Capítulo Único
Malibu, Califórnia - Junho de 2018.
Zuma Beach, 4h59 pm.
De alma lavada.
Era assim que sentia-se toda vez que fincava sua prancha de surf na areia e sentava-se em frente ao mar para admirar o pôr-do-sol.
Desta vez, não estava sozinho.
assistia as cores do céu variando em tons de alaranjado e roxo ao seu lado. Os cabelos soltos bagunçavam-se com o vento, e vez ou outra ela lançava um sorriso terno para o amigo.
— Quanto tempo temos? — O rapaz perguntou, sem desviar os olhos da paisagem.
sabia ao que ele se referia.
— 30 Dias — respondeu, alternando seu olhar entre ele e seus próprios dedos que deslizavam pela areia, formando desenhos abstratos.
permitiu que a frase dita por ela ecoasse em sua cabeça.
30 dias. O tempo que teriam juntos até a garota voltar para Nova York, e era inevitável não sentir saudades de como as coisas costumavam ser antes; das vezes que mataram aula na escola só para poder surfar o dia inteiro, e chegava em casa ao anoitecer, com os cabelos duros devido a água do mar e o corpo cheio de areia. Era necessário inventar uma desculpa diferente a cada semana para se livrar das broncas de sua avó, Marie, mas não adiantava muita coisa.
Só queria entender como tudo decorreu tão rápido até chegarem ali.
De um simples jovem nascido na Califórnia, passou a ser campeão mundial de surf. Lidar com toda fama ainda era algo complicado, contudo, estava aprendendo a se acostumar.
A mulher também não ficava atrás; formada em Economia, sabia muito bem como cuidar dos negócios da grande corporação de sua família, em Nova York — embora não fosse isso que havia sonhado em fazer quando ainda era uma adolescente.
Entretanto, as longas férias de verão tornaram-se apenas 30 dias. Não abririam mão de curtir cada momento juntos, com muita praia, surf e sol, graças ao lindo verão que junho proporciona a Malibu.
Teriam um mês inteiro, e este era apenas o primeiro dia.
7 anos atrás
Malibu, março de 2011.
Do lado de fora da janela, podia ver os raios solares brilharem com intensidade em plena manhã. Queria poder levantar de sua cama, disposta a curtir um dia inteiro na praia, mas sequer havia dormido direito devido a flashs dos últimos acontecimentos que passaram por sua cabeça a noite inteira, a perturbando por completo.
Primeiro seu pai chegando bêbado em casa após um dia estressante de trabalho. Sua mãe havia preparado um belo jantar, porém, para a mulher, ver o marido chegando bêbado em casa dia após dia se tornara algo desgastante. No início da discussão, seu irmão Alec até tentara interferir, enquanto a menina assistia tudo calada em algum canto do cômodo. Óbvio que as tentativas do garoto falharam, devido ao pai ser mais alto e mil vezes mais forte que ele.
O desespero veio mesmo quando o homem, completamente alterado, levantara a mão, fazendo a mulher em sua frente encolher os ombros e tampar o rosto, temendo o que viria a seguir. Em um impulso, tomada por uma fúria que a própria garota desconhecia ter, se enfiara no meio do casal, empurrando o pai com toda força que tinha e ignorando o bafo de cerveja que vinha em contato com seu rosto conforme ele falava coisas sem sentido.
Não se importara com o horário e muito menos com os vizinhos, apenas gritava e implorava para que o pai parasse, esquecendo-se de todo o medo que sentia. Alec envolvera a mãe em seus braços, igualmente assustado, tentando, ao mínimo, transmitir forças a mulher que tanto amava.
não tivera tempo para se defender quando, de forma ágil, o pai pegara o primeiro objeto de vidro que estava em sua frente e jogara em sua direção, atingindo-lhe na testa. Caída no chão e com a visão um tanto embaçada graças às lágrimas acumuladas em seus olhos, junto de uma leve tontura, ainda pôde ver o homem dirigindo-se até a porta da sala, batendo a mesma com força antes de sair.
Ele fora embora.
Poderia dizer que ali, apenas com 14 anos e em sua própria casa, tivera seu coração partido pela primeira vez. Pelo seu próprio pai.
Dali então, não se lembrava de muita coisa. Apenas de sua mãe fazendo um curativo improvisado em sua testa, pedindo para que ela e Alec juntassem algumas mudas de roupa em uma mochila.
Na manhã do dia seguinte, a mulher os levou às pressas até o aeroporto, onde conseguira duas passagens para a Califórnia. Disse que vovó estaria os esperando, e que explicaria tudo depois. Viajaram acompanhados de um jovem casal, que se prontificaram a responsabilizar-se pelos dois adolescentes, já que ambos ainda eram menores de idade e não poderiam viajar sozinhos.
Agora que estavam ali, morariam na casa dos avós por tempo indeterminado.
Era estranho estar em Malibu sem ser nas férias de verão, todavia, seria obrigada a se costumar. O pior de tudo seria entrar em uma escola nova em pleno primeiro ano do colegial, mas nada impossível de lidar.
— , está acordada? — A voz doce de sua avó Marie atrás da porta do quarto a despertou de seus pensamentos.
— Estou sim, vovó. Já vou descer — respondeu, levantando-se da cama.
Seguiu até o banheiro para dar um trato no rosto amassado de sono e colocou uma roupa fresquinha para passar o dia, descendo as escadas e dirigindo-se até a cozinha.
— Bom dia! — Sorriu ao ver os avós e Alec sentados à mesa.
— Bom dia, querida — a mais velha saudou, carinhosa.
A garota serviu-se com um pouco de suco de laranja e alguns pedaços de bolo.
— Rosie ligou. — A voz do Sr. Thomas despertou a curiosidade dos netos. — Ela está bem.
— O que ela disse? — Alec perguntou, um tanto desesperado por notícias da mãe.
— Seu pai voltou para casa. — Marie completou, limpando os lábios com um guardanapo. — Ele está sóbrio e, após conversarem, concordou em ir para uma clínica de reabilitação, enquanto Rosie cuida dos negócios na empresa.
— E quanto a nós? — referiu-se a ela e ao irmão com uma pontada de esperança, desejando que pudessem voltar para casa
— Ela acha melhor vocês ficarem por aqui até as coisas se acertarem — disse, fazendo com que toda pequena pontada de esperança que havia no peito da garota desaparecesse. — Isso inclui escola nova e tudo mais — a senhora concluiu, porém, os netos não falaram nada.
Aquilo não era certo.
Alec trocou olhares com a irmã, conseguindo decifrar o que ela pensava apenas pela leitura de sua íris. Era 3 anos mais velho do que ela, contudo, isso não impedia a forte conexão que tinham um com o outro.
— O que acha de irmos pra praia hoje, ? — O garoto mudou de assunto, quebrando o silêncio incômodo que começara a se instalar na mesa.
— Pode ser. — Deu de ombros, dando um gole em seu suco.
— Eu acho ótimo, crianças. — Thomas sorriu ao ver que os netos não pareciam mais tão abatidos como a 5 dias atrás, quando chegaram ali. — Tenho algumas pranchas velhas guardadas no quartinho dos fundos. — Apontou para a porta da cozinha que dava acesso a parte de trás da casa. — Podem pegar, se quiserem se divertir.
— Eu nem sequer sei segurar uma prancha, vovô. — A mais nova riu fraco.
— Não parece uma má ideia — Alec encorajou, empolgado. — Vamos, ! Vai ser legal. — Levantou-se da mesa apressado e seguiu até onde o avô indicara para pegar as pranchas.
A casa não ficava tão longe da praia, mas o percurso pareceu um pouco mais longo por estarem caminhando em meio ao sol quente e segurando as pranchas debaixo do braço.
havia prendido os cabelos grandes em um rabo de cavalo e usava um maiô florido de mangas, junto a um short de pano molinho. Já Alec usava apenas uma bermuda vermelha e um chinelo nos pés. Quem olhasse para eles, conseguiria notar que não eram dali, a começar pela pele pálida demais e a forma como seguravam as pranchas.
Por recomendação do avô, pararam em uma loja à beira da praia que vendia equipamentos de surf; precisavam comprar dois leash's e um pote de parafina, entretanto, nem sabia o que era aquilo.
— Bom dia, jovens. — Um homem que aparentava estar na casa dos 30 e poucos anos saudou quando já estavam dentro da loja. — No que posso ajudar?
— Precisamos de dois leash's e um ponte de parafina — seu irmão pediu, e o rapaz se abaixou por um minuto atrás do balcão, voltando a erguer-se com o que o menino pedira em mãos.
— Só isso? — indagou, e pode notar que leash era o fio que ligava o surfista a prancha pelo calcanhar, evitando que o mesmo a perdesse no meio do mar.
— Acho que só — ele respondeu.
— De onde vocês são? — O atendente questionou, curioso.
— Nova York. — replicou, dessa vez. — Somos irmãos.
Um garoto com traços parecidos ao do atendente entrou na loja. Seu corpo estava molhado, havia acabado de sair da praia, provavelmente. Ele apoiou a prancha que segurava debaixo do braço em um canto da parede e aproximou-se.
— Oi — cumprimentou o casal, educado, e depois dirigiu-se ao atendente. — E aí, pai. — O outro cumprimentou o filho com um toque de mãos e voltou a atenção para os jovens em sua frente.
— Se me permitem dizer, essas pranchas aparentam ser muito antigas. Não parecem apropriadas para surfar — explicou, analisando as pranchas que eles seguravam, que possuíam com alguns arranhões e a tintura toda desbotada.
— Mas a gente só quer brincar, nem surfar sabemos. — Alec deu de ombros.
— Se quiserem, ao invés de comprar esses equipamentos, posso emprestar duas pranchas para vocês, enquanto essas velhas ficam aqui para serem reformadas. Tudo por conta da casa, já que vocês são turistas. Acredito que no fim da tarde já estejam prontas.
— Isso é sério? — perguntou o menino, e o mais velho assentiu, dirigindo-se até uma porta. Saiu de lá segurando duas pranchas médias, uma laranja e outra amarela.
— Essas belezuras são chamadas de fun boards. — Entregou a laranja para , retirando a outra prancha velha de seus braços, e fez o mesmo com Alec, entregando a prancha amarela. — Elas já estão com leash, levem só a parafina.
— Para que serve isso, afinal? — indagou, desviando o olhar de sua prancha.
— É um produto que passamos na prancha antes de surfar, evita que o surfista escorregue e tudo o mais — o filho do atendente que respondeu, desta vez.
A mulher concordou com a cabeça, analisando o garoto em sua frente que aparentava ter a mesma idade que o irmão, entre 16 e 17 anos.
— Muito obrigado, Charles — o mesmo agradeceu, após ler o nome do atendente no crachá. — De verdade.
— Não precisa agradecer, crianças. — Sorriu. — , o que acha de fazer companhia a eles e ensinar um pouquinho de surf? Eles são de Nova York — questionou ao filho, que arqueou uma sobrancelha, olhando para o menino e a menina a sua frente.
Ensinar uma menina?
Seria complicado, mas interessante.
— Tudo bem — respondeu, seguindo até onde havia deixado sua prancha. — Vamos nessa.
Malibu, Califórinia — Dias atuais
5 de junho de 2018
Estavam na estrada a cerca de 30 minutos, em direção a uma praia mais afastada. dirigia a caminhonete tranquilamente, rindo das vezes que fazia alguma dança esquisita ao seu lado, divertindo-se com a música animada que tocava no aparelho de som.
Sentia-se feliz por tê-la ali, era como se estivesse... preenchido.
A garota também não se sentia diferente. Era libertador estar em um ambiente como aquele, já que sua vida se resumia em estar trancada dentro de um escritório todos os dias, lidando com clientes e participando de reuniões esgotantes para o seu psicológico.
A música animada da rádio foi substituída por uma mais calma, tornando o momento ainda mais agradável. apoiou os pés descalços no porta-luvas e relaxou o corpo no banco.
— Por que estamos indo para uma praia afastada? — perguntou, virando a cabeça para encarar o amigo.
— É mais tranquilo. — Deu de ombros, sem desviar os olhos da estrada. — Ideal para quem só quer surfar, quase não tem banhistas; sem contar que é verão, Malibu está cheia de turistas que não sabem se comportar quando veem alguém famoso.
— Ah, é mesmo! — riu fraco ao lembrar-se da vez que fora cercado por uma aglomeração de fãs na praia. Era bonitinho a forma como ele tentava ser atencioso com todos, mas não deixava de ser desconfortável. — Às vezes esqueço que você é famoso.
— É, eu também. — Sorriu, encarando a garota brevemente.
As árvores tornavam-se borrões conforme a velocidade do carro, e de longe, já podiam ver o enorme mar azul.
continuou com a cabeça encostada no banco, observando o amigo que tinha toda atenção no volante em sua frente.
Estrada, música e . Era uma visão e tanto! Gostava de admirar.
Ao perceber que estava sendo observado, o rapaz passou uma das mãos pelos cabelos, sem jeito.
— O que foi? — perguntou, desviando o olhar da estrada rapidamente para encarar a garota.
Antes não tivesse feito isso.
A mulher sorria da maneira que apenas ela sabia. Era contagiante, capaz de aquecer seu coração de forma que nem mesmo ele entendia.
— Não posso te olhar? — questionou, arqueando uma das sobrancelhas.
— Não gosto quando me encaram demais. Você sabe. — O rapaz revirou os olhos, ainda sem jeito.
— Mas eu gosto de encarar você — retrucou, sincera. — Estava com saudades disso.
sentiu uma leve pontada em seu estômago e um sorriso de canto surgiu em seus lábios. Não disse nada, apenas perdeu-se em seus próprios pensamentos e tratou de remoer em sua mente qualquer indício de sentimento que não fosse o de amizade pela garota. Nada que já não estivesse acostumado a fazer.
Após mais alguns minutos de estrada, estacionou o carro em frente à praia, e logo já estavam retirando as pranchas da parte de trás da caminhonete.
De certo, a praia realmente era mais tranquila comparado a Zumma Beach.
Enquanto armava uma tenda para guardar os pertences que trouxeram, aproveitou para agachar-se em frente as pranchas na areia e passar um pouco de parafina. Havia escolhido uma Long Board, que é um modelo de prancha maior e mais fácil para se equilibrar, visto que fazia um bom tempo que a garota não surfava. Voltou a erguer-se e tentou ignorar a ótima visão do surfista sem camiseta em sua frente.
Às vezes esquecia-se do quão lindo ele era.
Sua pele tinha um bronzeado natural, com algumas pintinhas espalhadas pelas costas. Ombros largos, braços fortes e peitoral definido, físico típico de um atleta como ele. Balançou a cabeça e tratou de olhar para qualquer outro canto antes que fosse pega no flagra. De novo.
— Vamos nessa? — perguntou, enquanto prendia o leash em seu calcanhar.
— Vamos nessa! — Ela sorriu, empolgada. Como de costume, seus cabelos estavam presos em um coque que mais parecia um nó e usava um maiô simples de estampa colorida e mangas longas.
Segurando as pranchas debaixo do braço, caminharam juntos até o mar.
A garota fez uma careta assim que seu corpo entrou em contato com a água gelada, porém, poucos segundos foram o suficiente para que ela se acostumasse, deitando-se na prancha e remando lado a lado com o amigo até onde esperariam pelas ondas.
A primeira delas veio mais rápido do que esperavam. Tubular.
conseguiu pegar apenas os primeiros segundos antes de cair. Seu corpo emergiu de volta a tempo de ver saindo do tubo, pegando velocidade e finalizando com manobras aéreas.
— Humilha mais que tá pouco! — gritou para que ele pudesse ouvir.
O rapaz apenas riu, remando de volta até onde ela estava.
Não demorou muito para que a menina voltasse a se adaptar, pegando onda atrás de onda, conseguindo fazer até algumas manobras básicas das quais havia aprendido com e seu pai, Charles, quando era mais nova.
Estar ali, divertindo-se em meio a cada tombo e gargalhada era uma sensação única, como se estivessem de volta a essência daquilo que foi capaz de curá-la quando era apenas uma adolescente vivendo vários traumas. Gostava de saber que era o responsável por isso; gostava do fato da amizade deles sempre ser a mesma, independentemente do tempo que ficassem separados. E, acima de tudo, gostava de sentir o quanto seu coração pertencia aquele lugar.
Malibu era definitivamente a sua casa. E isso nunca mudaria.
***
observava o céu quase escuro por completo enquanto dirigia de volta para casa. Apenas alguns minutos de estrada foram o suficiente para adormecer a garota ao seu lado. Estava tão cansado quanto ela, entretanto, nada que já não estive acostumado.
Logo estaria de volta a sua rotina de treinos, focando na próxima etapa do campeonato mundial, que seria na África do Sul. Seu nome estampava as matérias das mais famosas revistas e sites relacionados ao esporte, como um forte candidato a vencer novamente a Word Surf League e tornar-se bicampeão mundial.
Abriu a janela do carro na esperança de que a brisa suave vinda de fora aliviasse a tensão que sentia sempre que pensava no campeonato. Seus olhos estavam concentrados na estrada, mas sua mente estava distante. Lembrava-se claramente do quanto seu pai o apoiou até que ele conseguisse chegar onde chegou. Do quanto ele acreditou. Charles era seu porto seguro, responsável por ter ensinado não só a ele, mas a várias outras pessoas, o verdadeiro surf.
Uma pena que, de forma drástica, o destino o impediu de continuar fazendo isso.
— Tô acabada. — A voz rouca de o despertou de seus pensamentos.
desviou os olhos da estrada rapidamente, deparando-se com a carinha de sono da amiga.
— Surfou só hoje e já está acabada? — brincou, ouvindo a garota resmungar de dor nos braços. — Essa não é a que conheço.
— É o que acontece com pessoas sedentárias que trabalham sentadas o dia inteiro. — Ela deu de ombros. — E meu rosto está ardendo.
— Você pega cor muito fácil. — A olhou brevemente. — Está ardendo muito?
— Não, dá pra aguentar. — Sorriu. — Só não me diz que estou parecendo um pimentão, por favor.
Ele riu fraco; abriu a boca para dizer algo, entretanto, o tapa que recebeu em seguida o impediu.
— Ai! Eu nem disse nada — reclamou, tirando uma das mãos do volante e passando pelo braço, que ardia levemente.
— Mas pensou — revidou e ele revirou os olhos, teatralmente.
— Está com fome? — perguntou, parando em um sinal vermelho.
— Bastante!
— Charles deve estar jantando esse horário — comentou, aproveitando que o carro estava parado para estralar os dedos. — Quer ir lá para casa? — A encarou nos olhos, esperando pela resposta.
— O que? Claro que sim! — Sorriu, empolgada com a ideia de ver Charles.
— Ele vai ficar feliz em te ver. — colocou o carro em movimento novamente. — Vai fazer bem para ele — disse mais baixinho, desta vez.
Por volta das oito da noite estacionou o carro na garagem de casa. sentiu a nostalgia atingir-lhe em cheio ao analisar o local. Obviamente, o lugar não estava mais como era antigamente, havia passado por algumas reformas, contudo, a essência simples continuava a mesma. Aliás, isso era uma das coisas que mais admirava em ; a simplicidade.
Ele a puxou para um abraço de lado enquanto caminhavam juntos até a entrada.
— Bem-vinda de volta — falou próximo ao seu ouvido, antes de destrancar a porta.
Ela sorriu. O arrepio em sua pele devido à proximidade e a voz rouca do amigo fora inevitável.
— Pai? — Chamou ao entrarem no local.
— Na cozinha. — Ouviram a voz do rapaz e seguiram até lá.
Havia várias fotos espalhadas pelas paredes do corredor que dava acesso até ao cômodo; algumas de Charles surfando e se aventurando nas trilhas radicais que costumava fazer antigamente, e outras dele com em momentos importantes da trajetória dele como sufista.
Agora sentando em sua cadeira de rodas, o homem encarava uma garrafa de whisky pela metade e uma caixa de pizza em cima da mesa. Seu olhar era um tanto perdido, mas pareceu se iluminar ao vê-los ali.
— ! — exclamou, surpreso.
Fora o suficiente para a garota se aproximar, abraçando-lhe de uma forma desajeitada, porém aconchegante.
— Whisky, é? — Ela ergueu o corpo, colocando as mãos na cintura. — Muito saudável, Sr. .
— não disse que estava aqui. — Direcionou o olhar para o filho, que apenas observava a cena de longe.
— Cheguei faz pouco tempo — explicou, puxando uma cadeira para se sentar.
Tomou a liberdade para pegar um pedaço de pizza antes que um buraco abrisse em seu estômago de tanta fome. O amigo se aproximou, fazendo o mesmo.
— E como você está? — Charles perguntou, admirando-a com um olhar paternal enquanto terminava de mastigar.
A pequena — que na verdade não era mais pequena — ficara ainda mais bonita com o passar do tempo. Sentia-se feliz por vê-la novamente depois de alguns meses; o carinho e admiração que sentia por ela e seu irmão era enorme.
— Tudo na mesma, Char. — Deu de ombros. — Continuo trabalhando na empresa do meu pai. Para falar a verdade, nem sei como ele me liberou por 30 dias. Estou com medo dele ligar me pedindo para voltar.
— E Alec? — Fez outra pergunta, molhando a boca com um gole de whisky.
— Alec vem para cá daqui uns dias. — Sorriu, animada. — Continua trabalhando na miniagência de turismo que ele mesmo criou.
— Sério? — Riu fraco. — Jurava que aquilo não ia dar certo.
— Não foi só você. — A garota concordou e ele riu novamente.
— Fomos naquela praia mais afastada hoje, pai. — entrou na conversa. — mal surfou e disse que está acabada. Você acredita nisso?
— E você acha que é fácil assim?! — protestou ela. — Eu moro em Nova York! Surf não é igual andar de bicicleta, só venho para cá uma vez por ano, pega leve.
Ele mostrou a língua em uma atitude completamente infantil, fazendo-a gargalhar. gostava do efeito que a risada dela tinha sobre ele. Não só a risada, mas ela por inteiro.
— E você, Charles, como está? — perguntou, após alguns minutos em silêncio.
O homem riu fraco, amargamente. Aquela pergunta soava completamente egoísta para ele. Era possível se sentir bem após tornar-se paraplégico? Para Charles, não. Contudo, ninguém, senão ele mesmo, era o culpado pela situação na qual se encontrava atualmente.
Por isso, optou por ser direto.
— Estou bem, — replicou, porém a garota pareceu perceber a tensão em seu tom de voz. — Estou bem — repetiu, tentando convencer a si mesmo.
7 anos atrás
Malibu — Agosto de 2011.
O som estridente do sinal indicando que a aula de matemática havia acabado fez com que suspirasse aliviado, jogando suas coisas de qualquer jeito na mochila surrada e se apressando em sair dali.
esperava por ele no corredor, um tanto afastada da aglomeração de pessoas que andavam para lá e para cá dirigindo-se até suas salas de aula.
— Demorei? — questionou ao se aproximar.
— Não. — Ela sorriu. — Mas vamos logo, antes que alguém nos pegue tentando escapar por aí. — O empurrou levemente em direção à saída.
Quarta-feira. Dia de matar a última aula.
Nenhum dos dois sabia ao certo quando aquilo havia se tornado uma rotina, tudo entre eles fluiu tão rápido! Era como se fossem melhores amigos; na verdade, eram, sim, melhores amigos.
Passaram na loja de equipamentos de Surf do Charles para pegar as pranchas. Quarta era o dia em que o mesmo saia para surfar em outras praias ou fazer trilha com alguns amigos, então era mais fácil convencer o primo mais velho de — que ficava na responsabilidade da loja na ausência de Charles — a deixar com que pegassem as pranchas, após inventarem uma desculpa qualquer explicando o porquê de não estarem na escola.
— Acho que não vai render muito surf hoje — chamou a atenção do amigo quando pisaram os pés na areia. Ele entendeu ao que ela se referia, levantando o olhar para encarar o céu cinza: não demoraria muito até começar a chover, mas a mistura da brisa forte junto ao mar formava ondas maravilhosas.
Ele não iria perder.
mordeu o lábio, receosa. Ainda estava aprendendo a surfar, não sabia se tinha coragem de enfrentar o mar que aparentava estar um tanto agressivo.
— Acho que não vou — avisou, por fim.
— Relaxa. — Segurou uma das mãos alheias, a encorajando. — Estou aqui com você.
Ela concordou com a cabeça e um sorriso leve se formou em seus lábios.
Surfaram quase a tarde toda.
A auxiliou até conseguisse se adaptar melhor e se sentisse segura, entretanto, preferiu dar espaço para que ele ficasse mais à vontade, já que vivia participando de campeonatos e precisava treinar.
Só saíram do mar quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair. Por sorte, a loja de Charles não ficava longe da praia e conseguiram chegar antes que a chuva aumentasse.
sentia-se entranho. Não sabia o porquê. Talvez fosse a tensão pelos campeonatos estarem se aproximando, ou apenas o clima chuvoso; Malibu e chuva simplesmente não combinavam.
O olhar assustado do primo em sua direção não ajudou em muita coisa, provocando-lhe uma sensação estranha na barriga.
— O que foi? — Aproximou-se do balcão do caixa onde o garoto estava.
Ao perceber o comportamento esquisito do amigo, se aproximou.
— , eu... e-eu não sei direito o que...
— O que aconteceu? — interrompeu, nervoso. — Fala! — Elevou o tom de voz.
O rapaz engoliu em seco.
— É o seu pai — disse baixo. — Ele está no hospital.
***
Nada era mais agoniante do que esperar.
Estavam no hospital a cerca de duas horas e meia esperando por notícias. A única coisa que sabiam, é que Charles havia escorregado enquanto tentava ver tartarugas marinhas nas pedras que ficam próximas ao mar, e agora estava em uma cirurgia de urgência. Os amigos que o acompanharam disseram que a queda foi feia e que ele se machucou bastante.
Sentando nas cadeiras desconfortáveis da recepção, balançava as pernas, inquieto. A amiga repousava a cabeça em seu ombro, fazendo um carinho leve em seu braço, na tentativa de transmitir conforto. Ele insistira para que voltasse para casa, já que era tarde e amanhã teriam aula. Mas, obviamente, ela ignorou e continuou ao seu lado.
Sentia o medo invadi-lo pouco a pouco. Charles era sua companhia. A vida inteira sempre fora apenas os dois, desesperava-se só de pensar em perdê-lo.
Não podia perdê-lo.
Respirou fundo e passou as costas das mãos pelos olhos marejados, impedindo as lágrimas que ameaçavam cair. Só reparou que havia passado tempo demais quando notou que estava adormecida, ainda encostada em seu ombro.
Pode ver o momento em que Alec entrou no hospital, caminhando em passos apressados até ele.
— Cara, só fiquei sabendo do que aconteceu agora — disse em um tom preocupado. — Meus avós estão desesperados atrás da minha irmã.
— Leva ela para casa, Alec, por favor — pediu.
A garota despertou ao ouvir o nome do irmão e endireitou o corpo, sentido o pescoço doer pela mal posição que ficara.
— Precisamos ir. — Alec chamou sua atenção. — Vovó está preocupada.
— Vou ficar com o — respondeu, vendo o irmão estreitar os olhos.
— Eu já falei que não precisa — disse em um tom calmo. — Pode ir.
negou com a cabeça, levantando-se.
— Não quero te deixar aqui sozinho.
— Eu sei me cuidar, tá? — Riu fraco, levantando-se também. — Pode ir, sério! — Aproximou-se dela e segurou seu rosto com as mãos, depositando um beijo carinhoso em sua testa.
suspirou. Estava preocupada, não queria deixá-lo ali, ainda mais sem saber qual seria a condição de Charles após a cirurgia. No entanto, ouviria sermão demais dos avós quando chegasse em casa.
— Fica bem — disse, por fim.
— Vai dar tudo certo, cara. — Alec se aproximou, colocando as mãos no ombro do amigo. — Qualquer coisa me liga.
concordou com a cabeça e os seguiu com o olhar até que saíssem do hospital.
— Charles ! — Ouviu e virou-se imediatamente na direção da voz grossa, aproximando-se em passos rápidos até o rapaz de jaleco.
— É o meu pai! — falou firmemente, sentindo as batidas de seu coração acelerarem.
— Tem mais alguém com você? — O médico perguntou.
— Não, doutor. Me diz como ele está, por favor! Ele está bem?
— Se acalme. — O médico colocou uma das mãos em seu ombro. — Você é maior de idade? Não tem ninguém que possa vir aqui te acompanhar? — questionou, vendo o garoto negar com a cabeça.
— Droga, só quero saber como meu pai está! — retrucou, nervoso.
— Ele está bem — o outro respondeu.
soltou a respiração que estava presa em seus pulmões e sentiu como se um peso estivesse sendo retirado de suas costas.
— Preciso vê-lo — pediu, em tom de urgência.
— Ele está dormindo, o efeito da anestesia vai demorar para passar — o médico explicou. — Vou tentar arrumar um quarto para que você possa passar a noite. Descanse! Não teremos boas notícias quando ele acordar.
— O que quer dizer com isso? — O garoto engoliu em seco.
— Estou querendo dizer que a probabilidade do seu pai estar paraplégico é muito grande. — A resposta do médico atingiu-lhe como um soco no estômago. — A cirurgia foi delicada, fizemos tudo o que podíamos. Eu sinto muito!
Malibu, Califórnia — Dias atuais.
15 de Junho de 2018.
suspirou com os olhos fechados, apreciando a sensação dos raios solares penetrarem por sua pele.
— Existe uma grande diferença entre estar bronzeada e estar queimada. — Ouviu a voz de Maya, deitada na esteira de palha ao seu lado. — Eu posso tomar sol o dia inteiro que só vou ficar vermelha. É um saco!
riu fraco, divertindo-se com a reclamação da garota. Maya era uma amiga especial. Haviam estudado juntas no período em que morou em Malibu.
— Ninguém mandou ser branca demais — brincou, sentando-se sobre a esteira.
saiu do mar, carregando sua prancha debaixo do braço e aproximando-se das garotas. Alec — que havia chegado a poucos dias —, vinha logo atrás dele. Por sorte, as pessoas que estavam na praia não o abordaram pedindo autógrafos ou fotos. Não que ele não gostasse disso. Pelo contrário! Mas não gostava de expor os amigos quando estava acompanhado.
— Só levei caixote. — Alec bagunçou os cabelos molhados, colocando a prancha sobre a areia.
— Não acredito que você consegue ser pior que eu. — A irmã colocou as mãos na cintura, fazendo os amigos rirem.
— Para! — Ele sentou-se no espaço vazio entre ela e a amiga.
— Ainda continuo esperando pelo dia em que algum de vocês me ensine a surfar. — Maya colocou a mão no peito, em uma atitude dramática. — Sério! É frustrante.
— Eu já tentei te ensinar uma vez — lembrou. — Mas você desistiu no primeiro tombo.
— Não é bem assim — Maya tentou se explicar. — Aquele dia, li no meu horóscopo que meu dia não seria bom.
— Tá brincando, né? — perguntou, sem acreditar no que acabara de ouvir.
Maya era completamente viciada em qualquer coisa relacionada a signos, o que acabava sendo engraçado.
— Eu posso te ensinar — Alec ofereceu, levantando-se novamente.
— Só se for ensinar ela a cair, porque surfar... — brincou, vendo-o mostrar o dedo do meio como resposta.
— Não sou o campeão mundial, mas tá valendo. — Deu de ombros, abaixando-se para pegar a prancha novamente. — E aí, vai querer?
Maya olhou para , como se perguntasse o que deveria fazer.
— Vai logo. — A amiga sorriu, encorajando-a.
A garota levantou-se e seguiu o rapaz até o mar. sentou no lugar que antes estava ocupado por ela.
— Eles são bonitinhos, né? — comentou, quando os dois já estavam há alguns passos de distância.
— Você acha? — sorriu, dirigindo o olhar para os amigos.
— Os dois sempre tiveram uma quedinha um pelo outro. Isso é fato — falou, lembrando-se da primeira vez que o irmão viu Maya na escola, e encantou-se de imediato.
Afinal, quem não se encantaria?
Maya era linda! A típica garota que você julga como metida antes de conhecer, porém que, na verdade, é o oposto.
— Vou participar de um talk show em Los Angels daqui uns dias — comentou o amigo, após um tempo em silêncio.
— Hm, que chique. — riu fraco. — E como se sente? A etapa do campeonato na África do Sul está chegando, né?
— Estou tranquilo, por enquanto — respondeu, esfregando os pés pela areia.
— Queria estar lá com você. — O encarou nos olhos.
— É só aparecer. — Esticou a mão, fazendo um carinho leve sobre os dedos dela.
— Você sabe que não é tão fácil assim. — A garota levantou-se, procurando pelo short jeans que havia deixado em algum canto. Não queria entrar naquele assunto. — Vou comprar uma água de coco, quer alguma coisa? — perguntou, vestindo o short após encontrá-lo.
— Não, ‘tô de boa — respondeu.
Seguiu até o quiosque que não ficava longe de onde estavam e, por sorte, não estava cheio também. Esperou apoiada no balcão, assistindo o atendente fazer o procedimento para entregar-lhe o pedido.
Um rapaz se aproximou, chamando sua atenção.
— Oi — cumprimentou, com um sorriso galanteador formado em seus lábios.
achou estranho, mas decidiu por ser educada.
— Olá — disse, simplesmente.
— Turista? — puxou assunto.
— Na verdade, não — respondeu em um tom um tanto seco. Não estava afim de papo.
— Que pena. — Ele a mediu da cabeça aos pés. — Adoraria te levar para conhecer alguns lugares, principalmente a minha casa.
A menina riu fraco, balançando a cabeça negativamente. Dá para acreditar em uma coisa dessas?
— Moça, seu coco. — O atendente entregou-lhe.
A garota pegou o coco em suas mãos e colocou algumas notas sobre o balcão.
— Obrigada — agradeceu, caminhando de volta até onde estava.
Ainda pôde sentir o olhar do rapaz que havia puxado assunto por suas costas.
— Babaca. — Revirou os olhos, dando um gole na bebida.
Sentou-se novamente no lugar onde estava antes.
— Certeza que não quer? — Estendeu o coco na direção do amigo.
Ele apenas negou com a cabeça e voltou a envolver o canudo em seus lábios. Às vezes, pensava em como seria sua vida se nunca tivesse voltado para Nova York. Talvez pudesse ter feito a faculdade de Cinema, que sempre fora o seu sonho. Mas, desde criança, sabia que seria a sucessora de seu pai na corporação da família. Esse peso fora imposto muito cedo em suas costas, não teve opção de escolha. Sentia seus músculos tensos só de pensar que não faltava muito para que aquilo acontecesse.
Suspirou, encarando o rapaz ao seu lado. Queria apenas ter coragem para viver suas próprias escolhas; coragem para esclarecer seus verdadeiros sentimentos; coragem para não sentir medo.
Coragem! Era apenas disso que precisava.
— O que foi? — a despertou de seus pensamentos. — Ficou quietinha, do nada.
— O quê? — relaxou a expressão. — Nada, só... estava pensando.
— Aquele cara te fez algo? — perguntou.
— Que cara? — A garota juntou as sobrancelhas sem entender, entretanto arregalou levemente os olhos ao entender o que se referia. — Ah, o cara que estava no quiosque do coco? — Riu fraco. — Só deu em cima de mim, mas tranquilo.
fez uma careta e sorriu, achando fofinho. Não conteve o impulso de apertar o rosto dele com as mãos, de uma forma que seus lábios formassem um biquinho.
A vontade de beijá-lo ali mesmo era grande.
— Seu ciumento! — brincou, soltando o rosto dele.
— E eu, por acaso, disse que estava com ciúmes? — Arqueou a sobrancelha, de uma forma desafiadora.
Antes que pudesse responder, a voz de Maya chamou sua atenção.
— Eu, definitivamente, não nasci para ser surfista — a garota disse pausadamente, em um tom irritado.
Alec gargalhava atrás dela.
— Eu tentei, gente. Juro! — falou em meio ao riso. — Nem a aulinha na areia adiantou.
— Sinto muito, May — tentou dizer séria, mas caiu no riso também.
— Nossa vez. — levantou-se, estendendo a mão para que a amiga pudesse se levantar.
— Pode ser depois? — perguntou, após ser puxada por ele. — Eu tô com fome.
— Você acabou de tomar água de coco! — Passou um dos braços sobre os ombros dela, em um abraço de lado.
— E você acha que isso enche? — retrucou.
— Vamos lá para casa da minha vó. — Alec começou a juntar as coisas que trouxera e os outros fizeram o mesmo. — A gente coloca uns hambúrgueres na churrasqueira e manda para dentro.
— Opa, agora eu gostei. — se animou, fazendo os amigos rirem.
Um garoto que entregava panfletos se aproximou do grupo quando já estavam quase saindo da praia. Maya recebeu o panfleto e sorriu, educada. As letras grandes e a imagem colorida chamaram sua atenção.
ALOHA!
Luau na praia ao anoitecer.
— Olha só! — Ela balançou o panfleto em suas mãos. — Acho que já temos para onde ir à noite.
7 anos atrás.
Malibu — Outubro de 2011.
acompanhava de volta para casa em mais um fim de tarde, após surfarem um pouco. Seguravam as pranchas debaixo do braço e caminhavam em silêncio.
Era a primeira vez que passavam um tempo juntos após o acidente de seu pai. Ainda estava sendo difícil se adaptar com Charles paraplégico e precisou de um tempo sozinho para lidar com tudo; havia retornado para escola há poucos dias, e justamente na pior época: Baile.
Era um baile beneficente que a escola promovia todo ano, tudo organizado pelos alunos, e os recursos adquiridos eram doados para instituições carentes.
nunca se envolvera muito com o projeto, mas, pela primeira vez, decidiu que iria.
O mais difícil seria criar coragem e convidar para ser seu par.
Não fazia ideia de qual seria a reação da garota, mas também estava disposto a dizer o que realmente sentia por ela. Não negaria mais isso a ninguém. Estava apaixonado e sabia que era recíproco.
— Eu estava pensando... — Quebrou o silêncio. — Você acha que um dia vou estar preparada para participar de campeonatos? — Ela tombou a cabeça para o lado.
— Eu não acho, tenho certeza — disse firme. — Você evolui a cada dia. É só seguir em frente, potencial você tem.
Ela sorriu com a resposta. Sentia-se tão bem! Estava vivendo, definitivamente, a melhor fase de sua vida. O que não seria possível se ainda morasse em Nova York.
pigarreou ao seu lado.
— , você vai ao baile? — perguntou, enquanto aproximavam-se de onde ela morava.
A garota não respondeu. Sua atenção se prendeu nas costas de um homem que conversava com sua avó na entrada da casa.
achou estranho a falta de resposta da amiga, e olhou na mesma direção que ela.
— Não! — Ela arregalou os olhos ao perceber o que estava acontecendo e parou de andar.
— Não vai ao baile? — juntou as sobrancelhas, sem entender.
— Não pode ser! — disse em um tom desesperado.
O homem que estava de costas virou em sua direção e ela paralisou. A lembrança da última vez em que havia o visto a atingiu de imediato.
Ele sorriu, mas não conseguiu esboçar reação alguma.
Era como se pudesse ouvir o barulho do objeto de vidro se chocando contra o chão após lhe atingir na testa e o ranger da porta se fechando, indicando que ele fora embora.
— Filha! — falou em um falso tom de animação. engoliu em seco. — Preparada pra voltar pra casa?
— Voltar pra casa? — Foi quem repetiu a pergunta, sentindo seu coração acelerar. — Como assim?
o olhou com os olhos marejados, como se pedisse ajuda. O desespero a consumia por dentro.
Malibu, Califórina — Dias atuais
A música animada deixava o ambiente completamente agradável; o rapaz tocando violão cantava uma versão mais divertida de The A Team do Ed Sheeran. As pessoas conversavam e dançavam em volta da fogueira, todas com colares floridos para deixar o clima bem havaiano.
— Vocês já tomaram esse aqui? — Alec se aproximou de Maya e , mostrando a bebida colorida em seu copo.
— Já, eu gostei — Maya respondeu. — Vou pegar outro pra mim. — Seguiu até onde estavam fazendo os drinks, deixando os irmãos sozinhos.
estava um tanto afastado, conversando com alguns amigos.
— Tá esperando o quê, bobão? — deu um empurrãozinho em Alec, que estreitou os olhos.
— Que foi, doida? — ele perguntou sem entender.
— Vai tomar atitude quando? — A irmã arqueou a sobrancelha. — Chama ela pra dançar, sei lá, faz alguma coisa.
Alec continuou sem entender.
— Está falando da Maya?
— Não, não. Tô falando da minha vó. — revirou os olhos. — É claro que é da Maya, imbecil!
— Amor de irmãos... — Alec negou com a cabeça, recebendo um tapa em seguida.
— Vai continuar negando que não sente nada por ela? — A garota cruzou os braços.
Alec desviou o olhar para onde Maya estava, dando um gole na bebida que tinha em mãos.
— Não é isso, Colb — disse, voltando a olhar para irmã. — Nós somos diferentes. Não daria certo, de qualquer forma.
— Covardia está no sangue da nossa família. Não é possível! — Ela riu fraco.
Maya retornou para perto deles no exato momento em que começaram a cantar Wonderwall, do Oasis.
começou a dar cotoveladas leves na costela do irmão.
Ele a encarou, vendo-a apontar disfarçadamente com a cabeça na direção da outra.
— Ei, Maya. — Alec chamou a atenção da garota. — Quer dançar?
— Ah, eu acabei de pegar meu drink. — Ela levantou levemente a taça.
— Não seja por isso! — entrou na conversa. — Eu seguro. — E pegou-o de sua mão.
Alec terminou de beber o resto de sua bebida em uma golada e entregou a taça vazia para irmã, apoiando as mãos nas costas de Maya e os conduzindo até onde os casais dançavam.
A irmã sorriu, satisfeita.
A essa altura, Maya seria obrigada a pegar o outro drink depois, já que havia mandado tudo pra dentro. Ela deixou as taças vazias em algum canto e deu um pulinho de susto ao sentir um toque em sua cintura.
— Ei! — Era .
— Oi. — Ela sorriu. Ainda não havia reparado direito no quão lindo ele estava: usava uma camisa de botão branca, com alguns deles abertos, bermuda simples, chinelos e o colar florido no pescoço.
— Quer dançar? — ele perguntou. esboçou uma expressão surpresa em seu rosto.
Na verdade, ele não gostava de dançar. Só queria mais contato entre eles.
Ela deu de ombros, dando um passo à frente e envolvendo o pescoço dele com os braços.
— Não quer ir mais próximo do pessoal? — Ele segurou em sua cintura, referindo-se aos casais que dançavam mais afastados.
— Está bom assim — ela respondeu, movendo-se levemente ao ritmo do violão suave.
aproximou mais seus corpos e fechou os olhos, curvando-se um pouco para passar o nariz na curva de seu pescoço.
Tão cheirosa.
A garota sentiu seus braços se arrepiarem, como de costume. gostava do efeito que seu toque tinha sobre ela.
— There are many things that I would like to say to you, but I don’t know how... — cantou baixinho.
Irônico era o quanto aquele trecho se encaixava ao que eles viviam.
— Gosto quando você canta. — voltou a erguer a cabeça, a olhando nos olhos — Sua voz é bonita.
Ela sorriu em resposta e continuaram movimentando-se lentamente.
ergueu um pouco mais a cabeça, ficando a centímetros de distância de seus lábios. Tão próximos que a ponta dos narizes se roçavam.
esperou que ela acabasse com a distância entre eles, mas a garota apenas encostou seus lábios, suavemente. O que já fora suficiente para explodir um milhão de sensações em seu peito.
No momento em que ele a puxou pela nuca, eliminando a distância, a música acabou. pareceu despertar e apoiou as mãos em seu peitoral, afastando-se um pouco, mas não por completo.
— Desculpa — disse em sussurro. Seus lábios ainda se encostaram um pouco enquanto ela falava.
Ele apenas apoiou as duas mãos em seu rosto, depositando um beijo carinhoso e demorado sobre sua testa.
Não precisavam dizer mais nada.
***
Já era tarde e o luau permanecia a todo vapor.
estava sentada em um canto mais afastado, apenas observando as pessoas ao seu redor.
Mais precisamente, observando .
Ele parecia estar entretido conversando com uma garota que fazia questão de tocá-lo no braço enquanto falava.
Ela revirou olhos, tentando ignorar o incômodo que sentira com a cena. Pensou em chamar Alec para voltar pra casa, mas não queria estragar o clima entre ele e Maya.
Decidiu, então, ir embora sozinha. A essa altura, sua avó já deveria estar preocupada, enquanto seus amigos estavam ocupados demais para sentirem sua falta.
Perdeu-se em seus próprios pensamentos enquanto caminhava pelas ruas desertas. O arrependimento martelava em sua cabeça. Não deveria ter se afastado. Por Deus! Como conseguia ser tão burra?
Bufou, soltando o ar que estava preso em seus pulmões. A brisa um tanto gélida que bagunçava seus cabelos conseguiu acalmá-la um pouco.
Estava quase chegando em frente ao portão da casa, quando sentiu alguém a puxar pelo braço. Sua primeira reação fora fechar as mãos em punho, tentando atingir um soco em quem quer que fosse.
— Cuidado aí. — conseguiu segurar firmemente a mão da garota antes que fosse de encontro com sua face.
fechou os olhos por alguns segundos e respirou fundo, tentando controlar as batidas de seu coração que haviam acelerado devido ao susto.
— Você é louco? — Elevou o tom de voz. — Não faz isso!
Ele não conseguiu conter o riso e recebera um tapinha. e sua mania de bater nos outros.
— Por que veio embora sozinha? — perguntou a encarando.
— Estava cansada. — Deu de ombros. — Alec estava com a Maya e você parecia estar ocupado demais conversando com sua mais nova amiga.
arqueou uma das sobrancelhas e quando a viu desviar os olhos para qualquer outro canto, entendeu o que estava acontecendo.
— Ciúmes? — Ele sorriu. desviou a atenção para as suas próprias unhas, ignorando-o. — Ok, entendi.
Ela não gostava de bancar a amiga ciumenta. Mas, ultimamente, estava confusa em relação a tudo.
— É. Talvez eu esteja com ciúmes, sim — disse, cruzando os braços.
riu fraco, negando com a cabeça.
— Boba! — respondeu, ainda com um sorriso formado em seu rosto.
Aos poucos seu semblante tornou-se sério. Ele a puxou levemente pelo braço e juntou seus corpos, encarando-a de uma maneira intensa. Era como se aquele olhar pudesse transmitir tudo o que ainda não fora dito em voz alta.
Aproximou seus rostos e fechou olhos, apenas esperando que viria a seguir.
— Vai se afastar agora? — perguntou em um tom baixo.
A garota voltou a olhá-lo, negando com a cabeça.
— Eu não quero.
Foi tudo o que dissera antes que ele acabasse de vez com a distância.
Beijaram-se de forma intensa, mas sem muita urgência. inclinou a cabeça para um dos lados enquanto ele a segurava pela nuca.
Uma sensação completamente única. A sincronia intercalava-se em momentos exorbitantes e calmos. O gosto doce da mistura de seus lábios, cada toque proporcionava uma explosão de sensações diferentes em cada um.
Céus! Quanto tempo desperdiçado alimentando apenas medo e insegurança naquilo que sempre fora recíproco.
suspirou após um tempo, permitindo que o beijo perdesse a velocidade. Os pulmões já começavam a dar sinais pela falta de ar. não deixou que ela se afastasse, depositando mais alguns selinhos carinhosos em seus lábios. Ela sorriu.
Ele tinha razão. Era mesmo uma boba, definitivamente.
— Preciso entrar — disse baixinho, ainda próxima ao seu rosto.
— Tá... — Ele concordou com a cabeça.
— Vai me soltar ou não? — ela perguntou, só então percebeu que ainda a segurava.
— Está solta. — Ele ergueu as mãos e garota riu fraco.
Caminhou até a entrada da casa e antes de abrir a porta, virou-se para ele novamente.
— Boa noite, surfista.
Ele sorriu, escondendo as mãos no bolso do short.
— Boa noite, Colb.
Ainda ficou alguns segundos parado encarando a porta fechada após vê-la entrar. O quão clichê seria se disse que seu coração estava a ponto de sair pela boca a qualquer momento?
4 anos atrás.
Banzai Pipeline — Oahu, Hawaii — Dezembro de 2014.
A praia estava lotada. Era a última etapa do campeonato mundial.
sentia seu coração palpitar cada vez mais rápido a medida em que passava pela aglomeração de pessoas a procura de um lugar para que pudesse ver melhor o que estava acontecendo.
Nada havia conspirado para que chegasse ali no horário certo. Fora difícil convencer seu pai a lhe dar uma folga para viajar pro Hawaii com tantas pendências a serem resolvidas na empresa, além de quase ter pedido o voo.
A competição já estava encerrada, e a garota paralisou ao enxergar no lugar mais alto do pódio, segurando o enorme troféu da Word Surf League.
Foi como se tudo ao redor estivesse congelado e ouvisse apenas a gritaria de fundo quando seus olhos se encontraram. Era uma mistura de saudade e emoção. Fazia quase um ano desde a última vez que se viram.
sentiu os olhos marejarem ao vê-lo tão feliz. Por Deus! Ele merecia tanto aquilo.
Não conseguiu mais conter as lágrimas ao ver Charles, que chorava compulsivamente sentado em sua cadeira de rodas, em um canto mais afastado.
Ela cobriu os lábios com as mãos e voltou a encarar .
Só queria abraçá-lo e dizer o quanto estava orgulhosa. O quanto sentira sua falta. O quanto o amava e, acima de tudo, o quanto era apaixonada por ele. Sempre fora.
A cerimônia de premiação havia chegado ao fim, e após algumas entrevistas, desceu do pódio.
tentou se aproximar dele em meio toda aquela aglomeração de pessoas, mas parou de andar quando alguém havia conseguido chegar primeiro do que ela.
Uma garota o abraçou apertado e ele correspondeu. Afastaram-se apenas para juntar seus lábios, sendo alvo de flashs dos inúmeros fotógrafos presentes.
piscou algumas vezes, desnorteada.
, seu melhor amigo, era campeão mundial de surf. E não era ela a garota que estava ao seu lado.
Malibu, Califórnia — Dias atuais.
20 de Junho de 2018.
se revirou na cama, cobrindo o rosto com o travesseiro.
Ainda era cedo. Não entendia a capacidade que seu corpo tinha de acordar mesmo quando podia dormir até mais tarde.
Desistiu de tentar pegar no sono, esticando o braço para pegar o celular na cabeceira da cama. Rolou o dedo pelas conversas do whatsapp, respondendo algumas e ignorando outras. Continuou descendo a tela até as conversas mais antigas e parou quando a foto de chamou sua atenção, clicando para abrir a conversa.
Ele estava em Los Angeles participando de alguns programas de TV, e voltaria ainda hoje. A última coisa que tinha ali era as mensagens que trocaram combinando de se encontrar na praia, no fim da tarde.
ainda sentia seu coração quentinho quando se lembrava do beijo. Estava completamente apaixonada. Mais do que já estava antes.
O sorriso bobo que surgira em seus lábios se desfez ao ver uma nova notificação no celular. Mensagem de seu pai.
Posso saber que merda é essa?
Era o que estava escrito, junto de algumas imagens anexadas.
não entendeu de início, mas arregalou levemente os olhos ao analisar melhor.
Havia sido fotografada junto a . As imagens eram, na verdade, print da publicação de um site de fofocas.
está namorando?
Pelo menos é o que parece! O surfista está aproveitando o período de férias em Malibu antes de voltar à ativa nas competições, e fora visto frequentemente ao lado de uma garota.
Fontes próximas afirmam que os dois são bem amigos, mas ao ser questionado em uma entrevista, o rapaz apenas respondeu “É alguém especial”, tentando desviar das outras perguntas que o entrevistador fazia referente a garota.
E aí, será que o campeão mundial finalmente se entregou a um relacionamento? Se este for o caso, esperamos que ele seja feliz.
Olha só que fofinhos, a girl também surfa.
passou os olhos pelas imagens tiradas por paparazzis, obviamente.
Algumas eram dos dois carregando as pranchas até o mar, outra deles sorrindo junto a Alec e Maya, e a última uma foto borrada do quase beijo que deram no luau.
Estava em choque.
O contato de seu pai começou a piscar na tela e barulho do telefone indicando a ligação fez com que ela se sentasse.
— Bom dia, pai. — Atendeu normalmente.
— Viu a mensagem que te mandei? — ele perguntou. O tom de voz era seco, como sempre.
— Não faço ideia de onde esse site conseguiu essa informação — respondeu sincera. — Eu e somos melhores amigos, você sabe que a mídia ama aumentar as coisas.
O homem riu fraco do outro lado da linha.
— As fotos mostram o contrário.
podia imaginar seu semblante fechado enquanto andava pra lá e pra cá apertando o aparelho contra o ouvido.
— É pra isso que você foi viajar, né? — Ele voltou a falar. — Pra ficar de romancinho com um babaca de um surfista, sendo que tem um milhão de coisas pra resolver na porcaria dessa empresa! — Elevou o tom de voz.
— Claro que não, pai. Pelo amor de Deus! Você conheceu o . Prefere acreditar em um site qualquer ao invés do que eu te digo? — A garota também se alterou.
— Que se dane, agora a merda já está feita. — Ele bufou. — Você, a futura dona da corporação, está estampada em sites de fofocas. Qual é a imagem que nossos colaboradores terão de você? Sua irresponsável!
respirou fundo, tentando ignorar a vontade de desligar o telefone e o deixar falando sozinho. Até então, não tinha achado nada demais nas fotos, mas seu pai adorava fazer tempestade em copo d’água.
— Desculpa — disse em um tom baixo.
— Já estou providenciando passagens de volta para Nova York — o homem respondeu. A garota piscou algumas vezes, não acreditando no que acabara de ouvir — Quero você aqui o quanto antes!
***
estava deitado em cima de sua camiseta sobre a areia, com as mãos atrás da cabeça.
O som das ondas se quebrando, junto ao toque suave do Ukulele que tocava sua música favorita — Upside Down, do Jack Johnson — o deixavam encantado e completamente alegre.
Uma flor amarela estava presa atrás de sua orelha, e ela estava concentrada em dedilhar as notas no pequeno instrumento.
— I don't want this feeling to go away... — Cantou, lançando um sorriso em sua direção. Ele correspondeu.
— Please, don’t go away... — Se arriscou, cantando junto com ela.
A garota riu, achando fofinho.
Tocou as últimas notas antes de finalizar a música e deixar o instrumento de lado.
Aproximou-se do amigo e deitou ao seu lado, encostando a cabeça em seu peito. Ele envolveu sua cintura e ela se aninhou melhor em seus braços.
O pôr-do-sol alaranjado estava escondido atrás do imenso mar, quase oculto por completo.
— Sinto muito pelas fotos. — quebrou o silêncio. — Posso tentar tirar a matéria do ar, sei lá — disse sem jeito.
Não sabia o que a garota havia achado a respeito, mas realmente não gostava quando pessoas próximas a si eram expostas. Essa era a pior parte de estar ligado ao mundo da fama.
apenas ergueu um pouco o rosto e juntou seus lábios, em um selinho demorado, surpreendendo-se com a própria atitude.
— Está tudo bem — disse baixo, após se separarem.
Na verdade, não estava nada bem.
Amanhã mesmo estaria embarcando de volta para Nova York, retornando a realidade medíocre da qual não se orgulhava em viver.
— Vou embora amanhã — voltou a dizer, desviando os olhos para qualquer outro canto da praia. Não tinha coragem para encará-lo.
— O que? — juntou as sobrancelhas. — Vai voltar pra Nova York?
— Surgiram alguns compromissos de emergência na empresa. — A garota ergueu o corpo. — Meu pai me ligou hoje cedo e disse que precisa de mim. As passagens já estão compradas.
Optou por omitir a verdade. Sabia que se não fosse pelas fotos vazadas teriam um tempo maior juntos, até que se cumprisse o período de 30 dias, mas não queria causar mais conflitos.
— E, claro, você vai obedecê-lo. — riu, amargamente.
— Como? — estreitou os olhos.
— Me diz, é isso mesmo que você quer? — Ergueu o corpo também, a encarando nos olhos. — Me diz se o que você quer é voltar. Se o que você gosta é trabalhar na empresa da sua família e que nunca pensou em largar tudo pra ficar aqui. — Fez uma série de perguntas, ainda a encarando intensamente. — Só me diz, .
A garota prendeu a respiração por alguns segundos, sentindo-se tensa com o rumo em que a conversa estava seguindo.
— Não é bem assim que as coisas funcionam, — ela disse baixo. Seu olhar era um tanto perdido. — Existem algumas coisas que dependem de mim. Eu não posso simplesmente jogar tudo para o alto.
— O que depende de você? A coragem de dizer não? — O rapaz levantou-se, dando alguns passos pela areia. — Porra, ! Seu relacionamento com o seu pai é muito abusivo. Não consegue perceber o quanto isso — Ele apontou para praia — pertence a você? O quanto nós pertencemos um ao outro?
Ela sentia seu coração acelerar à medida que colocava pra fora tudo aquilo que já deveria ter dito a muito tempo. Tornou-se a ficar de pé, passando uma das mãos pelo rosto.
— Eu gostaria que fosse diferente. — Mordeu o lábio, na tentativa de impedir as lágrimas que começavam a se acumular no canto de seus olhos não caíssem. — Eu sinto muito, .
— É sempre assim. — Ele sorriu, triste. — Vivemos tudo baseado em probabilidades. Você chega no verão, mas tão rápido quanto vem, vai. E, mais uma vez, o que restam são apenas as lembranças.
Era como se as palavras dele a perfurassem e rasgassem sua alma por dentro.
— Não preciso que você diga que gostaria de ficar, — ele continuou — Só queria ouvir de sua boca se eu sou o suficiente para fazer com que não queira ir embora.
Ela estava paralisada. Não teve reação.
Longos segundos se passaram sem obter alguma resposta da garota.
Na verdade, o silêncio é uma forma de resposta. E infelizmente, a mais dolorosa.
Isso basta.
***
Nova York, EUA.
30 de Junho de 2018.
O som dos saltos se chocando contra o piso enquanto andava pelos corredores do escritório era completamente irritante. acabara de sair da sala de reuniões, segurando uma pilha de pastas em seus braços. Sua cabeça estava uma pilha de nervos. Céus! Havia perdido tudo o que descansara em Malibu logo nos primeiros dias de volta a trabalho.
Entrou em sua sala e fechou a porta, jogando as pastas de qualquer jeito sobre a mesa. Sentou-se em sua cadeira acolchoada e tentou relaxar, encostando as costas no apoio e fechando os olhos por alguns segundos.
Sentia-se sufocada.
Como fora capaz de destruir a si mesma? Era a pergunta que pairava sobre sua cabeça, enquanto flashs de momentos desde a infância até os acontecimentos mais recentes invadiam sua memória. Quanto tempo perdido deixando que as pessoas tomassem decisões por ela? Quanto tempo sendo uma covarde, escondendo-se atrás de incertezas?
Era, acima de tudo, a responsável por sua própria infelicidade. Mas, por sorte, ainda havia tempo o suficiente para reverter a situação. Fora o que a motivou a procurar, entre a bagunça em sua mesa, algum papel em branco. Escreveu ali as primeiras coisas que vieram em sua cabeça, rabiscando sua assinatura no final.
Voltou a levantar-se e seguiu até a sala que tanto conhecia, apenas há alguns passos do mesmo corredor. Abriu a porta e deparou-se com o pai concentrado em algo na tela do computador. Aproximou-se de sua mesa e jogou ali, sem delicadeza alguma, o papel que acabara de escrever.
— O que é isso? — O homem arqueou uma das sobrancelhas, de uma forma que as marcas de expressão aparecessem em sua testa.
— Minha carta de demissão — respondeu, com um sorriso no rosto. — Acho que vai ter que procurar um outro alguém pra me substituir, papai. Sinto muito.
O homem arregalou levemente os olhos, e antes que pudesse falar alguma coisa, a filha já havia saído de sua sala.
Sentia-se radiante enquanto caminhava pelos corredores novamente em direção ao elevador. A primeira coisa que faria ao sair dali, seria juntar suas roupas em uma mala qualquer e comprar a primeira passagem de avião que encontrasse disponível. Desta vez, não para Malibu.
Jeffreys Bay — África do Sul
31 de Junho de 2018.
gostava de competir.Gostava de se desafiar quando o seu adversário era bom e gostava dos gritos da torcida que lotava a praia inteira.
Faltavam apenas alguns minutos para o fim da bateria. Estava sentado sobre sua prancha, esperando pela última onda. O havaiano John John Florence, seu adversário, não estava muito distante. A fase era eliminatória, ou seja, quem ganhasse, continuaria competindo até a etapa final.
Estreitou os olhos ao ver que uma onda grande se formaria ao fundo. Se apressou em começar a remar, ganhando vantagem sobre o outro rapaz.
Em meio à multidão de pessoas na areia, se exprimia, tentando chegar até a beira do mar. Pôde ver, mesmo de longe, o momento em que conseguira se equilibrar sobre a enorme onda. Cobriu os lábios com as mãos, sentindo os músculos tensos enquanto ouvia, ao fundo, a narração das manobras que ele fazia. Fechou os olhos antes que o narrador declarasse que a competição estava encerrada, com medo do resultado.
Foi então que a felicidade a atingiu em cheio ao ouvir a nota da última onda ser anunciada. Dez! estaria na fase final!
Voltou a abrir os olhos e gritou em comemoração. Estava transbordando de alegria. fora erguido por algumas pessoas quando se aproximou; o sorriso estampado em seu rosto era contagiante. Seus olhos se encontraram com os dela e foi como se tudo ao redor estivesse congelado.
Naquele momento, a garota teve a certeza de que eram como casas de papel, que permaneciam firmes mesmo em meio ao vendaval. E sempre permaneceriam.
Desta vez, não deixaria ninguém chegar primeiro e pegar o que pertence a ela.
Não mais.
Zuma Beach, 4h59 pm.
De alma lavada.
Era assim que sentia-se toda vez que fincava sua prancha de surf na areia e sentava-se em frente ao mar para admirar o pôr-do-sol.
Desta vez, não estava sozinho.
assistia as cores do céu variando em tons de alaranjado e roxo ao seu lado. Os cabelos soltos bagunçavam-se com o vento, e vez ou outra ela lançava um sorriso terno para o amigo.
— Quanto tempo temos? — O rapaz perguntou, sem desviar os olhos da paisagem.
sabia ao que ele se referia.
— 30 Dias — respondeu, alternando seu olhar entre ele e seus próprios dedos que deslizavam pela areia, formando desenhos abstratos.
permitiu que a frase dita por ela ecoasse em sua cabeça.
30 dias. O tempo que teriam juntos até a garota voltar para Nova York, e era inevitável não sentir saudades de como as coisas costumavam ser antes; das vezes que mataram aula na escola só para poder surfar o dia inteiro, e chegava em casa ao anoitecer, com os cabelos duros devido a água do mar e o corpo cheio de areia. Era necessário inventar uma desculpa diferente a cada semana para se livrar das broncas de sua avó, Marie, mas não adiantava muita coisa.
Só queria entender como tudo decorreu tão rápido até chegarem ali.
De um simples jovem nascido na Califórnia, passou a ser campeão mundial de surf. Lidar com toda fama ainda era algo complicado, contudo, estava aprendendo a se acostumar.
A mulher também não ficava atrás; formada em Economia, sabia muito bem como cuidar dos negócios da grande corporação de sua família, em Nova York — embora não fosse isso que havia sonhado em fazer quando ainda era uma adolescente.
Entretanto, as longas férias de verão tornaram-se apenas 30 dias. Não abririam mão de curtir cada momento juntos, com muita praia, surf e sol, graças ao lindo verão que junho proporciona a Malibu.
Teriam um mês inteiro, e este era apenas o primeiro dia.
7 anos atrás
Malibu, março de 2011.
Do lado de fora da janela, podia ver os raios solares brilharem com intensidade em plena manhã. Queria poder levantar de sua cama, disposta a curtir um dia inteiro na praia, mas sequer havia dormido direito devido a flashs dos últimos acontecimentos que passaram por sua cabeça a noite inteira, a perturbando por completo.
Primeiro seu pai chegando bêbado em casa após um dia estressante de trabalho. Sua mãe havia preparado um belo jantar, porém, para a mulher, ver o marido chegando bêbado em casa dia após dia se tornara algo desgastante. No início da discussão, seu irmão Alec até tentara interferir, enquanto a menina assistia tudo calada em algum canto do cômodo. Óbvio que as tentativas do garoto falharam, devido ao pai ser mais alto e mil vezes mais forte que ele.
O desespero veio mesmo quando o homem, completamente alterado, levantara a mão, fazendo a mulher em sua frente encolher os ombros e tampar o rosto, temendo o que viria a seguir. Em um impulso, tomada por uma fúria que a própria garota desconhecia ter, se enfiara no meio do casal, empurrando o pai com toda força que tinha e ignorando o bafo de cerveja que vinha em contato com seu rosto conforme ele falava coisas sem sentido.
Não se importara com o horário e muito menos com os vizinhos, apenas gritava e implorava para que o pai parasse, esquecendo-se de todo o medo que sentia. Alec envolvera a mãe em seus braços, igualmente assustado, tentando, ao mínimo, transmitir forças a mulher que tanto amava.
não tivera tempo para se defender quando, de forma ágil, o pai pegara o primeiro objeto de vidro que estava em sua frente e jogara em sua direção, atingindo-lhe na testa. Caída no chão e com a visão um tanto embaçada graças às lágrimas acumuladas em seus olhos, junto de uma leve tontura, ainda pôde ver o homem dirigindo-se até a porta da sala, batendo a mesma com força antes de sair.
Ele fora embora.
Poderia dizer que ali, apenas com 14 anos e em sua própria casa, tivera seu coração partido pela primeira vez. Pelo seu próprio pai.
Dali então, não se lembrava de muita coisa. Apenas de sua mãe fazendo um curativo improvisado em sua testa, pedindo para que ela e Alec juntassem algumas mudas de roupa em uma mochila.
Na manhã do dia seguinte, a mulher os levou às pressas até o aeroporto, onde conseguira duas passagens para a Califórnia. Disse que vovó estaria os esperando, e que explicaria tudo depois. Viajaram acompanhados de um jovem casal, que se prontificaram a responsabilizar-se pelos dois adolescentes, já que ambos ainda eram menores de idade e não poderiam viajar sozinhos.
Agora que estavam ali, morariam na casa dos avós por tempo indeterminado.
Era estranho estar em Malibu sem ser nas férias de verão, todavia, seria obrigada a se costumar. O pior de tudo seria entrar em uma escola nova em pleno primeiro ano do colegial, mas nada impossível de lidar.
— , está acordada? — A voz doce de sua avó Marie atrás da porta do quarto a despertou de seus pensamentos.
— Estou sim, vovó. Já vou descer — respondeu, levantando-se da cama.
Seguiu até o banheiro para dar um trato no rosto amassado de sono e colocou uma roupa fresquinha para passar o dia, descendo as escadas e dirigindo-se até a cozinha.
— Bom dia! — Sorriu ao ver os avós e Alec sentados à mesa.
— Bom dia, querida — a mais velha saudou, carinhosa.
A garota serviu-se com um pouco de suco de laranja e alguns pedaços de bolo.
— Rosie ligou. — A voz do Sr. Thomas despertou a curiosidade dos netos. — Ela está bem.
— O que ela disse? — Alec perguntou, um tanto desesperado por notícias da mãe.
— Seu pai voltou para casa. — Marie completou, limpando os lábios com um guardanapo. — Ele está sóbrio e, após conversarem, concordou em ir para uma clínica de reabilitação, enquanto Rosie cuida dos negócios na empresa.
— E quanto a nós? — referiu-se a ela e ao irmão com uma pontada de esperança, desejando que pudessem voltar para casa
— Ela acha melhor vocês ficarem por aqui até as coisas se acertarem — disse, fazendo com que toda pequena pontada de esperança que havia no peito da garota desaparecesse. — Isso inclui escola nova e tudo mais — a senhora concluiu, porém, os netos não falaram nada.
Aquilo não era certo.
Alec trocou olhares com a irmã, conseguindo decifrar o que ela pensava apenas pela leitura de sua íris. Era 3 anos mais velho do que ela, contudo, isso não impedia a forte conexão que tinham um com o outro.
— O que acha de irmos pra praia hoje, ? — O garoto mudou de assunto, quebrando o silêncio incômodo que começara a se instalar na mesa.
— Pode ser. — Deu de ombros, dando um gole em seu suco.
— Eu acho ótimo, crianças. — Thomas sorriu ao ver que os netos não pareciam mais tão abatidos como a 5 dias atrás, quando chegaram ali. — Tenho algumas pranchas velhas guardadas no quartinho dos fundos. — Apontou para a porta da cozinha que dava acesso a parte de trás da casa. — Podem pegar, se quiserem se divertir.
— Eu nem sequer sei segurar uma prancha, vovô. — A mais nova riu fraco.
— Não parece uma má ideia — Alec encorajou, empolgado. — Vamos, ! Vai ser legal. — Levantou-se da mesa apressado e seguiu até onde o avô indicara para pegar as pranchas.
A casa não ficava tão longe da praia, mas o percurso pareceu um pouco mais longo por estarem caminhando em meio ao sol quente e segurando as pranchas debaixo do braço.
havia prendido os cabelos grandes em um rabo de cavalo e usava um maiô florido de mangas, junto a um short de pano molinho. Já Alec usava apenas uma bermuda vermelha e um chinelo nos pés. Quem olhasse para eles, conseguiria notar que não eram dali, a começar pela pele pálida demais e a forma como seguravam as pranchas.
Por recomendação do avô, pararam em uma loja à beira da praia que vendia equipamentos de surf; precisavam comprar dois leash's e um pote de parafina, entretanto, nem sabia o que era aquilo.
— Bom dia, jovens. — Um homem que aparentava estar na casa dos 30 e poucos anos saudou quando já estavam dentro da loja. — No que posso ajudar?
— Precisamos de dois leash's e um ponte de parafina — seu irmão pediu, e o rapaz se abaixou por um minuto atrás do balcão, voltando a erguer-se com o que o menino pedira em mãos.
— Só isso? — indagou, e pode notar que leash era o fio que ligava o surfista a prancha pelo calcanhar, evitando que o mesmo a perdesse no meio do mar.
— Acho que só — ele respondeu.
— De onde vocês são? — O atendente questionou, curioso.
— Nova York. — replicou, dessa vez. — Somos irmãos.
Um garoto com traços parecidos ao do atendente entrou na loja. Seu corpo estava molhado, havia acabado de sair da praia, provavelmente. Ele apoiou a prancha que segurava debaixo do braço em um canto da parede e aproximou-se.
— Oi — cumprimentou o casal, educado, e depois dirigiu-se ao atendente. — E aí, pai. — O outro cumprimentou o filho com um toque de mãos e voltou a atenção para os jovens em sua frente.
— Se me permitem dizer, essas pranchas aparentam ser muito antigas. Não parecem apropriadas para surfar — explicou, analisando as pranchas que eles seguravam, que possuíam com alguns arranhões e a tintura toda desbotada.
— Mas a gente só quer brincar, nem surfar sabemos. — Alec deu de ombros.
— Se quiserem, ao invés de comprar esses equipamentos, posso emprestar duas pranchas para vocês, enquanto essas velhas ficam aqui para serem reformadas. Tudo por conta da casa, já que vocês são turistas. Acredito que no fim da tarde já estejam prontas.
— Isso é sério? — perguntou o menino, e o mais velho assentiu, dirigindo-se até uma porta. Saiu de lá segurando duas pranchas médias, uma laranja e outra amarela.
— Essas belezuras são chamadas de fun boards. — Entregou a laranja para , retirando a outra prancha velha de seus braços, e fez o mesmo com Alec, entregando a prancha amarela. — Elas já estão com leash, levem só a parafina.
— Para que serve isso, afinal? — indagou, desviando o olhar de sua prancha.
— É um produto que passamos na prancha antes de surfar, evita que o surfista escorregue e tudo o mais — o filho do atendente que respondeu, desta vez.
A mulher concordou com a cabeça, analisando o garoto em sua frente que aparentava ter a mesma idade que o irmão, entre 16 e 17 anos.
— Muito obrigado, Charles — o mesmo agradeceu, após ler o nome do atendente no crachá. — De verdade.
— Não precisa agradecer, crianças. — Sorriu. — , o que acha de fazer companhia a eles e ensinar um pouquinho de surf? Eles são de Nova York — questionou ao filho, que arqueou uma sobrancelha, olhando para o menino e a menina a sua frente.
Ensinar uma menina?
Seria complicado, mas interessante.
— Tudo bem — respondeu, seguindo até onde havia deixado sua prancha. — Vamos nessa.
Malibu, Califórinia — Dias atuais
5 de junho de 2018
Estavam na estrada a cerca de 30 minutos, em direção a uma praia mais afastada. dirigia a caminhonete tranquilamente, rindo das vezes que fazia alguma dança esquisita ao seu lado, divertindo-se com a música animada que tocava no aparelho de som.
Sentia-se feliz por tê-la ali, era como se estivesse... preenchido.
A garota também não se sentia diferente. Era libertador estar em um ambiente como aquele, já que sua vida se resumia em estar trancada dentro de um escritório todos os dias, lidando com clientes e participando de reuniões esgotantes para o seu psicológico.
A música animada da rádio foi substituída por uma mais calma, tornando o momento ainda mais agradável. apoiou os pés descalços no porta-luvas e relaxou o corpo no banco.
— Por que estamos indo para uma praia afastada? — perguntou, virando a cabeça para encarar o amigo.
— É mais tranquilo. — Deu de ombros, sem desviar os olhos da estrada. — Ideal para quem só quer surfar, quase não tem banhistas; sem contar que é verão, Malibu está cheia de turistas que não sabem se comportar quando veem alguém famoso.
— Ah, é mesmo! — riu fraco ao lembrar-se da vez que fora cercado por uma aglomeração de fãs na praia. Era bonitinho a forma como ele tentava ser atencioso com todos, mas não deixava de ser desconfortável. — Às vezes esqueço que você é famoso.
— É, eu também. — Sorriu, encarando a garota brevemente.
As árvores tornavam-se borrões conforme a velocidade do carro, e de longe, já podiam ver o enorme mar azul.
continuou com a cabeça encostada no banco, observando o amigo que tinha toda atenção no volante em sua frente.
Estrada, música e . Era uma visão e tanto! Gostava de admirar.
Ao perceber que estava sendo observado, o rapaz passou uma das mãos pelos cabelos, sem jeito.
— O que foi? — perguntou, desviando o olhar da estrada rapidamente para encarar a garota.
Antes não tivesse feito isso.
A mulher sorria da maneira que apenas ela sabia. Era contagiante, capaz de aquecer seu coração de forma que nem mesmo ele entendia.
— Não posso te olhar? — questionou, arqueando uma das sobrancelhas.
— Não gosto quando me encaram demais. Você sabe. — O rapaz revirou os olhos, ainda sem jeito.
— Mas eu gosto de encarar você — retrucou, sincera. — Estava com saudades disso.
sentiu uma leve pontada em seu estômago e um sorriso de canto surgiu em seus lábios. Não disse nada, apenas perdeu-se em seus próprios pensamentos e tratou de remoer em sua mente qualquer indício de sentimento que não fosse o de amizade pela garota. Nada que já não estivesse acostumado a fazer.
Após mais alguns minutos de estrada, estacionou o carro em frente à praia, e logo já estavam retirando as pranchas da parte de trás da caminhonete.
De certo, a praia realmente era mais tranquila comparado a Zumma Beach.
Enquanto armava uma tenda para guardar os pertences que trouxeram, aproveitou para agachar-se em frente as pranchas na areia e passar um pouco de parafina. Havia escolhido uma Long Board, que é um modelo de prancha maior e mais fácil para se equilibrar, visto que fazia um bom tempo que a garota não surfava. Voltou a erguer-se e tentou ignorar a ótima visão do surfista sem camiseta em sua frente.
Às vezes esquecia-se do quão lindo ele era.
Sua pele tinha um bronzeado natural, com algumas pintinhas espalhadas pelas costas. Ombros largos, braços fortes e peitoral definido, físico típico de um atleta como ele. Balançou a cabeça e tratou de olhar para qualquer outro canto antes que fosse pega no flagra. De novo.
— Vamos nessa? — perguntou, enquanto prendia o leash em seu calcanhar.
— Vamos nessa! — Ela sorriu, empolgada. Como de costume, seus cabelos estavam presos em um coque que mais parecia um nó e usava um maiô simples de estampa colorida e mangas longas.
Segurando as pranchas debaixo do braço, caminharam juntos até o mar.
A garota fez uma careta assim que seu corpo entrou em contato com a água gelada, porém, poucos segundos foram o suficiente para que ela se acostumasse, deitando-se na prancha e remando lado a lado com o amigo até onde esperariam pelas ondas.
A primeira delas veio mais rápido do que esperavam. Tubular.
conseguiu pegar apenas os primeiros segundos antes de cair. Seu corpo emergiu de volta a tempo de ver saindo do tubo, pegando velocidade e finalizando com manobras aéreas.
— Humilha mais que tá pouco! — gritou para que ele pudesse ouvir.
O rapaz apenas riu, remando de volta até onde ela estava.
Não demorou muito para que a menina voltasse a se adaptar, pegando onda atrás de onda, conseguindo fazer até algumas manobras básicas das quais havia aprendido com e seu pai, Charles, quando era mais nova.
Estar ali, divertindo-se em meio a cada tombo e gargalhada era uma sensação única, como se estivessem de volta a essência daquilo que foi capaz de curá-la quando era apenas uma adolescente vivendo vários traumas. Gostava de saber que era o responsável por isso; gostava do fato da amizade deles sempre ser a mesma, independentemente do tempo que ficassem separados. E, acima de tudo, gostava de sentir o quanto seu coração pertencia aquele lugar.
Malibu era definitivamente a sua casa. E isso nunca mudaria.
observava o céu quase escuro por completo enquanto dirigia de volta para casa. Apenas alguns minutos de estrada foram o suficiente para adormecer a garota ao seu lado. Estava tão cansado quanto ela, entretanto, nada que já não estive acostumado.
Logo estaria de volta a sua rotina de treinos, focando na próxima etapa do campeonato mundial, que seria na África do Sul. Seu nome estampava as matérias das mais famosas revistas e sites relacionados ao esporte, como um forte candidato a vencer novamente a Word Surf League e tornar-se bicampeão mundial.
Abriu a janela do carro na esperança de que a brisa suave vinda de fora aliviasse a tensão que sentia sempre que pensava no campeonato. Seus olhos estavam concentrados na estrada, mas sua mente estava distante. Lembrava-se claramente do quanto seu pai o apoiou até que ele conseguisse chegar onde chegou. Do quanto ele acreditou. Charles era seu porto seguro, responsável por ter ensinado não só a ele, mas a várias outras pessoas, o verdadeiro surf.
Uma pena que, de forma drástica, o destino o impediu de continuar fazendo isso.
— Tô acabada. — A voz rouca de o despertou de seus pensamentos.
desviou os olhos da estrada rapidamente, deparando-se com a carinha de sono da amiga.
— Surfou só hoje e já está acabada? — brincou, ouvindo a garota resmungar de dor nos braços. — Essa não é a que conheço.
— É o que acontece com pessoas sedentárias que trabalham sentadas o dia inteiro. — Ela deu de ombros. — E meu rosto está ardendo.
— Você pega cor muito fácil. — A olhou brevemente. — Está ardendo muito?
— Não, dá pra aguentar. — Sorriu. — Só não me diz que estou parecendo um pimentão, por favor.
Ele riu fraco; abriu a boca para dizer algo, entretanto, o tapa que recebeu em seguida o impediu.
— Ai! Eu nem disse nada — reclamou, tirando uma das mãos do volante e passando pelo braço, que ardia levemente.
— Mas pensou — revidou e ele revirou os olhos, teatralmente.
— Está com fome? — perguntou, parando em um sinal vermelho.
— Bastante!
— Charles deve estar jantando esse horário — comentou, aproveitando que o carro estava parado para estralar os dedos. — Quer ir lá para casa? — A encarou nos olhos, esperando pela resposta.
— O que? Claro que sim! — Sorriu, empolgada com a ideia de ver Charles.
— Ele vai ficar feliz em te ver. — colocou o carro em movimento novamente. — Vai fazer bem para ele — disse mais baixinho, desta vez.
Por volta das oito da noite estacionou o carro na garagem de casa. sentiu a nostalgia atingir-lhe em cheio ao analisar o local. Obviamente, o lugar não estava mais como era antigamente, havia passado por algumas reformas, contudo, a essência simples continuava a mesma. Aliás, isso era uma das coisas que mais admirava em ; a simplicidade.
Ele a puxou para um abraço de lado enquanto caminhavam juntos até a entrada.
— Bem-vinda de volta — falou próximo ao seu ouvido, antes de destrancar a porta.
Ela sorriu. O arrepio em sua pele devido à proximidade e a voz rouca do amigo fora inevitável.
— Pai? — Chamou ao entrarem no local.
— Na cozinha. — Ouviram a voz do rapaz e seguiram até lá.
Havia várias fotos espalhadas pelas paredes do corredor que dava acesso até ao cômodo; algumas de Charles surfando e se aventurando nas trilhas radicais que costumava fazer antigamente, e outras dele com em momentos importantes da trajetória dele como sufista.
Agora sentando em sua cadeira de rodas, o homem encarava uma garrafa de whisky pela metade e uma caixa de pizza em cima da mesa. Seu olhar era um tanto perdido, mas pareceu se iluminar ao vê-los ali.
— ! — exclamou, surpreso.
Fora o suficiente para a garota se aproximar, abraçando-lhe de uma forma desajeitada, porém aconchegante.
— Whisky, é? — Ela ergueu o corpo, colocando as mãos na cintura. — Muito saudável, Sr. .
— não disse que estava aqui. — Direcionou o olhar para o filho, que apenas observava a cena de longe.
— Cheguei faz pouco tempo — explicou, puxando uma cadeira para se sentar.
Tomou a liberdade para pegar um pedaço de pizza antes que um buraco abrisse em seu estômago de tanta fome. O amigo se aproximou, fazendo o mesmo.
— E como você está? — Charles perguntou, admirando-a com um olhar paternal enquanto terminava de mastigar.
A pequena — que na verdade não era mais pequena — ficara ainda mais bonita com o passar do tempo. Sentia-se feliz por vê-la novamente depois de alguns meses; o carinho e admiração que sentia por ela e seu irmão era enorme.
— Tudo na mesma, Char. — Deu de ombros. — Continuo trabalhando na empresa do meu pai. Para falar a verdade, nem sei como ele me liberou por 30 dias. Estou com medo dele ligar me pedindo para voltar.
— E Alec? — Fez outra pergunta, molhando a boca com um gole de whisky.
— Alec vem para cá daqui uns dias. — Sorriu, animada. — Continua trabalhando na miniagência de turismo que ele mesmo criou.
— Sério? — Riu fraco. — Jurava que aquilo não ia dar certo.
— Não foi só você. — A garota concordou e ele riu novamente.
— Fomos naquela praia mais afastada hoje, pai. — entrou na conversa. — mal surfou e disse que está acabada. Você acredita nisso?
— E você acha que é fácil assim?! — protestou ela. — Eu moro em Nova York! Surf não é igual andar de bicicleta, só venho para cá uma vez por ano, pega leve.
Ele mostrou a língua em uma atitude completamente infantil, fazendo-a gargalhar. gostava do efeito que a risada dela tinha sobre ele. Não só a risada, mas ela por inteiro.
— E você, Charles, como está? — perguntou, após alguns minutos em silêncio.
O homem riu fraco, amargamente. Aquela pergunta soava completamente egoísta para ele. Era possível se sentir bem após tornar-se paraplégico? Para Charles, não. Contudo, ninguém, senão ele mesmo, era o culpado pela situação na qual se encontrava atualmente.
Por isso, optou por ser direto.
— Estou bem, — replicou, porém a garota pareceu perceber a tensão em seu tom de voz. — Estou bem — repetiu, tentando convencer a si mesmo.
7 anos atrás
Malibu — Agosto de 2011.
O som estridente do sinal indicando que a aula de matemática havia acabado fez com que suspirasse aliviado, jogando suas coisas de qualquer jeito na mochila surrada e se apressando em sair dali.
esperava por ele no corredor, um tanto afastada da aglomeração de pessoas que andavam para lá e para cá dirigindo-se até suas salas de aula.
— Demorei? — questionou ao se aproximar.
— Não. — Ela sorriu. — Mas vamos logo, antes que alguém nos pegue tentando escapar por aí. — O empurrou levemente em direção à saída.
Quarta-feira. Dia de matar a última aula.
Nenhum dos dois sabia ao certo quando aquilo havia se tornado uma rotina, tudo entre eles fluiu tão rápido! Era como se fossem melhores amigos; na verdade, eram, sim, melhores amigos.
Passaram na loja de equipamentos de Surf do Charles para pegar as pranchas. Quarta era o dia em que o mesmo saia para surfar em outras praias ou fazer trilha com alguns amigos, então era mais fácil convencer o primo mais velho de — que ficava na responsabilidade da loja na ausência de Charles — a deixar com que pegassem as pranchas, após inventarem uma desculpa qualquer explicando o porquê de não estarem na escola.
— Acho que não vai render muito surf hoje — chamou a atenção do amigo quando pisaram os pés na areia. Ele entendeu ao que ela se referia, levantando o olhar para encarar o céu cinza: não demoraria muito até começar a chover, mas a mistura da brisa forte junto ao mar formava ondas maravilhosas.
Ele não iria perder.
mordeu o lábio, receosa. Ainda estava aprendendo a surfar, não sabia se tinha coragem de enfrentar o mar que aparentava estar um tanto agressivo.
— Acho que não vou — avisou, por fim.
— Relaxa. — Segurou uma das mãos alheias, a encorajando. — Estou aqui com você.
Ela concordou com a cabeça e um sorriso leve se formou em seus lábios.
Surfaram quase a tarde toda.
A auxiliou até conseguisse se adaptar melhor e se sentisse segura, entretanto, preferiu dar espaço para que ele ficasse mais à vontade, já que vivia participando de campeonatos e precisava treinar.
Só saíram do mar quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair. Por sorte, a loja de Charles não ficava longe da praia e conseguiram chegar antes que a chuva aumentasse.
sentia-se entranho. Não sabia o porquê. Talvez fosse a tensão pelos campeonatos estarem se aproximando, ou apenas o clima chuvoso; Malibu e chuva simplesmente não combinavam.
O olhar assustado do primo em sua direção não ajudou em muita coisa, provocando-lhe uma sensação estranha na barriga.
— O que foi? — Aproximou-se do balcão do caixa onde o garoto estava.
Ao perceber o comportamento esquisito do amigo, se aproximou.
— , eu... e-eu não sei direito o que...
— O que aconteceu? — interrompeu, nervoso. — Fala! — Elevou o tom de voz.
O rapaz engoliu em seco.
— É o seu pai — disse baixo. — Ele está no hospital.
Nada era mais agoniante do que esperar.
Estavam no hospital a cerca de duas horas e meia esperando por notícias. A única coisa que sabiam, é que Charles havia escorregado enquanto tentava ver tartarugas marinhas nas pedras que ficam próximas ao mar, e agora estava em uma cirurgia de urgência. Os amigos que o acompanharam disseram que a queda foi feia e que ele se machucou bastante.
Sentando nas cadeiras desconfortáveis da recepção, balançava as pernas, inquieto. A amiga repousava a cabeça em seu ombro, fazendo um carinho leve em seu braço, na tentativa de transmitir conforto. Ele insistira para que voltasse para casa, já que era tarde e amanhã teriam aula. Mas, obviamente, ela ignorou e continuou ao seu lado.
Sentia o medo invadi-lo pouco a pouco. Charles era sua companhia. A vida inteira sempre fora apenas os dois, desesperava-se só de pensar em perdê-lo.
Não podia perdê-lo.
Respirou fundo e passou as costas das mãos pelos olhos marejados, impedindo as lágrimas que ameaçavam cair. Só reparou que havia passado tempo demais quando notou que estava adormecida, ainda encostada em seu ombro.
Pode ver o momento em que Alec entrou no hospital, caminhando em passos apressados até ele.
— Cara, só fiquei sabendo do que aconteceu agora — disse em um tom preocupado. — Meus avós estão desesperados atrás da minha irmã.
— Leva ela para casa, Alec, por favor — pediu.
A garota despertou ao ouvir o nome do irmão e endireitou o corpo, sentido o pescoço doer pela mal posição que ficara.
— Precisamos ir. — Alec chamou sua atenção. — Vovó está preocupada.
— Vou ficar com o — respondeu, vendo o irmão estreitar os olhos.
— Eu já falei que não precisa — disse em um tom calmo. — Pode ir.
negou com a cabeça, levantando-se.
— Não quero te deixar aqui sozinho.
— Eu sei me cuidar, tá? — Riu fraco, levantando-se também. — Pode ir, sério! — Aproximou-se dela e segurou seu rosto com as mãos, depositando um beijo carinhoso em sua testa.
suspirou. Estava preocupada, não queria deixá-lo ali, ainda mais sem saber qual seria a condição de Charles após a cirurgia. No entanto, ouviria sermão demais dos avós quando chegasse em casa.
— Fica bem — disse, por fim.
— Vai dar tudo certo, cara. — Alec se aproximou, colocando as mãos no ombro do amigo. — Qualquer coisa me liga.
concordou com a cabeça e os seguiu com o olhar até que saíssem do hospital.
— Charles ! — Ouviu e virou-se imediatamente na direção da voz grossa, aproximando-se em passos rápidos até o rapaz de jaleco.
— É o meu pai! — falou firmemente, sentindo as batidas de seu coração acelerarem.
— Tem mais alguém com você? — O médico perguntou.
— Não, doutor. Me diz como ele está, por favor! Ele está bem?
— Se acalme. — O médico colocou uma das mãos em seu ombro. — Você é maior de idade? Não tem ninguém que possa vir aqui te acompanhar? — questionou, vendo o garoto negar com a cabeça.
— Droga, só quero saber como meu pai está! — retrucou, nervoso.
— Ele está bem — o outro respondeu.
soltou a respiração que estava presa em seus pulmões e sentiu como se um peso estivesse sendo retirado de suas costas.
— Preciso vê-lo — pediu, em tom de urgência.
— Ele está dormindo, o efeito da anestesia vai demorar para passar — o médico explicou. — Vou tentar arrumar um quarto para que você possa passar a noite. Descanse! Não teremos boas notícias quando ele acordar.
— O que quer dizer com isso? — O garoto engoliu em seco.
— Estou querendo dizer que a probabilidade do seu pai estar paraplégico é muito grande. — A resposta do médico atingiu-lhe como um soco no estômago. — A cirurgia foi delicada, fizemos tudo o que podíamos. Eu sinto muito!
Malibu, Califórnia — Dias atuais.
15 de Junho de 2018.
suspirou com os olhos fechados, apreciando a sensação dos raios solares penetrarem por sua pele.
— Existe uma grande diferença entre estar bronzeada e estar queimada. — Ouviu a voz de Maya, deitada na esteira de palha ao seu lado. — Eu posso tomar sol o dia inteiro que só vou ficar vermelha. É um saco!
riu fraco, divertindo-se com a reclamação da garota. Maya era uma amiga especial. Haviam estudado juntas no período em que morou em Malibu.
— Ninguém mandou ser branca demais — brincou, sentando-se sobre a esteira.
saiu do mar, carregando sua prancha debaixo do braço e aproximando-se das garotas. Alec — que havia chegado a poucos dias —, vinha logo atrás dele. Por sorte, as pessoas que estavam na praia não o abordaram pedindo autógrafos ou fotos. Não que ele não gostasse disso. Pelo contrário! Mas não gostava de expor os amigos quando estava acompanhado.
— Só levei caixote. — Alec bagunçou os cabelos molhados, colocando a prancha sobre a areia.
— Não acredito que você consegue ser pior que eu. — A irmã colocou as mãos na cintura, fazendo os amigos rirem.
— Para! — Ele sentou-se no espaço vazio entre ela e a amiga.
— Ainda continuo esperando pelo dia em que algum de vocês me ensine a surfar. — Maya colocou a mão no peito, em uma atitude dramática. — Sério! É frustrante.
— Eu já tentei te ensinar uma vez — lembrou. — Mas você desistiu no primeiro tombo.
— Não é bem assim — Maya tentou se explicar. — Aquele dia, li no meu horóscopo que meu dia não seria bom.
— Tá brincando, né? — perguntou, sem acreditar no que acabara de ouvir.
Maya era completamente viciada em qualquer coisa relacionada a signos, o que acabava sendo engraçado.
— Eu posso te ensinar — Alec ofereceu, levantando-se novamente.
— Só se for ensinar ela a cair, porque surfar... — brincou, vendo-o mostrar o dedo do meio como resposta.
— Não sou o campeão mundial, mas tá valendo. — Deu de ombros, abaixando-se para pegar a prancha novamente. — E aí, vai querer?
Maya olhou para , como se perguntasse o que deveria fazer.
— Vai logo. — A amiga sorriu, encorajando-a.
A garota levantou-se e seguiu o rapaz até o mar. sentou no lugar que antes estava ocupado por ela.
— Eles são bonitinhos, né? — comentou, quando os dois já estavam há alguns passos de distância.
— Você acha? — sorriu, dirigindo o olhar para os amigos.
— Os dois sempre tiveram uma quedinha um pelo outro. Isso é fato — falou, lembrando-se da primeira vez que o irmão viu Maya na escola, e encantou-se de imediato.
Afinal, quem não se encantaria?
Maya era linda! A típica garota que você julga como metida antes de conhecer, porém que, na verdade, é o oposto.
— Vou participar de um talk show em Los Angels daqui uns dias — comentou o amigo, após um tempo em silêncio.
— Hm, que chique. — riu fraco. — E como se sente? A etapa do campeonato na África do Sul está chegando, né?
— Estou tranquilo, por enquanto — respondeu, esfregando os pés pela areia.
— Queria estar lá com você. — O encarou nos olhos.
— É só aparecer. — Esticou a mão, fazendo um carinho leve sobre os dedos dela.
— Você sabe que não é tão fácil assim. — A garota levantou-se, procurando pelo short jeans que havia deixado em algum canto. Não queria entrar naquele assunto. — Vou comprar uma água de coco, quer alguma coisa? — perguntou, vestindo o short após encontrá-lo.
— Não, ‘tô de boa — respondeu.
Seguiu até o quiosque que não ficava longe de onde estavam e, por sorte, não estava cheio também. Esperou apoiada no balcão, assistindo o atendente fazer o procedimento para entregar-lhe o pedido.
Um rapaz se aproximou, chamando sua atenção.
— Oi — cumprimentou, com um sorriso galanteador formado em seus lábios.
achou estranho, mas decidiu por ser educada.
— Olá — disse, simplesmente.
— Turista? — puxou assunto.
— Na verdade, não — respondeu em um tom um tanto seco. Não estava afim de papo.
— Que pena. — Ele a mediu da cabeça aos pés. — Adoraria te levar para conhecer alguns lugares, principalmente a minha casa.
A menina riu fraco, balançando a cabeça negativamente. Dá para acreditar em uma coisa dessas?
— Moça, seu coco. — O atendente entregou-lhe.
A garota pegou o coco em suas mãos e colocou algumas notas sobre o balcão.
— Obrigada — agradeceu, caminhando de volta até onde estava.
Ainda pôde sentir o olhar do rapaz que havia puxado assunto por suas costas.
— Babaca. — Revirou os olhos, dando um gole na bebida.
Sentou-se novamente no lugar onde estava antes.
— Certeza que não quer? — Estendeu o coco na direção do amigo.
Ele apenas negou com a cabeça e voltou a envolver o canudo em seus lábios. Às vezes, pensava em como seria sua vida se nunca tivesse voltado para Nova York. Talvez pudesse ter feito a faculdade de Cinema, que sempre fora o seu sonho. Mas, desde criança, sabia que seria a sucessora de seu pai na corporação da família. Esse peso fora imposto muito cedo em suas costas, não teve opção de escolha. Sentia seus músculos tensos só de pensar que não faltava muito para que aquilo acontecesse.
Suspirou, encarando o rapaz ao seu lado. Queria apenas ter coragem para viver suas próprias escolhas; coragem para esclarecer seus verdadeiros sentimentos; coragem para não sentir medo.
Coragem! Era apenas disso que precisava.
— O que foi? — a despertou de seus pensamentos. — Ficou quietinha, do nada.
— O quê? — relaxou a expressão. — Nada, só... estava pensando.
— Aquele cara te fez algo? — perguntou.
— Que cara? — A garota juntou as sobrancelhas sem entender, entretanto arregalou levemente os olhos ao entender o que se referia. — Ah, o cara que estava no quiosque do coco? — Riu fraco. — Só deu em cima de mim, mas tranquilo.
fez uma careta e sorriu, achando fofinho. Não conteve o impulso de apertar o rosto dele com as mãos, de uma forma que seus lábios formassem um biquinho.
A vontade de beijá-lo ali mesmo era grande.
— Seu ciumento! — brincou, soltando o rosto dele.
— E eu, por acaso, disse que estava com ciúmes? — Arqueou a sobrancelha, de uma forma desafiadora.
Antes que pudesse responder, a voz de Maya chamou sua atenção.
— Eu, definitivamente, não nasci para ser surfista — a garota disse pausadamente, em um tom irritado.
Alec gargalhava atrás dela.
— Eu tentei, gente. Juro! — falou em meio ao riso. — Nem a aulinha na areia adiantou.
— Sinto muito, May — tentou dizer séria, mas caiu no riso também.
— Nossa vez. — levantou-se, estendendo a mão para que a amiga pudesse se levantar.
— Pode ser depois? — perguntou, após ser puxada por ele. — Eu tô com fome.
— Você acabou de tomar água de coco! — Passou um dos braços sobre os ombros dela, em um abraço de lado.
— E você acha que isso enche? — retrucou.
— Vamos lá para casa da minha vó. — Alec começou a juntar as coisas que trouxera e os outros fizeram o mesmo. — A gente coloca uns hambúrgueres na churrasqueira e manda para dentro.
— Opa, agora eu gostei. — se animou, fazendo os amigos rirem.
Um garoto que entregava panfletos se aproximou do grupo quando já estavam quase saindo da praia. Maya recebeu o panfleto e sorriu, educada. As letras grandes e a imagem colorida chamaram sua atenção.
ALOHA!
Luau na praia ao anoitecer.
— Olha só! — Ela balançou o panfleto em suas mãos. — Acho que já temos para onde ir à noite.
7 anos atrás.
Malibu — Outubro de 2011.
acompanhava de volta para casa em mais um fim de tarde, após surfarem um pouco. Seguravam as pranchas debaixo do braço e caminhavam em silêncio.
Era a primeira vez que passavam um tempo juntos após o acidente de seu pai. Ainda estava sendo difícil se adaptar com Charles paraplégico e precisou de um tempo sozinho para lidar com tudo; havia retornado para escola há poucos dias, e justamente na pior época: Baile.
Era um baile beneficente que a escola promovia todo ano, tudo organizado pelos alunos, e os recursos adquiridos eram doados para instituições carentes.
nunca se envolvera muito com o projeto, mas, pela primeira vez, decidiu que iria.
O mais difícil seria criar coragem e convidar para ser seu par.
Não fazia ideia de qual seria a reação da garota, mas também estava disposto a dizer o que realmente sentia por ela. Não negaria mais isso a ninguém. Estava apaixonado e sabia que era recíproco.
— Eu estava pensando... — Quebrou o silêncio. — Você acha que um dia vou estar preparada para participar de campeonatos? — Ela tombou a cabeça para o lado.
— Eu não acho, tenho certeza — disse firme. — Você evolui a cada dia. É só seguir em frente, potencial você tem.
Ela sorriu com a resposta. Sentia-se tão bem! Estava vivendo, definitivamente, a melhor fase de sua vida. O que não seria possível se ainda morasse em Nova York.
pigarreou ao seu lado.
— , você vai ao baile? — perguntou, enquanto aproximavam-se de onde ela morava.
A garota não respondeu. Sua atenção se prendeu nas costas de um homem que conversava com sua avó na entrada da casa.
achou estranho a falta de resposta da amiga, e olhou na mesma direção que ela.
— Não! — Ela arregalou os olhos ao perceber o que estava acontecendo e parou de andar.
— Não vai ao baile? — juntou as sobrancelhas, sem entender.
— Não pode ser! — disse em um tom desesperado.
O homem que estava de costas virou em sua direção e ela paralisou. A lembrança da última vez em que havia o visto a atingiu de imediato.
Ele sorriu, mas não conseguiu esboçar reação alguma.
Era como se pudesse ouvir o barulho do objeto de vidro se chocando contra o chão após lhe atingir na testa e o ranger da porta se fechando, indicando que ele fora embora.
— Filha! — falou em um falso tom de animação. engoliu em seco. — Preparada pra voltar pra casa?
— Voltar pra casa? — Foi quem repetiu a pergunta, sentindo seu coração acelerar. — Como assim?
o olhou com os olhos marejados, como se pedisse ajuda. O desespero a consumia por dentro.
Malibu, Califórina — Dias atuais
A música animada deixava o ambiente completamente agradável; o rapaz tocando violão cantava uma versão mais divertida de The A Team do Ed Sheeran. As pessoas conversavam e dançavam em volta da fogueira, todas com colares floridos para deixar o clima bem havaiano.
— Vocês já tomaram esse aqui? — Alec se aproximou de Maya e , mostrando a bebida colorida em seu copo.
— Já, eu gostei — Maya respondeu. — Vou pegar outro pra mim. — Seguiu até onde estavam fazendo os drinks, deixando os irmãos sozinhos.
estava um tanto afastado, conversando com alguns amigos.
— Tá esperando o quê, bobão? — deu um empurrãozinho em Alec, que estreitou os olhos.
— Que foi, doida? — ele perguntou sem entender.
— Vai tomar atitude quando? — A irmã arqueou a sobrancelha. — Chama ela pra dançar, sei lá, faz alguma coisa.
Alec continuou sem entender.
— Está falando da Maya?
— Não, não. Tô falando da minha vó. — revirou os olhos. — É claro que é da Maya, imbecil!
— Amor de irmãos... — Alec negou com a cabeça, recebendo um tapa em seguida.
— Vai continuar negando que não sente nada por ela? — A garota cruzou os braços.
Alec desviou o olhar para onde Maya estava, dando um gole na bebida que tinha em mãos.
— Não é isso, Colb — disse, voltando a olhar para irmã. — Nós somos diferentes. Não daria certo, de qualquer forma.
— Covardia está no sangue da nossa família. Não é possível! — Ela riu fraco.
Maya retornou para perto deles no exato momento em que começaram a cantar Wonderwall, do Oasis.
começou a dar cotoveladas leves na costela do irmão.
Ele a encarou, vendo-a apontar disfarçadamente com a cabeça na direção da outra.
— Ei, Maya. — Alec chamou a atenção da garota. — Quer dançar?
— Ah, eu acabei de pegar meu drink. — Ela levantou levemente a taça.
— Não seja por isso! — entrou na conversa. — Eu seguro. — E pegou-o de sua mão.
Alec terminou de beber o resto de sua bebida em uma golada e entregou a taça vazia para irmã, apoiando as mãos nas costas de Maya e os conduzindo até onde os casais dançavam.
A irmã sorriu, satisfeita.
A essa altura, Maya seria obrigada a pegar o outro drink depois, já que havia mandado tudo pra dentro. Ela deixou as taças vazias em algum canto e deu um pulinho de susto ao sentir um toque em sua cintura.
— Ei! — Era .
— Oi. — Ela sorriu. Ainda não havia reparado direito no quão lindo ele estava: usava uma camisa de botão branca, com alguns deles abertos, bermuda simples, chinelos e o colar florido no pescoço.
— Quer dançar? — ele perguntou. esboçou uma expressão surpresa em seu rosto.
Na verdade, ele não gostava de dançar. Só queria mais contato entre eles.
Ela deu de ombros, dando um passo à frente e envolvendo o pescoço dele com os braços.
— Não quer ir mais próximo do pessoal? — Ele segurou em sua cintura, referindo-se aos casais que dançavam mais afastados.
— Está bom assim — ela respondeu, movendo-se levemente ao ritmo do violão suave.
aproximou mais seus corpos e fechou os olhos, curvando-se um pouco para passar o nariz na curva de seu pescoço.
Tão cheirosa.
A garota sentiu seus braços se arrepiarem, como de costume. gostava do efeito que seu toque tinha sobre ela.
— There are many things that I would like to say to you, but I don’t know how... — cantou baixinho.
Irônico era o quanto aquele trecho se encaixava ao que eles viviam.
— Gosto quando você canta. — voltou a erguer a cabeça, a olhando nos olhos — Sua voz é bonita.
Ela sorriu em resposta e continuaram movimentando-se lentamente.
ergueu um pouco mais a cabeça, ficando a centímetros de distância de seus lábios. Tão próximos que a ponta dos narizes se roçavam.
esperou que ela acabasse com a distância entre eles, mas a garota apenas encostou seus lábios, suavemente. O que já fora suficiente para explodir um milhão de sensações em seu peito.
No momento em que ele a puxou pela nuca, eliminando a distância, a música acabou. pareceu despertar e apoiou as mãos em seu peitoral, afastando-se um pouco, mas não por completo.
— Desculpa — disse em sussurro. Seus lábios ainda se encostaram um pouco enquanto ela falava.
Ele apenas apoiou as duas mãos em seu rosto, depositando um beijo carinhoso e demorado sobre sua testa.
Não precisavam dizer mais nada.
Já era tarde e o luau permanecia a todo vapor.
estava sentada em um canto mais afastado, apenas observando as pessoas ao seu redor.
Mais precisamente, observando .
Ele parecia estar entretido conversando com uma garota que fazia questão de tocá-lo no braço enquanto falava.
Ela revirou olhos, tentando ignorar o incômodo que sentira com a cena. Pensou em chamar Alec para voltar pra casa, mas não queria estragar o clima entre ele e Maya.
Decidiu, então, ir embora sozinha. A essa altura, sua avó já deveria estar preocupada, enquanto seus amigos estavam ocupados demais para sentirem sua falta.
Perdeu-se em seus próprios pensamentos enquanto caminhava pelas ruas desertas. O arrependimento martelava em sua cabeça. Não deveria ter se afastado. Por Deus! Como conseguia ser tão burra?
Bufou, soltando o ar que estava preso em seus pulmões. A brisa um tanto gélida que bagunçava seus cabelos conseguiu acalmá-la um pouco.
Estava quase chegando em frente ao portão da casa, quando sentiu alguém a puxar pelo braço. Sua primeira reação fora fechar as mãos em punho, tentando atingir um soco em quem quer que fosse.
— Cuidado aí. — conseguiu segurar firmemente a mão da garota antes que fosse de encontro com sua face.
fechou os olhos por alguns segundos e respirou fundo, tentando controlar as batidas de seu coração que haviam acelerado devido ao susto.
— Você é louco? — Elevou o tom de voz. — Não faz isso!
Ele não conseguiu conter o riso e recebera um tapinha. e sua mania de bater nos outros.
— Por que veio embora sozinha? — perguntou a encarando.
— Estava cansada. — Deu de ombros. — Alec estava com a Maya e você parecia estar ocupado demais conversando com sua mais nova amiga.
arqueou uma das sobrancelhas e quando a viu desviar os olhos para qualquer outro canto, entendeu o que estava acontecendo.
— Ciúmes? — Ele sorriu. desviou a atenção para as suas próprias unhas, ignorando-o. — Ok, entendi.
Ela não gostava de bancar a amiga ciumenta. Mas, ultimamente, estava confusa em relação a tudo.
— É. Talvez eu esteja com ciúmes, sim — disse, cruzando os braços.
riu fraco, negando com a cabeça.
— Boba! — respondeu, ainda com um sorriso formado em seu rosto.
Aos poucos seu semblante tornou-se sério. Ele a puxou levemente pelo braço e juntou seus corpos, encarando-a de uma maneira intensa. Era como se aquele olhar pudesse transmitir tudo o que ainda não fora dito em voz alta.
Aproximou seus rostos e fechou olhos, apenas esperando que viria a seguir.
— Vai se afastar agora? — perguntou em um tom baixo.
A garota voltou a olhá-lo, negando com a cabeça.
— Eu não quero.
Foi tudo o que dissera antes que ele acabasse de vez com a distância.
Beijaram-se de forma intensa, mas sem muita urgência. inclinou a cabeça para um dos lados enquanto ele a segurava pela nuca.
Uma sensação completamente única. A sincronia intercalava-se em momentos exorbitantes e calmos. O gosto doce da mistura de seus lábios, cada toque proporcionava uma explosão de sensações diferentes em cada um.
Céus! Quanto tempo desperdiçado alimentando apenas medo e insegurança naquilo que sempre fora recíproco.
suspirou após um tempo, permitindo que o beijo perdesse a velocidade. Os pulmões já começavam a dar sinais pela falta de ar. não deixou que ela se afastasse, depositando mais alguns selinhos carinhosos em seus lábios. Ela sorriu.
Ele tinha razão. Era mesmo uma boba, definitivamente.
— Preciso entrar — disse baixinho, ainda próxima ao seu rosto.
— Tá... — Ele concordou com a cabeça.
— Vai me soltar ou não? — ela perguntou, só então percebeu que ainda a segurava.
— Está solta. — Ele ergueu as mãos e garota riu fraco.
Caminhou até a entrada da casa e antes de abrir a porta, virou-se para ele novamente.
— Boa noite, surfista.
Ele sorriu, escondendo as mãos no bolso do short.
— Boa noite, Colb.
Ainda ficou alguns segundos parado encarando a porta fechada após vê-la entrar. O quão clichê seria se disse que seu coração estava a ponto de sair pela boca a qualquer momento?
4 anos atrás.
Banzai Pipeline — Oahu, Hawaii — Dezembro de 2014.
A praia estava lotada. Era a última etapa do campeonato mundial.
sentia seu coração palpitar cada vez mais rápido a medida em que passava pela aglomeração de pessoas a procura de um lugar para que pudesse ver melhor o que estava acontecendo.
Nada havia conspirado para que chegasse ali no horário certo. Fora difícil convencer seu pai a lhe dar uma folga para viajar pro Hawaii com tantas pendências a serem resolvidas na empresa, além de quase ter pedido o voo.
A competição já estava encerrada, e a garota paralisou ao enxergar no lugar mais alto do pódio, segurando o enorme troféu da Word Surf League.
Foi como se tudo ao redor estivesse congelado e ouvisse apenas a gritaria de fundo quando seus olhos se encontraram. Era uma mistura de saudade e emoção. Fazia quase um ano desde a última vez que se viram.
sentiu os olhos marejarem ao vê-lo tão feliz. Por Deus! Ele merecia tanto aquilo.
Não conseguiu mais conter as lágrimas ao ver Charles, que chorava compulsivamente sentado em sua cadeira de rodas, em um canto mais afastado.
Ela cobriu os lábios com as mãos e voltou a encarar .
Só queria abraçá-lo e dizer o quanto estava orgulhosa. O quanto sentira sua falta. O quanto o amava e, acima de tudo, o quanto era apaixonada por ele. Sempre fora.
A cerimônia de premiação havia chegado ao fim, e após algumas entrevistas, desceu do pódio.
tentou se aproximar dele em meio toda aquela aglomeração de pessoas, mas parou de andar quando alguém havia conseguido chegar primeiro do que ela.
Uma garota o abraçou apertado e ele correspondeu. Afastaram-se apenas para juntar seus lábios, sendo alvo de flashs dos inúmeros fotógrafos presentes.
piscou algumas vezes, desnorteada.
, seu melhor amigo, era campeão mundial de surf. E não era ela a garota que estava ao seu lado.
Malibu, Califórnia — Dias atuais.
20 de Junho de 2018.
se revirou na cama, cobrindo o rosto com o travesseiro.
Ainda era cedo. Não entendia a capacidade que seu corpo tinha de acordar mesmo quando podia dormir até mais tarde.
Desistiu de tentar pegar no sono, esticando o braço para pegar o celular na cabeceira da cama. Rolou o dedo pelas conversas do whatsapp, respondendo algumas e ignorando outras. Continuou descendo a tela até as conversas mais antigas e parou quando a foto de chamou sua atenção, clicando para abrir a conversa.
Ele estava em Los Angeles participando de alguns programas de TV, e voltaria ainda hoje. A última coisa que tinha ali era as mensagens que trocaram combinando de se encontrar na praia, no fim da tarde.
ainda sentia seu coração quentinho quando se lembrava do beijo. Estava completamente apaixonada. Mais do que já estava antes.
O sorriso bobo que surgira em seus lábios se desfez ao ver uma nova notificação no celular. Mensagem de seu pai.
Posso saber que merda é essa?
Era o que estava escrito, junto de algumas imagens anexadas.
não entendeu de início, mas arregalou levemente os olhos ao analisar melhor.
Havia sido fotografada junto a . As imagens eram, na verdade, print da publicação de um site de fofocas.
está namorando?
Pelo menos é o que parece! O surfista está aproveitando o período de férias em Malibu antes de voltar à ativa nas competições, e fora visto frequentemente ao lado de uma garota.
Fontes próximas afirmam que os dois são bem amigos, mas ao ser questionado em uma entrevista, o rapaz apenas respondeu “É alguém especial”, tentando desviar das outras perguntas que o entrevistador fazia referente a garota.
E aí, será que o campeão mundial finalmente se entregou a um relacionamento? Se este for o caso, esperamos que ele seja feliz.
Olha só que fofinhos, a girl também surfa.
passou os olhos pelas imagens tiradas por paparazzis, obviamente.
Algumas eram dos dois carregando as pranchas até o mar, outra deles sorrindo junto a Alec e Maya, e a última uma foto borrada do quase beijo que deram no luau.
Estava em choque.
O contato de seu pai começou a piscar na tela e barulho do telefone indicando a ligação fez com que ela se sentasse.
— Bom dia, pai. — Atendeu normalmente.
— Viu a mensagem que te mandei? — ele perguntou. O tom de voz era seco, como sempre.
— Não faço ideia de onde esse site conseguiu essa informação — respondeu sincera. — Eu e somos melhores amigos, você sabe que a mídia ama aumentar as coisas.
O homem riu fraco do outro lado da linha.
— As fotos mostram o contrário.
podia imaginar seu semblante fechado enquanto andava pra lá e pra cá apertando o aparelho contra o ouvido.
— É pra isso que você foi viajar, né? — Ele voltou a falar. — Pra ficar de romancinho com um babaca de um surfista, sendo que tem um milhão de coisas pra resolver na porcaria dessa empresa! — Elevou o tom de voz.
— Claro que não, pai. Pelo amor de Deus! Você conheceu o . Prefere acreditar em um site qualquer ao invés do que eu te digo? — A garota também se alterou.
— Que se dane, agora a merda já está feita. — Ele bufou. — Você, a futura dona da corporação, está estampada em sites de fofocas. Qual é a imagem que nossos colaboradores terão de você? Sua irresponsável!
respirou fundo, tentando ignorar a vontade de desligar o telefone e o deixar falando sozinho. Até então, não tinha achado nada demais nas fotos, mas seu pai adorava fazer tempestade em copo d’água.
— Desculpa — disse em um tom baixo.
— Já estou providenciando passagens de volta para Nova York — o homem respondeu. A garota piscou algumas vezes, não acreditando no que acabara de ouvir — Quero você aqui o quanto antes!
estava deitado em cima de sua camiseta sobre a areia, com as mãos atrás da cabeça.
O som das ondas se quebrando, junto ao toque suave do Ukulele que tocava sua música favorita — Upside Down, do Jack Johnson — o deixavam encantado e completamente alegre.
Uma flor amarela estava presa atrás de sua orelha, e ela estava concentrada em dedilhar as notas no pequeno instrumento.
— I don't want this feeling to go away... — Cantou, lançando um sorriso em sua direção. Ele correspondeu.
— Please, don’t go away... — Se arriscou, cantando junto com ela.
A garota riu, achando fofinho.
Tocou as últimas notas antes de finalizar a música e deixar o instrumento de lado.
Aproximou-se do amigo e deitou ao seu lado, encostando a cabeça em seu peito. Ele envolveu sua cintura e ela se aninhou melhor em seus braços.
O pôr-do-sol alaranjado estava escondido atrás do imenso mar, quase oculto por completo.
— Sinto muito pelas fotos. — quebrou o silêncio. — Posso tentar tirar a matéria do ar, sei lá — disse sem jeito.
Não sabia o que a garota havia achado a respeito, mas realmente não gostava quando pessoas próximas a si eram expostas. Essa era a pior parte de estar ligado ao mundo da fama.
apenas ergueu um pouco o rosto e juntou seus lábios, em um selinho demorado, surpreendendo-se com a própria atitude.
— Está tudo bem — disse baixo, após se separarem.
Na verdade, não estava nada bem.
Amanhã mesmo estaria embarcando de volta para Nova York, retornando a realidade medíocre da qual não se orgulhava em viver.
— Vou embora amanhã — voltou a dizer, desviando os olhos para qualquer outro canto da praia. Não tinha coragem para encará-lo.
— O que? — juntou as sobrancelhas. — Vai voltar pra Nova York?
— Surgiram alguns compromissos de emergência na empresa. — A garota ergueu o corpo. — Meu pai me ligou hoje cedo e disse que precisa de mim. As passagens já estão compradas.
Optou por omitir a verdade. Sabia que se não fosse pelas fotos vazadas teriam um tempo maior juntos, até que se cumprisse o período de 30 dias, mas não queria causar mais conflitos.
— E, claro, você vai obedecê-lo. — riu, amargamente.
— Como? — estreitou os olhos.
— Me diz, é isso mesmo que você quer? — Ergueu o corpo também, a encarando nos olhos. — Me diz se o que você quer é voltar. Se o que você gosta é trabalhar na empresa da sua família e que nunca pensou em largar tudo pra ficar aqui. — Fez uma série de perguntas, ainda a encarando intensamente. — Só me diz, .
A garota prendeu a respiração por alguns segundos, sentindo-se tensa com o rumo em que a conversa estava seguindo.
— Não é bem assim que as coisas funcionam, — ela disse baixo. Seu olhar era um tanto perdido. — Existem algumas coisas que dependem de mim. Eu não posso simplesmente jogar tudo para o alto.
— O que depende de você? A coragem de dizer não? — O rapaz levantou-se, dando alguns passos pela areia. — Porra, ! Seu relacionamento com o seu pai é muito abusivo. Não consegue perceber o quanto isso — Ele apontou para praia — pertence a você? O quanto nós pertencemos um ao outro?
Ela sentia seu coração acelerar à medida que colocava pra fora tudo aquilo que já deveria ter dito a muito tempo. Tornou-se a ficar de pé, passando uma das mãos pelo rosto.
— Eu gostaria que fosse diferente. — Mordeu o lábio, na tentativa de impedir as lágrimas que começavam a se acumular no canto de seus olhos não caíssem. — Eu sinto muito, .
— É sempre assim. — Ele sorriu, triste. — Vivemos tudo baseado em probabilidades. Você chega no verão, mas tão rápido quanto vem, vai. E, mais uma vez, o que restam são apenas as lembranças.
Era como se as palavras dele a perfurassem e rasgassem sua alma por dentro.
— Não preciso que você diga que gostaria de ficar, — ele continuou — Só queria ouvir de sua boca se eu sou o suficiente para fazer com que não queira ir embora.
Ela estava paralisada. Não teve reação.
Longos segundos se passaram sem obter alguma resposta da garota.
Na verdade, o silêncio é uma forma de resposta. E infelizmente, a mais dolorosa.
Isso basta.
Nova York, EUA.
30 de Junho de 2018.
O som dos saltos se chocando contra o piso enquanto andava pelos corredores do escritório era completamente irritante. acabara de sair da sala de reuniões, segurando uma pilha de pastas em seus braços. Sua cabeça estava uma pilha de nervos. Céus! Havia perdido tudo o que descansara em Malibu logo nos primeiros dias de volta a trabalho.
Entrou em sua sala e fechou a porta, jogando as pastas de qualquer jeito sobre a mesa. Sentou-se em sua cadeira acolchoada e tentou relaxar, encostando as costas no apoio e fechando os olhos por alguns segundos.
Sentia-se sufocada.
Como fora capaz de destruir a si mesma? Era a pergunta que pairava sobre sua cabeça, enquanto flashs de momentos desde a infância até os acontecimentos mais recentes invadiam sua memória. Quanto tempo perdido deixando que as pessoas tomassem decisões por ela? Quanto tempo sendo uma covarde, escondendo-se atrás de incertezas?
Era, acima de tudo, a responsável por sua própria infelicidade. Mas, por sorte, ainda havia tempo o suficiente para reverter a situação. Fora o que a motivou a procurar, entre a bagunça em sua mesa, algum papel em branco. Escreveu ali as primeiras coisas que vieram em sua cabeça, rabiscando sua assinatura no final.
Voltou a levantar-se e seguiu até a sala que tanto conhecia, apenas há alguns passos do mesmo corredor. Abriu a porta e deparou-se com o pai concentrado em algo na tela do computador. Aproximou-se de sua mesa e jogou ali, sem delicadeza alguma, o papel que acabara de escrever.
— O que é isso? — O homem arqueou uma das sobrancelhas, de uma forma que as marcas de expressão aparecessem em sua testa.
— Minha carta de demissão — respondeu, com um sorriso no rosto. — Acho que vai ter que procurar um outro alguém pra me substituir, papai. Sinto muito.
O homem arregalou levemente os olhos, e antes que pudesse falar alguma coisa, a filha já havia saído de sua sala.
Sentia-se radiante enquanto caminhava pelos corredores novamente em direção ao elevador. A primeira coisa que faria ao sair dali, seria juntar suas roupas em uma mala qualquer e comprar a primeira passagem de avião que encontrasse disponível. Desta vez, não para Malibu.
Jeffreys Bay — África do Sul
31 de Junho de 2018.
gostava de competir.Gostava de se desafiar quando o seu adversário era bom e gostava dos gritos da torcida que lotava a praia inteira.
Faltavam apenas alguns minutos para o fim da bateria. Estava sentado sobre sua prancha, esperando pela última onda. O havaiano John John Florence, seu adversário, não estava muito distante. A fase era eliminatória, ou seja, quem ganhasse, continuaria competindo até a etapa final.
Estreitou os olhos ao ver que uma onda grande se formaria ao fundo. Se apressou em começar a remar, ganhando vantagem sobre o outro rapaz.
Em meio à multidão de pessoas na areia, se exprimia, tentando chegar até a beira do mar. Pôde ver, mesmo de longe, o momento em que conseguira se equilibrar sobre a enorme onda. Cobriu os lábios com as mãos, sentindo os músculos tensos enquanto ouvia, ao fundo, a narração das manobras que ele fazia. Fechou os olhos antes que o narrador declarasse que a competição estava encerrada, com medo do resultado.
Foi então que a felicidade a atingiu em cheio ao ouvir a nota da última onda ser anunciada. Dez! estaria na fase final!
Voltou a abrir os olhos e gritou em comemoração. Estava transbordando de alegria. fora erguido por algumas pessoas quando se aproximou; o sorriso estampado em seu rosto era contagiante. Seus olhos se encontraram com os dela e foi como se tudo ao redor estivesse congelado.
Naquele momento, a garota teve a certeza de que eram como casas de papel, que permaneciam firmes mesmo em meio ao vendaval. E sempre permaneceriam.
Desta vez, não deixaria ninguém chegar primeiro e pegar o que pertence a ela.
Não mais.
Fim...
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