Capítulo 1
— , Jordan Foley pediu para você subir até o escritório dele. — meu secretário anunciou, assim que o deixei entrar.
— Agora? Pode verificar se é urgente, Mike? Estava indo treinar.
Ele fez uma careta, tentando demonstrar compaixão.
— Ele disse que o seu novo parceiro está esperando para te conhecer.
Soltei um gemido.
— Diga que estou subindo.
Mike assentiu e fechou a porta do meu escritório. Sem tempo para me desarmar e guardar todas as armas nos lugares apropriados, apertei o botão do elevador — sim, eu tinha um elevador na minha sala e ele tinha acesso aos andares da gerência e da presidência — e me preparei para ver meu chefe, Jordan Foley, toda montada pra guerra mesmo.
Eu trabalhava numa agência de combate ao crime no centro da Cidade de Nova Iorque. Quando a CIA não conseguia prender algum criminoso, nós éramos acionados; fornecíamos os melhores advogados do país e tínhamos várias sedes ao redor do mundo. Era algo bem elitista, porque nossos principais clientes eram celebridades, diplomatas, membros de famílias reais e, regularmente, prestávamos serviços ao governo. Era uma grande companhia, denominada AOL, ou, sem abreviações, Agents Of Law. Fica óbvio que o forte da empresa não era publicidade, devido ao nome sem criatividade, mas nunca havíamos falhado em nenhuma missão.
Eu atuava na área de crimes contra a pátria, ou seja, qualquer criminoso que o governo considerasse ameaçador aos Estados Unidos eu tinha o dever de encontrá-lo e prendê-lo. Quando aconteciam ataques terroristas e criminosos estrangeiros vinham para cá, eu e minha equipe éramos responsáveis por “defender a pátria”. É claro que esses serviços não eram divulgados na mídia devido à grande quantidade de dinheiro que ganhávamos e o fato de não pegar bem pro governo admitir que o sistema de segurança que eles tinham não era tão eficaz e a necessidade de precisarem de serviço terceirizado fosse real.
Eu trabalhava na AOL há cinco anos, desde que voltei da Inglaterra, após meu divórcio. Sempre tive minha equipe pronta, incluindo Mike, que começou como ajudante do entregador de correspondência — ele entregava documentos para as equipes na minha área — e hoje é meu secretário. Melanie sempre foi minha parceira na rua, porque eu não confiava em homem nenhum para me proteger quando as coisas ficassem feias, então minha única exigência ao começar a trabalhar foi uma parceira mulher. Melanie Reinald passou a se chamar A Melhor Coisa Que Já Me Aconteceu.
Eu e Melanie nos tornamos amigas, mesmo ela sendo bem mais nova que eu. Enquanto eu estava saindo de um divórcio, ela estava começando um namoro com um advogado. E o namoro deu super certo, porque ela se casou no ano passado e agora acabou de sair de licença maternidade para ter a filha — que por acaso vai ter o nome que eu escolhi, Rachel, em homenagem à nossa série favorita, que é Friends. Eu fiquei super feliz por Melanie e por Troye, é claro. Mas foi só ela sair que um grande caso caiu na minha mão: um mafioso cubano! Eu estava pronta para assumir o caso e chamar alguém da minha equipe pra me acompanhar, quando Jordan Foley me chamou em sua sala, há uma semana.
“— Queria me ver, Foley? — perguntei, me sentando na cadeira na frente da mesa do meu chefe.
— Ah, ! Acabei de arrumar o melhor caso do mundo para você.
Assenti, não querendo demonstrar felicidade. Eu sabia que era boa e que Foley me amava, mas, ainda assim, era ótimo saber que o seu trabalho era valorizado e reconhecido.
— Estou ouvindo. — respondi e arrumei minha postura.
— O que me diz de um mafioso cubano? — ele começou, usando um tom misterioso e teatral, que lhe era característico. Arqueou uma sobrancelha e abriu um sorriso malicioso — E um passeio totalmente pago à Vegas para prendê-lo em 15 dias?
— Por mim, pode comprar a passagem!
— Você nunca me decepciona, ! — Foley bateu na mesa com o sorriso maior que o do Gato de Alice. Tirou um envelope pardo de dentro de sua gaveta e o empurrou para mim — Aqui está tudo que precisa saber sobre o Che Guevara.
Arqueei as sobrancelhas.
— Foley, aqui está escrito ‘Juan Díaz”.
— Pra mim, todo cubano é Che Guevara.
Revirei os olhos, tentando fazer vista grossa à xenofobia de Foley. Ele era muito nacionalista e, na cabeça dele, os Estados Unidos era o único país realmente relevante.
— Daqui 15 dias, huh? — perguntei, tentando voltar a conversa ao caso.
— Sim. Um dos cúmplices do cubano fez uma reserva no Bellagio, com check-in dia 15 de julho. Coincidentemente, um dos clientes do Che Guevara também reservou um quarto, para passarem exatamente dois dias, sendo o check-in de ambos ao meio dia do dia 15 e check-out no dia 16, às 15h. Pode ser apenas coincidência, ?
— Coincidências não existem, Foley.
O sorriso orgulhoso dele me mostrou que eu estava pensando exatamente o que ele queria que eu pensasse.
— Exatamente. E é por isso que estou mandando você, minha melhor agente, para Nevada no dia 14. Quero que você acompanhe tudo, inclusive a chegada do cubano.
Assenti, olhando os papéis de Juan Díaz com rapidez, apenas para ver se algo se destacava.
— Vou levar Jennifer como parceira. Mel vai ficar chateada por perder isso...
— Não, . Eu vou escolher seu parceiro.
Levantei os olhos para Foley, tentando acompanhar o que ele dizia sem mandá-lo pra famosa puta que pariu.
— Como?
— Eu não vou arriscar dois agentes aqui, . Querendo ou não, essa é uma missão perigosa. Juan Díaz está na mira do governo há bastante tempo e o fato de ele ser cubano apenas aumentou o interesse. Ele precisa ser capturado vivo e você precisa se aproximar para colocar um par de algemas nele. Não consigo ver ninguém mais qualificada que você para fazer isso, mas seu potencial não diminui o perigo.
— E o que isso quer dizer? Não estou dizendo que vou sozinha, porra! Estou dizendo que vou levar Jennifer, que é tão boa quanto Melanie! As duas já foram comigo em várias missões, porque somos as melhores daqui e você sabe disso!
— Exatamente. Vocês são as melhores. Isso quer dizer que, se eu perder alguém, vou perder uma das minhas melhores. Não quero perder ninguém aqui. Vou contratar alguém de fora. Um dos melhores de alguma filial fora do país. Não vou perder ninguém.
— E você não confia em mim o suficiente para garantir que vou voltar inteira?
— É claro que confio em você. Conheço seu trabalho em campo, . Sei que, quando a coisa fica feia e você precisa escolher entre você e seu parceiro, a escolha é sempre você. Você não tenta bancar a heroína, simplesmente se salva se precisa. Muitos consideram isso egoísmo, já eu vejo como sua melhor qualidade! É importante escolher a si mesmo em qualquer situação. Suas colegas de equipe não são assim. Elas tentam salvar o outro e podem acabar se ferindo aqui.
— E qual o propósito, Foley? Não estou acompanhando.
— Quando as coisas ficarem feias em Vegas, você vai ter alguém que te proteja, mais o seu próprio talento em se proteger. Eu tenho certeza que não te perderei e não perderei ninguém importante para minha empresa. Perderei um qualquer, que não me faz diferença. Estou procurando nos arquivos internacionais da AOL. Talvez um australiano, quem sabe? Mas não vou perder nenhum dos meus.
Ótimo. Agora Foley queria me proteger e usava sua xenofobia para isso? Eu queria pular naquela mesa e estrangulá-lo.
— Eu não trabalho com homens. — avisei.
— Você é subordinada a um. — ele me lembrou — Não está no poder de escolher nada aqui. Avisarei Mike quando seu parceiro for escolhido.
Levantei da cadeira com um salto, quase derrubando aquela porra no chão. O envelope estava apertado em minhas mãos, amassado onde eu o segurava, tamanha era minha raiva. O sangue fervia sob as minhas veias e eu queria tanto ter o poder de simplesmente mandá-lo pra casa do caralho, mas eu não podia largar tudo, perder o emprego e usar meus talentos para virar assassina de aluguel. Eu ainda precisava daquela merda.
Respirei fundo e apertei o botão do elevador, que se abriu logo. Eu não podia deixar que Foley tivesse a última palavra.
Ainda de costas, virei a cabeça levemente para que minha voz o alcançasse.
— Foley?
— Sim?
— Che Guevara não era cubano. Era argentino. Ele só revolucionou Cuba ao tirar o país da exploração estadunidense.
A porta do elevador se fechou, deixando Jordan Foley com a melhor cara de idiota que eu poderia ver.”.
Isso é tão típicos dos homens! Tentar usar poder para subordinar uma mulher. Ainda pequena, aprendi que o melhor jeito de fazê-los calar a boca é mostrar quem sabe mais. “Sempre seja a pessoa mais esperta do cômodo”, dizia minha mãe.
Respirei fundo pela milésima vez, querendo que o elevador subisse mais devagar. Quando as portas se abriram, encontrei Foley sentado à sua mesa e meu novo “parceiro”. Só o fato de ver aquela figura de ombros largos cobertos por um terno cinza já me dava ódio. Eu tinha deixado claro meu ponto: eu só fazia parceria com mulheres.
Assim que pisei na sala, os dois se viraram para mim.
De repente, meu mundo parou de girar.
Não, não foi porque o homem sentado na frente de Foley era maravilhoso de lindo nem nada disso. Eu estava pouco me fodendo para a aparência dele. Mas eu o conhecia. Meu corpo inteiro estava arrepiado e não de um modo bom. Senti uma dor horrível no estômago e uma tontura que estava escurecendo minha vista.
— , conheça seu novo parceiro, .
parecia estar um pouco menos abalado do que eu, como se já soubesse que eu seria sua nova parceira, mas ainda não acreditasse que estávamos dividindo o mesmo quarto.
Não sei quanto tempo passou enquanto minha mente me forçava a lembrar de todos os momentos que passei com ele e de todas as lágrimas que desperdicei com ele.
Nós dois parecíamos estar em transe, mas acordou primeiro. Estendeu a mão para mim.
— Agente .
Eu apertei sua mão e tentei conter a vontade de gritar.
— Agente... Espera. Você ainda tem “” no nome?!
Meu ex marido me deu o sorriso que costumava me dar e fazer meu mundo todo cair.
— Era muita burocracia pra tirar. Sem contar que precisaria renovar todos os meus documentos... Achei mais conveniente manter.
— Seu imbecil! Não pode manter o meu nome!
— Fico feliz que já estejam se dando bem. — interveio Foley, vendo que eu já tinha colocado a mão na cintura, onde havia uma pistola pendurada.
— Eu não acredito que você fez isso. — rosnei para o meu chefe, considerando seriamente pedir a conta.
— Não é tão ruim assim, . Vocês já se conhecem, será bem mais fácil em Vegas. E é um dos melhores agentes na sede de Londres.
— Precisamos conversar. — murmurei para Foley, ignorando totalmente a presença de .
— Não temos nada para conversar, . Vá para casa e faça suas malas. Um carro da empresa irá passar no seu apartamento exatamente às 15h de hoje. Vocês pegarão o vôo das 17h.
assentiu e, sem questionar, seguiu para o elevador de serviço, se retirando da sala. Obviamente, ele não saiu sem antes me alfinetar:
— Nos vemos de noite, senhorita .
Ao ficarmos sozinhos na sala, eu não tive coragem de falar com Foley. Apenas entrei no meu elevador e fiz uma pequena parada na minha sala, dispensando toda minha equipe antes de ir embora. Se eu não iria trabalhar, eles também não iriam.
Entrei no meu carro e dirigi como uma louca pelo trânsito horrível de Nova Iorque até chegar no meu apartamento, onde corri para o banheiro e abri o registro de água quente, deixando minha banheira encher enquanto eu comia alguma porcaria.
Depois de refletir por alguns segundos, cheguei à conclusão que já estava na minha cabeça desde que vi na sala de Foley: eu ainda não estava pronta para vê-lo.
Cinco anos atrás, quando eu peguei o primeiro vôo para fora da Inglaterra, eu não imaginava que me sentiria tão mal e tão sozinha. Eu e tínhamos tido uma briga horrível — a última de muitas que estávamos tendo naquele ano — e eu resolvi que já estava na hora de ir embora. Já estávamos juntos há 12 anos, casados há 10 e eu precisava me sentir livre. É difícil admitir que o casamento que você cultiva desde os 18 anos acabou, mas eu fiz isso. Ele me mandou sumir de sua vida e eu disse que iria mesmo. Depois, nossos advogados resolveram todos os problemas do divórcio e eu nem precisei vê-lo.
E agora ele aparecia do nada na minha frente, dizendo ser meu parceiro e ainda não ter tirado meu sobrenome?!
Quando nos casamos, eu lhe disse que não queria tirar o nome , que minha mãe me deu e queria que ele fosse passado para nossos futuros filhos. concordou com isso e pediu para ficar com o meu nome, se eu fosse ficar com ele. E assim nos tornamos a família .
Entrei na banheira e joguei os sais de banho mais perfumado que eu tinha. Precisava esquecer do perfume dele que parecia ter grudado no meu nariz desde que apertei sua mão na sala de Foley.
Por que casamentos acabam? Quando não há traição nem nada do tipo, por que acabam? O amor acaba e as pessoas se separam? Por que eu não lutei por e ele não lutou por mim? Estávamos tão apaixonados aos 18 anos que casamos sem hesitar. Dez anos depois, não suportávamos olhar na cara um do outro? Onde havíamos errado?
E não é como se eu tivesse parado de pesquisar sobre ele. Como uma idiota patética e ciumenta, eu havia observado sua vida pelo Facebook, mesmo que ele não postasse muita coisa. Resolvi que estava na hora de renovar minhas informações sobre ele e peguei meu celular, pronta para saber o que andava aprontando nesses últimos anos.
Me sentindo uma adolescente virgem de 13 anos, digitei o nome dele na busca do Facebook. O perfil dele foi o primeiro a aparecer, porque ainda tínhamos alguns amigos do colégio em comum. Me afundei um pouco mais na banheira, querendo que a água quentinha fizesse eu me sentir melhor. Cliquei em sua foto de perfil.
Como eu já tinha notado quando nos encontramos, ele não havia mudado nada. Mantinha o mesmo corte de cabelo e a barba continuava inexistente, já que ele raspava sempre que começava a nascer — o que havia sido um pedido meu, pois eu tinha alergia de sua barba e toda vez que ele ia me beijar, eu ficava toda vermelha e coçando. Não achei que ele fosse manter a barba feita mesmo depois do divórcio. Não havia nada de interessante em seu perfil, ele não era do tipo que compartilhava nada. Encontrei uma foto dele com sua sobrinha Felicity, que estava com dez anos agora. Arregalei os olhos ao ver o tamanho da menina e meu coração se apertou ao ler a legenda da foto:
Levando minha pequena para um encontro!
sempre adorara crianças, enquanto eu morria de medo delas. Esse era um dos motivos recorrentes de nossas brigas: ele queria um filho e eu não queria ser mãe. Só de pensar que uma pessoa poderia sair de dentro de mim, já me dava náuseas. Era fácil para ele gritar que queria um filho! Ele não ia precisar parir ninguém.
Enquanto nós não tínhamos os nossos, nos divertíamos com os sobrinhos e primos mais novos dele. Sua família era enorme — ele tinha três irmãos — e a quantidade de tios que ele tinha era ainda maior, o que resultava em vários primos para ele se divertir. Eu concordo que amava levar as crianças para passear no shopping ou no cinema, mas a ideia do parto me assustava. não podia entender isso, então brigávamos.
Continuei descendo no feed dele, procurando algo que fosse interessante. Por causa da quantidade de amigos que tínhamos em comum, era como se eu o tivesse como amigo também: tinha acesso à tudo.
Parei em uma foto que eu preferia não ter visto. estava abraçado com uma mulher, que parecia ter a nossa idade. Era loira e gostosa, com o corpo de academia esculpido e o cabelo bem hidratado. Quase não tinha maquiagem no rosto e sorria ao lado do homem que já fora meu. E o pior: ele também sorria.
Quem é essa piranha?!
Segundos depois de ter esse pensamento, me belisquei. Novamente, esqueci uma das regras da minha mãe: jamais ofenda outra mulher por causa de homem. Com a influência machista que eu recebia por todos os lados, às vezes era difícil me ater às regras da minha mãe, mas eu não a decepcionaria.
Reformulei minha frase:
Quem é essa mulher que está com esse imbecil que eu chamo de ex?
Me senti bem melhor ofendendo .
O nome dela era Emily Duncan. Ela que tinha postado a tal foto, o que me era bem normal. dificilmente postava fotos, principalmente as que demonstravam afeto. Ele odiava esse tipo de exibicionismo.
Fora postada no começo do ano, em fevereiro. Procurei por mais fotos dos dois, mas não havia nada.
Era normal eu me sentir mal com aquilo, certo? Nós fomos casados por 10 anos e ele fora o único homem que eu verdadeiramente amei, então era normal eu me sentir possessiva.
É, eu podia conviver com aquilo.
Deixei o celular de lado e tentei relaxar. Ficaria no mínimo 5h30min sentada ao lado de dentro de um avião. Precisava me preparar psicologicamente.
***
Saí da banheira e me arrumei do melhor jeito possível. Não queria parecer que estava tentando impressioná-lo, mas eu estava. Ainda mais agora que eu havia visto que ele estava — possivelmente — com outra mulher, eu queria que ele me olhasse e se sentisse um lixo por ter me deixado ir.
Estávamos em julho, então era calor. Peguei um cropped preto e quase o coloquei, mas então me lembrei que passaríamos quase seis horas sentados e a probabilidade de aparecer alguma gordura indesejada era grande, então coloquei o cropped na mala — afinal, era uma peça linda que eu podia usar para mostrar para o que ele havia perdido durante a viagem. Estávamos indo para um dos hotéis mais luxuosos de Vegas, então escolhi minhas melhores roupas para levar, incluindo um vestido vermelho maravilhoso de veludo que era caído nos ombros e deixava meu colo exposto. Quando eu usava aquilo, me sentia mais sexy que a própria Jessica Rabbit! E sempre dissera que o que eu tinha de mais sexy era minha confiança.
Bom, ele estava prestes a ver uma super confiante.
Me sentindo idiota, coloquei minhas melhores peças de lingerie na mala. Quer dizer, é como diz o ditado: quem sabe?
Coloquei meu jeans de lavagem escura mais apertado e um salto preto. Então, fucei no meu guarda-roupa até encontrar a minha “regata de piranha”, como Melanie a chamava. Ela era colada e preta, feita de um material fino e com bojos embutidos, o que me livrava da tarefa horrível de usar sutiã. As alças eram finas e, por causa do bojo, meus peitos praticamente saltavam da blusa.
Era perfeito. Eu me sentia bem, sexy, não estava calor, então eu estava de acordo com o clima, mas não estava largada para entrar no avião e desembarcar em Vegas parecendo uma mendiga, nem arrumada demais como se eu fosse apresentar o Oscar. Meu cabelo caía solto pelas minhas costas, porque era outra coisa que adorava.
O perfume Chanel nº5 estava me encarando e me implorando para usá-lo. Eu não costumava a passar perfume, mas dessa vez eu senti que era preciso. havia me dado meu primeiro Chanel nº5, quando fizemos cinco anos de casado, em um cruzeiro no Caribe. Depois disso, eu comecei a usar o perfume quando saíamos juntos para algo especial. Comprei o perfume quando voltei para os Estados Unidos, só para ter na estante. Fiquei dizendo para mim mesma que não era para lembrar dele, mas quem eu queria enganar?
Passei o perfume suavemente, tentando não exagerar na dose.
Terminei de fazer minha mala e fiquei pronta meia hora mais cedo. Aproveitei para ler as instruções que Foley havia me mandado por email. Eu e estaríamos disfarçados, fingindo ser um casal em lua de mel, o que eu achei bem idiota. Vegas não era lugar para passar lua de mel, mas eu não fazia as regras. Nós tínhamos nomes e identidades falsas que ele nos entregaria no carro, no caminho pro aeroporto, junto com um roteiro básico de lugares para ir e todas as reservas que Juan Díaz tinha feito, além de todo o arquivo do mesmo.
Li e reli o arquivo o que pareceu um milhão de vezes, mas o ponteiro do relógio não parecia andar. Eu estava nervosa.
Fui até o bar que tinha em casa e me servi um copo de uísque — mania de . Tomei de uma vez, percebendo que eu já estava acostumada com aquela bebida e precisava de algo que realmente fosse capaz de me deixar bêbada.
Peguei a garrafa praticamente lacrada de absinto.
Eu não costumava a beber aquilo. Eu só havia comprado a bebida para deixar no meu bar, porque eu era colecionadora e qual colecionador de respeito não tem uma garrafa de absinto no bar?
Enchi o copinho de shot até a metade. Aquela merda era forte demais para eu tomar um shot normal e ainda me sentir bem para ir trabalhar.
Coloquei o líquido verde goela à baixo e fiz uma careta involuntária. Se alguém conseguisse beber aquilo e não fazer careta, eu juro que dava minha casa pra conhecer essa pessoa.
Consegui o efeito desejado assim que coloquei o copinho de volta no balcão. Meu corpo estava aquecido e eu me sentia mais calma. Pronta para encarar o que quer que fosse.
Apenas alguns segundos se passaram até que eu ouvisse o interfone tocando e o porteiro me avisando que havia um carro me esperando lá fora. Peguei minha mala e respirei fundo uma última vez antes de trancar a porta de casa. Eu estava prestes a encarar depois de cinco anos sem nem saber se ele estava vivo.
O dia em que eu deixei nosso apartamento em Londres ainda era claro como cristal na minha cabeça. Eu lembrava das lágrimas, dos gritos, das batidas de porta. “Você consegue pelo menos dizer que não me ama como me amava ontem?”, fora a frase que ele havia gritado antes que eu batesse a porta da frente e jurasse para mim mesma que nunca mais o veria.
Eu havia conhecido quando me mudei para a Inglaterra com a minha mãe, depois que ela se separou do meu pai abusivo, quando eu tinha apenas 16 anos. Ela era inglesa e meu pai americano e eu havia nascido nos Estados Unidos, como ele, mas depois que me casei com , nem a minha nacionalidade era a mesma que a dele. Eu o odiava com todas as minhas forças e não ouvia falar dele desde que minha mãe morreu, quando eu tinha 20 anos. Ele teve a coragem de ir até o enterro dela, onde eu o expulsei aos berros, com me segurando para que eu não batesse nele.
Eu e nos casamos cedo; tínhamos apenas 18. Éramos impulsivos e nos casar parecia tão certo que eu não pude evitar dizer “sim” quando ele me levou para a praia e me pediu em casamento cantando Your Body Is A Wonderland. Estava um pouco frio e nós nos abraçamos a tarde toda, trocando beijos e palavras carinhosas, que não nos era comum.
Balançando a cabeça, afastei as memórias para longe. Eu não podia ficar lembrando da melhor época da minha vida assim; logo, eu me lembraria dos motivos que nos afastaram e me lembraria do quanto eu era fodida da cabeça.
Fiz um “tchauzinho” para John, o porteiro, ao passar por ele.
— Vai viajar, senhorita ? — ele perguntou, apontando para minha mala.
— Só pelo final de semana, Johnny. — respondi, com um sorriso simpático.
— Espero que aproveitem!
Franzi o cenho, estranhando a sua conjugação. Nós?
Ao me virar para a porta que levava para fora do lobby, estava parado com o sorriso mais bonito que eu já tinha visto. Depois que nos casamos, eu consegui aprender a me controlar quando ele dava aquele sorriso, mas já fazia muito tempo desde a última vez que o vira.
Já fazia muito tempo.
E eu culpei aquele shot de absinto pelas batidas descompassadas que meu coração dava.
— Está pronta? — ele perguntou, me oferecendo a mão e se prontificando para carregar minha mala.
Por impulso, eu me afastei e coloquei minha mala o mais longe possível. Eu não precisava disso; era uma mulher independente e solteira, que podia muito bem carregar a própria bagagem.
— Estou. — respondi, seca, mudando totalmente de tom. Dei um último adeus à John e desci as escadas que davam para rua, onde uma limusine nos esperava.
O motorista colocou minha mala no bagageiro enquanto abria a porta para mim.
Eu estava quase entrando, quando ele segurou meu braço por um momento, só para sussurrar no meu ouvido:
— Você está linda.
Eu esperava que ele não tivesse visto o arrepio que tomou conta do meu corpo. Só para garantir, dei uma resposta grossa.
— Eu sempre estou.
E entrei na limusine, querendo dizer que ele também estava bem. Notei que seu corpo estava maior, mais definido. Quando ele me puxou para perto, notei que seu cheiro ainda era o mesmo.
E eu me odiei por ainda lembrar de um detalhe como esse.
No interior da limusine exageradamente luxuosa, estava meu chefe traidor, que havia me colocado naquela merda com . Não sorri para ele, apenas o cumprimentei de forma educada, sentando de frente para ele. sentou-se casualmente ao meu lado.
E o pior era que ele estava lindo, vestindo um jeans apertado e uma camiseta preta com um blazer por cima. Tentei não reparar, mas é impossível não olhar para o que está bem na sua frente.
— Imagino que vocês já tenham lido as instruções que eu enviei por email. — supôs Jordan. Eu e assentimos — Ótimo. Estou com alianças falsas aqui, junto com a documentação nova de vocês. Não se preocupem, no aeroporto, todas as pessoas que precisam saber sobre vocês, já estão cientes da missão e farão o possível para que vocês embarquem sem nenhum problema. Mantenham o disfarce, acima de qualquer coisa.
Foley nos deu mais instruções. Para resumir, nós seríamos o casal Woodsen, recém casados e loucos para comemorar e festejar em Las Vegas. Eu reclamei internamente e me perguntei qual tipo de casal ia passar a lua de mel em Vegas festejando, mas me lembrei que, a minha lua de mel não foi em Vegas, mas foi de festa também. Eu e tínhamos essa necessidade de estarmos sempre com um copo de bebida na mão e uma música pulsando nossos corações. Os pais dele diziam que era porque éramos muito novos, eu acreditava que era quem nós éramos.
Paramos na frente do JFK. Foley tirou a caixinha com as alianças do bolso e entregou na mão de , já que eu estava carregando a papelada. O motorista abriu a porta e eu saí, sentindo o vento aliviar a temperatura excessivamente quente do meu corpo. veio logo atrás e Foley se escondeu para não ser visto. Já estávamos no papel.
O motorista nos entregou nossas malas e agradecemos. Vimos a limusine se afastar, nos deixando sozinhos naquele aeroporto enorme e movimentado. Se a intenção de Foley era não chamar atenção, já tinha dado errado; não havia uma pessoa sequer que não havia nos olhado, reparando a limusine.
— E então, senhora Woodsen? Está pronta?
Assumindo um tom profissional, fiquei de frente para ele.
— Mas é claro, senhor Woodsen. Eu estou sempre pronta.
Um sorriso pequeno surgiu no canto de seus lábios, mas ele tentou disfarçar. Não que conseguisse esconder algo de mim: eu sabia tudo sobre ele, mesmo depois de todo esse tempo.
Ele pegou a caixinha no bolso do blazer e tirou as alianças falsas, pegando uma e pedindo minha mão com um gesto da cabeça. Um pouco hesitante, eu a ofereci.
deslizou a aliança dourada pelo meu dedo perfeitamente e me entregou a outra.
— Até que a morte nos separe. — murmurou, me entregando sua mão esquerda.
Coloquei o par em sua mão, olhando em seus olhos ao responder:
— Até que a morte nos separe.
E, com isso, nós éramos casados outra vez, mesmo que não passasse de um emprego.
***
Não foi difícil entrar no avião. Ninguém falou nada sobre nossos documentos e poderíamos realmente passar por um casal em lua de mel.
Isso é, se estivéssemos trocando mais do que o essencial de palavras.
A verdade era que eu não estava confortável. E daí que nós tínhamos nos separado há cinco anos? Não era recente ainda? Era muito cedo para voltarmos a agir como se nada tivesse acontecido, não era? Porém, se eu admitisse tudo isso, teria que admitir que não havia superado nossa separação.
E eu levaria um tiro antes de admitir que não havia superado.
Nos sentamos nas poltronas marcadas, eu na janela porque gostava de ver a vista céu do avião. sabia disso, então não questionou quando eu me sentei no lugar que deveria ser dele, de acordo com o cartão de embarque. O avião decolou e nós dois mantivemos o silêncio por mais ou menos uns vinte minutos depois disso.
E então, meu novo “marido” o quebrou:
— Olha, isso não vai funcionar assim.
Olhei para ele assustada, como se não soubesse do que falava.
— O que quer dizer?
— Que eu posso sentir a tensão saindo do seu corpo. — jogou, suspirando e apoiando a cabeça no encosto — Sei que não queria trabalhar comigo e que ainda está magoada com as coisas que aconteceram entre nós, mas...
— Não estou magoada. — cortei. Eu não estava mesmo — Só fiquei irritada por você ainda manter meu sobrenome. Eu tirei o seu.
— Na minuta do divórcio não falava nada sobre sobrenomes.
— Bom, eu achei que você ia tirar, de qualquer jeito!
— Shhh!
Eu ia dar um tapa na cara dele por me mandar calar a boca, mas a aeromoça parou ao nosso lado com um sorriso super falso e com tanta maquiagem que eu fiquei com medo de cair reboco sobre a roupa preta de .
— Senhor e senhora Woodsen, o capitão pediu para entregar essa garrafa de champanhe para vocês, como um presente de casamento. Felicidades!
— Obrigado. Eu e Tina estamos muito felizes com o casamento. — entrou no papel, pegando minha mão e beijando-a com um sorriso.
A aeromoça pareceu se derreter.
— Querem abrir o champanhe agora?
— Não, não. Ainda está muito cedo. Vamos esperar se aproximar de Las Vegas.
— Se precisarem de qualquer coisa, é só chamar.
— Claro, obrigado pela atenção. E agradeça ao capitão pelo champanhe.
Esperei a mulher se afastar para soltar minha mão.
— Isso não vai dar certo. — sussurrei, já que os outros passageiros nos olhavam com atenção agora — Estamos chamando muita atenção. Devíamos estar passando despercebidos e não recebendo champanhe do comandante.
— Você não entendeu a estratégia. Estamos nos passando por um casal de recém casados que só quer curtir a vida. Chamar a atenção de todo mundo. Nosso alvo e seus homens nunca desconfiariam de nós se parecêssemos só um casal idiota e apaixonado querendo chamar atenção em Vegas.
— É muito arriscado. Precisamos de outra estratégia.
— É perfeita. E podemos nos divertir enquanto isso.
— Não, ! Não vamos nos divertir enquanto estamos trabalhando!
Ele respirou fundo, parecendo irritado.
— Você costumava a gostar de se divertir comigo, . Costumávamos a ser o casal mais legal das festas.
— Exatamente. Costumávamos. Éramos. Nós estamos separados.
— Nós. Tina e Kyle Woodsen acabaram de se casar e querem curtir a vida, usando o dinheiro dos pais. Estamos interpretando papéis aqui.
E, de um segundo para outro, conseguiu mudar tudo.
— O que quer dizer? — perguntei, mas eu já estava entrando na onda dele. Não precisava de muito para me levar de volta aos nossos anos 2000, quando tudo era fácil e nós não tínhamos preocupações.
— Que podemos tirar férias de quem somos de verdade e podemos ser quem quisermos, pelo menos um pouco.
Fiquei em silêncio por alguns minutos, digerindo suas palavras.
— Sei que não terminamos da melhor forma possível, e eu me arrependo muito disso, . Mas temos a chance perfeita de fingir que isso nunca aconteceu.
— Podemos fingir que as coisas nunca ficaram difíceis. — continuei seu pensamento, totalmente envolvida.
sorriu e meu coração perdeu uma batida.
— Exatamente.
Ele chamou a aeromoça e pediu que abrisse o champanhe e nos trouxesse taças. Faríamos um brinde ali mesmo. Minutos depois, a taça já estava na minha mão, com uma igual na sua, enquanto a garrafa estava na mesinha à nossa frente, aberta.
— O que me diz, Tina Woodsen? Até que a morte nos separe?
Eu sorri abertamente dessa vez, ao ouvir aquela frase. Agora, o jogo era diferente e ele não estava usando aquilo para me prender. Estava pedindo para ser meu cúmplice.
E isso mudava tudo.
— Até que a morte nos separe, Kyle Woodsen.
Nós brindamos e entrelaçamos os braços para beber o champanhe.
— Sabe o que isso quer dizer? — perguntei, já me sentindo mais leve e sem culpa nenhuma.
— O quê?
— Nós estamos de volta.
riu e concordou comigo.
As horas que seguiram foram nós dois rindo alto, falando besteiras e recebendo xingamento dos outros passageiros por acabar com a paz. A garrafa de champanhe acabou e pedimos mais doses de álcool. Quando saímos do avião, estávamos bêbados e felizes.
Estava tudo bem.
***
— My baby don’t mess around because she loves me so and this I know for sure... (Minha gata não zoa por aí porque ela me ama e disso eu tenho certeza…). — gritou, cantando a música e apontando para mim, me fazendo rir.
Nós havíamos dançado aquela música tantas vezes em 2003 que eu não conseguia me lembrar de um final de sem ouvi-la. Havíamos nos casado em 2002, com apenas 18 anos — e eu nem estava grávida! Passamos a morar na casa da minha mãe, que faleceu dois anos depois por causa de um tumor no cérebro, que pegou todos nós de surpresa, pois assim que os médicos descobriram que ela estava doente, levou menos de uma semana para que ela tivesse uma morte cerebral. A casa ficou para mim e para , já que eu não tinha irmãos e nem tios por parte de mãe. Sempre ouvi coisas horríveis sobre morar com a mãe depois de se casar, mas eu e queríamos nos casar logo, não tínhamos paciência para fazer faculdade, trabalhar e, só depois de nos estabilizarmos financeiramente, nos casar. Minha mãe ofereceu um lugar e nós aceitamos, até porque não seria tão diferente de quando estávamos namorando; já praticamente morava conosco, de qualquer jeito.
Mas isso foi há quinze anos.
E, mesmo sendo há quinze anos, eu sentia que tínhamos acabado de casar outra vez, em uma boate dançando, bebendo e passando vergonha.
— Caralho, eu não ouvia essa música há anos! — ele comentou quando a música acabou, finalmente largando minha mão e limpando o suor da testa com a barra da camisa. Eu estava bêbada, então não me importei em checar o pedaço de pele que apareceu na minha frente.
Estávamos em uma boate próxima ao Bellagio. Havíamos visto o lugar quando a limusine passou em frente e ficamos interessados na placa que dizia “Flashback: Back To ‘00”. Estávamos dispostos a nos passar por Kyle e Tina e decidimos que eles amavam os anos 2000. Depois que deixamos nossas coisas no quarto do hotel — e eu não liguei para o fato de haver uma cama de casal no quarto — nós colocamos uma roupa mais confortável — eu coloquei um vestido curto — e pegamos uma limusine que estava à nossa disposição, graças à Foley, e fomos direto àquela boate. Foley queria que observássemos Juan Díaz chegar no hotel, mas o check-in dele era só no outro dia. Nós tínhamos aquela noite de folga.
Sexyback do Justin Timberlake começou a tocar e nós nos olhamos de modo cúmplice.
— O que me diz, Kyle? — provoquei-o, usando seu nome falso — Você acha que o mais novo casal Woodsen pode ser o casal propaganda de Sexyback?
riu e eu ainda amava o som de sua risada.
— Não. Só tem um casal que pode ser o casal propaganda de Sexyback.
Subitamente, ele puxou minha mão e me virou de costas, se acomodando atrás de mim. Uma de suas mãos pousou no meu quadril enquanto a outra estava na minha barriga, me obrigando a mover meu corpo todo no ritmo do dele.
E eu deixei que ele ditasse meus movimentos.
Normalmente, eu não era esse tipo de mulher; não deixava que homem nenhum me movesse. Sempre fui eu quem ditava as regras e eu nunca perdia o controle. Mas, com , eu não sentia que estava me deixando submeter. Era mais como se eu relaxasse e abaixasse o escudo que mantinha erguido ao meu redor.
Se fosse meu escudo, eu não precisaria erguer um por conta própria.
Joguei a cabeça para trás, apoiando-a em seu ombro, acompanhando as batidas da música enquanto nós dançávamos como fizéramos tantas vezes anos atrás.
— Parece que todos estão nos olhando. — comentei, parando para observar a pista de dança, onde estávamos no meio.
— E ninguém nem imagina que somos agentes disfarçados.
Eu ri.
— O que isso tem a ver?
— Bom, eu acho que tem algo de sexy em compartilhar um segredo com alguém. Todo mundo aqui acha que somos algo e só nós dois sabemos o que somos de verdade.
Ele estava sussurrando no meu ouvido e aquilo não estava fazendo nenhum bem para a minha mente nublada de álcool.
— Ou então só estão nos olhando porque estamos dançando bem demais.
Dessa vez, riu.
— O que acha de pegarmos alguma coisa para beber?
— Eu adoraria uma tequila. — respondi, já sentindo a deliciosa queimação da bebida na garganta.
— Vamos pegar uma água, primeiro. Ainda estamos trabalhando, senhora Woodsen.
Contra a minha vontade, me soltei dele — o que pareceu decepcioná-lo também.
— A senhora Woodsen acabou de se casar e vai beber até cair. Você não?
Ele concordou comigo e começou a andar em direção ao bar. A pista estava lotada e precisávamos pedir licença a cada passo para conseguir andar. Me surpreendendo, pegou minha mão e entrelaçou nossos dedos. O olhar que lhe dei deixou bem claro que eu não tinha entendido suas intenções e estava claramente pensando em me soltar.
— Assim a gente não se perde. Isso aqui está muito lotado. — ele gritou para que eu pudesse ouvir.
Aquela era uma péssima desculpa e nós dois sabíamos disso.
Mas era aceitável.
No bar, nos debruçamos no balcão e eu gritei pelo barman. Logo, uma menina loira com um uniforme extremamente decotado apareceu na nossa frente.
— O que vão querer? — ela perguntou, simpática.
— Duas doses da sua melhor tequila. — pedi.
A menina me analisou de cima a baixo. Seus olhos azuis esquadrinharam todo meu corpo e então fez o mesmo com . Então, um sorriso surgiu em seus lábios.
— Vocês querem copos ou pode ser um bodyshot?
Eu e nos olhamos e eu vi o divertimento no olhar dele.
— Nem pensar, ! — eu neguei, esquecendo de usar seu nome falso. Coisa que ele fez questão de corrigir em sua próxima fala.
— Tina, acabamos de nos casar. Vamos nos divertir um pouco!
— Vocês são recém-casados? — a loira perguntou, o sorriso ainda firme nos lábios. Ela havia se apoiado no balcão para ficar mais próxima de nós e seu decote estava no nosso campo de visão.
— Somos. — confirmou, já que eu estava um pouco perdida, ainda olhando para ela e tentando absorver um pouco de sua beleza.
— Então vocês podem levar a dose por conta da casa! — ofereceu, já correndo para pegar a tequila.
— , isso não vai acabar bem... — avisei. Eu o conhecia. Melhor ainda, eu me conhecia.
— Para de pensar um pouco, . E vamos combinar que, a partir de agora, eu não te chamo mais de e você não me chama mais de . Isso pode acabar com o nosso disfarce, ok?
Assenti. Ele estava certo. Eu precisava relaxar e continuar curtindo.
— E então? Não vão mesmo com o bodyshot? — a loira perguntou, com a garrafa na mão e sal e limão na outra. Reparei em seu pequeno crachá dourado onde se lia “Britney”.
— Vamos, sim. — afirmei enquanto pronunciou um audível “não”. Senti o peso de seu olhar me queimando, mas o ignorei — Qual é a graça dos copinhos?
— É o que eu sempre digo! — Britney concordou. Nos entregou a fatia de limão e o saquinho de sal — Qual de vocês dois vai beber primeiro?
Uma das minhas músicas favoritas de Britney Spears começou a tocar e foi impossível não ter ideias.
— Quantos anos você tem? — perguntei, sem me importar se essa era uma pergunta decente ou não. Nunca vi conceito mais machista do que esse! Em que porra de mundo é falta de educação perguntar a idade de uma mulher, cacete?
— 23. — ela respondeu, sem se importar — Pareço mais nova, mas juro que tenho idade para estar aqui servindo bebidas. — ela riu.
— Então por que você não nos serve?
Nós trocamos um olhar cúmplice por alguns segundos, enquanto ela se decidia se ia ou não aceitar minha proposta. estava ali do lado, mas era como se estivesse apenas assistindo a cena e vendo até onde eu iria.
— Não tem nada que eu não faria para um casal em lua de mel.
Nós duas sorrimos e ainda não tinha entendido nada.
Foi só quando Britney subiu no balcão e tirou a blusa preta de seu uniforme que ele entendeu. Bom, não só ele: todos que estavam por ali viram o que estava acontecendo e abriram espaço para Britney se deitar no balcão confortavelmente, gritando todo tipo de obscenidades que eu estava ignorando. As pessoas ao redor não estavam na cena; eu e Britney éramos as protagonistas, era o coadjuvante. Todos os outros eram apenas a plateia.
Coloquei o pedaço de limão na boca de Britney, enquanto o sal ficou na região abaixo dos seus seios — que estavam escondidos em um lindo sutiã preto, por sinal — e a tequila ficou na parte mais baixa de sua barriga, perto do umbigo, fazendo uma pequena poça.
— Tina, essa é uma péssima ideia.
finalmente tinha se manifestado. Virei para ele e notei seus olhos vidrados. Ele não estava ali, realmente. Sua cabeça estava viajando exatamente para onde a minha estava: lá em 2004, quando fizemos sexo à três com Hilary, uma loira que estava passando um tempo na Inglaterra para esquecer o ex. Não foi nem um pouco planejado e aconteceu exatamente como estava acontecendo agora: em uma boate e com uma garrafa de tequila envolvida.
— Fica tranquilo, Kyle. Você mesmo me disse para relaxar e curtir, certo? — devolvi, segurando meu cabelo enquanto me debruçava sobre Britney, ouvindo a multidão gritar ao nosso redor.
Lentamente, tomei a pequena quantidade de tequila em sua barriga, logo indo lamber o sal embaixo de seus seios. Depois, ainda olhando para , chupei o limão em sua boca, nem sentindo o gosto direito. Meus lábios estavam totalmente dormentes.
Os gritos da multidão que nos assistiam pediam mais, a música estava me embalando, mas o olhar perdido de desejo de foi o que me incentivou de verdade. Ele estava parado tão próximo que sua mão estava nas minhas costas, como se ele não aceitasse não me tocar; sua postura era autoritária, com se ele fosse algum deus grego e eu estivesse ali lhe dando um show particular. Quem olhasse de fora, acharia que ele tinha tudo sob controle, mas eu o conhecia bem o suficiente para saber que faltava muito pouco para “controle” simplesmente sumir de seu vocabulário. E tudo isso somado ao tesão de seus olhos... Eu não precisava de mais nenhum tipo de incentivo.
Tirei o limão da boca de Britney e a beijei. Esperei que ela hesitasse ou não retribuísse e, então, eu pararia. Voltaria a ter consciência do que estava fazendo e pararia de agir como uma louca.
Ela me beijou de volta.
Os gritos das pessoas que nos observavam passaram a ser só ruídos e eu me deixei levar pelo gosto de álcool que ela tinha. Minhas mãos estavam apoiadas ao lado de sua cabeça para me dar equilíbrio e as dela logo estavam segurando meu rosto, para evitar que eu fosse embora.
Era um beijo de provocação e meu objetivo não era provocar apenas . Era me provocar também. Queria esquecer aqueles malditos cinco anos que eu passei com ódio do mundo e agindo como uma megera só para fingir que não estava com o coração partido. Quando Britney enfiou a língua na minha boca, era como se o ano de 2012 nunca tivesse existido e eu nunca tivesse me divorciado.
Antes que eu pudesse me dar por satisfeita, puxou meus cabelos de leve, me obrigando a levantar. Eu e Britney nos soltamos e ambas olhamos para ele.
— Minha vez. — ele murmurou, pegando o limão que estava comigo e a garrafa de tequila.
Eu nunca fui do tipo ciumenta. Minha mãe havia me ensinado que não vale a pena competir com uma mulher por nada, principalmente por homem e isso havia ficado na minha cabeça. Então, eu sabendo que me queria, não me importei em vê-lo lamber a barriga de Britney. Ele podia me querer e querê-la ao mesmo tempo; eu também queria ambos.
Ele repetiu meus passos, exatamente do mesmo jeito. Beijou Britney do jeito que eu havia beijado, segundos antes, fazendo o calor subir por meu corpo. Há quanto tempo não me beijava daquele jeito?
Eles continuaram e eu não pude fazer nada além de observar, porque meus olhos não deixavam a cena, mesmo que eu quisesse. Assim que os dois precisaram de ar, se soltaram. Britney disse algo no ouvido de que o fez rir. Então, eles olharam para mim.
— Vem cá. — ela chamou, balançando a mão na minha direção.
Era isso mesmo? Ela estava me chamando para um beijo triplo, com ela e com . O que significava que eu a beijaria e, por consequência, beijaria também.
Eu não era nem louca de recusar.
Sorrindo para eles, me aproximei e me juntei à eles. Depois disso, eu só me lembro de nós três voltando ao Bellagio, totalmente bêbados e trocando mais beijos e carícias do que o recomendado.
***
Meu telefone estava tocando. Alto demais. Foi a primeira coisa que notei.
A segunda era a claridade. Tinha alguma fonte de luz perto dos meus olhos.
A terceira coisa — e a que me fez entrar em pânico — era que meus olhos estavam fechados, o que só podia significar que eu estava dormindo.
Acordei com um pulo.
Novas constatações começaram a tomar conta de mim.
Primeira: eu estava pelada.
Segunda: eu estava pelada em uma cama.
Terceira: eu estava pelada em uma cama com .
E foi essa terceira que me fez acordar totalmente. Me movi demais e não percebi que estava na beirada da cama, o que me fez cair no chão. Minha cabeça doeu em uma proporção extremamente absurda e de um jeito que nunca havia doído antes. Parei de focar na dor e foquei na náusea que a dor estava me causando, me dando uma tontura insuportável até ficar forte demais.
Eu ia vomitar.
Por instinto, corri até o banheiro do quarto. Eu não sabia o porquê de me lembrar onde era o banheiro, já que, quando chegamos, eu e saímos antes de explorar nossa suíte, mas aquilo era o último mistério que eu precisava resolver. Me debrucei no vaso sanitário e vomitei até sentir que meu estômago tinha ido junto.
Apoiei a cabeça no assento, me sentindo a cara da derrota.
Olhei para os lados, movendo a cabeça devagar. Não dava para correr o risco de fazer movimentos bruscos e voltar a vomitar.
O banheiro era enorme e havia uma hidromassagem ali. O lugar estava encharcado, provavelmente água que havia caído da banheira, já que ela estava cheia. Resolvi fazer uma inspeção melhor e encontrei a calcinha que eu havia usado na noite passada jogada no chão molhado.
Jesus.
Olhei meu reflexo no espelho do banheiro e era melhor do que eu imaginava. Quer dizer, não muito bom, porque meu corpo estava todo arroxeado com o que eu imaginei ser chupões. Havia também marcas de mordidas, só para piorar minha situação. Pelo menos, a maquiagem não estava escorrendo pelo meu rosto; eu devia ter limpado tudo no banho de banheira. Mas meu cabelo estava um belo de um lixo.
Notei um pequeno post it colado no espelho. Era um bilhete, escrito com uma letra cursiva bem desenhada.
“Vocês são o melhor casal que já conheci! Obrigada pela noite e espero que o casamento de vocês seja o mais feliz do mundo!
Com todo amor, Brit <3”
E aí algumas partes começaram a voltar. Eu me lembrava do bodyshot com Britney e de voltarmos todos juntos para o hotel. Do beijo triplo e de como eu tinha amado fazer aquilo. Só não me lembrava de como eu havia chegado à conclusão de que fazer sexo à três com o meu ex e uma bartender dez anos mais nova era uma boa ideia.
— Vodca. A culpa é da vodca.
estava parado na porta do banheiro, usando apenas uma cueca boxer. Seu corpo perfeito estava à mostra, mas meus olhos focavam apenas nos chupões que decoravam seu peitoral.
— Sai daqui, eu estou pelada! — reclamei, mas sem me importar de verdade. Estava mais preocupada com a merda que tínhamos feito na noite passada.
— Nada que eu já não tenha visto. — ele bufou — Eu acho que vou morrer.
Sabia exatamente de qual sensação ele falava.
Uma música chata estava tocando e eu percebi que era o meu celular. Era o motivo de eu ter acordado.
As coisas começaram a voltar rápido demais e eu me lembrei o motivo de estar em Vegas: estava trabalhando e precisava receber um mafioso cubano ao meio dia.
Puta merda.
Corri na direção do som, tentando encontrar o aparelho. Ele estava em cima da mesinha de centro da sala, junto com algumas outras coisas como um maço de cigarro, o relógio de e o bloquinho que Britney provavelmente usou para fazer o bilhete que estava no espelho do banheiro.
A cara do meu chefe estava brilhando na tela.
— Oi, Foley. — atendi, tentando soar casual, mas estava totalmente em pânico.
— Puta que pariu, ! Te liguei a manhã toda! Onde caralhos você estava?!
Sua voz alta doeu meus tímpanos e a sensação de enjôo começou a voltar.
— Deixei meu telefone no silencioso, para não atrapalhar. — respondi. Me parabenizei pela rapidez em que pensei na resposta.
— também não está atendendo. Estou me arrependendo em ter mandado vocês dois juntos nessa missão!
— Bom, eu disse que era uma má ideia...
— Não me teste, ! Enviei um email com novas informações para vocês. O maldito cubano vai estar em um clube de striptease hoje a noite, junto com o cliente. Provavelmente, farão a troca das drogas por dinheiro lá, já que não pode entrar com câmeras lá. Mandei tudo o que vocês precisam saber. E você conseguiu vê-lo chegando?
Ele falava rápido demais e eu não conseguia processar todas as informações.
— Vi sim. Está tudo sob controle.
— , tome cuidado. Não quero ter que demitir você. Espero total excelência nessa missão.
— Garanto que será cumprida, senhor.
— É o mínimo que eu espero.
E, sem me dar chance de responder, ele desligou.
Olhei a hora no telefone; 11h. Juan Díaz ainda não tinha chegado ao hotel, já que seu check-in estava marcado para o meio dia.
Enterrei a cabeça nas mãos, precisando de alguns segundos para respirar.
— Estamos fodidos?
Era . Ele estava atrás de mim e falava baixo, provavelmente se sentindo tão lixo quanto eu.
— É possível. — respondi.
— E o que fazemos agora?
— Precisamos descer o mais rápido possível e esperar o maldito chegar. Ele e o cliente vão chegar mais ou menos na mesma hora, então poderemos observar a cara deles de perto.
Ele assentiu.
— E sobre a noite passada...
— Não falaremos sobre isso. — cortei — Pelo menos não agora. Vamos nos arrumar e vamos cumprir essa parte da missão. Foley nos mandou um email com novas informações. Se der tudo certo, conseguiremos prender o cara ainda hoje.
— Tudo bem. Precisa de alguma coisa?
— Além da dignidade que eu perdi? Um remédio pra ressaca.
Um meio sorriso apareceu em seu rosto.
— Vou descer para comprar. Acho que não vamos conseguir prender ninguém com essa ressaca do cacete.
— Eu vou tomar um banho, enquanto isso.
Ele correu de volta para o quarto para vestir alguma roupa, enquanto eu corri para o banheiro molhado e entrei debaixo do chuveiro, deixando que a água fresca curasse um pouco do meu mal estar. Precisei vomitar mais duas vezes, correndo para o vaso como se ele fosse meu melhor amigo e jurei que nunca mais colocaria um gole de bebida alcoólica na boca. Depois, escovei os dentes com tanta força que me surpreendi por minhas gengivas não terem sangrado. Enrolei uma toalha no cabelo e coloquei um short e uma regata, parecendo casual. Eu estava prestes a ir atrás de um mafioso e não podia deixar que ninguém percebesse.
Coloquei de volta a aliança falsa. Eu a tirara para tomar banho, mas a recoloquei. O anel parecia estranho no meu dedo, mas ainda assim familiar. Era como uma música que eu costumava a ouvir mas não lembrava a letra; aos poucos, a melodia me deixava confortável.
Comecei a arrumar a bagunça, não querendo deixar tudo para a camareira. Minha mãe trabalhara de camareira de hotéis por muito tempo e ela sempre reclamava de como as pessoas podiam ser bagunceiras e eu não queria ser uma dessas pessoas. chegou quando eu tirava as fronhas dos travesseiros.
Ele me entregou um comprimido e uma garrafa de água já pela metade.
— Está calor pra caralho. — ele reclamou — Preciso de um banho.
— Vai logo, daqui a pouco precisamos descer. — apressei, logo tomando o comprimido.
Ouvi o barulho da água caindo e voltei a arrumar o quarto. Encontrei uma garrafa de vodca vazia embaixo da cama e esperava que aquilo não tivesse saído do frigobar, porque nossa conta ia direto para Foley e eu não sabia como iria explicar o motivo de estar bebendo no meio de uma missão importante.
Antes que eu terminasse de tirar toda a roupa de cama e jogar no meio da sala, saiu do banheiro com uma toalha enrolada perigosamente baixa na cintura.
— Você sabe onde está a minha aliança? — ele perguntou.
Eu era mesma uma idiota; tinha lambido aquele peitoral maravilhoso na noite passada e não me lembrava de nada.
— Não. — respondi — Não sei. Achei a minha na sala. Não vi a sua.
Ele fez um som de reclamação e voltou para o banheiro.
— , pega uma camiseta para mim, por favor?
Revirei os olhos e peguei sua mala, colocando-a em cima da cama para poder abrir.
— Você vai tomar banho e esquece de pegar sua roupa? — reclamei. Era exatamente como quando éramos casados.
— Acontece, ué.
Preferi não responder. Abri sua mala e encontrei uma bagunça horrível. Cada segundo que passava, eu apenas confirmava que não havia mudado nada. Comecei a jogar calças, cuecas e meias para os lados, procurando uma camiseta que fosse. No fundo da mala, encontrei uma. Estava sob um par de sapatos embalados em uma sacola de plástico e tive que puxar com um pouco de força, o que fez algumas coisas caírem com o impacto.
Bufei. Fui até o banheiro, onde ele já estava de bermuda e penteava o cabelo, joguei a camiseta em sua cara e mandei que desse uma limpada no banheiro.
— Mas e a camareira? — ele perguntou em um tom infantil.
— Ela não é sua empregada, bebê.
Ele fez careta, mas concordou.
Exatamente como quando éramos casados.
Afastei esse pensamento e voltei ao quarto para poder jogar suas tralhas de volta na sua mala. Joguei sapatos, roupas e documentos de qualquer jeito, deixando algo cair em meus pés.
A aliança!
Sorridente, me abaixei para pegar sua aliança falsa.
— , achei sua... — comecei a gritar, mas então uma análise um pouco mais cuidadosa me fez diminuir o tom de voz — Aliança?
O anel dourado era mais grosso do que o que Foley havia nos dado. Olhei por dentro, não acreditando no que estava vendo. Gravado delicadamente por dentro da aliança, havia um nome, junto com uma frase que achei que nunca mais ouviria:
Até depois que meu coração parar de bater
Eu estava sem ar. Aquela não era a aliança falsa. Aquela era a aliança que eu coloquei no dedo dele no dia que nos casamos, quinze anos atrás.
— Achou o quê? — ele perguntou, saindo do banheiro com uma escova de dentes na boca e uma espuma branca caindo por seu queixo.
Eu me virei e lhe mostrei o que tinha nas mãos.
Ele pareceu empalidecer.
Correu e pegou a aliança da minha mão, voltando para o banheiro.
— , o que é isso?
— Por que você estava mexendo nas minhas coisas, ? — ele devolveu a pergunta, cuspindo a espuma da pasta na pia, enxaguando a boca como se não estivéssemos prestes a ter uma discussão.
— Eu não estava mexendo nas suas coisas! Você me pediu para pegar sua camiseta! Esse troço caiu e eu pensei que fosse a aliança que você estava procurando!
— Não mexa mais nas minhas coisas!
— Por que você ainda tem isso? — perguntei, cruzando os braços. Ele me ignorou e saiu do banheiro, me fazendo correr atrás dele — ! Estou falando com você!
— Só não quis jogar fora! — ele devolveu, falando mais alto do que o necessário, mostrando o quanto estava perdendo a paciência.
— Podia ter vendido! Não precisava jogar fora. — opinei.
— Anotado, . Agora, não mexa mais no que não é seu!
— Se não quisesse que eu visse, não devia ter trazido!
— Você pode só calar a boca?!
Ele estava na defensiva. E ainda carregava sua aliança de casamento. Eu tinha jogado a minha em sua cara quando saí de casa. Ele tinha guardado a minha também? Se tinha mantido meu sobrenome, por que não teria mantido minha aliança?
Isso significava que ele também não tinha me esquecido, certo? Eu não era a única.
— Por que você não tirou meu sobrenome, ? — perguntei, mantendo a voz baixa. Ele estava arrumando sua mala e havia enterrado a aliança dentro dela.
Ele não respondeu e preferiu me ignorar.
— Me deixa ver a sua mão. — pedi. Se a marca da aliança ainda estivesse no seu dedo, significava que ele nunca tinha tirado-a. Ele havia passado aqueles cinco anos usando-a.
— , não. — ele reclamou quando toquei seu ombro. Fechou o zíper de sua mala e a tirou de cima da cama, jogando em um canto do quarto — O que quer que eu faça agora?
— Quero que me deixe ver sua mão.
Instintivamente, a colocou para trás, escondendo-a.
Andando devagar, eu me aproximei ao passo em que ele ia para trás, até que bateu as costas na parede do quarto, ficando sem ter para onde correr.
— Por que você não tirou meu sobrenome, ? — repeti a pergunta inicial. Eu havia ficado furiosa quando soube, mas agora a ideia estava fazendo meu coração bater forte demais.
Ele não me olhava, virando o rosto como uma criança malcriada. Segurei seu queixo e o fiz me encarar. Em uma birra, ele fechou os olhos.
— , por favor. — pedi.
No momento em que seus olhos brilhantes pousaram em mim, eu admiti a verdade: eu ainda o amava. E amava muito. Nunca tinha parado de amar. Deus, como eu conseguira me enganar por cinco anos?! Na verdade, a pergunta certa era como eu havia conseguido passar cinco anos sem tê-lo ao meu lado. Ninguém me entendia como ele entendia; ninguém me salvava de mim mesma como ele salvava. Ninguém tinha comigo a paciência que ele tinha.
— Vou perguntar pela última vez: por que você não tirou meu sobrenome?
hesitou. Abriu e fechou a boca um milhão de vezes antes de pronunciar uma resposta. Nós estávamos próximos o suficiente para que eu pudesse sentir seu coração batendo tão rápido quanto o meu.
— Você sabe o porquê. — ele respondeu simplesmente. Não era a resposta que eu precisava.
— Diga. Preciso ouvir você dizendo, .
Foram dez segundos. Eu contei.
Os dez segundos mais longos da minha vida e que fizeram toda a diferença.
— Porque eu não podia aceitar perder você.
Fiquei na ponta dos pés, esperando que ele se abaixasse e me alcançasse. Minhas mãos estavam em seu peito e as dele se fecharam ao meu redor, me puxando ainda mais perto para um abraço que eu sentia tanto a falta.
— Não podia perder a única parte sua que eu ainda tinha. — ele completou.
— Você não pode perder algo que sempre foi seu.
Seus olhos estavam úmidos e os meus também. Ele havia finalmente percebido que estávamos no mesmo lugar, sentindo as mesmas coisas. Puxei o ar com um pouco mais de força, porque eu não conseguia mais respirar. Tudo o que eu precisava estava me envolvendo e eu estava me sentindo bem e completa outra vez, depois de cinco anos sentindo o vazio.
— Senti sua falta. — ele murmurou, seu nariz em minha bochecha. A umidade de seu rosto se misturou à minha e eu não acreditei que estava chorando! O fato de ele estar chorando também fez com que eu me tranqüilizasse. E, afinal, eu não estava chorando por ser fraca; estava chorando por receber meu ingresso para o paraíso de volta.
— Eu também. — confessei, pela primeira vez. Se, uma semana atrás, alguém me perguntasse, eu mentiria. Era a primeira vez que eu falava a verdade.
Sua mão estava na minha nuca, inclinando minha cabeça em sua direção; nossos pés estavam intercalados e nossas pernas entrelaçadas. Segundos depois, eu não aguentava mais. também não.
O contato de sua boca contra a minha foi avassalador.
Primeiro, foi apenas um toque. Estávamos apenas experimentando. Tínhamos nos beijado na noite passada, mas fora algo que fizemos sob o efeito de álcool e havia uma terceira pessoa envolvida; naquela hora, estávamos sendo guiados pelo tesão e por nada mais. Agora, era apenas a saudade.
Depois que pudemos reconhecer que estávamos mesmo beijando a boca um do outro, o cenário mudou. me apertou com tanta força contra ele que eu pensei que pudesse me desfalecer em seus braços. A mão em minha nuca subiu e derrubou minha toalha, deixando que meus cabelos molhados escorressem pelas minhas costas e seus dedos se perdessem neles, puxando-os de um modo delicioso. Minha língua invadiu sua boca e ele tinha um gosto de que eu não sentia há anos. Era natural, comum, meu. Aquele gosto das nossas bocas misturadas... Não conseguiríamos encontrar em lugar nenhum, se não fosse no beijo um do outro.
Era um beijo para matar a saudade, mas, quando nos soltamos procurando por ar, eu ainda não sentia que estava pronta para deixá-lo ir.
— Porra, eu achei que morreria sem você. — ele confessou em meio às lágrimas, mantendo nossas testas coladas. Me abraçou forte outra vez, escondendo o rosto nos meus cabelos — Achei que não conseguiria. Ficava esperando você entrar pela nossa porta toda noite, mas você nunca chegava, !
Passei as mãos por seus cabelos, tentando acalmá-lo. Ele chorava e eu me sentia o pior ser humano do mundo por ter deixado-o.
— Estou aqui agora, . Estou aqui. — afirmei, sussurrando em seu ouvido e ainda acariciando seus cabelos. Se eu pudesse, ficaria ali para sempre.
— Eu sei. Passei cinco anos tentando sentir o que sinto agora, mas só você consegue me dar o que eu quero.
— E eu passei os últimos cinco anos ouvindo I Don’t Want To Miss A Thing tentando fingir que estava ouvindo a sua voz e não a do Steven Tyler.
Ele riu e beijou minha bochecha molhada com carinho. Aquela era uma das músicas favoritas de e ele sempre cantava para mim quando eu não conseguia dormir.
Então procurou meus lábios e os atacou outra vez. Ainda havia saudade no beijo, mas agora era diferente. Ele me beijava como se precisasse disso mais do que precisava da próxima respiração. Se o mundo acabasse naquele momento, ele não se importaria e faria questão de não deixar nada tirar seus lábios dos meus.
E eu me sentia exatamente do mesmo jeito.
Uma de suas mãos saiu de minha cintura e desceu para a minha bunda, que ele apertou com vontade; vontade que eu sentia cutucar minha barriga, por falar nisso. Minha mente estava nublada e eu só queria que ele me apertasse com mais força, me beijasse com mais intensidade e me fizesse sentir tudo aquilo que achei que nunca mais sentiria. Com a mão que ainda estava na minha bunda, ele impulsionou meu corpo para cima e eu entendi o que ele queria, pulando e jogando minhas pernas em sua cintura. gemeu com o novo contato e eu me sentia molhada entre as pernas. Ele usou as duas mãos para me segurar no lugar enquanto seu quadril se movia contra mim, criando uma fricção muito gostosa diretamente no meu clitóris. Agarrei seu pescoço com os braços e o mantive colado em mim.
começou a andar em direção a cama, sem saber ao certo onde pisar, mas encontrando seu caminho. Logo, ele me jogou no colchão e, antes que eu reclamasse da falta de contato, senti seu corpo pesar sobre mim. Seus beijos furiosos voltaram a me atingir e eu não queria parar. Sabia que tinha um motivo para parar, algo importante que eu tinha que fazer, mas isso estava nos fundos da minha mente. sobre mim era a coisa mais importante que acontecia naquele momento.
Ele se afastou por um momento e eu resmunguei uma reclamação. Abri os olhos e o encontrei de joelhos na minha frente, tirando a camiseta.
Não existe nada mais erótico do que tirando a camiseta e eu havia aprendido isso mais ou menos aos 16 anos, quando o vi tirá-la pela primeira vez. Ele estava em uma aula de educação física e nem sabia o meu nome! Quem diria que, anos depois, eu o veria fazer aquilo tão de perto.
Ergui meu corpo para poder alcançar seu peitoral. Minhas mãos se apoiaram em seus ombros largos enquanto eu explorava com a boca as placas de músculos bem espalhados em seu corpo. E ver as mordidas e chupões que já estavam ali tornava tudo ainda mais quente. Foda-se que nem todas aquelas marcas eram minhas. Elas poderiam, facilmente, ser.
Desci meus beijos pelo meio de seu peito, chegando até seu umbigo, descendo ainda mais pela trilha de pelos ralos que se perdiam sob o cós de sua calça. Eu estava doida para conseguir alcançar meu objetivo que se escondia ali, mas me parou antes de eu conseguir.
— Agora não, . Não somos mais adolescentes.
Notei o tom de brincadeira em sua voz e não pude deixar de sorrir para ele. Sempre, em qualquer ocasião, eu poderia ser uma adolescente; isso é, se estivesse comigo.
Ele me empurrou devagar, me fazendo deitar na cama outra vez. Suas mãos agarraram meus seios que estavam livres sob a regata — acho que já comentei minha opinião sobre os detestáveis sutiãs — e eu não soube dizer se eu ou ele havia gemido. Talvez os dois. Eu não estava cem por cento atenta em outra coisa que não fosse seu toque.
Seus beijos molhados começaram no meu pescoço enquanto suas mãos massageavam meus seios e eu achei que ia explodir. Seu quadril estava confortavelmente entre as minhas pernas e eu podia sentir sua ereção se esfregando contra mim. Havia um nó crescendo no meu estômago e ele estava prestes a estourar.
Um som horrível e estridente me fez voltar à consciência.
— O que é isso? — perguntei.
— Meu celular. — ele respondeu, começando a beijar meus mamilos duros por cima da regata e eu puxei o ar com força, fazendo um som estranho que pareceu agradar .
— Você precisa atender. — murmurei.
— Não. Estou ocupado.
— Pode ser Foley. — lembrei. Era isso que precisávamos fazer! Estávamos em uma missão para prender um perigoso mafioso cubano!
Senti-me orgulhosa por lembrar disso com chupando meu peito.
Ele resmungou e, infelizmente, se levantou. Ele andou até o outro lado do quarto, pegando seu celular que estava em cima do frigobar. Não pude deixar de reparar no enorme volume entre suas pernas e o primeiro pensamento que me veio foi o de como ele ficava gostoso quando estava na minha boca.
— Alô. — ele atendeu apressado, soando um pouco rude.
E aí sua expressão mudou. Ele ficou tenso de repente e eu não gostei nada do olhar que encontrei em seu rosto.
— Está tudo bem. Fiquei sem meu celular na noite passada. Estou trabalhando muito.
Ah, não. Com quem ele estava falando?
Era com a mãe. Por deus, que seja com a mãe!
— Não se preocupe, Emily. Eu estarei de volta assim que terminar por aqui. Podemos conversar quando eu voltar.
Emily. Emily. Emily.
A foto que eu vira no Facebook dele voltou para mim como se fosse um tiro.
A mulher da foto se chamava Emily.
Não ouvi o resto da conversa. Minha mente entrou em colapso. Pensamentos aleatórios apareciam e eu evitava pensar no problema maior que eu tinha agora. Problemas pequenos e imbecis me tomavam a cabeça e a minha casa foi o primeiro lugar em que eu pensei: tinha fechado a porta da geladeira? Apagado a luz do meu quarto? Esvaziado a banheira? Tinha certeza de que havia esquecido de pagar a Netflix naquele mês. Eu ainda não tinha tido tempo de assistir nada, mas sabia que assim que ligasse a televisão, veria o aviso da falta de pagamento.
— !
Quando voltei a mim, estava na minha frente e segurava meus ombros, me chacoalhando.
— Droga, você não entra em transe tem uns 7 anos! — ele comentou, passando as mãos pelos cabelos.
Eu precisava fugir da realidade.
Emily. Emily. Emily.
Soltei um grito desesperado quando percebi que não conseguia. Estava prestes a arrancar meus cabelos!
me tocou para tentar me conter e meu mundo explodiu. Eu não precisava ficar com raiva de mim se ficasse com raiva dele, certo?
Desviei de seu toque e estalei a mão em sua cara.
— Seu filho da puta! — xinguei. — Não acredito que você fez isso! Eu estou com nojo de você!
— Não é bem o que você está pensando... — ele tentou falar, mas eu fiquei de pé e o empurrei.
— Não é o que eu estou pensando?! — repeti suas palavras, virando para ele e cruzando os braços. Eu estava gritando — Você está namorando alguém, não está? E ela acha que eu sou só a ex-mulher louca de quem você se livrou anos atrás! Ela acha que vai consertar seu coração partido e vai ser a mulher da sua vida, enquanto eu vou viver amargamente sozinha! Não estou certa?!
— Não! — ele gritou de volta ¬— Claro que não! ...
“”. Ele havia mesmo escolhido esse momento para usar meu apelido outra vez?
— Não me chama assim! Você perdeu esse direto faz cinco anos!
— Emily não é importante! — ele gritou — É só alguém que eu tenho porque estava cansado de ficar sozinho! Achei que, se tivesse alguém, conseguiria esquecer você.
Como ele achava que isso fazia algo ficar melhor?!
— E você acha que está tudo bem usar uma mulher assim? Dar esperança para ela, ficar com ela, enquanto você está tentando esquecer outra?! Você é um grande babaca!
— Não é bem assim! Não sabia que você ainda queria ficar comigo, ! Se você não fosse tão orgulhosa e tivesse simplesmente voltado para mim, nada disso estaria acontecendo!
— Você gritou na minha cara que não me amava mais e achou que eu ia voltar para você?! Você é burro demais, ! Burro! — repeti o xingamento, gritando o mais alto que eu podia.
— Eu nunca disse isso!
— É, não deve ter dito mesmo! Eu sou só uma mulher louca que ouve coisas, certo?!
— Para, cacete! Para de achar que tudo no mundo dá errado pra você porque você é mulher!
Ah, ele não tinha dito isso.
— Vai se foder, seu imbecil!
— Se você parasse de se importar com todas as mulheres do mundo e passasse a se importar mais com o nosso relacionamento, nada disso estava acontecendo!
— Você acabou de me enganar e trair sua namorada, seu filho da puta! Não vem jogar a culpa em... Ah, meu deus! — eu me interrompi, me lembrando de outra coisa ainda pior — Você fez um ménage com duas outras mulheres enquanto sua namorada estava em casa se preocupando com você!
— , nem sabemos se isso acontece mesmo e...
— Que nem sabemos o quê! Tem trocentas camisinhas na lixeira do banheiro e a menina deixou um bilhete no espelho! É claro que aconteceu alguma coisa!
— ...
— Não fala meu nome! — gritei, me sentindo tonta. Precisava sair daquele quarto — Você me conhece desde que eu tinha 16 anos! Sabe o quanto é importante para mim o respeito para com as mulheres! Sabe o que minha mãe e eu passamos antes de ficarmos bem! Sabe o quão mal eu me sentiria se fosse a amante de alguém! E, mesmo assim, você libertou o macho que existe em você e enganou três mulheres na mesma noite, usando todas elas para seu próprio benefício, sem importar com os sentimentos de nenhuma!
Quando terminei de falar, ele estava imóvel e eu estava chorando. De ódio, de tristeza, de decepção. De desgosto, principalmente.
— Você não se importou nem comigo, . — constatei, parando de gritar e sentindo a fraqueza tomar meu corpo — Como pôde?
— Me perdoa, por favor!
— Eu vou terminar essa porra com você. Vamos prender esse imbecil desse cubano e, quando pisarmos em Nova Iorque, eu nunca mais vou querer ver a sua cara.
Minhas palavras saíram duras e rudes, bem mais fortes do que eu me sentia naquele momento. Ele ia argumentar, mas eu calcei o primeiro par de chinelos que encontrei jogados e corri para fora do quarto.
Que se foda.
Que se foda o mundo todo.
***
Eu estava na recepção do hotel, com o rosto vermelho e manchado de lágrimas, os cabelos bagunçados e de chinelo. Quem me visse, ia achar que eu tinha entrado ali clandestinamente, porque nem fodendo eu parecia uma hóspede do luxuoso hotel Bellagio.
Corri para o banheiro mais próximo para analisar minha situação e lavar o rosto para tentar melhorá-la. Prendi o cabelo em um coque com um elástico que carregava no pulso e mantive a cabeça baixa até chegar ao banheiro.
Esperava que estivesse totalmente vazio, mas havia uma mulher no banheiro de luxo. Tentei passar despercebida e me posicionei de frente para a pia mais distante dela.
Joguei uma água no rosto e peguei um pouco de papel em uma das cabines, secando minha pele. Respirei fundo e tentei mentalizar energias positivas.
“Uma mulher que trai a outra é a pior espécie, filha. Você não pode pegar o que não é seu”.
A voz de minha mãe não saía da minha cabeça.
— Querida, você está bem?
Era a outra mulher no banheiro. Ela parecia ser alguns anos mais velha que eu, mas não tinha mais de cinquenta anos. Estava bem maquiada e bem vestida; era o mínimo que se esperava de uma hóspede do Bellagio.
— Estou, sim. Obrigada.
— Não me parece bem. — ela devolveu, parando de me encarar e voltando-se para o espelho — E, pela aliança em seu dedo, suponho que seja algo relacionado ao seu marido.
Eu poderia rir. Ela nem imaginava.
— Pois é. — comentei.
— Me desculpe se estou parecendo intrometida. — ela voltou a falar, começando a passar um pó no rosto. Reparei na bolsa de maquiagens que estava na pia, enquanto ela retocava o rosto — Odeio ver outra mulher sofrendo, principalmente se for por causa de homem.
E foi com aquela frase que ela me ganhou. Era algo que minha mãe diria.
— Meu nome é Esmeralda Díaz. Muito prazer em conhecê-la.
Notei seu sotaque latino e relacionei ao sobrenome. Ela tinha algo a ver com o meu alvo ou...?
— Tina. Tina Woodsen. — me apresentei também, usando o nome falso — Acabei de me casar. Estou em lua de mel.
— Ah, não! Não é permitido chorar em sua lua de mel!
— Eu sei. É só que... Bom, tivemos problemas, hoje de manhã.
— Quer conversar sobre isso? Estou em uma breve viagem com o meu marido. Ele veio encontrar um sócio de sua empresa e vou passar o dia todo sozinha. Se quiser, podemos nos encontrar na piscina, logo depois do almoço.
Sorri. Se aquela mulher era mesmo a esposa de Juan Díaz, eu a queria ao meu lado o tempo todo.
— Seria ótimo. Obrigada. — agradeci.
— É sempre um prazer. — ela devolveu, apertando de leve meu braço — Nós, mulheres, precisamos nos manter unidas.
E dizendo isso, ela saiu do banheiro.
Suspeitava que fosse mesmo a esposa do cubano, mas torci para que estivesse errada.
***
Almocei sozinha, no restaurante do hotel. Não procurei por e não estava com meu telefone para saber se ele havia ligado. Na verdade, não fazia diferença, porque, se ele ligasse, eu não atenderia.
Porém, quando subi para nosso quarto para colocar um biquíni, ele estava lá, andando de um lado para o outro como se fosse uma barata tonta.
— ! Que droga, faz horas que estou te ligando!
— Deixei meu telefone aqui. — respondi, dando de ombros e fechando a porta.
— Onde você esteve?
— Não é da sua conta, mas vou falar mesmo assim: estive fazendo uma coisa que você não faz. Trabalho, o nome.
— O quê?! Eu estava trabalhando! Li e analisei todo o material que Foley nos mandou.
— Bela bosta. Eu conheci a esposa de Juan Díaz.
— Você o quê?!
Bufei e o empurrei para que saísse da minha frente.
— Para de gritar, seu embuste. Preciso continuar trabalhando.
Entrei no quarto para pegar um biquíni na mala, ele me seguiu.
— , isso pode ser perigoso!
— Meu trabalho é perigoso, . Não se preocupe, eu li o contrato quando entrei pro ramo.
Eu estava sendo rude. É claro que eu estava. Ele merecia.
— Me desculpa...
— Cala a boca. Estou falando sério. Não quero saber de porra nenhuma. Já disse o que farei e você vai me obedecer. Esqueci de dizer, mas vou acrescentar isso ao nosso plano. Assim que você voltar para a Inglaterra, quero que tire meu sobrenome. Não estou brincando. Se você manter meu nome, juro que te processo até tirar todo seu dinheiro e vou dar tudo para alguma instituição de proteção às mulheres, aquelas pelas quais você não tem um pingo de respeito.
Ele ficou quieto, sem reação.
— Vou me encontrar com a esposa do cubano. Você vai ficar esperto e procurar pelo cliente dele, que a esposa disse que é um sócio. Não sei ainda se ela sabe ou não o que o marido veio fazer aqui, mas vou descobrir. Enquanto isso, preciso que você consiga o máximo de informações possíveis sobre o outro cara.
— Tudo bem, mas precisamos...
Comecei a tirar a roupa para colocar meu biquíni e ficou parado na porta do quarto, me observando como um babaca.
— O gato comeu a sua língua, ? — provoquei, desabotoando meu short e deixando o tecido escorregar pelas minhas pernas.
— Estamos montando um plano e você vai tirar a roupa na minha frente? — ele questionou, fazendo um esforço para não olhar para meu corpo desnudo e manter o contato visual com meus olhos.
— Ué, você mesmo disse: não é nada que você não tenha visto antes.
Ele ficou sem palavras e eu tirei a calcinha, logo substituindo a peça pela parte de baixo do meu biquíni.
— E outra: não estamos “montando plano” porra nenhuma. Eu já montei e só estou te passando ordens. Não tem nem motivo para você estar aqui. Já devia ter ido fazer o que eu mandei.
Amarrei a parte de cima do biquíni no meu pescoço e coloquei o short de volta. Peguei um óculos de sol e meu celular, junto com a minha carteira, colocando o óculos no rosto e o resto no bolso.
— O mínimo que espero de você é eficiência. — murmurei, antes de sair pela porta — Você já falhou comigo no campo pessoal. Não falhe no profissional também, .
E o deixei sozinho outra vez, me lembrando de ser a megera que eu tinha sido nos últimos anos. Minha mãe sempre dizia que eu não precisava de ninguém além de mim mesma. Eu precisava me lembrar disso com mais frequência.
***
Encontrei Esmeralda na beira da piscina. Ela usava um maiô branco que passava um ar de riqueza. Tentei não me intimidar com o meu biquíni preto simples, que só me deixava mais branca, ainda mais ao lado de uma mulher que tinha a beleza latina que eu nunca teria.
— Olá, Tina! — ela cumprimentou, levantando sua taça de bebida. Era uma daquelas taças bonitas de rico e tinha até uma azeitona dentro da bebida — Espero que tenha tido um ótimo almoço com seu marido!
Sentei-me na espreguiçadeira ao lado da dela, estendendo minha toalha.
— Foi, sim. Mas não foi com meu marido. Ele ficou no quarto. Briguei com ele ainda mais, ao invés de fazer as pazes.
Esmeralda balançou a cabeça, tomando um gole da taça.
— Querida, não se pode brigar quando se está tentando fazer as pazes.
— Bom, eu não estava tentando. O que ele fez foi grave.
— E você está me dizendo que nunca mais ficará com ele? Vocês irão ficar brigados para sempre, só porque ele fez uma besteira?
— Foi uma besteira bem grave. — repeti, batendo na mesma tecla, como uma criancinha contrariada.
O garçom apareceu e Esmeralda me ofereceu um Martini, mas eu recusei educadamente e pedi um suco de uva. Não tinha a menor condição de beber nada com álcool.
— É o que os homens fazem. — ela continuou a conversa — Eles fazem besteira. O tempo todo.
— Nenhuma mulher deveria aceitar e aguentar calada as besteiras de nenhum homem, Esme.
— Mas você não agüentou calada. Nem aceitou. Ele já percebeu que fez algo errado. Você já deu a lição. Agora, você o aceita de volta.
Balancei a cabeça em negação.
— Você aceitaria de volta um homem que traiu a sua confiança?
Ela arregalou os olhos.
— Ele traiu você?
— Não exatamente. Nós namoramos por um tempo e então nos separamos. Isso foi há anos. Nos reencontramos outra vez e resolvemos casar. Agora pouco, descobri que ele tinha uma namorada e não contou nada para ela. Ele fez pior que me trair! Ele me enganou! — desabafei, contando uma semi-verdade. Mesmo que eu quisesse desabafar, ainda precisava manter o disfarce de Tina Woodsen.
Esme — e eu me sentia confortável para chamá-la por um apelido — olhou para os hóspedes se divertindo na piscina e ficou em silêncio, refletindo por alguns minutos, como se estivesse pensando em qual conselho poderia me dar. Enquanto eu esperava por sua fala, o garçom voltou com meu suco de uva extremamente gelado e uma segunda taça de Martini para ela.
— Meu bem, você arrumou um homem difícil. — foi sua conclusão.
— Eu sei.
— Você o ama? — ela perguntou, voltando seu olhar para mim, esperando sinceridade.
O sorriso de aparecia na minha cabeça toda vez que pensava em amor. Era inevitável. E, com isso, momentos onde eu o havia feito sorrir apareciam e eu sentia uma falta absurda dele.
— Eu não sei. — respondi — Às vezes, acho que o amo. Às vezes, quero que ele vá para o inferno.
Esme riu.
— Então é bem provável que você o ame, mesmo. Se você apenas gostasse dos momentos bons, então não seria real. Não seria amor, seria paixão. Se você o odiasse o tempo todo... Bom, isso é óbvio. Mas quando você não sabe se ama ou odeia, provavelmente está amando.
— Como pode ter certeza?
— É a mesma coisa que sinto pelo meu marido. Sei que ele faz besteira às vezes, mas não consigo nem imaginar como seria horrível ficar sem ele.
— Como é mesmo o nome dele? — perguntei, casualmente.
— Juan. O infeliz tem meu coração nas mãos.
Então eu estava certa. Esmeralda era mesmo a esposa de Juan Díaz.
— Bom, não importa. — murmurei — Eu posso amá-lo, mas não posso perdoá-lo.
— Por que não?
— Porque eu tenho princípios! Dediquei minha vida ao feminismo e à movimentos libertadores para as mulheres de todas as etnias. Odiei cada homem que já feriu uma mulher e a minha maior motivação para me tornar advogada foi a minha mãe, que sofreu na mão de um desses imbecis. Agora, o homem que eu achei que fosse perfeito simplesmente se torna um imbecil e eu volto para ele, invalidando tudo pelo que eu já lutei? Não posso fazer isso, Esme.
— Ficar com a pessoa que você ama não invalida suas lutas, menina.
O modo como ela me chamou de menina fez com que eu me sentisse uma adolescente.
— Eu entendo a sua luta. Mas você não pode colocar no seu homem toda a responsabilidade do mundo.
— Ele cometeu um erro que eu nunca cometeria. — resmunguei.
— É porque as pessoas são diferentes, Tina. Cada um luta uma luta diferente e cada um comete um erro diferente.
— Não posso aceitar. — repeti — Talvez ele nunca me traia. Mas traiu outra mulher. Se eu não for defendê-la, quem vai?
— O que você não pode é ficar tomando as dores dos outros. É claro que ele foi um imbecil com você e com ela. Mas você me disse que ele já tinha sido seu namorado antes de ser o dela, certo? Ele nunca a amou. Voltou para você assim que teve a chance. A verdade é que ele devia estar te esperando esse tempo todo.
— O que torna tudo mais errado! Ele usou a outra mulher!
— E você vai me dizer que, no tempo em que vocês ficaram separados, você não ficou com nenhum outro homem?
Fiquei calada. É claro que eu tinha ficado. Precisava tentar preencher o vazio que me corroia depois do divórcio, mas não era bem isso que eu tinha dito à mim mesma. Eu me obriguei a acreditar em uma mentira: agora que estava solteira, precisava experimentar outros gostos.
Era ridículo, não era? Eu era ridícula.
— Me desculpe, meu bem, mas você é hipócrita. Ou está simplesmente procurando motivos para não ficar com o seu homem.
— Como assim?
— Quando vocês se separaram da primeira vez, quem terminou tudo?
— Eu. — sussurrei baixinho — Eu fui embora.
— E agora é você quem está querendo terminar outra vez. Isso não parece um padrão?
Ela podia estar certa. e eu éramos perfeitos demais. Depois que minha mãe morreu, eu me sentia péssima por ficar feliz. Ela nunca tinha tido a chance de ter um homem que a amava, morrera sozinha, mas eu não. Tinha o relacionamento perfeito com o homem perfeito que, não só me respeitava, mas a respeitava também e eles se adoravam. É claro que brigávamos algumas vezes — principalmente quando ele insistia em ter filhos e eu corria da ideia como o diabo foge da cruz — mas sempre dávamos um jeito. Nos separamos doze anos depois do divórcio dos meus pais, oito anos depois da morte da minha mãe.
Será que meu subconsciente não queria que eu fosse feliz?
— Querida? — era Esmeralda, chamando minha atenção.
— Oi? Desculpa. Acho que viajei por alguns minutos.
— Tudo bem. — ela sorriu com empatia — Espero que salve seu casamento. Afinal, você ainda está em lua de mel!
Isso me lembrou o motivo de eu estar ali.
— Você é tão experiente. — comentei — Sinto como se estivesse falando com uma profissional!
Esme riu.
— Estou casada com o mesmo homem há anos! Preciso ser profissional mesmo! Ele viaja bastante por causa do trabalho, então precisamos construir todo nosso relacionamento em confiança. Acho que foi a coisa mais difícil que já fiz!
— Mesmo?
— Imagine-se no meu lugar! Seu marido passa semanas em lugares maravilhosos por causa do emprego e nunca pode te levar! O tempo não está te fazendo mais nova e a cultura machista me fez acreditar que os homens sempre preferirão as mais novas às mais velhas... Como acha que me senti?
Suspirei, bebendo meu suco. Não conseguia me imaginar em seu lugar. Provavelmente, eu ficaria louca.
— Mas posso ver que me ama. — continuou — A cada gesto, a cada palavra, a cada olhar... Sempre que ele sorri para mim, sei que eu sou a única que vê esse sorriso.
Nós ficamos conversando pelo resto da tarde. Era quase 18h quando meu telefone tocou. O número conhecido que eu não tinha feito questão de salvar apareceu na tela e eu me ouvi suspirar.
— É ele? — Esme perguntou.
— É. Vou atender. Licença.
Levantei da espreguiçadeira e andei alguns passos para longe dela.
— Oi. — atendi. Não sabia direito o que falar, então fui com o básico.
— Oi. — ele respondeu, mas parecia um pouco mais afobado — Não sei se você leu o que Foley te mandou, mas Díaz e seu cliente se encontrarão em um clube de strip no centro da cidade hoje de noite.
— Eu sei. — respondi. Foley tinha me dito aquilo quando me ligou de manhã. Me senti mal por Esme; seu marido estava indo à um clube de strip para receber uma grande quantidade de dinheiro proveniente da máfia e ela não tinha a menor ideia.
— Bom, o que você não sabe é que ele passou a tarde no cassino do hotel. Me aproximei, fiz amizade. Ele me convidou para ir ao clube com ele.
Soltei uma exclamação de incredulidade.
— Sei que não sou sua pessoa favorita nesse momento, mas você pode me dar algum crédito por isso.
Revirei os olhos.
— O cara vai pegar dinheiro ilegal e te convidou para ir junto? Isso não está certo, . Tem alguma coisa.
— É claro que não. Ele não sabe que eu sei que ele vai receber dinheiro. Acha que eu estou interessado em seus... Produtos.
— O cara vende drogas internacionalmente e você se ofereceu para ser um dos fornecedores dele? Realmente, você é um gênio. — comentei, usando um bocado de ironia.
— Pode ficar com inveja mesmo. Você estava tentando se infiltrar usando a esposa dele, eu consegui me infiltrar ainda mais rápido.
— Está bem, mas eu existo! — lembrei-o — Como vou fazer para ir com você se só você foi convidado? Se você quer saber, a esposa dele nem sabe que ele vai para esse clube!
— Talvez... Talvez seja melhor você não ir mesmo.
Ele só podia estar louco.
— Nem fodendo, ! Esse caso é meu, caso você tenha se esquecido! Você é meu parceiro! Eu ganhei o caso primeiro e você só foi chamado porque a minha parceira de rua está de licença maternidade!
— E o que você quer que eu faça?
— Eu não sei! Dê um jeito!
suspirou do outro lado da linha.
— Olha, ... Você está sendo infantil. Se eu pensar em alguma coisa, te avisarei. Até lá, vamos deixar combinado que eu vou sozinho, ok?
Eu queria matá-lo.
Antes que eu pudesse xingá-lo, o telefone desligou. Percebi que ele nem havia me falado a hora que se encontraria com o cara e só sabia o nome do clube por causa de Foley.
Ah, eu estava com muito ódio.
Voltei para o meu lugar na espreguiçadeira e Esme podia praticamente ver a fumaça saindo das minhas orelhas.
— Parece que a conversa não foi das melhores.
— Ele vai para um clube de strip com os amigos. — menti, tentando lhe dar o máximo da verdade.
Esme pareceu se animar.
— Isso é perfeito! Aparece por lá e mostra quem é que manda!
— Esme, isso é muito cena de filme. Não vai rolar.
— Menina, você está perdendo uma oportunidade aqui. Você pode muito bem ir até o tal clube e fazer uma surpresa. Ele deve estar estressado, tentando esquecer que você existe e aí você aparece e mostra que você é a única que ele quer.
— Não sei, não... — resmunguei, hesitante. Em partes, a ideia parecia boa, porque aí eu poderia entrar na boate com ele, mas surpreendê-lo? Isso parecia arriscado demais.
— Aqui. Tome! — ela estava com cinco notas de cem dólares que havia tirado da pequena carteira que estava na mesa de apoio entre nós — Pegue esse dinheiro e suborne o clube onde seu marido vai estar. Com isso, pode ter certeza de que eles te deixarão entrar!
— O quê? Não! Não posso aceitar!
— Querida, você tem problemas de aceitação, só pode! — ela brincou, rindo — Eu sou rica. Muito rica. Meu marido é mais rico ainda! Esse dinheiro não vai me fazer nenhuma falta. E quero te ajudar. Você escutou essa velha aqui o dia todo e não reclamou nenhuma vez. É difícil alguém ficar me fazendo companhia quando meu marido está viajando. Se eu não fico em casa sozinha, vou com ele e acabo ficando sozinha de qualquer jeito. Ajudar você a resolver uma parte de seu problema será apenas um agradecimento pela sua companhia.
Eu não sabia o que dizer.
— Só aceite! E tome, meu cartão. Me ligue para contar como tudo terminou.
Ela pegou minhas mãos atônitas e colocou o dinheiro e o cartão de visitas ali.
— Esme, eu... Obrigada! Realmente sinto que agradecer com palavras é o mínimo que eu posso fazer.
Esme dispensou meus agradecimentos com a mão.
— Vai se arrumar, menina. Precisa conseguir entrar no clube antes dele.
Assenti e peguei minhas coisas. Antes de sair correndo para o elevador, dei um abraço apertado nela, agradecendo seu carinho mais uma vez.
***
O relógio marcava exatamente 20h quando vi e mais dois homens — um que eu sabia ser Juan Díaz e seu cliente, Gregory Kellan — entrarem na Dark Paradise, vestindo um terno preto incrivelmente chique que eu não tinha visto em sua mala. Ele devia ter comprado a peça quando estávamos separados, naquela tarde. Em sua mão havia uma aliança, mas eu não conseguia dizer se era a falsa ou a que coloquei em seu dedo no dia em que nos casamos.
Honestamente, esperava que fosse a segunda opção.
Eles se sentaram em uma mesa perto do palco, onde as dançarinas faziam pole dance com biquínis minúsculos. Cada vez que uma nota era jogada na direção delas, elas moviam o biquíni para o lado ou tiravam alguma peça, dançando de modo ainda mais sensual na frente dos homens.
Eu estava escondida no bar. Usava um sobretudo preto por cima do vestido vermelho de veludo da Jéssica Rabbit, para não chamar atenção. Estava bebendo água para me manter sóbria — ainda me lembrava da horrível ressaca da noite passada.
Combinei com as meninas do clube que — Kyle — seria sorteado para ganhar uma dança particular grátis — que eu havia pagado previamente, para nenhuma delas perder dinheiro — e eu estaria esperando para lhe dar sua dança.
Mas eu não estava pensando apenas em salvar meu casamento; também havia feito um plano para pegar Juan Díaz e seu traficante. Eles tinham reservado uma sala particular, pelo que eu fiquei sabendo. Provavelmente para fazer a transição do dinheiro sem serem vistos. A sala vinha de brinde com cinco strippers cada e as cinco meninas — que eu havia escolhido a dedo — iam estar usando um gravador pequeno atrás da orelha, para que pudessem manter o aparelho até depois da dança. Com isso, eu teria a prova para prender o homem, caso ele escapasse. Para prendê-lo na hora, meu plano era bem simples: invadir a sala com uma arma apontada para eles. Eles não podiam entrar no clube portando nenhum tipo de arma, mas eu consegui ao dizer que trabalhava para o governo e mostrar meu distintivo na porta do clube — isso sem contar que consegui o apoio das strippers ao contar que meu marido estava indo lá para fazer a mesma coisa que eu.
Estava tudo sob controle.
Eu tinha tudo sob controle.
Percebi que Gregory e Juan tinham entrado portando uma maleta preta e casual, como se fossem simples homens de negócios. Imaginei que a maleta de Gregory estivesse cheia de dinheiro do tráfico e a de Juan vazia, pronta para receber o dinheiro.
E, no meio dos dois, estava . Ele não se destacava, podia muito bem se misturar aos dois bandidos e se passar por um criminoso. O olhar esperto, o terno caro, o cabelo bem arrumado... Ele estava tão lindo que eu não conseguia nem respirar direito.
— Aquele é o seu homem, Tina?
Alana, uma das strippers me perguntou. Ela estava encarregada do bar naquela noite e também percebeu como o clima do lugar mudou quando os três entraram.
— O do meio. Ele é o meu. — confirmei.
— Vou avisar Janice. Ele vai receber a dança privada na sala preta. É para lá que você deve ir. — ela murmurou para que ninguém ouvisse — Boa sorte.
O sorriso em seu rosto me deu confiança. Deixei uma nota de cinquenta dólares no balcão e agradeci com um movimento de cabeça.
Andei em passos firmes até a sala preta. Era um pouco afastada de toda a ferveção do centro do clube, onde ficava o palco e a pista de dança. Era perfeita para danças particulares.
Havia um sofá de couro preto emoldurando três paredes da sala. Na parede em que ficava a porta, havia um espelho, exatamente de frente para o sofá. Uma mesinha de centro também preta, que quase se perdia no tapete felpudo da cor — adivinhem? — preta.
Tirei o sobretudo e o joguei no canto do quarto, perto de uma placa que tinha um aviso com letras garrafais “PROIBIDO TOCAR NA DANÇARINA SEM SUA PERMISSÃO EXPLÍCITA”. Imaginei que o segurança armado na frente de cada porta fosse para ajudar a dançarina, caso fosse necessário. Isso somado à placa me deu a impressão de estar em um clube de strip saudável, digamos assim.
Sentei-me no meio do sofá preto e segurei o controle remoto das caixas de som. Uma música pré-selecionada por mim começaria a tocar assim que eu apertasse o botão certo.
Poucos minutos pareceram uma eternidade até entrar no quarto, fazendo uma cara de espanto ao me ver.
— ? O que está fazendo aqui?
— Shh. Você ganhou uma dança particular.
Ele não entendeu nada enquanto eu o empurrei para sentar no sofá, no lugar onde eu estava sentada antes.
— O que está acontecendo? — ele perguntou, analisando o lugar de cima à baixo — Você está bem? Uma stripper disse que eu tinha ganhado uma dança grátis e, quando eu recusei, ela disse o nome Tina Woodsen e eu entrei em pânico! Achei que tinha acontecido alguma coisa com você e...
Coloquei um dedo sobre seus lábios para silenciá-lo.
— Quieto, . Você precisa aprender que não manda em mim. Eu disse que viria e eu vim. Você não vai levar o crédito por prender o cara sozinho.
— E o que estamos fazendo aqui, então? Não devíamos ir prender o Díaz?
Afastei-me dele e fiquei no centro do quarto, virando de costas e deixando que ele visse a curva perfeita que minha bunda fazia no vestido. Pude ver pelo espelho que ele realmente tinha olhado.
— Já disse: você ganhou uma dança grátis. Aproveite como um bom menino.
E aí apertei o botão e joguei o controle no sofá. A música começou a tocar, me embalando e me fazendo mover o quadril em seu ritmo.
Woo
Woo, woo, yeah
Woo, woo, yeah
A batida era propícia para aquele tipo de dança e a letra era perfeita para o que eu queria dizer. estava atônito atrás de mim. Passei minhas mãos letamente pelo meu corpo, tentando me soltar ainda mais. Eu sempre quis fazer algo daquele tipo e, agora, tinha a chance nas mãos e não pretendia estragá-la.
I bet she could never make you cry
Aposto que ela nunca te faria chorar
‘Cause the scars on your heart are still mine
Porque as cicatrizes do seu coração ainda são minhas
Tell me that she couldn’t get this deep
Me diga que ela não conseguiria chegar tão longe
She can almost be the worst of me
Ela quase consegue ser o meu pior
— ...
Virei apenas a cabeça para que ele pudesse ver minha expressão diretamente e não através do espelho. Apoiei meu queixo no ombro enquanto descia as mãos até meus joelhos, empinando a bunda em sua direção.
Too bad she’s just eating off your dreams
Que pena que ela está só destruindo seus sonhos
Let me know when you’re ready to bleed
Me avise quando estiver pronto para sangrar
Baby you just need to send for me
Baby, você só precisa me chamar
Virei meu corpo todo para ele, ficando de frente. Percebi que seu olhar confuso já estava se transformando em um olhar de tesão e me senti orgulhosa de mim mesma. Meu peito se inflou com o ego que ele estava massageando e eu me aproximei devagar. Apoiei minhas mãos em seus joelhos e me debrucei sobre seu corpo, deixando nossos lábios próximos demais.
Send for me, send for me
Me chame, me chame
Send for me, send for me
Me chame, me chame
Woo
Woo, woo, yeah
Woo, woo, yeah
Balancei meu corpo naquele ritmo lento com estacadas pesadas para contrastar. Cada vez que puxava o ar, era o meu cheiro que ele sentia.
Deixei minhas mãos escorregarem para o interior de suas coxas em uma carícia lenta. Automaticamente, as dele foram em direção aos meus braços, com a intenção de me segurar.
Dei um tapa forte e ardido em suas mãos.
— A regra é clara, . — sussurrei, apontando para a placa atrás de mim — Você não pode tocar a dançarina.
Ele ficou sem fala e eu gostei daquilo. Continuei a minha dança.
I’ve been thinking ‘bout you late at night
Estive pensando em você tarde da noite
I’ve been thinking only of you
Estive pensando só em você
Ain’t nothing else to really talk about
Não tem mais nada que possamos realmente conversar sobre
Boy show me what you want to do
Garoto, me mostre o que você quer fazer
Peguei suas mãos e coloquei-as do lado de cada perna minha, começando a subir e deixando que ele me sentisse.
— Achei que eu não podia te tocar. — ele comentou com a voz rouca.
— E não pode. Eu estou te tocando. — afirmei, trazendo suas mãos até os meus quadris, apertando-o contra mim. gemeu baixinho e eu adorei aquele som.
Com suas mãos ainda em mim, voltei a me mover no ritmo da música.
These days you’ve been feeling lonely
Ultimamente você tem se sentido sozinho
Yeah, I’ve been feeling lonely too
É, eu tenho me sentido sozinha também
I’ma fuck it up, won’t you show me some?
Vou foder com tudo, não vai me mostrar nada?
Run it back like you owe me some
Me devolva como se você me devesse alguma coisa
Virei de costas para ele e me sentei em seu colo, tomando cuidado para esconder a arma que eu trazia em um coldre na coxa direita, já que havia uma enorme fenda no lado esquerdo do meu vestido. Tinha mais outras armas comigo, mas todas estavam escondidas no sobretudo jogado e esquecido no chão.
— Eu amo quando você usa vermelho. — ele murmurou com a boca próxima ao meu pescoço. Podia sentir sua ereção roçando em mim por trás, o que só me incentivava a me mover.
— E você acha que eu não sei, ? — retruquei no mesmo tom, apoiando minhas mãos em suas pernas para me mover de modo mais firme.
Woo
Woo, woo, yeah
Feel me up, feel me up
Me sinta, me sinta
Woo
Woo, woo, yeah
Feeling me, feeling me up
Me sentindo, me sentindo
— Coloquei esse vestido só porque sabia que você ia gostar. — confessei, fazendo-o gemer.
— Por quê? — ele perguntou — Por que você me provoca desse jeito e depois vai embora?
— Eu não vou embora dessa vez, . E quero... Preciso que você veja que ninguém pode me substituir. Você não pode ficar com outra mulher, não pode chorar por outra mulher. As cicatrizes no seu coração são todas minhas.
Tell me ‘bout your picture perfect love
Me conte sobre a mulher dos seus sonhos
Tell me how you think without the drugs
Me conte como você funciona sem as drogas
Maybe you just need to send for me
Talvez você só precise me chamar
— , eu nunca tive dúvida disso. Eu te amo desde o dia que te conheci. Não parei de te amar quando você foi embora. Continuo te amando, mesmo com você me odiando por fazer merda.
Parei de me mover, sentindo minha respiração escapar.
I don’t mean to really love ya
Eu não pretendia te amar de verdade
I don’t mean to even care about ya
Eu não pretendia nem me importar com você
— O quê?
Eu não estava ficando louca, não é? Ele tinha mesmo dito que ainda me amava?
não teve tempo de responder. Ouvimos tiros e então gritos começaram a se sobressair à música. Trocamos olhares preocupados por meio segundo antes de nos levantarmos.
Mas, antes de chegarmos à porta, Juan Díaz a bateu com tanta força que me espantou não ver a madeira se partir em duas.
— Que porra você pensa que está fazendo, seu filho da puta?! — ele gritou. Havia uma arma em sua mão e ela estava apontada para , enquanto Gregory estava atrás dele, segurando uma Alana sangrando nas pernas e com uma outra arma apontada para sua cabeça.
Eles deviam ter percebido alguma coisa. Deviam ter notado as câmeras nas cabeças das strippers, ou alguma outra coisa! Meu plano falhara e, se tivesse montado um, este havia falhado também.
I don’t mean to really love ya
Eu não pretendia te amar de verdade
I don’t mean to really care about ya, no more
Eu não pretendia me importar com você outra vez
— Você acha que é brincadeira, porra?! Acha que pode foder comigo?!
Ele estava ficando cada vez mais nervoso. não tinha nenhuma arma, não tinha como se defender e tinha uma pistola diretamente apontada para seu peito, enquanto eu estava imóvel ao seu lado.
Mas eu estava armada.
Em um movimento arriscado, peguei a minha pistola no coldre da minha coxa. Ele percebeu minha movimentação e eu disparei um tiro na mesma hora que senti a pior dor da minha vida me atingir.
Caí no chão gemendo de dor, minha visão se escurecendo aos poucos. estava ao meu lado, segurando minha cabeça.
I don’t mean to really care about ya, no more
Eu não pretendia me importar de verdade com você outra vez
Send for me, send for me
Me chame, me chame
— ! Fica acordada, ! Eu estou aqui. — ele gritava, sua voz tentando se sair no meio da gritaria.
Consegui ver seguranças e policiais entrarem armados e gritando para que todos ficassem no chão. Um corpo que eu imaginava ser de Juan Díaz já estava no chão, ao meu lado, mas eu não conseguia olhar para ele e saber se estava vivo ou morto.
Coloquei a mão sobre a parte do meu corpo que estava gritando de dor, encontrando o que eu já esperava: sangue. Minha barriga tinha sido atingida em algum ponto e eu não conseguia ver o sangue manchar o meu vestido por ser da mesma cor que o líquido e nem o tapete preto. Mesmo assim, eu sentia a umidade; pior do que isso, sentia cada gota que caía do meu corpo e ia para o chão.
— ? — chamei, mas não sabia dizer se ele ouvia ou não. Tudo estava ficando silencioso demais.
— ! ! — ele chamava por mim.
Antes de apagar, me lembrei do que Foley havia me dito, antes de me mandar naquela missão: “Conheço seu trabalho em campo, . Sei que, quando a coisa fica feia e você precisa escolher entre você e seu parceiro, a escolha é sempre você.”.
Dessa vez, meu chefe tinha errado. Eu não tinha me escolhido. Escolhi salvar .
Não era uma escolha da qual eu me arrependia...
Epílogo
Assim que a médica saiu da sala de operações, fiquei de pé.
— Ela vai ficar bem? — perguntei, tentando soar calmo, mas falhando miseravelmente.
— A cirurgia foi um sucesso, senhor . Removemos a bala e costuramos os tecidos danificados. É apenas uma questão de tempo para que ela se recupere e volte da anestesia.
Meu coração pulou uma batida.
— Posso vê-la?
Ela assentiu. Eu era apenas o ex-marido e ela me abriu uma exceção por causa do tempo que fiquei naquela maldita sala branca, esperando alguma notícia de .
A primeira coisa que notei quando entrei no quarto foi que estava pálida. Isso deveria ser normal devido à quantidade de sangue que ela perdeu, mas me senti mal mesmo assim. Ajeitei o lençol que cobria seu corpo, com medo que sentisse frio. Foda-se que estávamos em julho. Era um hospital, não era para ser aquecido.
Eu a amava tanto. Se ela apenas soubesse...
Sentei na poltrona ao lado dela. Ficaria ali até que acordasse, nem que precisasse ficar ali até o fim dos tempos.
Peguei sua mão que estava escapando do lençol e entrelacei nossos dedos. Comecei a me lembrar de quando nos conhecemos, na escola e não pude deixar de sorrir...
Fim.
Nota da autora: Obrigada por você que leu até aqui! Achei que ia ser super
fácil escrever as fics que peguei para esse ficstape e acabei me enrolando toda por falta de tempo,
criatividade e inspiração! Woo foi a que mais me surpreendeu, porque eu não esperava que a fic tomasse
o rumo que tomou e eu me apeguei tanto que resolvi fazer a parte 2, que será o principal narrando, como
vocês podem ter uma ideia pelo epílogo! E um pequeno spoiler: sairá no ficstape do My Chemical Romance e
quem conhece a banda, provavelmente pegou a referência da música que vou usar de tema durante essa fic
aqui! Até lá, vamos manter a surpresa, né? Para saber quando vai sair e acompanhar outras fics minha,
não deixa de entrar na minha página de autora.
E leiam as outras fics desse ficstape que estão maravilhosas, super #girlpower, que é praticamente o mínimo que esperamos de um ficstape da rainha RiRi!
Obrigada também para a Mayh, que foi a beta desse ficstape e aguentou até o último minuto aqui! Realmente significou alguma coisa para mim! E outro obrigada para todas as meninas que participaram e me ajudaram nesse processo de organizar ficstape que, mesmo sendo trabalhoso, é simplesmente ❤
Beijos e até a!!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
E leiam as outras fics desse ficstape que estão maravilhosas, super #girlpower, que é praticamente o mínimo que esperamos de um ficstape da rainha RiRi!
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