Capítulo Único
(À Alemanha)
Por Charles Hamilton Sorley
You are blind like us. Your hurt no man designed,
(Você é cega como nós. Sua dor não foi projetada por homem algum)
And no man claimed the conquest of your land.
(E nenhum homem alegou a conquista de sua terra)
But gropers both through fields of thought confined
(Mas os dois lados atravessaram campos de pensamento confinado)
We stumble and we do not understand.
(Nós tropeçamos e nós não entendemos)
You only saw your future bigly planned,
(Você só viu seu futuro grandiosamente planejado)
And we, the tapering paths of our own mind,
(E nós, os caminhos afunilados de nossa própria mente)
And in each other's dearest ways we stand,
(E permanecemos nos modos mais queridos uns dos outros)
And hiss and hate. And the blind fight the blind.
(E assobios e ódio. E o cego combate o cego)
When it is peace, then we may view again
(Quando houver paz, poderemos ver novamente)
With new-won eyes each other's truer form
(Com novos olhos a verdadeira forma um do outro)
And wonder. Grown more loving-kind and warm
(E nos admirar. Crescer mais amável e terno)
We'll grasp firm hands and laugh at the old pain,
(Vamos agarrar firmes mãos e rir da velha dor)
When it is peace. But until peace, the storm
(Quando houver paz. Mas até que haja paz, a tempestade)
The darkness and the thunder and the rain.
(A escuridão e os trovões e a chuva)
Sorley estava em solo alemão quando a Primeira Guerra Mundial foi declarada. Recebeu ordens para deixar o país e voltou, impacientemente, para sua terra natal. Alistou-se em 1914 e lutou por sua pátria. Seus esforços lhe renderam o título de capitão de tropas.
Aos vinte anos, em outubro de 1915, Charles toma posição na Batalha de Loos – uma das principais ofensivas britânicas sobre a Frente Ocidental. Um atirador de elite rival acerta uma bala certeira em sua cabeça.
No ano seguinte, trinta e sete poemas seus encontrados completos foram publicados na coleção: “Marlborough and Other Poems”. Apesar de o conjunto de sua obra não poder ser rotulado como anti-guerra, “To Germany” reflete seus sentimentos por um país que o alimenta sendo ao mesmo tempo um inimigo.
encontrava, naquelas simples palavras, uma motivação humana quase visceral. Interpretava as mesmas como uma recusa a atribuir culpa a um único lado. O campo de batalha era um terreno intermediário entre ambições políticas exageradas e imperialistas. Uma overdose de ganância que os levara à incapacidade de reconhecimento mútuo.
Ela nunca entendera porque os homens guerreavam uns com os outros. Queria pensar que uma pessoa não mataria outra por pura cobiça, mas cá estava a violência diária. Quem dirá em uma guerra?
Seu ímpeto por conhecimento, compreensão, conscientização e sua própria humanidade levaram-na a escolher uma carreira que a maior parte de sua família não aprovava: História. Seus pais achavam um desperdício. Ela via nisso uma necessidade. Queria ensinar, queria aprender. Queria buscar, queria entender.
Seus vinte e seis anos vividos lhe mostraram como teorias poderiam ser deturpadas a ponto de incitar o ódio. Crescera em um país que iniciara duas guerras por se julgar inferiorizado pelo resto do mundo. Entendia que a Alemanha realmente era abandonada pela Europa, mas via nos resultados catastróficos as consequências do ódio. Um homem que decide começar um genocídio para formar uma nação pura não lhe parecia nem um pouco capaz de ser defendido.
Era nisso que a jovem pensava, enquanto uma de suas alunas lia o poema em voz alta e calma para o resto da classe.
Ao ouvir os últimos versos sendo proferidos, abandonou seus pensamentos e passou a olhar para os rostos absortos de seus alunos. No primeiro dia de cada ano letivo, fazia essa análise.
– Muito bem, pessoal – chamou, assim que a garotinha finalizou a leitura. – Depois dessa pequena introdução à nossa aula, posso me apresentar normalmente. Sou a professora , mas vocês podem me chamar de . Muitos de vocês foram meus alunos no ano passado e já sabem que eu dou aulas de história no colégio. Agora, gostaria que os alunos novos se levantassem e dissessem seus nomes. Pode ser?
Um garoto loiro se levantou prontamente, anunciando que se chamava Evan. Na fileira seguinte, uma menina fez o mesmo. Era Katryn. Depois dela, ninguém se manifestou. A professora correu os olhos pela turma, checando se as apresentações tinham realmente terminado. Não tinham.
Na última carteira da fileira próxima à parede, um garoto de pele morena parecia querer esconder o próprio rosto. Suas mãos estavam apertadas às laterais do corpo e os pés balançavam freneticamente. Era como se estivesse inconscientemente buscando o meio mais rápido de desaparecer dali.
caminhou calmamente até ele. Não queria assustá-lo ou sufocá-lo. Abaixou-se, de forma a ficar mais ou menos de sua altura.
– E você, meu querido? Como se chama?
O menino levantou minimamente o olhar, retornando-o ao chão em questão de segundos.
– Eu sei que o primeiro dia de aula pode ser bem assustador. – A paciência de era como um abraço parental para quem ouvisse suas palavras. – Mas, vamos lá. Pode confiar em mim? Eu sinto que seremos grandes amigos. Posso saber o nome do meu futuro amigo?
– Lukas. – A voz estava baixa. – Lukas .
– É um nome maravilhoso. – A mulher sorria ternamente. – Sabe o que significa?
– Não – respondeu, ainda acanhado.
– Significa iluminado, brilhante, cercado de luz. Você gosta de estrelas, Lukas?
– Gosto.
– É como se você fosse uma delas. Legal, não é mesmo?
O garoto sacudiu a cabeça em afirmação. Ainda estava arredio, mas já mantinha a cabeça erguida. Era um avanço enorme, mesmo que não o parecesse. Os outros alunos não perceberam quando Lukas relaxou. Estavam todos ocupados demais perguntando a qual o significado do nome deles. Um chegou até mesmo a questionar o porquê de o nome de seu gato não querer dizer gato. O pequeno achou graça.
O sinal bateu, anunciando o fim da aula. passou em mais quatro salas, sem tirar de sua mente o rosto indefeso de uma criança maravilhosa.
Não pôde evitar. Correu para tentar encontrá-lo na saída. Sentiu uma pontada de decepção ao não vê-lo em meio àquele mar de crianças e adolescentes que se acotovelavam para estar do lado de fora do colégio. Passar pelas catracas e portões parecia uma necessidade urgente para eles. Provavelmente estavam preocupados com a possibilidade de perder a série de comédia que passava na hora do almoço. Se bem que as crianças não deveriam ver aquilo.
esperou alguns minutos para não ser empurrada por algum formando em ascensão. Foi nesse momento de espera que viu as mesmas pernas frenéticas balançando sobre um banco, sem que os pés alcançassem o chão. Sorriu com a cena e sentou-se ao lado dele.
– Por que não foi ainda, Lukas?
– Meu pai não chegou. O chefe novo dele deve estar de plantão. Aí meu pai fica também.
– Puxa! Seu pai é médico? Que legal! – O garoto sorriu, concordando.
– Ele abre as pessoas que sofrem acidentes. Minha avó diz que ele faz uma mágica com a parte de dentro das pessoas e consegue deixar elas bem de novo. É tipo um superpoder especial.
– É mesmo. – estava encantada com a admiração do garoto pelo pai. – Você se importa se eu ficar aqui até que seu pai super-herói chegue?
– Não, senhorita . Mas olha ele ali. – O garoto apontava para um carro que passava pela portaria da escola em velocidade acima da recomendada.
Um homem alto, relativamente forte e de cabelos baixos saiu do automóvel, abrindo os braços e um enorme sorriso.
– Ah, meu garoto! – Os dois se esmagavam mutuamente em um abraço de urso. – Já estava com saudades, acredita? Obrigado por fazer companhia a ele. – Agora, referia-se à professora. – É quase impossível conseguir uma folga naquele hospital.
– Deve ser – concordou, sorrindo cordialmente. Se havia uma coisa que sua família havia lhe ensinado com perfeição, era a ter educação. Tal virtude ficava clara em sua relação com os alunos e suas respectivas famílias.
– Como foram as aulas, grandão? – Lukas batia na cintura do pai, mas adorava ouvir esse apelido. Sonhava em ficar tão alto quanto o homem que o abraçava. – Gostou da escola nova?
– Eu estava bem assustado no começo – admitiu. – As crianças são muito diferentes, papai. Elas não foram cruéis comigo, mas tive medo que fossem por eu não me parecer em nada com elas.
– Já conversamos sobre isso, Lukas. As pessoas podem ser bem más, mas você é um garoto de ouro. É o menino mais legal que eu conheço.
– A professora disse que eu sou uma estrela. – O garoto abriu um sorriso largo ao contar aquilo para seu pai. A ideia de ser uma estrela lhe era quase tão encantadora quanto ser um herói de suas dezenas de revistas em quadrinhos. – Ela me ajudou a ficar calmo. E ela ainda dá aulas de história. Não é demais?
sorria, já sentindo um carinho enorme por aquela criança. Sempre se apegara fácil aos alunos, mas aquele menino era especial. Era mesmo uma estrela brilhante que chegara para iluminar um pouco esse mundo tão cinzento.
– É demais mesmo – o mais velho respondeu, bagunçando os cabelos do pequeno. – Obrigado por isso. É o primeiro mês dele no país e o primeiro dia de aula. A senhora deve imaginar como é difícil nessa idade.
– Tem total razão – disse, rindo. – Mas, por favor, não me chame de senhora.
O homem levou a mão aos cabelos, também rindo.
– Desculpe-me, força do hábito. Como devo chamá-la, então?
– Apenas . Não sou grande fã de pronomes de tratamento.
– Nem eu. – Ergueu a mão em um cumprimento. – .
– Prazer em conhecê-lo. Tem um filho incrível, .
– O prazer é meu. Ele é mesmo, não é? – Os se encararam, deixando transparecer o enorme orgulho que tinham um do outro. Eram a dupla dinâmica e inseparável. Como Batman e Robin, mas ainda melhores. Pelo menos, era isso que Lukas dizia.
– É, sim. Preciso ir. Vou deixá-los a sós. – colocou as mãos nos bolsos da calça, prestes a se virar em retirada. – Até mais, Lukas.
O garoto se soltou das mãos do pai e veio correndo em direção à professora. Parou em sua frente, como se precisasse de coragem para o próximo passo. Parecia ponderar se aquilo seria ou não certo.
A mulher se abaixou em sua frente, olhando-o no fundo dos olhos. Dava a permissão para ele agir. Imediatamente, ele abriu os magros e quentes braços e os passou pelas costas da moça. Ela retribuiu, abraçando o menino.
– Obrigado – ele disse e saiu correndo em direção ao pai.
– Eu que agradeço, Lukas – respondeu, mas o garoto já estava longe demais para poder ouvi-la.
– Minha mãe trabalha numa revista super legal. – Maryse dizia, desinibida em cima do tablado de madeira. Era o dia de profissões do colégio. Dia este em que os alunos poderiam escolher um familiar ou amigo próximo para contar às crianças o que eles faziam.
– A revista da sua mãe fala de futebol? Ela conheceu o Marco Reus? – Um dos garotos perguntava freneticamente, como se tivesse ultrapassado a quantidade ideal de açúcar no café da manhã.
– Não. Mas ela conhece todas as lojas da Chanel.
– Que Chanel? Minha mãe pede para a cabeleireira cortar o cabelo dela de um jeito com esse nome.
– Não é cabelo, seu burro! É moda!
– Mary, querida – a mãe interveio. – Deixe a mamãe contar um pouco sobre o trabalho dela agora, sim?
A garota bufou, mas se deu por vencida. Ficou ouvindo, completamente deslumbrada, todas as histórias que já conhecia de trás para frente. Qualquer um com um pingo de capacidade de observação perceberia que a garota estava praticamente pronta para seguir os passos de sua progenitora.
– Minha vez – um garoto gritou, subindo no tablado. – Meu pai é piloto de aviões. Ele já viajou para todos os lugares do mundo.
– Até para Nárnia? – Foi a ingênua pergunta de um garoto três anos mais novo.
– Não, seu bobo. Não dá para chegar em Nárnia de avião.
Apresentadores, chefes de cozinha, pais dedicados a cuidados domésticos, advogados e um veterinário fizeram seus discursos. Durante o último, entrou correndo na sala.
– Estou muito atrasado? – Suas palavras saíram ao mesmo tempo em que cutucou a moça sentada no canto esquerdo da sala. Ela praticamente saltou com o susto.
– Não – respondeu. – Mas se prepare que você é o próximo.
sorriu e foi se sentar ao lado de Lukas. Cumprimentou o garoto com um toque de mãos personalizado e sincronizado. ficava cada vez mais admirada com o quanto aqueles dois conseguiam definir o significado de família muito melhor que várias consistentes apenas nas bases das aparências.
O pequeno subiu um pouco atrapalhado. Imediatamente, sentiu a mão forte do pai em suas costas, protegendo-o de uma possível queda. Como sempre. Trocaram sorrisos cúmplices.
– O meu pai se chama . Ele é o cara mais irado que eu conheço. Ele faz mágica com o corpo das pessoas para que elas fiquem boas de novo. Eu tenho um orgulho muito grande do que ele faz. Um dia, eu quero ser que nem ele. Só que mais alto.
, algumas professoras e boa parte dos pais riram daquilo. O pequeno era uma graça.
– Obrigado, filhão. Bom, como o Lukas disse, eu sou o . Sou cirurgião, um médico que vê a parte de dentro das pessoas.
– Uma vez colocaram uma câmera na minha boca para ver dentro de mim também – uma menina gritou. – Coça bastante, mas é engraçado.
– Eu faço quase isso – disse, em meio a risadas. – Trabalho numa área que muitos chamam de Trauma. Costumam ser pessoas que se descuidaram que sofreram ou fizeram com que outros sofressem um acidente.
– Uau – as crianças fizeram em uníssono.
– Você ajuda as pessoas que batem o carro? – Uma delas perguntou, inclinando a cabeça para o lado.
- Sim. Também ajudo pessoas que escorregam, caem, tropeçam e acabam se machucando bem feio.
– Papai, quando eu crescer, posso ser que nem ele? – Um menino perguntava, maravilhado com a ideia de ajudar os outros. – Parece ainda mais legal que ser bombeiro.
– Claro que pode, filho – o pai respondeu, chocado e alegre com a tendência à medicina que, aos poucos, evidenciava-se.
– Todos vocês podem. Qualquer um pode ser médico. Basta querer salvar vidas. É como ser um super-herói.
respondeu mais algumas perguntas dos pequenos. Alguns tinham se assustado com a menção a acidentes. Os mais novos só tinham ouvido a parte de ser um herói. Pronto. Mais da metade de uma geração estava corrompida pela empatia e pelo altruísmo. E aquela sensação não poderia ser melhor ou mais agradável.
As famílias foram esvaziando o local aos poucos. Lukas ficou nas pontas dos pés, procurando entre as pessoas que saíam. Encontrou-a no canto esquerdo, esperando que o fluxo passasse como sempre. A mulher era um poço admirável de paciência.
– Professora – ele chamava, com aquela alegria que refletia em seus olhos uma grandeza que ainda seria descoberta e lapidada como um belo diamante. – Você viu como eles gostaram do meu pai?
– Vi, sim, Lukas. É muito bom ajudar os outros. Seu pai é um homem bom.
– Ele é mesmo. Ele tem um coração gigantesco. É tão, mas tão grande, que foi até capaz de me ajudar mesmo quando nem me conhecia.
A professora entrou em estado de choque. Não estava esperando por isso. também parecia levemente desconfortável. Não por si mesmo, mas pelo filho. Era a primeira vez que o garoto falava algo daquele tipo para alguém fora daquele simulacro familiar ao qual eles já estavam completamente acostumados.
– Filho, não precisa falar disso.
– Mas eu quero que ela saiba, pai - o menino insistiu. – Ela é a melhor professora de história do mundo, sabia? Eu acho que ela devia saber da minha história também. Quando eu for uma pessoa super hiper mega importante, ela vai poder contar de onde eu vim. Tudo bem?
– Vá em frente, então. – O homem assentiu, dando um sorriso encorajador ao garoto.
Ele respirou fundo, concentrando-se no que estava prestes a dizer. Não queria perder nenhum detalhe importante ou contar coisas que fariam com que a senhorita se desinteressasse. Queria que sua história fosse tão legal para ela quanto a daquele poeta inglês ou mesmo de Napoleão Bonaparte.
– Eu nasci na Nigéria, em uma cidade chamada Baga. Nunca conheci meu pai. Minha mãe dizia que ele tinha fugido porque tinha medo de ter um homem forte que nem eu em casa. Eu ria muito. Olha só que bracinhos magrelos! – O menino estendeu os braços, rindo um pouco. Levantou-os acima da linha da cabeça, como se quisesse ser visto por completo. – Mas eu sabia que não era verdade. Ele não me queria. E não queria minha mãe. Bobo dele. A gente era muito feliz!
mordeu o lábio inferior com certa força. Seus olhos já começavam a acumular algumas lágrimas. Podia sentir os malditos pés de galinha, enquanto evitava chorar. Apertou as mãos às laterais do corpo em um mascarado abraço a si mesma. a observava, sabendo exatamente o que ela sentia. A história de Lukas era grande e pesada demais para um menino tão pequeno e tão leve.
– Você já deve ter ouvido falar do Boko Haram, não é, professora? – O garoto esperava uma resposta que já conhecia. Era óbvio que ela sabia do que ele estava falando.
– Lukas, isso é terrível demais para uma criança saber. É complicado, querido. Você é novo demais para esse mundo horrível.
– Eu sei que é. Eu vivi aquilo. Sei que não entendo muito, mas é o suficiente para ter morrido de medo por muito tempo.
Uma lágrima solitária escorreu pela bochecha da senhorita . A crueldade do mundo a assustava. Quantas crianças como Lukas não tinham sofrido com tanto ódio sendo disseminado cegamente?
– Eles invadiram a cidade. A gente tentou fugir. Eles levaram minha mãe. Nunca mais a vi. Um grupo me ajudou. Tinham mais algumas crianças também. Eles nos levaram para um acampamento no Chade. Foi lá que eu conheci o meu melhor amigo. – Por mais incrível que aquilo parecesse, o menino sorria. Tinha orgulho da própria história. – E meu novo pai.
ergueu o olhar a tempo de ver sorrindo de volta para Lukas. Ele também tinha deixado que algumas lágrimas rolassem pela face.
– Eu estava servindo de voluntário para o Médecins Sans Frontières. Tinha acabado de terminar a faculdade quando vi a oportunidade bater à minha porta. Fui antes mesmo de completar a residência cirúrgica. Estava no acampamento para o qual as crianças foram levadas. Várias mães foram resgatadas e retornaram para seus filhos. Infelizmente, não foi o destino de Siara, mãe de Lukas. Alguns pais vieram atrás dos filhos. Novamente, meu garoto não teve a mesma sorte. Passei a ser seu cuidador quase que particular dele. Viramos melhores amigos, confidentes e, após muito esforço, consegui trazê-lo comigo.
– E agora eu tenho um sobrenome super legal. é um nome bonito. – O garoto ria, abraçando o pai.
usou os punhos de sua blusa para secar as laterais do rosto. Agradeceu mentalmente por ter decidido não usar maquiagem nos olhos naquele dia.
– Não precisa chorar. – O garoto segurava suas mãos com seus pequenos e quentes dedos. – Eu sou feliz agora. As coisas ruins que acontecem servem para a gente valorizar as coisas boas, não é?
– Com certeza, querido. – Passou a mão por sua cabeça, fazendo com que ele sorrisse com o gesto de carinho. – Você é uma criança tão especial.
– Você é uma adulta muito especial. E eu sou uma criança especial com fome. – riu da observação do pequeno . – Pai, podemos ir àquela lanchonete que eu adoro?
– Para você comer um lanche duas vezes maior que a sua cabeça? – O garoto assentiu. – Só se for agora. Com milk-shake de chocolate e batatas fritas.
– Bom almoço para vocês, então – se despediu.
– Espera – Lukas gritou. – Você não quer almoçar com a gente? Vai ser legal. Você pode participar da nossa competição para ver quem consegue colocar mais batatinhas fritas de uma vez só na boca. Não pode, papai?
– Se ela quiser, será muitíssimo bem-vinda – disse, com um sorriso dirigido à professora. Um lindo sorriso que mostrava o quão sinceras suas palavras tinham sido.
– Não quero atrapalhar. É o momento em família de vocês.
– Mas eu já gosto de você como se fosse da família. Por favor, professora ! Eu sou um menino comportado, você vai ver.
– Certo. – Lukas deu pulinhos de felicidade, fazendo com que a moça risse. – Mas eu tenho uma condição!
– Qual? – Pai e filho, ao mesmo tempo, perguntaram.
– Aposto um milk-shake que eu ganho de vocês dois na competição de batatinhas. – Ergueu a sobrancelha direita, em sinal de desafio.
sorriu, meneando a cabeça.
– Fechado. Mas você vai perder miseravelmente.
– Como vocês fazem? Todos juntos na contagem do três? Ou fazem um por vez? – tentava se inteirar nas instruções dos rapazes acerca da ‘Competição do Flash das Batatas Fritas’.
– Lukas, explique para a senhorita como escolhemos o nosso velocista escarlate do fast-food – pediu .
– Certo! Preste atenção ou você pode ser desclassificada – ameaçou o pequeno. – Primeiro, pedimos uma batata grande para cada um. Desistimos da gigante por causa do milk-shake. Enquanto a comida não chega, escolhemos um tema e falamos todas as palavras relacionadas a ele que começam com uma letra que a gente também decidiu. Sabe como é, né? Para passar o tempo.
– Achei uma ótima ideia. Aliás, quanto mais joguinhos tiverem, mais joguinhos eu ganharei.
– Quanta autoconfiança, . – erguia uma sobrancelha.
– Você não viu nada, . – Sorria.
– Não discutam, crianças! – Lukas ria alto. – Pedimos para a garçonete fazer a contagem, assim ninguém sai em desvantagem. Não vale empurrar com água ou outras bebidas. E quem terminar primeiro, ganha um milk-shake.
– Sem água, então?
– Sem água.
– Os estão prontos para perder duramente para uma garota?
– Confio totalmente na capacidade feminina – disse. – Mas essa disputa você já perdeu.
Fizeram os pedidos e começaram a brincadeira. Os rapazes cederam à professora a chance de escolher o tema. Ela escolheu ‘Grandes Nomes da Humanidade’. a acusou de querer vantagem por ser a historiadora do trio.
– Valem personagens históricos, grandes médicos, jogadores, artistas... Qualquer um que tenha tido um papel de peso.
Lukas escolheu começar pela letra ‘M’.
– Martin Luther King – começou.
– Malcolm X. – Foi a resposta de , fazendo com que o encarasse de forma intrigada. – O que é? Eu sei um pouco de história também, professora.
– Marco Polo – o pequeno quase gritou de felicidade por ter se lembrado dele. – Vocês sabiam que ele foi o gênio que trouxe o sorvete para a Europa? A gente deveria agradecer pela existência deles todos os dias.
Os dois mais velhos riram. Era quase impossível encontrar algo que prendesse tanto o garoto quanto as coisas que se relacionavam a seu estômago. Um sorvete era, com certeza, importante o suficiente para que ele soubesse quem foi o responsável por trazer a receita da Ásia. Em compensação, ele provavelmente teria que tirar uns cinco minutos para refletir sobre a importância daquele barbudo que tinha um nome parecido ao de um planeta. Platão, Plutão... Quase a mesma coisa.
Eles continuavam, mantendo a ordem no sentido horário ao que se dispunham na mesa.
– Mahatma Gandhi.
– Marilyn Monroe. – e Lukas encararam . – Que é? A moça foi um ícone dos anos 50!
– Mark Zuckerberg.
– Mao Tse-tung.
– Esse tema é um saco de jogar contigo – reclamou. – Precisamos de um novo tópico.
Mudaram para animais. Pensaram em personagens de desenhos, mas Lukas ganharia sem pestanejar. Cogitaram partes do corpo humano, mas não tinha como sequer tentar enfrentar um cirurgião em uma brincadeira dessas.
– Macaco.
– Morsa.
– Morcego.
– Mariposa.
– Maritaca – disse .
– Isso nem é nome de bicho, seu ladrão de meia tigela! – reclamou.
– É o nome para um grupo de pássaros. Pode pesquisar se quiser.
– Vocês são tão competitivos – Lukas se pronunciou. – Aprendam a brincar! Aliás, é minha vez e eu digo mamute.
– Batatas grandes – uma moça loira bem jovem anunciou, aproximando-se da mesa. Parecia uma daquelas jovens de ensino médio que trabalhavam como garantia de seus estudos após se formarem. simpatizava com esse tipo de pessoa. Afinal, tinha sido uma delas. Teve uma vida boa e confortável, mas sem luxos e garantias de mimos ou mesmo de um futuro perfeito sem que ela precisasse ao menos levantar do sofá.
Os três agradeceram em um quase uníssono. Como de costume, o mais velho pediu que ela contasse até três, explicando que uma competição acirradíssima estava prestes a acontecer bem em frente a seus olhos.
A garçonete achou graça, entendendo a brincadeira.
– Vocês são a família mais legal e fofa que eu atendi nos últimos tempos – comentou.
se ajeitou na cadeira, relativamente desconfortável e ruborizada.
– Não sou parte da família – respondeu. – Sou só uma convidada para o almoço.
– Mas é uma convidada cada vez mais especial para nós – completou, sorrindo para a garçonete e, depois, para a senhorita .
A atendente riu, colocando um prato de fritas na frente de cada um dos competidores. Por dentro, só conseguia imaginar quanto tempo demoraria para que os três retornassem com a brincadeira estabelecida como rotina da família após a ingressão desse novo membro.
Realizou a contagem, como lhe havia sido pedido. Ao som do número “três”, os pratos foram atacados. Lukas enfiava a maior quantidade possível de batatas na boca, sem sequer refletir sobre isso. comia uma por vez, mas com uma velocidade realmente inacreditável. resolveu tentar apelar, dobrando as batatas para facilitar a mastigação. Nem eles mesmos sabiam que estratégia fazia mais sentido. A própria brincadeira por si só já era sem sentido o suficiente.
– ACABEI! – Um grito soou pela lanchonete. – EU VENCI!
Os outros dois riram, tendo pelo menos um terço do conteúdo inicial do prato ainda disposto em suas frentes.
– Como tanta comida cabe, tão rápido, em um ser tão pequeno? – perguntou em choque.
– É melhor começar a se acostumar – alertou. – Você tem um aluno que parece mais um saco sem fundo que uma criança.
O pequeno ria, batendo as mãos na mesa, enquanto declarava vitória a quem quisesse – ou pudesse – ouvir.
– Quero um milk-shake de chocolate com o dobro de calda. Muito obrigado por servirem o campeão!
O resto do almoço correu bem, em meio a várias risadas e algumas conversas desconexas. contou do quadro de embolia pulmonar em que um dos pacientes entrou enquanto ele estava de plantão. e Lukas ouviam atentamente, maravilhados, mesmo que não entendessem boa parte das palavras que ele usava e de sua real gravidade.
contou um pouco sobre doenças e tratamentos bizarros do começo do milênio. confirmou veracidade às bactérias e vírus, à medida que o pequeno ficava deslumbrado, quase descrente que as pessoas tivessem aquele tal escorbuto em países ricos.
A justificativa que o pai e a professora davam era de que aqueles eram outros tempos. Lukas concordou, torcendo para que, dali para frente, os tempos mudassem novamente. Esperaria uma estrela cadente nas próximas noites para pedir que aquela felicidade que os dois mais velhos lhe proporcionavam fosse eterna.
– Meu Deus! – adentrou a sala que usavam para reuniões com os pais com uma pressa enorme. Sua respiração já estava entrecortada pelo nervosismo e pelo esforço. – O Lukas está bem?
– Não sei. – O rosto de se contorceu, como se o ajudasse a raciocinar melhor. – O que aconteceu com ele?
– Não sei – ela rebateu. – Você quem veio pedindo uma reunião imediata comigo. Pensei que você soubesse de algo que eu não tenho conhecimento.
– Ah, não! – O homem riu, sentindo um alívio instantâneo. Qualquer suspiro sobre o garoto já lhe deixava incrivelmente preocupado. – Eu só queria falar contigo mesmo. Nada aconteceu com ele. Ao menos, não que eu saiba. Na verdade, eu vim te convidar para sair.
ficou estática na entrada da sala, tentando absorver o que tinha acabado de acontecer.
– Isso é algum tipo de brincadeira?
– Claro que não, . Credo. Assim você me ofende. Que tipo de cara você pensa que eu sou?
– Não pensava que fosse o tipo de cara que chamaria a professora de história do filho para sair.
– Acha isso ruim?
– Acho estranho.
– Por quê? Nós três nos divertimos da última vez. Pensei que pudesse ser legal.
– Eu, você e o Lukas?
coçou a cabeça, levemente incomodado com a vergonha que se manifestava. Por que raios isso tinha que acontecer agora?!
– Estava pensando em ficarmos só nós dois dessa vez.
– Deve fazer uns cinco anos que eu não saio com alguém. Além dos meus pais, claro. E das excursões da escola.
– Meu último encontro foi com um senhor que tinha uma hemorragia interna causada por um efeito gravitacional no telhado. Acho que estamos igualmente enferrujados. O que só pode significar que devemos encarar essa realidade difícil juntos. O destino tem dessas às vezes. E então, o que me diz sobre isso?
– Sábado. Às sete e meia.
Dezessete minutos. estava parada em frente ao espelho há dezessete minutos. Em algarismos romanos, seria XVII, número de azar para aquele povo. Um anagrama claro para VIXI, que, em latim, significa “eu vivi”. Por consequência, também significa “estou morto“. Ela estava claramente morta. Aquele encontro tinha sido a pior ideia que ela já tinha tido em toda sua vida. Agora, por consideração, ela teria que ir.
Mas ele ainda podia cancelar. Podia até ligar em total desespero, fingindo algum problema para não sair com ela. Talvez já tivesse desistido daquilo tudo ou simplesmente esquecido. Provavelmente, ela estava se preocupando à toa.
– Pelo amor de Deus, – a moça reclamava consigo mesma. – Você está surtando como uma adolescente em seu primeiro encontro do Ensino Médio.
Enquanto ela ajeitava pela quinquagésima sétima vez uma madeixa lateral que insistia em cair sobre seu rosto, ouviu o barulho de um carro sendo estacionado.
A adrenalina correu seu corpo quase tão acelerada quanto um atleta olímpico de 100 metros rasos. Ajeitou o vestido azul na cintura. Aquela droga parecia não querer ficar no lugar de jeito nenhum.
A campainha tocou, fazendo com que ela percebesse que era tarde demais para voltar atrás. Não interessava o que ela estava vestindo e muito menos o aspecto disso. Não tinha mais tempo. Ela só conseguia pensar no quão ridículo esse tipo de pensamento era. “Você é tão idiota, ”.
Abriu a porta para encontrar um homem impecavelmente arrumado com seu blazer preto riscado, com a camisa social branca expondo a pele de uma porção considerável do pescoço e o começo do tórax, por causa dos botões abertos. Os cabelos levemente bagunçados ajudavam a dar um tom de organização descuidada. Algo extremamente charmoso e atrativo, se quer saber.
Os dois ficaram alguns segundos se encarando da cabeça aos pés. Era quase impossível decidir qual dos dois estava mais fascinado.
– Uau! – Foi o que saiu da boca de . – Você está deslumbrante.
– Belo terno – respondeu. – Fica muito bonito em você.
– Qualquer coisa fica bonita em mim, mas agradeço o elogio. Vamos?
– Para onde? Você me enrolou por três dias. Pode me contar o lugar. Detesto surpresas. – Prometo que dessa você vai gostar. Agora, senhorita , gostaria de pedir que me acompanhasse até o carro para que possamos dar início a esta bela noite.
desceu do carro com a ajuda de , que segurava sua mão, apoiando-a. Ficou chocada assim que percebeu onde estavam. Era um daqueles lugares que você promete a si mesmo que visitará um dia, mas acaba sempre adiando. E deixa passar. E esquece.
– Eu não acredito que você me trouxe ao observatório. – Seus olhos brilhavam duplamente, acompanhados pela luz das estrelas. Ela só conseguia pensar em como realmente parecia uma criança encantada com toda aquela situação.
– A primeira coisa que Lukas me contou sobre o primeiro dia de aula foi que você tinha dito a ele que seu nome significava iluminado, como se ele fosse uma estrela. Indiretamente, foi o que desencadeou tudo isso. Se você não tivesse conversado com ele sobre nomes e não tivesse o comparado com um corpo celeste, talvez demorasse mais para conquistá-lo. Eu acabaria demorando mais para ficar sabendo de sua existência e seria possível que sequer chegássemos a nos conhecer.
sorriu, levemente corada.
– Nada mais justo que trazê-la aqui. Quem sabe não me traz alguma sorte?
– Aposto que trará – disse, estendendo a mão para que segurasse. – Vamos? Estou ansiosa.
Com um elevador e alguns degraus percorridos, chegaram ao topo. Era um local com alguns bancos de pedra e muros que permitiam que outros visitantes se sentassem no caso de os primeiros já estarem totalmente ocupados. Um telescópio profissional altamente capacitado estava posicionado no centro, enquanto algumas lunetas e acessórios mais simples estavam espalhados pelo resto do espaço disponível.
As estrelas pareciam brilhar ainda mais ali de cima. Estavam acima da iluminação costumeira da cidade e o mais distante possível de seu núcleo em altitude que as redondezas permitiam.
ajeitou a direção e o foco do telescópio.
– Começando com o símbolo da primavera, porque é o mais fácil de encontrar – anunciou e deu espaço para que a moça se aproximasse da lente. – Pegasus. As estrelas dos arredores compõem Peixes, Aquário, Andrômeda e algumas outras constelações menores, como Áries, ou menos conhecidas.
– Pegasus parece um cavalo de três pernas. – Foi o comentário dela, arrancando risadas do homem. – Continuo achando os nomes estranhos e que as pessoas que tiveram a brilhante ideia de dá-los tinham uma noção de sanidade bem questionável. Mas elas são maravilhosas. Fascinantes.
– O céu da primavera é o meu preferido. Não sei bem o porquê, mas é. Algo nele parece te abraçar para algo maior. A imensidão do universo é assustadoramente cativante e faz com que eu questione a imensidão de outras coisas.
– Como?
– Ah, você sabe... Possibilidades. Quantos “e se?” existem? E se os dinossauros não tivessem existido? E se eles não tivessem sido extintos? E se, por algum motivo evolutivo aleatório, os mamíferos não tivessem surgido? E se Napoleão não tivesse aplicado o Bloqueio Continental? E se Hitler não fosse um completo retardado? E não são só questões de história mundial, sabe? E se eu não tivesse passado em medicina? Nunca teria ido à Nigéria. Não teria adotado o Lukas. Não teria te conhecido. Provavelmente, também não nos conheceríamos se você não tivesse se entregado à paixão por história. Talvez por pressão familiar ou sei lá. São tantas possibilidades e, mesmo assim, cá estamos.
– Está falando de história só para eu cair de amores por você. Não vai funcionar, .
– Sabe outra coisa que não funciona? Eu sem comida. E é por isso que eu trouxe algumas coisas para fazermos um piquenique.
– Aqui em cima? – perguntou descrente.
– Onde mais seria? Digamos que eu tenho meus contatos. E eles me deram essa brechinha quando souberam que era por um motivo especial.
mal deu tempo de corar ou se manifestar. Já tinha saído correndo para buscar as coisas no carro.
Comeram enquanto conversavam sobre os assuntos mais diversos, sendo que a maioria deles partia de comidas. Doces preferidos, comidas típicas, o fato de qualquer tipo de tempero diferente lembrar que ela tinha uma gastrite horrível, enquanto comeria até um pote de pimentas se precisasse.
– Que estrela é aquela? – perguntou, apontando para um lugar próximo ao que ela lembrava ser Aquário.
apontou para o mesmo lugar, confirmando se estavam falando da mesma estrela. Estavam.
– – respondeu, para estranhamento da jovem.
– Você acabou de inventar isso, não é? Não faz a mínima ideia de que estrela é aquela.
– Não sei mesmo. Mas ela é linda. Para mim, chama . É digna de sua beleza e brilho.
– Como você é clichê – reclamou, revirando os olhos. O fato é que aquilo era totalmente da boca para fora. Alguns clichês, apesar de soarem idiotas e fajutos, acabam aquecendo nossos corações quando acontecem conosco.
– Você é uma péssima atriz. Sei que, lá no fundo, existe uma garotinha de coração mole. A mulher que acolhe aquelas crianças com todo seu coração. Qual é? Somos parecidos, não acha? Salvamos vidas, cada um a sua forma. Eu conserto estragos de acidentes e besteiras, você conserta possíveis estragos futuros. Eu tento manter a saúde e você os educa. Não seríamos nada sem educação. Em algum momento você parou para pensar que você está construindo um futuro para essas crianças? É uma coisa grande. Temos o mesmo amor pela vida.
sorriu abertamente. Conhecia o peso da educação, por isso escolhera a profissão e dedicara seus esforços a lecionar. O ponto é que muitas pessoas desprezavam a profissão. Pais raramente incentivavam seus filhos a darem aulas. Queriam filhos médicos, advogados ou engenheiros. Claro que todas eram profissões de enorme importância, mas professores eram desprezados por “só” ensinarem e ganharem pouco por isso. Não necessariamente pouco, mas não era o sonho de enriquecimento milionário que algumas pessoas mantinham.
– Você é uma boa pessoa, . O Lukas tem sorte de ter você como pai.
– Ele te ama – comentou. – Você sabe disso, não sabe? Ele sente falta de uma figura materna. Ele precisava de alguém em quem se apoiar e encontrou a mim. Mas, de certa forma, ele te adotou como alicerce também. Você faz parte da família que ele criou depois do estrago que aqueles homens fizeram na vida dele.
– Acho que acabei fazendo o mesmo. Sinto muito, , mas adotei seu filho.
– Você faz muito bem para nós dois. – pegou a mão fina de . Seus dedos eram frios e levemente ásperos, provavelmente por conta do uso diário de giz.
pousou a mão livre na bochecha dele. , calmamente, inclinou-se para frente e aproximou seus rostos, esperando uma possível recusa.
Não a obteve. Pelo contrário. Foi a moça que tomou as rédeas da situação e colou seus lábios. Os corações deles estavam acelerados, como era de se esperar. A sensação proporcionada pelos toques entre os dois era o mais próximo de Paraíso que poderia se conhecer na Terra. De repente, era como se nada parecesse mais certo que aquilo. Nada jamais faria tanto sentido quanto o contato entre aquelas duas pessoas e o amor que viria a nascer entre elas.
Durante seis meses, e se encontraram quase todas as semanas. Lukas participou de vários desses encontros e não poderia estar mais feliz. fazia o melhor café da manhã e contava as melhores histórias antes de dormir. Não foi à toa que ele quase explodiu de felicidade quando pai anunciou que a senhorita passaria a morar com eles.
A única parte da rotina que tinha se alterado pela presença da professora era a adição de outra pessoa ao círculo familiar e à programação de seus fins de semana. Iam ao cinema juntos, com o garotinho sentado ao meio, segurando um balde gigante de pipoca. e Lukas construíam castelos de areia nos parques enquanto atendia certas emergências cirúrgicas no hospital.
Oito meses se passaram em uma enorme felicidade. Aqueles três já eram a família perfeita. As brigas aconteciam, é claro, mas eram totalmente compensadas pelos filmes, jogos de tabuleiro, apresentações de teatro e desenhos extremamente coloridos e decorados, feitos com giz de cera e canetinhas hidrocor.
O dia-a-dia passava naturalmente sem grandes mudanças ou empecilhos no percurso. Mas é claro que a vida não permite que as coisas fiquem estacionadas na comodidade para sempre. Se você está se acostumando com a situação atual, ela lhe pregará uma peça. Se você não quer mudar uma forma de pensar ou agir, ela vai te dar um chute na bunda para que você tenha que dar alguns passos sabe-se lá em que direção.
E foi isso o que aconteceu. e se encontraram em casa às sete, como de costume. Cada um carregava um envelope.
– Tenho uma novidade – os dois quase gritaram quando se viram. Lukas, sentado no sofá, parou o que estava fazendo para prestar total atenção no que estava acontecendo.
– Pode começar – disseram juntos mais uma vez.
– Eu posso esperar – insistiu. – Teremos tempo o suficiente para isso.
– Certo – começou e entregou o envelope para a moça. – Você sabe como as coisas estão ruins por lá. Ajudar essas pessoas será maravilhoso para minha construção pessoal e profissional.
estava pálida, sorrindo de forma nervosa, como se não soubesse de que outra forma poderia reagir àquilo.
– Você foi convocado para atender os feridos dos conflitos na Síria – disse, mesmo que aquilo não fosse nada além de ler o maldito envelope. O que mais ela poderia dizer? – Uau – tentou. – Isso é realmente muito bom, . Você vai fazer um bem enorme para várias daquelas pessoas.
– É o que eu espero. Será um trabalho difícil, mas acho que consigo. Essas pessoas precisam de ajuda. E eu posso ajudá-las.
– Papai – Lukas chamou, com os olhos marejados. – Nós vamos com você, não é?
respirou fundo, controlando as próprias emoções. Não era hora de desabar na frente do filho. Ele precisava de alguém que lhe apoiasse e lhe passasse segurança, não que chorasse loucamente. Ele teria que guardar as lágrimas para mais tarde e para todas as noites que passariam afastados.
– Não, filho. – Abaixou-se para ficar da altura do garoto, olhando-o diretamente nos olhos. – Você e a ficarão aqui. Podem cuidar e fazer companhia um ao outro. Sei que as coisas não serão as mais fáceis do mundo, mas serão apenas quatro meses. Vocês ficarão bem, certo? Quero dizer, vou morrer de saudades, mas aguentamos esse tempinho, não é?
fungou, enxugando algumas lágrimas.
– É claro. Vamos ficar bem esperando o papai, não é? – Lukas assentiu para a mulher, abraçando sua cintura e apoiando a cabeça em sua barriga. Tentava, em vão, não chorar. Queria que seu pai percebesse que ele era um menino forte. Mas, no fundo, ele sabia que os meninos fortes também precisavam chorar de vez em quando.
– Agora, quero saber sua novidade – disse, tentando desviar de maiores tristezas.
lhe entregou o envelope que estivera segurando. reconheceu o nome do laboratório que fornecia os testes e exames para o hospital em que trabalhava.
– Que exame é esse? ¬– Perguntou, sem saber ao certo o que esperar ao abrir.
– Você não pode estar doente – Lukas resmungou, sentindo suas lágrimas voltarem. Ele já ficaria sem o pai. Não podia se dar ao luxo de ficar sem o mais próximo que ele tinha de mãe nos últimos tempos.
– Não é ruim – ela disse. – Pelo menos, acho que não.
abriu o envelope imediatamente, checando todos aqueles números que a ele eram tão familiares. A faculdade de medicina fazia todos aqueles nomes esquisitos e concentrações estranhas parecerem incrivelmente razoáveis e compreensíveis.
O mais velho acabou engasgando. Os olhos arregalados não deixavam entender o que ele realmente estava sentindo. Surpresa? Espanto? Medo? Talvez aquilo não tivesse mesmo sido uma boa ideia.
– Você está grávida? – perguntou, mesmo que as taxas hormonais já fossem resposta suficiente. assentiu, voltando a lacrimejar. – Meu Deus, ! Isso é maravilhoso!
, agora, ria de forma descontrolada, chorando ao mesmo tempo. Abraçou a moça com força.
– Eu vou ter um irmãozinho? – Lukas perguntou, parando de chorar. Começou a dar pulinhos de alegria quando lhe disseram que sim. – Eu vou ensinar ele a jogar bola. A gente vai brincar muito.
– Pode ser uma irmãzinha também – avisou, esperando que o garoto não se decepcionasse com o sexo do novo membro da família.
– E daí? Ela ainda vai jogar bola comigo. Você vai ver como eu posso ser um ótimo professor de futebol.
e riam. A alegria do garoto era mesmo cativante.
– Eu não vou mais – declarou o médico. – Vou ficar aqui com vocês. Não quero perder isso.
– Você não pode recusar uma oportunidade dessas. É um absurdo. Essas pessoas realmente precisam de você. É sua profissão. Sua vocação. Você nasceu para isso. Você precisa ir.
– É, papai. Nós vamos ficar bem. Eu, a mamãe e o bebê.
se emocionou ainda mais ao ouvir o pequeno lhe chamando de mãe. A relação entre eles era óbvia, mas aquela forma de tratamento ainda era demais para ele. Agora, estavam prontos.
– Você mesmo disse que são só quatro meses – reforçou. – Você volta a tempo para o parto. Estarei com seis meses no máximo. Conseguiremos nos cuidar. Certo, filho?
Lukas assentiu alegremente.
Decidiram jantar na sorveteria. Vários tipos de sorvete para comemorar. Aquele dia merecia toneladas de açúcar.
A despedida no aeroporto foi a pior parte. Os três choraram abraçados, prometendo que se encontrariam logo.
beijou Lukas, e a barriga dela que começava a crescer.
– O papai volta para ver seu rostinho do lado de fora. Por enquanto, fica dormindo calminho na barriga da mamãe e vê se me espera. Eu amo vocês três.
O lugar não tinha sinal e a eletricidade era escassa, fazendo com que o contato entre eles voltasse para as cartas. Um tanto charmoso e muito dolorido. A espera era dez vezes maior, assim como a ansiedade.
If I Could Fly
(Se eu pudesse voar)
I’d be coming right back home to you
(Eu estaria voltando para casa para você)
I think I might
(Eu acho que seria capaz)
Give up everything, just ask me to
(De desistir de tudo se você me pedir)
Querida ,
Ficar longe de vocês parecia ser a coisa mais difícil do mundo. Não é. É quase impossível.
Não sabe como seus rostos iluminados com sorrisos para mim fazem falta. Ninguém por aqui sorri. É um lugar muito triste, muito devastado. Algumas famílias têm tão pouco...
As crianças sabem da luta. Muitas estão diretamente envolvidas no conflito. Conheci um garotinho que aprendeu a usar armas de fogo para ajudar a proteger a si mesmo e ao irmão mais novo dos ataques. Você não faz ideia de como o psicológico deles está afetado. É tanto medo pesando sobre seus ombros...
Os ferimentos de bala, por incrível que pareça, são os mais leves. Só nessa semana tratei seis moças com o rosto desfigurado pelas abordagens com ácido.
Passamos tanto tempo em nosso casulo que nos esquecemos de como o mundo pode ser cruel.
Quero acreditar que existe bondade no mundo, . Quero acreditar em esperança. Cada família destruída por aqui só me faz querer voltar ainda mais.
Se você pedir, eu volto.
Com amor,
.
Pay attention, I hope that you listen
(Preste atenção, espero que você escute)
'Cause I let my guard down
(Porque eu abaixei minha guarda)
Right now I'm completely defenceless
(Agora, eu estou completamente indefeso)
Querido ,
Não posso te pedir para voltar. Já conversamos sobre isso. Seu lugar, nesse momento, é aí. Logo, estaremos juntos. Teremos todo o tempo do mundo. Mas esses dias são mais necessários para esse povo que para mim.
Existe bondade no mundo, sim. Você sabe que existe. Suas ações e força de vontade para ter ido nessa viagem são a prova mais clara disso.
Estamos bem. Lukas pediu para te avisar que ele tirou nota máxima em ciências, matemática, história e alemão. E prometeu melhorar a nota de geografia. Não, ele não vai te contar quanto ele tirou nessa.
Ele foi um acompanhante muito especial em nosso primeiro ultrassom. Ficou perguntando para a médica o que era cada uma daquelas coisinhas cinzas esquisitas. Ele riu muito e falou que o bebê tem pés de ET. Chorou junto comigo ao ouvir aquele coraçãozinho minúsculo batendo.
Estamos morrendo de saudades!
P.S.: Lukas trouxe um gato para dentro de casa e o batizou de Milk-shake. Espero que não tenha problema.
Com todo o amor do mundo,
, Lukas e pequenx.
For your eyes only
(Somente para seus olhos)
I’ll show you my heart
(Eu mostrarei meu coração)
For when you're lonely and forget who you are
(Para quando você estiver sozinha e esquecer quem você é)
I'm missing half of me, when we're apart
(Eu estou sem metade de mim quando estamos separados)
Now you know me
(Agora você me conhece)
For your eyes only
(Apenas para seus olhos)
Querida ,
Lukas sempre quis ter um gato. Apenas vacine-o. Ele deve estar se divertindo muito com o bicho.
Fiz cinco cirurgias de emergência nos últimos três dias. Pessoas tão boas e tão inocentes. Duas eram crianças. Os outros eram dois idosos e uma gestante.
Estamos ficando sem gaze e preciso pensar em um jeito de impedir hemorragias. Do contrário, logo estaremos sem material para possíveis problemas.
Fui convidado para uma festa de casamento de uma comunidade bem próxima à nossa base de atendimentos. A cerimônia foi linda. Você tinha razão. Eles são pessoas tão boas. É uma pena que parte deles tenha se convertido em algo tão ruim. É uma pena ainda maior que o preconceito de nossas nações generalize todos com base nos desvirtuados.
Esse povo precisa de ajuda. É realmente uma vergonha pensar que tantos refugiados foram negados. Iríamos querer abrigo se fôssemos nós os ameaçados. É só o que eles pedem: compreensão e compaixão. Eles mereciam muito mais.
O casamento deles me fez perceber que acabei me esquecendo de fazer uma coisa. Peço um zilhão de desculpas por ter que ser dessa forma. Peço perdão pela minha ansiedade e por querer que tudo esteja pronto quando eu chegar. Vi tantas coisas acontecerem tão rápido por aqui que acabei criando uma pressa em viver.
Eu te amo, . Desde o primeiro dia em que te vi, soube que era especial. Nosso primeiro beijo foi como o meu primeiro beijo da vida toda. Nada nunca pareceu tão certo ou predestinado. Nada faz mais sentido que ter você em meus braços.
Sei que deve soar idiota quando lido casualmente em uma carta, mas eu preciso disso. Derrubei todas as minhas próprias barreiras por você. Quero uma chance de te fazer ainda mais feliz - como você já me faz.
, aceita se casar comigo?
Esperando ansiosamente sua resposta,
.
Querido ,
É CLARO QUE EU ACEITO! Você é um idiota se pensou que eu pudesse responder não. Aceito. Digo sim, um milhão de vezes.
Assim que você chegar, começaremos a arranjar os preparativos. Logo depois de dar à luz, podemos nos casar.
Aliás, essa semana fiz outro ultrassom. Nosso bebê está saudável e crescendo normalmente.
Lukas me fez parar em uma loja de brinquedos para comprar um carrinho para ele. Quando vi, ele estava com o tal carrinho em uma mão e um mordedor cor de rosa em forma de pé na outra. Disse que será o brinquedo favorito da irmãzinha dele. Pois é. Teremos uma menininha.
Ele quer chamá-la de Diana. Disse que é um nome forte e bonito. Ficou implorando para que eu perguntasse o que você acha sobre isso.
Como está tudo por aí?
P.S.: Só falta um mês e uma semana! Essas cartas demoram tanto que eu mal posso acreditar que já faça tanto tempo!
Milhões de beijos,
, Lukas e talvez Diana.
I've got scars
(Eu tenho cicatrizes)
Even though they can't always be seen
(Mesmo que nem sempre elas possam ser vistas)
And pain gets hard
(E a dor fica difícil)
But now you're here
(Mas agora você está aqui)
And I don't feel a thing
(E eu não sinto nada)
Querida ,
Primeiramente, não quero que se preocupe. Eu juro por tudo que há de mais sagrado que estou bem. Foi apenas um susto dos grandes.
Atiraram em mim hoje. A boa notícia é que o tiro pegou de raspão em meu ombro. Terei uma cicatriz feia, mas pelo menos tenho minha vida intacta.
Os ataques próximos à base estavam ficando mais frequentes. Acabamos mudando a localização. Não podemos nos afastar muito da comunidade que precisa de nossos cuidados, mas espero que tenha sido o suficiente.
Diana é um nome maravilhoso. Já pensou? Diana . Será uma verdadeira princesa. Ou arquiteta. Ou engenheira. Ou médica. Ou professora. Ou atleta. Ou seja lá o que ela quiser ser. Será amada e é isso o que importa.
Em breve estarei aí. Nem parece que, em três semanas, terei você e nossos filhos perto de mim.
Creio que essa seja nossa última carta trocada. Nosso próximo contato já será pessoalmente.
Eu amo vocês com todo meu coração e alma. Vocês são a minha vida.
Lukas e Diana, papai estará aí o mais rápido possível.
Mal posso esperar.
.
I can feel your heart inside of mine
(Eu posso sentir seu coração dentro do meu)
I feel it, I feel it
(Eu sinto isso, sinto isso)
I've been going out of my mind
(Eu tenho estado fora de mim/da minha mente)
I feel it, I feel it
(Eu sinto isso, sinto isso)
Know that I'm just wasting time
(Sei que estou apenas perdendo tempo)
And I hope you don't run from me
(E eu espero que você não se afaste de mim)
colocou a carta recém-escrita no saco que eles usavam para as correspondências. Uma vez a cada quatorze dias, um mensageiro as colocava em um avião e as distribuía para as famílias dos que serviam naquele momento.
Pensou em como aquele encontro seria. Sentia uma falta imensa de sua família. Mal podia esperar para abraçá-los. A essa altura do campeonato, já deveria estar com a barriga enorme. E linda, como sempre.
Esperava que sentissem sua falta na mesma proporção. Seu coração se apertava fortemente só de cogitar o contrário.
Seus devaneios foram interrompidos por gritos. Correu até a entrada da base, avistando dois homens. O mais velho tentava sustentar o mais novo, mas este já estava estirado no chão, urrando de dor. Seu choro era profundo. Ele agonizava.
correu até lá, sendo interceptado por um dos soldados que dividia o alojamento improvisado com ele.
– Não pode fazer isso, doutor – gritou. – Volte para dentro. O senhor não pode ficar aqui. Não é seguro.
ouviu vários tiros ao longe e ponderou por uma fração de segundos.
– Eu preciso ajudar esse rapaz – insistiu.
– Não tem nada que possa fazer por ele. – O soldado tentava convencê-lo. – Ele não tem muito tempo. O estrago já foi feito. Você precisa voltar para dentro.
– Então o levem para dentro.
– Mas, doutor...
– Eu só entro com ele. Eu fiz um juramento, sabia? Não se desiste assim da vida de uma pessoa. Preciso ao menos tentar.
O soldado carregou o garoto para a base, enquanto corria na frente para preparar os materiais possíveis.
Ao analisar os ferimentos do garoto, percebeu que havia uma bala alojada em sua coxa e um corte profundo em seu pescoço. Por muita sorte nenhum deles tinha acertado alguma de suas artérias. Mesmo assim, o estrago era monstruoso.
passou alguns minutos tentando tranquilizar o garoto e aplicando uma pomada anestésica, após limpar o local da melhor maneira possível para a situação. A dor da retirada do projétil e dos pontos consequentes não seria totalmente despercebida, mas era melhor que nada.
– Isso pode doer, garoto – avisou e encaixou uma pinça no buraco em sua coxa. Ele soltou um grito profundo, voltando a chorar.
permanecia impassível. Precisava se concentrar. Sua carreira não seria nada se qualquer grito o paralisasse.
– Pronto – anunciou, segurando a bala. – Precisarei limpar o ferimento. Aguenta firme.
Mas algo atrapalhou sua visão. O ambiente, já pouco iluminado, ficou ainda mais escuro. O barulho de frotas aéreas aumentou e, com ele, algo pareceu se aproximar.
Antes que fosse possível pensar, dizer ou fazer qualquer coisa, o alojamento foi aos ares em pedaços.
O calor, o barulho, os químicos restantes e a pressão da explosão dizimaram tudo que existia em um raio de vinte quilômetros.
Que lugar seria mais propício para um ataque que a própria base médica? Sem médicos, sem cura. Não haveria escapatória. E nem precisavam mais de uma. Tudo já tinha sido carbonizado e destruído.
*****
Uma cerimônia foi feita em memória aos que morreram para salvar outras vidas. Todos os soldados, médicos e demais voluntários tinham sido vítimas de um dos ataques do ISIS.
, traumatologista alemão, faleceu no dia 13 de outubro de 2015, deixando para trás dois filhos e uma noiva à espera de uma promessa de casamento.
Lukas e choraram por várias semanas. Diana foi a única coisa que conseguiu lhes proporcionar felicidade em meio ao luto.
A garotinha nasceu com 50 cm e 3,12 kg. Nunca conheceria a maravilhosa e abnegada pessoa que seu pai havia sido, mas recebia um amor enorme por parte de sua mãe e seu irmão.
Com o dinheiro oriundo do seguro de vida do noivo, fundou uma ONG de suporte à integração e inserção social de refugiados e outros imigrantes. O Centro Memorial contava com aulas, projetos culturais e apresentações de teatro e música. Sabia que era a melhor forma de investir o patrimônio de um homem de coração tão grande. Tinha certeza de que, se ele estivesse vivo, teria feito algo do tipo. Provavelmente, teria uma ideia maior e melhor, mas a boa intenção da moça e o bom trabalho que estava sendo feito já era o suficiente para promover alegria para várias pessoas.
Lukas falava para os amigos da ONG que estudaria muito para ser um médico que salva vidas. observava tudo aquilo, enquanto embalava Diana em seus braços, cuidando-a. E sabendo que, em algum lugar, também estava cuidando daquele pequeno milagre.
For your eyes only
(Apenas para seus olhos)
For your eyes only…
(Apenas para seus olhos...)