. Fica com a chave extra da casa."
"Mas eu..."
"E se comporta!" - Ralhou.
"Fica tranquila, mãe!" - Brinquei e também dei um beijo em seu rosto.
Porque eu tinha bebido, resolvemos sair a pé. Porém, como eu havia dito, tinha parado de chover de manhã e aquele fim de tarde estava agradável. Fomos andando pela beira do rio Clyde até o gramado perto do Clyde Arc e nos sentamos lá para observar o pôr do sol.
"Acho que andar curou o meu grau..." - disse de olhos fechados. Uma brisa balançava seus cabelos e ela parecia a criatura mais irresistível do mundo para mim.
"Isso é bom ou ruim?" - Perguntei, ainda meio hipnotizado.
Ela riu.
"Acho que bom, não sei."
Ficamos em silêncio um tempo.
"? Quando você volta para a Espanha?"
Ela abriu os olhos e me encarou.
"Na terça. Por quê?"
"Era só para saber mesmo... Quanto tempo nós temos..." - Eu queria entrar no assunto. Conversar sobre nós dois, mas nunca parecia o momento ideal. Eu sempre tinha medo de estragar tudo e a afastar, como na vez em que nos conhecemos.
sorriu e se virou para se deitar com a cabeça na minha perna.
"Nós temos agora." - Filosofou, mas não disse mais nada sobre isso. Depois suspirou e mudou de assunto. - "Como você pode não gostar desse lugar?"
"Eu nunca disse que não gostava!" - Falei, para irritá-la.
Ela gargalhou e virou a cabeça para cima para me olhar.
"Falou sim, seu mentiroso! Hoje de manhã, no seu ataque de mau humor!"
Ri também, mexendo em seus cabelos.
"Você me fez mudar de ideia..."
Sorrimos um para o outro e ficamos mais um tempo em silêncio, assistindo o céu mudar de cor.
Quando escureceu, e eu pensamos em voltar para o hotel, mas acabamos andando até Sauchiehall Street, a rua onde ficavam os pubs que costumávamos ir na época da universidade. Depois de comer escolhemos entrar em um deles, o O'Neils, pois era onde sempre acabávamos em noites de sexta, por sabermos que sempre haveria música ao vivo. E aquela noite não seria diferente.
A banda tocava Summer of '69 e bateu palmas e me olhou, como se tivéssemos descoberto o melhor lugar do mundo. Saímos para o bar e então paramos do mesmo lado do pub onde costumávamos ficar para assistir a banda alguns anos atrás. Como se nenhum tempo tivesse passado desde então.
"Não é errado estarmos na despedida de solteiro dos nossos amigos sem eles?" - Perguntou, me fazendo rir.
"Provavelmente. Mas é pior ainda estarmos bebendo por dois dias seguidos, sabendo que nossos melhores amigos se casam amanhã." - Respondi.
arregalou os olhos.
"O que a gente vai fazer?"
"Agora? Continuar bebendo." - Falei, como se fosse a única opção. Ela riu e fez que sim com a cabeça - "E rezar para a ressaca não ser muito terrível..."
"Vou buscar mais bebida para nós dois então..." - disse e saiu pela multidão.
Quando voltou e parou do meu lado, oferecendo um dos copos em suas mãos, acabei me distraindo do mantra que vinha fazendo desde aquela tarde (Já é muita sorte que ela não te odeie, já é muita sorte que ela não te odeie...) e me vi desejando mais uma vez que ficássemos juntos.
Eu precisava me lembrar toda hora que tinha ido a Glasgow querendo tão somente que ela voltasse a falar comigo; mas lá estava eu, doido para passar meus braços por sua cintura e beijá-la ali mesmo. Eu ainda tinha medo de estragar tudo, por isso tentei parar de pensar demais e me divertir.
Nós bebemos e berramos letras de músicas um para o outro. Rimos e fizemos amizade com pessoas desconhecidas. Talvez tenhamos convidado algumas para o casamento do dia seguinte. Não pude deixar de notar, porém, que quanto mais bebíamos, mais ficávamos "afetuosos" um com o outro. ou estava dançando muito junto do meu corpo ou estávamos semi-abraçados/de mãos dadas. Eu provavelmente só estava lidando com aquilo tudo porque estava bêbado.
Quando a banda anunciou que iria tocar suas últimas duas músicas, nós dois estávamos derrotados. Eu já tomava água e ela estava parada em pé no pequeno tablado atrás de mim, com os braços passados pelos meus ombros. Os acordes de Sex on Fire começaram e eu sabia que adorava a música. Podia perceber pelos movimentos de seus braços que estava dançando.
E então, no que para mim pareceu ser um ato repentino, senti seu hálito quente perto da minha orelha. começou a distribuir beijos pelo meu pescoço, me pegando completamente desprevenido. Suas mãos agora passeavam pelo meu peito e ombros e eu não fazia ideia do que fazer.
Me virei, encarando-a.
"O que você está fazendo?" - Só consegui pensar na pergunta mais óbvia.
"Estou te beijando..." - Respondeu, com um sorriso de lado.
Suas mãos, ainda nos meus ombros, faziam pressão para que eu me aproximasse.
"..." - Mas nem mesmo eu sabia o que dizer ou por que eu deveria dizer algo. Deixei que ela me conduzisse como quisesse.
desceu do tablado e eu a abracei pela cintura.
"Senti saudades." - Disse ao pé do meu ouvido. E eu sabia que dessa vez ela queria dizer algo diferente de quando tinha dito o mesmo na sala de Nigel e Lydia. Meu corpo todo estremeceu e meus dedos deslizaram pelo lado de seu corpo.
But it's not forever
But it's just tonight
Oh we're still the greatest
The greatest
The greatest
colou nossos corpos e me beijou. Tudo parecia muito urgente, como se tivéssemos perdido tempo fugindo daquilo o dia todo. E como se só houvesse aquelas últimas duas músicas da banda para fazermos as coisas sem pensar. Nem ouvi a última música. Todos os meus sentidos estavam concentrados no ato de beijá-la, de sentir seu corpo, perceber sua respiração.
Isso era algo que eu havia sentido falta no meu relacionamento anterior. Essa espontaneidade. E o jeito como nós dois simplesmente... Encaixávamos. Não tinha movimentos errados, estranheza... Só química.
O alvoroço ao nosso redor significando o fim da noite fez com que se desvencilhasse de mim. Sorrimos um para o outro quando nos encaramos e eu levantei uma das mãos para fazer carinho em seu rosto.
"Vamos para casa?" - Perguntei e fez que sim com a cabeça, ainda me olhando em silêncio. - "Precisamos de um táxi."
Saímos do pub e precisamos esperar um pouco até achar algum disponível.
"Tá com frio?" - Indaguei, abraçando-a e dando um beijo no topo de sua cabeça. me abraçou mais forte.
"Não, não estou. Estou bem aqui." - Disse, com a voz abafada por ter o rosto encostado no meu ombro.
Era tão adorável! era capaz de causar um aquecimento instantâneo em meu peito apenas sorrindo. Tentei me lembrar se sempre tinha sido assim, mas acho que o de antes não tinha um coração, só sentia coisas do quadril para baixo. Era triste! O quanto tinha deixado de aproveitar...
Assim que entramos no táxi, começamos um concurso de quem estava mais bêbado, já que nenhum dos dois se lembrava direito do endereço de Lydia e Nigel. O taxista não estava nada feliz.
Mas depois de alguns minutos mexendo no meu celular, consegui achar as direções e as ofereci para o motorista. estava dando risadinhas ao meu lado e, quando finalmente começamos a andar e eu me encostei no banco, ela se aconchegou em mim.
"Tá com fome?" - Perguntei, percebendo que tinha os olhos fechados. Era uma bêbada sonolenta. Ela fez que não com a cabeça.
O caminho para a casa de Nigel e Lydia passava por alguns dos pontos turísticos da cidade e eu não pude deixar de perceber que no estado embriagado que estava, com todas as ruas quietas e vazias e tendo em meus braços... Glasgow era mesmo muito charmosa!
Eu me sentia tão bem! Aquele dia inteiro tinha sido muito mais do que eu podia prever. Eu estava pronto para dizer a o que eu queria dizer. Eu estava otimista!
Precisei acordá-la quando chegamos e semi carregá-la para dentro de casa e até seu quarto.
", abre os olhos... Você precisa, pelo menos, andar até a cama." - Sussurrei, tentando não fazer nenhum barulho. Não sabia se os noivos estavam ou não dormindo em casa.
Ela "acordou" e se soltou do meu abraço, parecendo um pouco desnorteada. Piscou algumas vezes e então voltou a me olhar.
"Você me trouxe até aqui?" - Perguntou, passando as mãos distraída pelos cabelos.
Ri baixinho.
"Trouxe sim, sua bêbada!" - Falei, e mais uma vez fiz carinho em seu rosto. - "Você tá bem? Quer beber alguma coisa? Água?"
sorriu.
"... Precisando de alguma coisa? Copo cheio?" - Recitou. Eram as primeiras coisas que eu tinha dito a ela, naquele aniversário de Lydia em que tínhamos nos conhecido. Senti um frio engraçado na barriga. Como se estivesse vivendo a versão daquela cena em que eu faria as coisas certas.
"Se eu ao menos soubesse naquela época que seu copo está sempre cheio..."
Ela mordeu o lábio e se aproximou mais uma vez, me beijando. Como estávamos sozinhos no corredor dessa vez, estávamos sendo bem mais inapropriados com o jeito que nos tocávamos. Entretanto, por mais que meu corpo inteiro (algumas partes mais do que outras) clamasse para que eu a conduzisse até a cama e que nós ficássemos por ali, eu sabia que era errado. Havia dezenas de motivos para que eu não fosse em frente, mas os mais importantes eram: 1) Meus melhores amigos podiam ou não estar no quarto ao lado; 2) Aquela era a casa deles; 3) estava bêbada e havia a possibilidade de que ela cochilasse enquanto eu tentava tirar sua roupa e 4) Eu estava bêbado e havia a possibilidade de que eu não... Hum... Pudesse executar a função.
Por isso, comecei a desacelerar nosso beijo e não cedi quando tentou andar para trás, me levando até a cama. Parei de beijá-la, mas mantive nossas testas juntas. Estávamos os dois com a respiração descompassada.
"Só você beija como você." - Ela disse, por fim.
Acabei rindo daquele comentário aleatório.
"Como é? Eu devo me desculpar por isso?"
"Não. Não é ruim... É muito bom, na verdade. É de perder a cabeça." - Falou, me analisando e fazendo carinho na minha nuca. - "Deve ser porque você beijou tanta gente..."
O filtro dela definitivamente já tinha sido desligado pelo álcool. Mas eu só consegui rir mais.
"Não sei como receber esse elogio. Se é que é um elogio..."
riu também.
"É... É um elogio. É uma boa habilidade para se ter."
"Obrigado então!" - Falei e dei um selinho nela. - "Mas eu preciso descer, . É melhor nós não continuarmos isso hoje..."
Ela concordou com a cabeça e me soltou. Eu queria beijá-la de novo, mas se eu começasse ficaríamos nisso até o outro dia!
Acenei e saí do quarto, ainda meio zonzo.
"?" - Ouvi seus passos e ela me chamou da porta.
"Oi?"
"Obrigada por hoje..."
Sorri para ela.
"Eu é que agradeço!"
sorriu também e piscou antes de fechar a porta.
Respirei fundo antes de descer as escadas, sentindo o coração bater ainda meio descontrolado. O antigo realmente tinha perdido de sentir tudo aquilo ao mesmo tempo.
I know I want you to myself again
Senti como se tivesse dormido por 2 segundos, mas logo fui acordado por uma voz estridente vinda da cozinha.
"MAS SE ESSAS NÃO SÃO AS MINHAS FLORES, ONDE AS MINHAS FLORES ESTÃO?" - Lydia berrava, provavelmente no telefone porque eu não ouvia mais ninguém.
Resolvi me levantar. Eu precisaria mesmo de tempo para curar aquela ressaca e melhorar minha cara.
Encontrei a noiva sentada à mesa, parecendo que estava prestes a chorar. Ela acenou e me apontou a cafeteira. Até terminar de fazer o café e me sentar também, ela já havia desligado.
"Qual o problema?" - Perguntei.
"As flores para o meu buquê sumiram!" - Falou, a voz embargada de quem ia mesmo se acabar em lágrimas. Segurei sua mão.
"Calma, eles vão achar. Você já comeu hoje?" - Perguntei e Lydia fez que não com a cabeça. Me levantei para preparar algo para ela. - "Cadê o Nigel? E... ?"
Ela me lançou um olhar de rabo de olho. Quão alto eu e estávamos falando no corredor de madrugada?
"Já saíram... Nigel foi buscar o avô na estação e já foi para onde as madrinhas vão se arrumar." - Ela continuava me examinando enquanto falava. - "Ouvi vocês chegando ontem..."
Senti o pescoço e o rosto pegarem fogo. Nossos diálogos da noite passada rodando rápido em minha cabeça, para que eu pensasse se dissemos algo obsceno que ela pudesse ter ouvido.
"Me desculpa se te acordamos..." - Falei, tentando fazer o joão sem braço.
"Até achei que ia te ver saindo do quarto dela hoje de manhã..." - Lydia continuou. Era muito boa nesse jogo. Parecia, inclusive, já ter esquecido completamente o drama do buquê.
Coloquei um pedaço de torrada e uma xícara de chá em sua frente, tentando ganhar tempo. Mas eu sabia que podia ser sincero com ela.
"Achei que não seria certo... Estamos na sua casa, estávamos bêbados... Não era o melhor cenário..."
"Hum... " - Fez. - "Nigel disse que vocês conversaram. Significa que vocês voltaram?" - Era a mesma pergunta que Nigel havia feito no dia anterior. Dei de ombros.
"Não tem como voltarmos, porque nunca tivemos nada..."
"Porque você é um imbecil." Lydia não dizia nada com meias palavras.
"Eu era." - Corrigi. - "E por isso ainda quero conversar com ela. Saber o que esse fim de semana significa. Eu também não sei."
Pela primeira vez, senti um pingo de compaixão vindo da minha melhor amiga. Ela sorriu e afagou meu ombro.
"Estou torcendo por vocês!" - Falou e eu sorri para ela.
Ficamos sentados um tempo em silêncio, tomando café da manhã.
"Você vai se casar hoje!" - Disse finalmente, fazendo seus olhos brilharem de animação. - "Pena que está tão acabada! - Zombei, tomando alguns tapas e gargalhando.
"Você é um idiota!" - Ela xingava, mas também estava rindo. - "Era para eu estar em um SPA agora! Fazendo todo tipo de massagem relaxante para mais tarde! Em vez disso estou aqui tentando resolver a porra do meu buquê e tendo que lidar com você!"
Ela tinha voltado ao status "Em pânico". Me senti meio culpado.
"Hey..." - Falei, tentando acalmá-la de novo. - "Respira... Fica calma. Vamos fazer assim: Você vai para o seu SPA e fica linda e eu vou atrás das suas flores."
"Você faria isso?" - Perguntou afobada.
"Claro que faria. Me diz onde é essa floricultura e eu vou até lá e só saio com o seu buquê!"
Lydia se levantou e veio me abraçar, tamanha sua felicidade.
"Muito obrigada, ! Muito obrigada!"
"De nada!" - Me levantei e encarei minha amiga, sorrindo tanto quanto era possível. - "E caso eu não diga isso hoje à noite, eu amo você! E você é a melhor coisa que aconteceu na vida do Nigel e na minha!"
Os olhos de Lydia se encheram de lágrimas de novo, mas acho que dessa vez estava ok chorar. Eu estava um pouco emotivo também. Ela me puxou para outro abraço.
"Eu também amo você, seu merdinha!" - Rimos da gentileza com que ela me tratava. - "Só te desejo o melhor, até quando quero te matar!"
"Você é impossível!" - Respondi. Nos soltamos e secamos os olhos.
Logo eu e Lydia estávamos saindo para começarmos aquele dia que prometia tanto. Eu mal podia esperar!
Entre resgatar buquês, transportar parentes e impedir tios de se embebedar antes da cerimônia, meu dia passou sem que eu pudesse pensar ou fazer algo sobre minha situação com . Toda vez que pensava em fugir e ir encontrá-la, algum problema surgia e eu, o melhor amigo do noivo, era sempre o primeiro na linha do tiro.
Foi só quase na hora do casamento que me deram uma boa missão: Levar algumas das madrinhas para a igreja. Era minha chance de vê-la!
Cheguei ao hotel onde elas se arrumavam e não pensei duas vezes antes de perguntar onde estava. Chequei o relógio e tive certeza de que estava adiantado e teríamos tempo para conversar. Minhas mãos suavam de ansiedade!
Marg saía do quarto e me deixou entrar. Quase caí de costas com a visão que tive. estava sentada no parapeito da janela e usava o vestido das madrinhas, longo e cor de pêssego, com uma flor nos cabelos. Estava tão linda que me deixou sem ar!
"Acho que dá azar o padrinho ver a madrinha antes da cerimônia." - Disse, sorrindo, enquanto eu fechava a porta atrás de mim.
"Acho que a superstição não é essa..." - Corrigi e ela riu.
"Você tá bem? Muita ressaca?"
Não pude deixar de notar que parecia um pouco envergonhada. Tentava por tudo não me olhar nos olhos.
"Um pouco... E você?"
"Surpreendentemente bem..." - Respondeu e mordeu o lábio inferior, ainda parecendo um pouco desconfortável. Me peguei pensando se eu havia feito alguma coisa, da qual não me lembrava, que podia tê-la ofendido. - "? Hum... Eu queria... Pedir desculpas por ontem."
Franzi a testa sem entender.
"Por ontem? Ontem foi perfeito!" - Falei. Ela fez que sim com a cabeça.
"Foi. Foi sim! Mas nós... Eu não deveria ter... Eu me precipitei." - Disse, por fim.
Andei alguns passos em sua direção. Eu esperava que ela não estivesse falando sério.
"Você não devia ter me beijado?"
"Torna as coisas mais complicadas..." - Falou, encolhendo os ombros e parecendo sem jeito.
Respirei fundo. Era a hora de dizer o que eu havia ensaiado, ainda que todo meu otimismo tivesse se transformado em mau pressentimento.
"... Eu vim para Glasgow com a ideia fixa de te pedir desculpas e, porque as coisas com a gente simplesmente fluíram, eu acabei guardando para mim todo um discurso."- Comecei. Ela me encarava atenta. - "Mas eu preciso te dizer que hoje eu sei o grande idiota que eu fui com você, que você nunca mereceu como te tratei. Que todos esses anos eu só queria te encontrar e dizer que você é maravilhosa de tantos jeitos! E eu não via isso. Ou via... Mas era como se eu não fosse capaz de fazer algo com tudo que eu sabia sobre você. Mas hoje eu sei. E eu queria pedir para você não se arrepender por ontem. E que ontem não fosse um fato isolado. Então, resumindo, eu queria você para mim de novo. Por favor? Porque agora eu vou saber te apreciar!"
Respirei fundo mais uma vez quando terminei de falar, a olhando ansioso. Os olhos de pareciam marejados e ela tinha um sorriso meio triste nos lábios.
"... Eu..." - Passou as mãos no rosto, parecendo nervosa. - "Eu te perdoo pelas coisas que passaram e eu agradeço que você me aprecie, que tenha tido coragem de me dizer tudo isso. Você é incrível também. Sempre foi!"
"Mas?" - Perguntei. Ela riu por eu saber que havia um "porém".
"Não daria certo..." - Respondeu. - "Eu ainda moro na Espanha, você ainda mora aqui. Nada mudou!"
não fazia a linha vingativa, por isso eu sabia que ela não estava repetindo meus motivos de anos atrás só para me dar o troco. Agora ela acreditava mesmo neles.
"Eu mudei..." - Falei. Estava quase suplicando. - "A gente só precisa de uma segunda chance. Eu preciso. Nós podemos dar um jeito nisso!"
"Me dói te dizer isso, . Existe uma briga interna enorme na minha cabeça agora! Mas eu não posso te dar uma segunda chance." - Disse, fazendo meu estômago despencar. - "Eu acredito em segundas chances, mas não sempre. A gente acaba ficando descuidado e convencido por achar que sempre vai haver uma quando fazemos merda. Às vezes a vida é questão de timing... De acertar de primeira."
". Não faz isso..." - Pedi, me aproximando mais dela. - "Eu sei que é pedir demais, mas pensa sobre isso... A não ser que... Que você não sinta mais o mesmo." - Me dei conta que eu tinha colocado o meu coração todo para fora e ela não tinha dito o que sentia. - "Mas tudo bem se você não sentir também. Eu vou parar de insistir. É... Me desculpa!"
Comecei a andar para trás, pensando que eu devia ter pensado nessa opção. De que talvez não gostasse de mim como antes. Ela estava certa sobre ficar convencido.
"!" - se levantou da janela e veio até mim, segurando meu braço. - "Eu sou doida por você! É o cara mais viciante com quem já tive algo... Será que você não percebeu que eu não fui capaz de passar 24h do seu lado sem acabar com as mãos em você de algum jeito? Mas aí as coisas dão errado e você não tem ideia de como é horrível te odiar!"
"Você me odiou?" - Perguntei. Estávamos agora um de frente para o outro bem no meio do quarto. Ela ainda segurava meu braço.
"Eu precisei te odiar por um tempo, para não fazer nada impulsivo. Você não teria mudado se eu não tivesse me afastado. E eu precisava me tratar como eu mereço" - Explicou. Era vergonhoso admitir, mas ela tinha razão.
Eu tinha outras coisas para dizer, para tentar convencê-la, mas pela primeira vez eu entendi que aquilo não era sobre mim. Era sobre . Sobre ela gostar de si mesma mais do que gostava de mim.
Sorri e levantei uma das mãos para fazer carinho em seu rosto. Observando toda a beleza que aquela mulher na minha frente representava.
"Eu entendo. Mesmo sabendo que o novo eu jamais te machucaria..."
"Nós somos humanos, . Estamos destinados a errar. Eu só não quero que você erre comigo de novo. Seria demais para mim." - Falou. - "Mas eu gosto de ter de volta na minha vida. Gosto da ideia de poder te ligar, de te receber em Valencia... Ir visitar seu cachorro um dia..."
Nós dois rimos. Eu também gostava dessa ideia.
"Eu quero isso também. Eu só... Por favor, não se arrependa por ontem, então!" - Disse, fazendo cara de cachorro pidão e fazendo-a dar aquela risada que eu amava. - "Porque foi especial demais! Foi mais do que eu podia imaginar..."
Ela fez que sim com a cabeça. E então, sendo a que sempre me pegava de surpresa em cada segundo de cada dia, me beijou mais uma vez. Mas não havia urgência dessa vez. Era um beijo de adeus. O beijo que fechava aquele capítulo, a nossa estória até ali.
Quando nos soltamos, eu ainda tinha as mãos em sua cintura e ela riu, limpando meu rosto.
"Te sujei de batom..."
"Não tem problema!"
"Tem sim. Lydia teria um troço se você saísse assim nas fotos do casamento dela." - Zombou, indo buscar um algodão com algo para tirar maquiagem.
"Nós sempre estamos culpando Lydia por coisas, já reparou?" - Falei, parando para pensar quantas vezes tínhamos dito as variações de "Lydia vai nos/te/me matar!". riu e concordou.
Ela repassou o batom e parou na minha frente para ajeitar minha gravata.
"Vamos? Casar nossos melhores amigos?"
"Vamos!"
Ofereci meu braço para que ela passasse seu braço por ele e saímos para a igreja.
Em Glasgow, onde tudo havia começado, o casamento foi lindo como eu sabia que seria. Nigel e Lydia eram o casal mais feliz que eu já tinha visto e eu desejava que fossem sempre assim.
Durante a festa, os dois dançavam sua música pela primeira vez como marido e mulher, mas meus olhos estavam fixos na madrinha mais bonita da festa. os olhava com o rosto apoiado nas mãos e a expressão sonhadora. Eu sabia que bem naquele momento, ela pintava um de seus quadros ou escrevia uma de suas poesias mentais.
E naquele momento me bastava saber que ela não tinha perdido essa capacidade de ver o mundo do jeito que era só dela. E que renovar nossa amizade significava que não demoraria para que eu pudesse "rever" aquela noite sob a sua doce perspectiva.
Fim
Nota da autora: Sou apaixonada pelo The Ride! Eu adoro como o Van escreve todas as musicas como estorinhas e nos ajuda master na hora de escrever fics. Estou doida pra ler as outras fics desse ficstape! E caso você não tenha escutado esse album lindo ainda...Escute logo!! E escutem o The Balcony tambem. Catfish and the Bottlemen não tem música ruim, juro!
Enfim... Falando da fic... Acho que essa foi a vez mais difícil pra mim pra escrever um final agridoce. Fiquei apegada aos personagens juntinhos. Mas eu tinha essa coisa sobre timing na cabeça e queria escrever sobre isso e aí está. Espero que tenham gostado, não deixem de comentar!
E pra finalizar, muito obrigada à Thatha, Lígia e Fran, que leram essa antes!
Outras Fanfics:
While my guitar gently weeps [Outros/Finalizada];
When we were young [Outros/Finalizada];
On the third floor [One Direction/ Em Andamento];
Trap [One Direction/ Finalizada].
Ficstape CATB
Obrigada e até a próxima! =)
Nota da beta: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
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Enfim... Falando da fic... Acho que essa foi a vez mais difícil pra mim pra escrever um final agridoce. Fiquei apegada aos personagens juntinhos. Mas eu tinha essa coisa sobre timing na cabeça e queria escrever sobre isso e aí está. Espero que tenham gostado, não deixem de comentar!
E pra finalizar, muito obrigada à Thatha, Lígia e Fran, que leram essa antes!
Outras Fanfics:
While my guitar gently weeps [Outros/Finalizada];
When we were young [Outros/Finalizada];
On the third floor [One Direction/ Em Andamento];
Trap [One Direction/ Finalizada].
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